Você está na página 1de 34

“ Olá ! Espero que este resumo vos seja útil !

Este resumo aborda uma pequena parte da matéria dada no 12º ano.
Quando aparece a referência ao manual, o manual em questão é o: “Outras expressões 12”
da Porto Editora.
Se encontrarem algum erro ou tiverem alguma dúvida, sinalizem através dos comentários .
Boa sorte para os exames <3 ”

Português 12º
1. Fernando Pessoa:
a. Dados Biográficos (com base no doc.1):
Fernando Pessoa viveu nos séculos XIX e XX (tendo nascido em 1888 e falecido em 1935).
Viveu maioritariamente em Lisboa, contudo, em 1896 foi para a África do Sul devido ao 2º casamento da mãe,
tendo vivido em Durban e na Cidade do Cabo, voltando 9 anos depois para Lisboa.
Apesar de ter tido um ínicio de infância feliz, esta é marcada por acontecimentos trágicos: a morte do pai
devido à tuberculose, a convivência com uma avó doente mental e a morte do seu irmão.
O seu aproveitamento escolar foi brilhante enquanto criança e adolescente, tendo sido um aluno com ótimas
notas e recebido vários prémios. Contudo, o seu percurso universitário foi curto, tenho perdido o interesse no
curso de Letras e desistido do mesmo no 1º ano.
Devido à sua infância trágica, as suas características temperamentais são: isolado, com ataques de
depressão, triste, insatisfeito, instável, imaginativo, tendo um desencanto pela vida.
A sua atividade profissional baseia-se nas traduções ligadas ao comércio de inglês e francês, mais tarde
também participou em várias revistas.
Já a sua atividade literária é muito extensa, tendo deixado milhares de textos, desde a poesia à prosa, e
participou, inclusive, em revistas literárias. Foi um escritor compulsivo. A grande parte das suas obras não
foram publicadas quando se encontrava vivo, à exceção de “Mensagem”, publicado em 1934, um ano antes da
sua morte.
A originalidade de Fernando Pessoa, enquanto escritor, reside na criação de heterônimos com personalidades
e obras próprias.
A sua vida sentimental não foi extensa, sendo conhecida a sua relação com Ofélia Queirós, alimentada através
de cartas e bilhetes (uma relação à antiga) durante 10 anos, até que rompeu com Ofélia sem explicação.
A forma como Portugal reagiu à sua morte tem dois momentos distintos. O primeiro, quando após a sua morte
apenas 50 pessoas se apresentaram no funeral e a notícia foi pouco divulgada, mostrando a falta de
valorização do poeta na época. O segundo, 50 anos depois do seu falecimento, quando transladaram o seu
corpo para perto de Vasco da Gama e Camões e foi lhe dado o devido reconhecimento, tendo sido feitas
várias homenagens: “o maior poeta do século XX”.
b. Contexto em que surge a obra de Fernando Pessoa (pág. 25 e 26 do manual):
- Contexto sociopolítico (ínicio do séc. XX, anos 20 e 30):
Foi um período conturbado de guerras (1ª guerra mundial e preparação da 2º), de
conflitos armados e em que surgiram vários regimes autoritários → linhas 54 a 56.

- Contexto cultural - modernismo:


À uma rutura com as correntes estéticas (para além da literatura) anteriores e a criação de
uma arte inovadora e diferente, que procura criar novos valores artísticos.
A esse conjunto de diferentes manifestações artísticas, cada uma delas com
características próprias, e chamou-se MODERNISMO (tentativa inovadora e experimental,
conj. exagerado de correntes literárias) → linhas 20 a 33.

- Modernismo Português:
Está ligado à literatura e às artes plásticas.
É representado, entre outros, por Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Amadeo de Souza-
Cardoso e Mário Sá Carneiro.
Este movimento deu-se a conhecer através de revistas literárias, entre elas, a revista Orpheu
, que teve dois únicos números, publicados em 1915 → linhas 9-19.
O modernismo Português procurou, assim, agitar e transformar o ambiente cultural
estagnado que existia no nosso país.

c. Temas a estudar - ortónimo - Ver sínt. na pág.50:


i. A nostalgia da infância:
- A nostalgia da infância é um dos temas fundamentais da obra de Fernando Pessoa Ortónimo.
- Em muitos poemas, a memória da infância é suscitada por um estímulo exterior, um som (“Pobre velha música” ,
“Ó sino da minha aldeia”) ou uma imagem (“Quando as crianças brincam”)
- Em pessoa, a passagem da infância à idade adulta, não é um processo natural e tranquilo, havendo uma rutura
entre estas duas fases da vida.
- A infância é o passado irremediável perdido, o tempo em que, supostamente, o poeta era feliz e em que não
sofria. Como não tinha iniciado a procura de si mesmo, não se sentia fragmentado e vivia numa alegria
inconsciente.
- A idade adulta é o presente, caracterizado pelo sofrimento, pela saudade do passado, pelo desconhecimento de si
mesmo e pela dor de pensar.

Quando as crianças brincam Pobre velha


música!
Quando as crianças brincam Observa as crianças → Pobre velha música! Já ouviu no
E eu as oiço brincar, estímulo exterior → Não sei porque agrado, passado
Qualquer coisa em minha recorda a infância Enche-se de lágrimas → de alegria Estímulo: Música
alma Estava triste, começou a Meu olhar parado. Indiferença /
Começa a se alegrar. ficar alegre → gradação tristeza inicial →
crescente (recurso estava desligado
Recordo outro ouvir-te.
expressivo) da vida;
E toda aquela infância Não sei se te ouvi
Metáfora → mostra a transformação em
Que não tive me vem, Nessa minha infância lágrimas de alegria
alteração dos seus
Numa onda de alegria sentimentos e que esta Que me lembra em ti. Incerteza da
Que não foi de ninguém. grande alegria é sentida felicidade da
intensamente Com que ânsia tão raiva infância
Se quem fui é enigma, 3 momentos da sua vida Quero aquele outrora! Fui-o → passado //
E quem serei visão, No presente quer E eu era feliz? Não sei: Agora → Quando
imaginar e sentir que recorda a infância
Quem sou ao menos sinta Fui-o outrora agora.
teve uma infância é feliz, no
Isto no coração.
alegre, que não teve. momento apenas,
Manifesta o desejo de alegria temporária.
sentir a alegria daquelas
crianças, ser feliz pelo
menos naquele
momento.

Ó sino da minha aldeia → documento 2. O menino da sua mãe → documento 2

ii. A dor de pensar:

A dor de pensar está sempre presente na poesia de Fernando Pessoa.


Na verdade, a intelectualização do sentir, a obsessão da análise, a excessiva lucidez, a constante
reflexão fazem com que o poeta se sinta permanentemente. O poeta gostaria de ser como um animal
irracional, que vive de instintos e sensações (“Gato que brincas na rua”), ou como uma pessoa simples e de
ambições que é inconscientemente feliz (“ Ela canta pobre Ceifeira”)
Assim, como não consegue libertar-se da reflexão, como não lhe é possível ser inconsciente, vive
atormentado pela dor de pensar

Caracterização da Desejo do sujeito Metáfora Comparação


ceifeira poético → ser como a Adjetivação Apóstrofes → ligadas ao
ceifeira
meio que rodeiam a ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira, Ah, canta, canta
sem razão! Porque ela não tem razões para
Julgando-se feliz talvez; O que em mim cantar
sente está pensando.
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia Derrama no meu Tem a consciência de que não se
coração consegue libertar do pensamento
De alegre e anónima viuvez, → antítese A tua incerta
voz ondeando! Traços caracterizadores da ceifeira:
- voz bonita/suave
a voz da Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, - trabalha no campo
sendo eu!→inf. pessoal - vive no campo
ceifeira No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre - considera-se/ aparenta estar feliz
inconsciência, (2,4,9,12, vv)
E há curvas no enredo suave E a consciência
disso! Ó céu!
Do som que ela tem a cantar. Ó campo! Ó
canção! A ciência
Apreciação subjetiva do sujeito
Ouvi-la alegra e entristece, → antítese Pesa tanto e a poético:
vida é tão breve! -acha que ela não é feliz, não tendo
Na sua voz há o campo e a lida, Entrai por mim motivos para cantar.
dentro! Tornai
E canta como se tivesse Minha alma a -a ceifeira é inconsciente, julga-se
vossa sombra leve! feliz, mas não tem motivos para isso.
Mais razões para cantar que a vida. Depois, levando- -tem uma vida dura e não há razões
me, passai! para cantar
-ela só é feliz porque não pensa
____________________________________________________________________
-o adj. anteposto “pobre ceifeira”
_____
Efeito do canto da ceifeira/ Desejo do suj. poético:
- estado de alma contraditório
- a reflexão sobre a sua incapacidade de não pensar
- quer ser como ela, mas quer ser ele. Não quer deixar de ser ele. Não
se quer libertar completamente do pensamento.
- desejo de ter consciência da sua inconsciência (“sendo eu”,
“consciência disso”
- Desejo de se deixar invadir pelas suas ações despertadas pela
natureza (“céu”, “campo”) e pelo canto da ceifeira (“canção”)

Tema: A dor que sente por ser consciente e constata que o conhecimento e a reflexão têm um peso mt
grande na sua vida.

Gato que O gato:


brincas na - é livre, não tem preocupações sociais, por isso age da mesma forma na sua
rua intimidade e em contacto com os outros
Como se - age por instintos, de acordo com as suas necessidades básicas
fosse na - é feliz → por ser irracional, por ser dono da sua vida, por não pensar
cama,
Invejo a Sujeito poético:
sorte que é - Sente inveja dele → o gato não pensa, vive só de sensações, por ser feliz
tua - O suj. poético pensa, autoanalisa-se, e não se reconhece, sente-se
Porque fragmentado
- é infeliz → por isso sofre
nem sorte Apóstrofe → aproxima-se do gato
se chama. Comparação → mostrar que atua de igual forma

Bom servo
das leis
fatais
Que regem
pedras e
gentes,
Que tens
instintos
gerais
E sentes
só o que
sentes.

És feliz
porque és
assim,
Todo o
nada que
és é teu.
Eu vejo-
me e estou
sem mim,
Conheço-
me e não
sou eu.

iii. sonho e realidade:


A dor provocada pela reflexão de que não consegue libertar-se leva ao sujeito poético a refugiar-se no sonho,
como fuga à realidade que o faz sofrer.
É em paisagens sonhadas que o poeta procura viver plenamente os seus sentimentos, libertando-se dos
pensamentos que o aprisiona e conseguindo, assim, alcançar a felicidade.

Não sei se é sonho, se realidade


Caracterização da 1ª Estrofe: - é ao mesmo tempo verdadeira e imaginada
ilha - é extrema → longínqua
Não sei se é sonho, se realidade, - local agradável, calmo
Se uma mistura de - lugar desejado pelas suas qualidades → lá existe o amor
sonho e vida,
2ª Estrofe: Desejo de atingir a ilha, apesar da consciência de que é uma fantasia
Aquela terra de Este local, embora ilusório, reconforta-o, tranquiliza-o e dá-lhe “sombra
suavidade
e sossego” e talvez lhe traga a felicidade que ele procura.
Que na ilha
extrema do sul se 3º Estrofe: - A ilusão termina (valor da conj. adversativa)
olvida. - O pensamento destrói o sonho, faz com que a ilusão se desfaça
É a que ansiamos. - A ilha perde as suas qualidades paradisíacas e torna-se um local de
sofrimento, pois também aí, é impossível de viver sem pensar.
Ali, ali 4ª Estrofe: Conclusão = A felicidade deve ser procurada dentro de cada 1 de nós, e
A vida é jovem e o não através de algo exterior e distante
amor sorri.
Simbologia da Ilha: A ilha simboliza a felicidade conseguida através da vivência dos
sentimentos, e sem a interferência do pensamento
Talvez palmares
inexistentes,
Áleas longínquas
sem poder ser,
Sombra ou
sossego dêem aos
crentes
De que essa terra
se pode ter
Felizes, nós? Ali,
talvez, talvez,
Naquela terra,
daquela vez.

Fim do sonho
Mas já sonhada se
desvirtua,
Só de pensá-la
cansou pensar;
Sob os palmares, à
luz da lua,
Sente-se o frio de
haver luar
Ah, nesta terra
também, também
O mal não cessa,
não dura o bem.

Conclusão
Não é com ilhas do
fim do mundo,
Nem com
palmares de sonho
ou não,
Que cura a alma
seu mal profundo,
Que o bem nos
entra no coração.
É em nós que é
tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem
e o amor sorri.
Bem sei que há ilha ao sul de tudo → doc. do caderno→ exame 2019/1ª fase

iv. o fingimento artístico:


- “Aprendizagem de não sentir senão literariamente as ‘cousas’”, ou seja em fingir sentimentos → não
se sente verdadeiramente → há a sobreposição do conhecimento racional ao afetivo. → o poema torna-se
uma construção de sentido e não uma construção sentida → “intelectualização da sensibilidade” . O poeta
finge sentimentos, emoções, não deixando de haver verdade, sendo artisticamente trabalhada.
- Fernando Pessoa assume-se como um poeta fingidor que procura escrever distanciado dos seus
sentimentos. Assim, ele não vai referir espontaneamente e com sinceridade as suas emoções. Vai partir
delas para as transformar racionalmente. O coração sente, mas é o pensamento que intelectualiza o que é
sentido.
- A imaginação sobrepõe-se sempre ao coração e, por este motivo, é a “dor fingida” e não a “dor
sentida” que surge nos seus poemas.
AUTOPSICO Título: auto = reflexão do poeta
GRAFIA psico = interferência dos aspectos psicológicos
O poeta é um grafia = escrita
fingidor
Carácter Universal → 3ª pessoa
Finge tão
completament
e 1ª Estrofe: Tese→ o poeta é um fingidor
Que chega a Argumentos → vv. 2,3,4
fingir que é 2ª Estrofe:
dor - interpretação do tema pelos leitores
A dor que - cada leitor sente aquilo que desperta nele, aquilo que a sua
deveras sente. interpretação do poema determina
- Nota: a obra poética é autónoma, tendo diferentes leituras e
E os que lêem diferentes interpretações (causando diferentes emoções)
o que escreve, 3ª Estrofe: Conclusão:
Na dor lida - O coração comparado a um comboio de corda (através da
sentem bem, metáfora), fornece à razão a matéria prima necessária à criação
Não as duas do poema, isto é, as emoções vão ser trabalhadas poeticamente
que ele teve, - O movimento circular do comboio sugere a relação entre a razão
Mas só a que e o pensamento
eles não têm.

E assim nas
calhas de roda
Gira, a
entreter a
razão,
Esse comboio
de corda
Que se chama
coração.
Dor fingida →
vv 2,3
Dor real → vv 4
Dor lida → vv
6,7,8

ISTO Título: O poema é uma resposta aos leitores de “Autopsicografia”


Dizem Por que o acusaram de fingir/mentir nos seus poemas. O poeta
que finjo isso pretende agora dizer, q a sua teoria é simples e que é apenas “isto”.
ou minto escre
Tudo que vo
escrevo. em 1ª Estrofe: - a oposição convicta aos que criticaram a teoria do
Não. meio sujeito artístico.
Eu Do - apresenta de novo a sua teoria mostrando q é uma coisa
simplesm que natural, em q se valoriza a imaginação e em 2º plano as emoções.
ente sinto não
está 2ª Estrofe: As emoções são a passagem/ ponto de partida
Com a ao (comparação terraço) para uma coisa mais bonita: a criação
imaginaç
pé, poética, a arte, a realidade imaginada
ão.
Livre
Não uso o
do
coração. meu 3ª Estrofe: → Conclusão: o poeta tenta libertar-se da sua realidade
enlei e das suas emoções e remete os sentimentos para os leitores.
Tudo o o,
que Sério
sonho ou do
passo, que
O que me não
falha ou é.
finda, Senti
É como r?
que um Sinta
terraço que
Sobre m lê!
outra
coisa
ainda.
Essa
coisa é
que é
linda.

v. Ligação com o Heterónimo


1ª Estrofe:
Não sei quantas almas tenho.
- Fragmentação /multiplicidade do eu
- causa da fragmentação: está sempre
Não sei quantas almas tenho. Por isso, a mudar , mudança permanente.
alheio, vou lendo - estranheza, desconhecimento de si
Cada momento mudei. Como mesmo
- pensamento, autoanálise constante
páginas, meu ser
- sofrimento, dor provocada pelo
pensamento constante
Continuamente me estranho. O que segue 2ª e 3ª Estrofe:
não prevendo, - o poeta assiste à sua fragmentação
como um espectador distanciado que
Nunca me vi nem achei. O que passou vê os outros que vão nascendo dentro
a esquecer. de si, e que se tornam autónomos
De tanto ser, só tenho alma. Noto à - é como se observasse uma paisagem
margem do que li (estrofe 2) ou como se lesse um livro
da sua vida (estrofe 3)
Quem tem alma não tem calma. O que julguei - nestas 2 estrofes estão presentes:
que senti. + sentimentos de despersonalização/
fragmentação
Quem vê é só o que vê, Releio e digo:
+ papel de espectador/leitor
«Fui eu?» + a constante solidão e inadaptação
Quem sente não é quem é. Deus sabe, + Incapacidade de prever o futuro e desejo de
porque o escreveu. esquecer o passado

Mudança do “eu” para o “quem” → ele tem


Atento ao que sou e vejo, vários, alargamento a outras pessoas
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem, → metáfora
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

D. Heterónimo:

i. Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro-Lisboa, 13/01/1935:


“ Meu prezado Camarada:
Muito agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de,
propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de cópia. (...)
Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterónimos. Vou ver se
consigo responder-lhe completamente.
Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria
que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um
histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de
abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como
for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para
a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos — felizmente para mim e para os
outros — mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática,
exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo — os eu a sós comigo. Se
eu fosse mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas —
cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme
para a vizinhança. Mas sou homem — e nos homens a histeria assume principalmente aspectos
mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...
Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-
lhe a história directa dos meus heterónimos. (...)
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de
amigos e conhecidos que nunca existiram. (...)
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de
índole pagã. (...)
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro —
de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro
como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui.
Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma
cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso.
E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei
definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O
Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei
desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o
meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. (...)
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente —
uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e
ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de
Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de
escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos — a Ode
com esse nome e o homem com o nome que tem. (...)
Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro,
Ricardo Reis e Alvaro de Campos. Construi-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em
1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está
presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa,
mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma.
Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me o
Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como
sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro
era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil
como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro
de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-
se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate;
Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e
normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que
quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em
casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis,
educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se
expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-
helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi
mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias
fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era
padre.
Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber
ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que
subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e
não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece
com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um
pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante
devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente
da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade. A prosa,
salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual;
ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como
dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo
que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis — ainda inédita — ou de
Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso).
Nesta altura estará o Casais Monteiro pensando que má sorte o fez cair, por leitura, em
meio de um manicómio. (...)
Creio assim, meu querido camarada, ter respondido, ainda com certas incoerências, às suas
perguntas. (...)
Abraça-o o camarada que muito o estima e admira.
Fernando Pessoa”
->Ideias fundamentais:
1ª e 2ª parágrafos: introdução; agradecimento a Adolfo CM pela carta recebida e indicação do
objetivo desta carta: responder a uma pergunta sobre a origem dos heterónimos
3º,4º e 5º Parágrafos: Fundamentação da heteronimia → tendência para a despersonalização e para a
simulação, aspetos que sente desde a infância.
6º e 7º Parágrafos: Criação de Alberto Caeiro, um poeta bucólico (fala da natureza), que escreveu “O
guardador de Rebanhos” e que Fernando Pessoa considerou o seu mestre.
8º Parágrafo: Aparecimento de Ricardo Reis e de Àlvaro de Campos
9º Parágrafo: Caracterização e biografia dos diferentes heterónimos (ver doc. 4)
10º Parágrafo: Classificação de Bernardo Soares como semi-heterónimo e sua justificação
11º, 12º e 13º Parágrafos: Conclusões e despedida

ii. Alberto Caeiro:


- O fingimento artístico e o poeta bucólico
- Reflexão existencial, a importância das sensações

IX - Sou um guardador de rebanhos. Poesia: sensacionista; deambulatória (o pastor anda de um lado para o outro)
Sou um guardador de e bucólica (concentrada na natureza).
rebanhos.
3 metáforas: 1ª Metáfora: identifica-se com um pastor // 2ª Metáfora:
O rebanho é os meus compara o rebanho a pensamentos // 3ª Metáfora: compara os pensamentos a
pensamentos sensações → só conhece a realidade com as sensações
E os meus pensamentos
são todos sensações. Começa por referir os sentidos + importantes para o conhecimento do mundo → são
Penso com os olhos e com hierarquicamente apresentadas
os ouvidos
Pensa com os diferentes sentidos (não reflete) → enumeração dos vários órgãos
E com as mãos e os pés
(valorizar os 5 sentidos) associada à repetição anafórica, ligada a uma escrita simples.
E com o nariz e a boca. → reforçam a valorização das sensações como fonte de saber

Pensar uma flor é vê-la e Utiliza exemplos da natureza, de forma a mostrar que usa os sentidos, ou seja,
conhece a flor, o fruto e a erva, através apenas dos sentidos.
cheirá-la
E comer um fruto é saber- Está a ter consciência de que está contente, então fica triste porque não quer
lhe o sentido. pensar.
Quer uma integração total na Natureza, através das sensações táteis → Há a
Por isso quando num dia afirmação do sensacionismo como única forma de conhecimento autêntico e
de calor como fonte de felicidade. É através do corpo e do seu contacto direto com a
realidade q pudemos aceder à verdade, sem qlqr interferência do pensamento.
Me sinto triste de gozá-lo
tanto,
E me deito ao comprido
na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo
deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
→ não pensado mas sentindo

II-O meu olhar é nítido como um girassol. Sugere que vê tudo com grande
O meu olhar é nítido como um girassol. Amar é a eterna claridade → noção sensacionista
inocência,
Tenho o costume de andar pelas estradas E a única Só quando os sentidos não
inocência é não pensar... funcionam é que somos obrigados a
Olhando para a direita e para a esquerda, pensar
E de vez em quando olhando para trás...
Caracteristicas formais:
E o que vejo a cada momento +Linguagem simples e objetiva
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, +Liberdade estrófica e métrica
E eu sei dar por isso muito bem... +Versos brancos/soltos = sem rima
Sei ter o pasmo essencial +Comparações para concretrizar
ideias abstratas
Que tem uma criança se, ao nascer, +Predomínio da coordenação
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento Caracteristicas presentes:
Para a eterna novidade do Mundo... → poesia sensacionista/poeta
observador:
-olha para todas as direções, em
Creio no Mundo como num malmequer, todos os momentos
Porque o vejo. Mas não penso nele → acredita no mundo -campo lexical relacionado com a
Porque pensar é não compreender... visão = do olhar = olhando,vejo
→ Poeta deambulante
O Mundo não se fez para pensarmos nele
→ Poeta da Natureza: descobre
(Pensar é estar doente dos olhos) sempre as coisas novas e diferentes
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo… que provocam a sua admiração →
Poeta Bucólico
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... → Poeta anti-metafísico = recusa o
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, pensamento porque trata a
realidade através dos sentidos.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Um dia deu-me o sono como a qualquer
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha criança.
Fechei os olhos e dormi.
biografia, Além disso, fui o único
Não há nada mais simples. poeta da Natureza.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha
morte. O resto foi tudo simples, logo é como se fosse
dono da sua vida
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Toda a vida esteve permanentemente a ver
Sou fácil de definir. → Características que considera essenciais → conselhos que dá:

Sem criar afetividade, sem pensar nelas
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Logo foi sempre feliz
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque
nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um A importância das sensações e a sua felicidade
acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes O poeta que recusa o pensamento - poeta
umas das outras; Antimetafísico //O pensamento deturpa a realidade
Compreendi isto com os olhos, nunca com o
pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las
todas iguais.

iii. Ricardo Reis:


Poeta clássico (fingimento artístico) e na sua poesia estão subjacentes duas doutrinas filosóficas da antiguidade:
- Epicurismo = considera que a felicidade se obtém gozando o momento presente, evitando paixões intensas e
procurando aproveitar os pequenos prazeres da vida (relação com o “carpe diem”)
- Estoicismo = considera que a felicidade se obtem aceitando a condição humana e a passagem do tempo,
conformando-se com a ordem natural das coisas. Assim, o homem deve ser passivo, mostrar-se indiferente a tudo e
aceitar resignadamente aquilo que o destino lhe traz.
Reflexão Existencial: a consciência da morte

Mestre, são plácidas O Oferece o poema a A.Caeiro = dedicatória = conisdera que


A Alberto Caeiro tem Caeiro é o sue mestre
po
Mestre, pass 1ªEstrofe:
são a, - dedicatória e vocativo
plácidas
Não - objetivo: explicar a sua teoria/atitude de vida face à
Todas as nos sua existência → aceitação serena, calma, da passagem
horas diz do tempo
Que nós nad - utiliza a adjetivação
perdemos. a.
Se no Env As flores também vão murchando, morrendo, por isso, também
perdê-las, elhe devemos aceitar o envelhecer como algo natural como as
Qual numa cem flores.
jarra, → os.
comparaçã Saib A arte de viver sem envolvimento emocional forte
o amo Ensinamentos: Não viver de forma intensa, seguir o exemplo
Nós pomos s, dascrianças, e é na Natureza que encontramos os pequenos
flores. quas prazeres da vida.
e
Mali
Não há cios
tristezas Deixar o tempo passar sem sofrimento,. aceitar a efemeriodade
os, da vida, aceitar a passagem do tempo e os seus efeitos.
Nem →
alegrias ntelige
nteme Devemos viver de forma passiva, não devemos ter um papel
Na nossa nte muito ativo ou intenso
vida.
Sent
Assim ir- Motivo da sua teoria de vida
saibamos, nos
Sábios ir.
incautos, Seremos como o girassol
Não a Não
viver, vale
a Referência à morte = aceitar a morte porque não se viveu
Mas pena intensamente
decorrê-la, Faze
Tranquilos r um
, plácidos, gest
o.
Tendo as
crianças Não
se
Por nossas resis
mestras, te
E os olhos Ao
cheios deus
De atro
Natureza… z
Que
A beira- os
rio, próp
A beira- rios
estrada, filho
s
Conforme
calha,→ Dev
elementos da ora
Natureza sem
Sempre no pre.
mesmo
Leve Colh
descanso amo
De estar s
vivendo. flore
s.
Mol
hem
os
leve
s
As
noss
as
mão
s
Nos
rios
calm
os,
Para
apre
nder
mos
Cal
ma
tam
bém
.

Gira
ssóis
sem
pre
Fita
ndo
o
Sol,
Da
vida
irem
os
Tran
quil
os,
tend
o
Nem
o
rem
orso
De
ter
vivid
o.

Conclusões apartir do poema:


- Tanto Ricardo Reis como Alberto Caeiro, amam a Natureza e inspiram-se nela para construir a sua
filosofia de vida:
+ Alberto Caeiro vive no campo procurando captar essa realidade através dos
sentidos
+ Ricardo Reis defende uma vida simples apenas com os pequenos prazeres
proporcionados pela Natureza
Convite; Vocativo; Aproveitar os pequenos prazeres
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira Intencionalmente → Metáfora: o rio simboliza a vida que vai em
do rio. direção à morte (o mar)
Sossegadamente fitemos o seu curso e
aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos Porque se tiverem de mãos dadas correm o risco de se
enlaçadas. apaixonarem \\Comparação
(Enlacemos as mãos).
Algo voluntário, sem obrigação \\ Aproveitar os pequenos
prazeres da vida\\despreocupados, inconscient
Depois pensemos, crianças adultas, que a
vida Eufemismo = Morte + Perífrase = podia dizer: se tu
Passa e não fica, nada deixa e nunca morresses primeiro
regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé 2 condições: ele morrer primeiro ou ela morrer primeiro →
do Fado, aceitas as mortes com naturalidade porque não houve
Mais longe que os deuses. sentimento

Assunto: O sujeito poético dirige-se à sua amada: Lídia


Desenlacemos as mãos, porque não vale a (nome clássico), e convida-a a sentar-se à beira o rio onde
pena cansarmo-nos. vão pensar\refletir sobre a vida
Quer gozemos, quer não gozemos,
passamos como o rio.
Estrutura do Texto:
Mais vale saber passar silenciosamente Estrofe 1 e 2: A efemeridade da vida:
E sem desassossegos grandes. - o convite a Lídia através da apóstrofe e verbos no
imperativo e no conjuntivo com valor imperativo
Exemplos dos grandes desassossegos: - desejo de aproveitar com calma a vida que passa (uso
Sem amores, nem ódios, nem paixões que expressivo do advérbio)
- reflexão sobre a efemeridade/transitoriedade da vida (uso
levantam a voz,
da metáforas, palavras de caráter negativo)
Nem invejas que dão movimento demais Estrofe 3 e 4: Inutilidade de qualquer
aos olhos, compromisso:
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio - A ideia de recusa de qualquer ligação (quando desenlaçam
sempre correria, as mãos - simbolizada)
E sempre iria ter ao mar. - Aceitação passiva da morte (v.10,15 e 16) dada através de
metáforas e comparação
- Ausência de ambições/atitude passiva perante a vida dada
Amemo-nos tranquilamente, pensando através da enumeração, repetição anafórica de palavras de
que podíamos, caráter negativo e o uso expressivo do advérbio
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e silenciosamente.
carícias, Estrofes 5 e 6: A procura de serenidade:
Mas que mais vale estarmos sentados ao - a recusa do amor intenso, do envolvimento físico através
pé um do outro da enumeração (polissíndeto)
- opção por um amor tranquilo e por uma vida calma e
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
silenciosa, aproveitando apenas os pequenos prazeres da
natureza
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as - aceitação com naturalidade da morte e dos efeitos da passagem
No colo, e que o seu perfume suavize o do tempo (efeitos nocivos|) → devemos ser inocentes da
momento — decadência
Este momento em que sossegadamente Estrofes 7 e 8: A aceitação da morte:
não cremos em nada, - a morte como o fim natural da vida
Pagãos inocentes da decadência. - a morte que não provoca dor porque nunca se viveu
intensamente, há algumas recordações de momentos
agradáveis
Ao menos, se for sombra antes, lembrar- - perífrases, eufemismos, a enumeração, as anáforas, verbos
te-ás de mim depois no futuro
Sem que a minha lembrança te arda ou te
fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem
nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao


barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de
ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te
assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

iv. Álvaro de Campos:


➢ “Tudo é diferente de nós e, por isso, existe” Aspetos a analisar em cada
➢ Dados Biográficos: estrofe:
Espaço envolvente
○ Curso de engenharia naval na Escócia
Forma como o
○ Viajou para o oriente
sujeito poético
○ Regresso por Marselha, Lisboa e Ribatejo onde conhecem Alberto perceciona o espaço
Caeiro e Ricardo Reis Relação que o ‘eu’
➢ Temperamento / Caracterização: estabelece com a
○ Muito sensível, inteligente, sensacionista (influência de Caeiro) realidade exterior
➢ Produção/Literária: recursos
○ Antes de conhecer Caeiro: estava “sem amparo” e escreveu poucos poemas
expressivos
○ Depois de conhecer Caeiro: escreveu a “Ode Triunfal” e encontrou-se como poeta
➢ As diferentes fases da sua obra:
○ 1ª Fase → Decadentista: Nesta fase, os poemas de Álvaro de Campos refletem o cansaço, a falta de sentido da
vida, a necessidade de evasão e a procura de novas sensações. Ex.: “Opiário”
○ 2ª Fase → Futurismo/Sensacionismo:
■ Nesta fase, a sua poesia está ligada a 2 correntes: o futurismo e o sensacionismo
■ Segundo o futurismo, a arte devia romper com o passado e exaltar tudo o que é moderno, todas as vitórias do homem
na ciência e na técnica. Campos vai cantar as máquinas, os motores, a velocidade e outros símbolos da civilização
industrial
■ Ligado ao futurismo, está o sensacionismo: o poeta deveria “sentir tudo, de todas as maneiras”, revelar os progressos
da civilização tecnológica através de sensações.
■ Ex.: “Ode Triunfal” e “Ode Marítima”
○ 3ª Fase → Fases Intimista, abúlica e pessimista:
■ O poeta sente uma grande tristeza perante o absurdo da vida. É o poeta cético, que se auto analisa, que experimenta a
dor de pensar, que sente nostalgia da infância e que se sente fragmentado, é o regresso de Álvaro de Campos ao
ortónimo, é o alter ego de Fernando Pessoa.
■ Ex.: “Aniversário”
Ode Triunfal
À dolorosa luz das grandes lâmpadas “Ode” = cantar\elogiar (as máquinas)
eléctricas da fábrica “Ode Triunfal” = canto de louvor/elogio ao triunfo da civilização
Tenho febre e escrevo. industrial
Escrevo rangendo os dentes, fera para a
beleza disto, Estrofe 1:
Para a beleza disto totalmente - Espaço Envolvente: a fábrica
desconhecida dos antigos. - Perceção do Suj. poético: percepciona a realidade através
das sensações visuais
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r - Relação do Eu com a realidade ext.:
eterno! Por um lado elogia e por outro lado há um sofrimento, o ambiente
Forte espasmo retido dos maquinismos é agressivo, que magoa. O espaço moderno, percecionado através
em fúria! de sensações e tem uma relação ambígua: atração e sofrimento.
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados Estrofe 2:
fora,
- Espaço Envolvente: fábrica, através dos elementos
Por todas as papilas fora de tudo com que
- Perceção do Suj. poético:
eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos +Através de sensações: auditiva, visual (máq, a trabalhar - o
modernos, movimento é sugerido), táteis, gustativas
De vos ouvir demasiadamente de perto, +Admite a sua perceção da realidade pelas sensações
E arde-me a cabeça de vos querer cantar - Relação do Eu com a realidade ext.:
com um excesso +Agressividade e violência → v.8 = frase própria do futurismo =
De expressão de todas as minhas nova construção frásica
sensações, +Fusão entre ele e o ambiente exterior, integra-se naquele
Com um excesso contemporâneo de vós, ó ambiente
máquinas!
Estrofe 3:
Em febre e olhando os motores como a - Espaço Envolvente: fábrica
uma Natureza tropical — - Perceção do Suj. poético: Capta através das sensações
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo visuais (* → sensação de movimento), auditivas e táteis
e força —
- Relação do Eu com a realidade ext.: Relaçao entre os 3
Canto, e canto o presente, e também o
tempos = Ideia do futuro, exalta o futuro e o momento
passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo presente que reflete o passado (referência dos heróis
o futuro passados da Antiguidade), foi o passado que permitiu as
E há Platão e Virgílio dentro das novas descobertas.
máquinas e das luzes eléctricas (Futurismo => Ferreando)
Só porque houve outrora e foram
humanos Virgílio e Platão, Estrofe 4:
E pedaços do Alexandre Magno do século - comparação
talvez cinquenta, - Simbiose/fusão completa entre ele e a máquina
Átomos que hão-de ir ter febre para o - Recursos: comparação, frases exclamativas, adjetivação
cérebro do Ésquilo do século cem, expressiva, metáfora (compara todos os elemento à flora)
Andam por estas correias de transmissão
e por estes êmbolos e por estes volantes,* Estrofe 9: começa com a recordação da infância no meio rural;
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, relação amor-ódio
ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao Futurismo:“Árvo fábrica”
corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um -A sua fusão com as máquinas


motor se exprime! -Já se identifica com as máquinas
Ser completo como uma máquina! -Quer se fundir completamente com a realidade
Poder ir na vida triunfante como um
automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente
de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me
completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e
carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e Resumo:
insaciável! -Espaço envolvente: espaço moderno, dominado pela evolução
(...) industrial (fábrica, lâmpadas elétricas, motores, engrenagens,...)
-Relação entre o sujeito poético e o espaço envolvente:
Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó ● o espaço é captado através de sensações
últimos figurinos! ● Há uma relação ambigua (o sujeito poético sente paizxão
Ó artigos inúteis que toda a gente quer
pela realidade envolvente, mas também se sente febril,
comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções! havendo assim, uma relação conlituosa)
(...) ● Há um fusão, uma simbiose, entre o sujeito poético e as
máquinas, ele sente-se como uma parte integrante da
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. socieadade tecnológica que apresenta.
Amo-vos carnivoramente. ● O momento presente, as máquinas, e a vida moderna são
Pervertidamente e enroscando a minha transformados em matéria épica que vai ser enaltecida /
vista elogiada
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, ● Há a exaltação do momento presente, onde se reflete o
inúteis, passado e que se projetará no futuro
Ó coisas todas modernas, - Estilo excessivo/torrencial, com muitos recursos expressivos
Ó minhas contemporâneas, forma actual e
próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de
Deus!
(...)

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!


Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
O Momento estridentemente ruidoso e
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
mecânico,
Parlamentos, políticas, relatores de
O Momento dinâmico passagem de todas
orçamentos,
as bacantes
Orçamentos falsificados!
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos
(Um orçamento é tão natural como uma
metais.
árvore
E um parlamento tão belo como uma
Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à
borboleta).
hora do jantar,
(...)
Eia aparelhos de todas as espécies,
férreos, brutos, mínimos,
Eu podia morrer triturado por um motor
Instrumentos de precisão, aparelhos de
Com o sentimento de deliciosa entrega
triturar, de cavar,
duma mulher possuída.
Engenhos brocas, máquinas rotativas!
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Eia! eia! eia!
Espanquem-me a bordo de navios!
Eia electricidade, nervos doentes da
Masoquismo através de maquinismos!
Matéria!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica
barulho!
do Inconsciente!
(...)
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel,
Suez!
(Na nora do quintal da minha casa
Eia todo o passado dentro do presente!
O burro anda à roda, anda à roda,
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
E o mistério do mundo é do tamanho
Eia! eia! eia!
disto.
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica
Limpa o suor com o braço, trabalhador
cosmopolita!
descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
Içam-me em todos os cais.
E havemos todos de morrer,
Giro dentro das hélices de todos os
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
navios.
Pinheirais onde a minha infância era
Eia! eia-hô! eia!
outra coisa
Eia! sou o calor mecânico e a
Do que eu sou hoje...)
electricidade!
Mas, ah outra vez a raiva mecânica Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
constante! Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
(...) Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Eh-lá grandes desastres de comboios! Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes
transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras,
tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para
breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos
pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa


tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de
hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como
um fogueiro,
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro,
rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo,
máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-
lá!
ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Estrofe 1 e 2: Caracterização o passado:
Eu era feliz e ninguém estava morto. - pretérito- imperfeito (na infância,
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, repetiram no tempo)
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião - a infância → era feliz visto que
qualquer. estava rodeado da família, vivia na
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, casa cheia de pessoas nde todos se
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, reuniam, era poiado e não estava
De ser inteligente para entre a família, sozinho
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Estrofe 3: pretérito-perfeito - fim das
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. infância, só agora é que tem a noção de
que era feliz
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco, Estrofe 4: contraste entre o passado e o
O que fui de serões de meia-província, presente há uma comparação entre a
O que fui de amarem-me e eu ser menino. destruição, solidão, ausência de laços
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
familiares e a inutilidade da sua vida.
A que distância!...
(Nem o acho...) Estrofe 5:
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
- não se contenta com a sua
lembrança do passado
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da
- o “eu” ficava no presente e o
casa, “mim” no passado
Pondo grelado nas paredes... - volta ao passado com a mesma
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através velocidade com que comeria um
das minhas lágrimas), pão (com a mesma avidez) → deseja
O que eu sou hoje é terem vendido a casa. voltar ao passado rapidamente -
É terem morrido todos, intensamente
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
Estrofe 6: a importância que tinha e que
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... agora já não tem, infância protegida e
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! sem solidão
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal, Estrofe 7:
Com uma dualidade de eu para mim... - Recorda; pensa; sofre
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga - Para não sofrer tem de deixar de
nos dentes! pensar; “duro” ele já não vive,
apenas sobrevive, vai vivendo,
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há
aó lhe resta envelhecer
aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na
Passado:
loiça, com mais copos, - infância feliz, com família (partilhada),
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na
vive com proteção, tempo da inocência
sombra debaixo do alçado,
em que não pensa
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
Presente:
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
- tristeza, angustia, solidão,
sofrimento, tempo de perda
Pára, meu coração!
(família e a casa), tempo de
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
degradação = envelhecimento
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

LISBON REVISITED (1923)

Não: não quero nada FASE INTIMISTA


Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões! Titulo → ele vai voltar a Lisboa, onde já esteve
A única conclusão é morrer. → inglês = esteve no estrangeiro

Não me tragam estéticas! 2 tempos presentes:


Não me falem em moral! - Presente: Adulto; em quase todas as
Tirem-me daqui a metafísica! estrofes; raiva, angústia, sofrimento
Não me apregoem sistemas completos, não me - Passado: Infância; recordação da infância
enfileirem conquistas e de Lisboa numa época anterior
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) Presente:
Das ciências, das artes, da civilização moderna! - Sentimentos:
quer se afastar da ciência e da civilização
Que mal fiz eu aos deuses todos? moderna → quer se afastar da sua fase futurista
→ negação da ciência, da técnica e da civilização
Se têm a verdade, guardem-na! moderna.
atitude de desistência = desiste de tudo,
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da
técnica. de qualquer ambinção, qualquer projeto de vida
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. atitude de recusa:
Com todo o direito a sê-lo, ouviram? ➢ recusa aqualquer relfexão de carater
filosofico
Não me macem, por amor de Deus! ➢ recusa a rotina d avida quotidiana
convencionalmente aceite
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? ➢ recusa qualquer companhia, qualquer
Queriam-me o contrário disto, o contrário de relacionamento
qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a
- Tem o desejo de isolamento e de solidão
vontade.
Assim, como sou, tenham paciência! - Tem magoa → a única solução é morrer →
Vão para o diabo sem mim, cansado da vida e desejo de morrer
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!


Não gosto que me peguem no braço. Quero ser
sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de
companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância -


Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me
sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...


E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar
sozinho!

➢ Aspetos Comuns à fase intimistas de Álvaro de Campos e a Fernando Pessoa-ortónimo:


○ a nostalgia de infância ( o paraíso perdido)
○ no presente sente-se desencantado, triste, só
○ a dor de pensar
○ fragmentação do eu
➢ Aspetos Comuns a Álvaro de Campos e Ricardo Reis:
○ R. Reis aprendeu a aceitar a ideia de morte porque aceita a passagem do tempo e tem
uma atitude de apatia perante a vida (estoicismo) → Ataraxia
○ A. Campos quando refere a morte é um resultado do SEU sofrimento e da sua
desistência de viver
v. Bernardo Soares: Livro do Desassossego:
- obra com natureza fragmentária
- obra com uma escrita diarística (registo diário não de factos mas de reflexões, sensações,
pensamentos)
- obra que reflete o “desassossego” de Pessoa, a sua incapacidade de encontrar a paz e de se
sentir integrado
- obra que é um testemunho da genialidade de Fernando Pessoa.
Espaço: cidade de Lisboa→ épalage: transfere-se para o
Pelas tardes demoradas de Verão,
espaço o que as pessoas que lá vivem sentem
Amo, pelas tardes demoradas de Verão, o sossego da cidade Depois de descrever o ambiente, compara-se com
baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte Cesário Verde, sente-se próximo de Cesário porque os
que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da seus versos têm o mesmo que os de Cesário, sentindo o
Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para mesmo por Lisboa (melancolia, espirito de nulidade e
leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais péssimismo)
quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas
Friza-se outra vez o estado de espírito = vazio, amargura
tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela
em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em
mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos Os sonhos procuram-se tornar reais → através da
realidade, realidade que ele não quer.
versos que foram dele. Por ali arrasto, até haver noite, uma
sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias Aspetos do texto:
de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma - Espaço pelo qual deambula o narrador:
falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de + a zona da baixa de Lisboa, que o narrador
noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da precorre não para apresentar um quadro
Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que objetivo, mas para mostrar a sua imagem da
nada valha, ante o que é a essência das coisas. Há um destino igual, cidade → uma cidade triste e sossegada (calma,
porque é abstracto, para os homens e para as coisas — uma melancólica) - Épalages
- Estado de espírito do narrador:
designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.
+ o estado de espírito do narrador coincide com
Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe- as características do espaço
me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo + sente-se: triste, solitário, melancólico,
ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que consciente da sua nulidade, pessimista
não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios - Relação com a poesia de Cesário Verde:
sonhos se me erguem em coisas, não para me substituirem a + deambulação na baixa de Lisboa
+ Observação e captação de impressões
realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não
subjetivas da sociedade
querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na
+ sente um grande desconforto
curva extrema da rua, ou a voz do apregoador nocturno, de não sei
que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da
monotonia do entardecer!
Passam casais futuros, passam os pares das costureiras,
passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de
sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em
pouco os vadios parados que são donos das lojas. Lentos, fortes e
fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito ruidosos
ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os
automóveis ali a esta hora não são muito frequentes; esses são
musicais. No meu coração há uma paz de angústia, e o meu
sossego é feito de resignação.
Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio
ao meu sentir, indiferente, até, ao destino próprio,- inconsciência,
carambas ao despropósito quando o acaso deita pedras, ecos de
vozes incógnitas — salada colectiva da vida.

Tudo é absurdo. O imaginário urbano (parte do que vê para imaginar)


Tudo é absurdo. Este empenha a vida em ganhar dinheiro que
guarda, e nem tem filhos a quem o deixe nem esperança que um 1º Parágrafo: → a vida está cheia de coisas absurdas -
céu lhe reserve uma transcendência desse dinheiro. Aquele argumento.
empenha o esforço em ganhar fama, para depois de morto, e não - apresenta exemplos de quem vive em situações
crê naquela sobrevivência que lhe dê o conhecimento da fama.
absurdas
Esse outro gasta-se na procura de coisas de que realmente não
- Casos de quem tem uma vida absurda:
gosta. Mais adiante, há um que ().
+ empenha toda a sua vida a guardar €, mas não
Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver, tem filhos a quem deixar
inutilmente.
+ quem se preocupa em ganahr fama depois de
Vou num carro eléctrico, e estou reparando lentamente, morrer mas não acredita na vida depois da
conforme é meu costume, em todos os pormenores das pessoas morte, ou seja, nunca será famoso.
que vão adiante de mim. Para mim os pormenores são coisas,
+ quem procura de coisas de que não se
vozes, letras. Neste vestido da rapariga que vai em minha frente
interessa
decomponho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho
com que o fizeram - pois que o vejo vestido e não estofo - e o + linha 8
bordado leve que orla a parte que contorna o pescoço separa-se-
me em retrós de seda, com que se o bordou, e o trabalho que 2º Parágrafo:
houve de o bordar. E imediatamente, como num livro primário de - Situar o narrador: está no carro elétrico (em
economia política, desdobram-se diante de mim as fábricas e os Lisboa) e vai observando o que se encontra à
trabalhos - a fábrica onde se fez o tecido: a fábrica onde se fez o sua volta olhando os promenores
retrós, de um tom mais escuro, com que se orla de coisinhas - Ele vê uma rapariga e observa o vestido da
retorcidas o seu lugar junto do pescoço; e vejo as secções das rapariga, que vai à sua frente → olha para o
fábricas, as máquinas, os operários, as costureiras, meus olhos tecido e depois observa o bordado que
virados para dentro penetram nos escritórios, vejo os gerentes contorna o pescoço
procurar estar sossegados, sigo, nos livros, a contabilidade de - Deixa de ver aquela rapariga e aquele vestido e
tudo; mas não é só isto: vejo, para além, as vidas domésticas dos começa a pensar nas fábricas, os trabalhos,
que vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritórios... máquinas, os operários, as costureiras →
Todo o mundo se me desenrola aos olhos só porque tenho diante
Estava primeiro com os olhos para fora a
de mim, abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem não
observar e depois com os olhos virados para
sei que cara, um orlar irregular regular verde-escuro sobre um
verde-claro de vestido. dentro e começa a refletir
- Começa imaginar as pessoas, as suas vidas
Toda a vida social jaz a meus olhos.
quotidianas e sociais, os seus amores,
Para além disto pressinto os amores, as secrecias, a alma, de segredos,...
todos quantos trabalharam para que esta mulher que está diante - Depois de tanto refletir sente-se cansado
de mim no eléctrico use, em torno do seu pescoço mortal, a
banalidade sinuosa de um retrós de seda verde-escura fazenda 3 partes:
verde menos escura.
1. Parte = até à linha 10 = o narrador reflete
Entonteço. Os bancos do eléctrico, de um entretecido de sobre aspetos absurdos da vida, apresentando
palha forte e pequena, levam-me a regiões distantes, multiplicam- alguns exemplos
se-me em indústrias, operários, casas de operários, vidas,
realidades, tudo. 2. Parte = linha 10-42 = o narrador, que está no
Saio do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira. carro elétrico, partindo de certos objetos e da
observação dos seus pormenores, desenvolve
a sua reflexão
3. Parte = linha 43 = o narrador refere o seu
estado físico e psicológico ao sair do elétrico

O único viajante com verdadeira alma que conheci era um garoto de escritório que havia numa outra casa, onde
em tempos fui empregado. Este rapazito coleccionava folhetos de propaganda de cidades, países e companhias de
transportes; tinha mapas — uns arrancados de periódicos, outros que pedia aqui e ali —; tinha, recortadas de jornais
e revistas, ilustrações de paisagens, gravuras de costumes exóticos, retratos de barcos e navios. Ia às agências de
turismo, em nome de um escritório hipotético, ou talvez em nome de qualquer escritório existente, possivelmente o
próprio onde estava, e pedia folhetos sobre viagens para a Itália, folhetos de viagens para a Índia, folhetos dando as
ligações entre Portugal e a Austrália.
Não só era o maior viajante, porque o mais verdadeiro, que tenho conhecido: era também uma das pessoas mais
felizes que me tem sido dado encontrar. Tenho pena de não saber o que é feito dele, ou, na verdade, suponho somente
que deveria ter pena; na realidade não a tenho, pois hoje, que passaram dez anos, ou mais, sobre o breve tempo em
que o conheci, deve ser homem, estúpido, cumpridor dos seus deveres, casado talvez, sustentáculo social de
qualquer — morto, enfim, em sua mesma vida. É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que tão bem viajava com
a alma.
Recordo-me de repente: ele sabia exactamente por que vias férreas se ia de Paris a Bucareste, por que vias férreas
se percorria a Inglaterra, e, através das pronúncias erradas dos nomes estranhos, havia a certeza aureolada da sua
grandeza de alma. Hoje, sim, deve ter existido para morto, mas talvez um dia, em velho, se lembre, como é não só
melhor, senão mais verdadeiro, o sonhar com Bordéus do que desembarcar em Bordéus.
E, daí, talvez isto tudo tivesse outra explicação qualquer, e ele estivesse somente imitando alguém. Ou... Sim,
julgo às vezes, considerando a diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que
somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empresta a própria inteligência astral, e que
depois, talvez com pena, mas por uma lei alta, nos abandona, como as mães animais às crias crescidas, ao cevado
que é o nosso destino.

1. Indica e justifica a perspetiva que o narrador apresenta relativamente ao “viajante” no


primeiro parágrafo.
Demonstra admiração pelo viajante quando era criança porque ele era capaz de se entregar ao sonho de viajar, viajava através da
imaginação recorrendo a materiais sobre os locais em que sonhava ir.
1.1. Explica o valor expressivo das enumerações aí presentes.
Dos objetos alusivos às viagens para poder conhecer bem os locais que em sonhos visitava.
2. Tendo em conta as linhas 14-17 e o parágrafo final, comenta a opinião do narrador
sobre o efeito da passagem do tempo na vida humana.
O tempo e a entrada na vida adulta fazem perder o desejo, de sonhar, por isso as pessoas tornam-se “estúpidas”, compridoras
dos seus deveres e incapazes de conhecer algumas coisa através da imaginação.
3. Mostra de que forma o imaginário urbano e o quotidiano surgem concretizados neste
excerto.
No texto está presente a cidade de Lisboa e a vida da cidade, os seus espaços (os escritórios, as agências de turismo) e as pessoas
(o empregado de escritório) e aspetos da vida social (jornais e revistas - imprensa quotidiana)
4. Explica o modo como se interligam o mundo exterior e as divagações subjetivas do
narrador.
Ele parte da observação de um rapaz e da sua rotina diária utilizando este estímulo de vida quotidiana, para fazer considerações
pessoais sobre a importância do sonho e sobre a falta de sentido da vida de muitas pessoas adultas que perderam a capacidade
de imaginação.
5. Indica dois traços do perfil de Bernardo Soares, exemplificando a tua resposta.
Atitude reflexiva e crítica → observações que faz ao valorizar a importância do sonho e a tristeza e a desilusão com a falta da
capacidade de sonhar dos adultos.

E. A Mensagem:
I. Aspetos temáticos a abordar:
A. o imaginário épico
B. a exaltação patriótica
C. a natureza épico-lírica da obra
D. a dimensão simbólica do herói
E. a estrutura da obra
F. o Sebastianismo
II. O Imaginário épico e a natureza épico-lírica:
“Mensagem” tem características épicas porque apresenta heróis da nossa
história e os seus feitos grandiosos.
No entanto, esta obra tem uma natureza épico-lírica. Os fatos históricos são
interiorizados pelo sujeito poético e são apresentados de forma subjetiva,
recorrendo a imagens simbólicas.
Mais importantes do que os fatos históricos, são a alma de Portugal e a
missão que o pais tem de cumprir (o 5º império)
III. A Estrutura da Obra → A obra “Mensagem” tem três Partes:
A. Brasão:
Contêm 19 poemas que evocam os construtores do império, os que
fizeram com que Portugal se ergue-se como nação independente. (Exemplos: “Dom Dinis”
e “Dom Sebastião, Rei de Portugal”)
Poemas dados:
- Os Campos → “O dos Castelos”
- Os castelos → “Ulisses”:
O mito é o nada que é tudo. Assim 1ª Estrofe → o mito não existe; o mito conta uma
a lenda se escorre história que explica a realidade.
O mesmo sol que abre os céus A
entrar na realidade, 2ª Estrofe → exemplo que comprova a tese:
É um mito brilhante e mudo — Ea - o sujeito poético está em Portugal
fecundá-la decorre. - Ulisse é um mito, MAS torna-se realidade
O corpo morto de Deus, Em - Ulisses em Lisboa
baixo, a vida, metade 3ª Estrofe → conclusão: a vida é incompleta, a vida
Vivo e desnudo. De morre, logo o que a torna mais perfeita é a lenda, que
nada, morre. vem de um plano superior. Ou seja, os mitos tornam a
vida mais perfeita e mais completa.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Questões:
1. Identifica a tese com que se inicia o poema e explica o paradoxo que contém:
A tese é “o mito é o nada que é tudo”.
Nesta tese, há um paradoxo, uma vez que, por um lado, sr afirma que o mito é “nada” (não tem uma existência
real) mas, por outro lado, diz-se que é tudo: ele é muito importante porque permite explicar a realidade e é
como uma luz que clarifica (“O sol que abre os céus”, “mito brilhante”).
2. Mostra que a segunda estrofe evidencia a origem mítica de Portugal.
Nesta estrofe refere-se o mito de Ulisses. Este, apesar de não ter uma existência real, apesar de ser lendário
(“Não ser”, “Sem existir” e “Não ter vindo”) estará na origem da cidade de Lisboa (“nos criou”).
Segundo a lenda, Ulisses, quando regressava a Ítaca depois da vitória na guerra de Tróia, perdeu-se no
Mediterrâneo e, após uma viagem cheia de atribulações no mar, chegou aos estuário do Tejo, onde fundou
Lisboa.
Assim se explica a vocação marítima dos portugueses, isto é, Ulisses, com o seu exemplo de navegador, terá
inspirado o povo português a explorar os mares.
3. Explica a utilização do presente e do pretérito perfeito do indicativo.
O presente demonstra a permanência do mito e explica as suas características.
O pretérito perfeito refere-se à história de Ulisses num passado distante.
4. Com base na última estrofe, comenta a relação que se estabelece entre mito e realidade.

- Brasão: “D. Dinis” e “D. Sebastião, Rei de Portugal”


Na noite escreve um 1ªEstrofe
seu Cantar de Amigo -Foi poeta → escreveu antigas de amigo → Trovador
O plantador de naus a -Noite=momento propício à inspiração
haver, -Plantou pinhais (Pinhal de Leiria) → metáfora das naus que existirão no
E ouve um silêncio
futuro, quando os pinhais derem a madeira
múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais -Ligado ao Mar → é um visionário porque nos pinhais ouve o mar e as naus
que, como um trigo → futuro de Portugal
De Império, ondulam -Comparação = as naus estão na origem dos descobrimentos que
sem se poder ver. levaram à expansão do império (as naus são o trigo do império)

Arroio, esse cantar,


jovem e puro,
Busca o oceano por
achar;
E a fala dos pinhais,
marulho obscuro,
É o som presente desse
mar futuro,
É a voz da terra
ansiando pelo mar.

2ª Estrofe:
- o inicio da literatura em Portugal = o Rei Inovador
- a literatura vai-se desenvolvendo, ou seja, vai ao encontro do ocêano → depois vêm os temas ligados ao mar, aos
descobrimentos
- volta-se a falar do barulhos dos pinhais (que já tinham aparecido na 1ª estrofe) -> a fala dos pinheiros lembra
o mar
- no presente a economia é baseada na Terra
- no futuro o ciclo da Terra mudará para o ciclo do Mar → D. Dinis como profeta

Resumindo → Facetas dos Rei evidenciadas neste poema:


● poeta: escreve de noite os seus cantares de amigo (v1) e é o iniciador da poesia e da literatura portuguesa (v.6)
● “plantador de naus” (v2): D.Dinis é apresentado como um visionário , um profeta, um homem que consegue
perceber o que os outro não conseguem. ele foi escolhido para cumprir uma missão - plantar os pinheiros cuja
madeira serviria par afazer as naus dos descobrimentos que possibilitaram a criação do Império Português
● Rei que iinicia um novo ciclo na nossa história: o ciclo do mar deverá substituir o ciclo da terra (v.9 e 10)

D. Sebastião, Rei de Está na 1ª pessoa → o suj. poético pensa o mesmo que D. Sebastião,
Portugal sendo que quem fala e diz o que sente é D. Sebastião

Louco, sim, louco, - Começa por auto caracterizar-se → é louco porque é ambicioso, a
porque quis grandeza sorte não lhe dá grandeza → é Rei de um país pequenino, então queria
Qual a Sorte a não dá. um país maior
Não coube em mim - Consequências da sua loucura e ambição exagerada = vai morrer no
minha certeza; areal de África → pretérito perfeito
Por isso onde o areal está - MAS não morreu o sonho que tinha → o que há são os seus sonhos
Ficou meu ser que
que se mantêm
houve, não o que há.
- Faz um pedido: que os outros tomem a sua loucura, ou seja, que
Minha loucura, outros ponham em prática os seus sonhos.
que me a tomem - O suj. poético quer que o leitor faça uma reflexão, entãousa a
Com o que nela ia. pergunta retórica de forma a evidenciar a importância da loucura
Sem a loucura que é o e dos sonhos = a nossa vida não tem sentido sem a loucura /
homem sonhos / ambições, não somos mais do que um animal que
Mais que a besta sadia, procria.
Cadáver adiado que
procria?

Resumindo:
● Na primeira estrofe, temos a autocaracterização do sujeito poético (D. Sebastião) que se apresenta como
um louco. Essa loucura é motivada pela insatisfação com que o destino lhe reserva e pelo desejo de
grandeza (versos 1-3). A morte e a destruição física no areal de Alcácer Quibir são a consequência do
espírito sonhador de D. Sebastião (versos 4 e 5).
● Na segunda estrofe, temos o elogio da loucura e o apelo a que outros tomem os seus ideais, uma vez que
eles não morrem (conjuntivo com valor de imperativo - versos 6 e 7). O poema termina com uma reflexão
(pergunta retórica) onde há uma crítica à passividade dos homens, a uma vida sem sonhos, tão
semelhante à dos animais.
● Articulação entre o presente e o passado:
○ O pretérito perfeito (“quis”, “coube”, “ficou” e “houve”) ou o pretérito imperfeito (“ía”) mostram a
dimensão real e histórica do Rei que morrem em Alcácer Quibir.
○ O presente do indicativo (“há”, “dá” e “é”) mostra a dimensão mítica do Rei, a permanência dos
seus sonhos e a reflexão intemporal sobre a “loucura” humana.

B. Mar Português:
Contém 12 poemas inspirados pelo desejo da descoberta do
desconhecido e do esforço da conquista do mar.
O poeta recorda o sonho dos descobrimentos e as tormentas e
glórias a eles associados. (Exemplo: “o Infante”, “o Mostrengo” e
“Mar Português”)
O INFANTE Justificação da sua posição na obra: é o 1º da segunda parte, porque
Deus quer, o homem fala sobre o Infante D. Henrique que foi o primeiro impulsionador dos
sonha, a obra nasce. Descobrimentos.
Deus quis que a terra
fosse toda uma, 1ª Estrofe
Que o mar unisse, já - tripartido: com relação de causalidade
não separasse. 1. um desejo de Deus
Sagrou-te, e foste 2. o sonho do Homem
desvendando a 3. concretização (o nascimento da obra)
espuma.
- Explicita-se o Desejo de Deus: a unificação da Terra através da
E a orla branca foi de
conquista do Mar.
ilha em continente, - O Infante tem um carater mítico e sagrado, sendo o homem escolhido por
Clareou, correndo, até Deus para descobrir/desvendar os mares → nascimento da obra
ao fim do mundo, - Há uma proximidade com o Infante do tratamento por tu
E viu-se a terra inteira,
de repente,
Surgir, redonda, do
azul profundo.

Quem te sagrou criou-


te português.
Do mar e nós em ti nos
deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o
Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-
se Portugal!

2ª Estrofe
- Os descobrimentos foram graduais:
1. verbos no gerundio
2. ir em vários tempos diferentes (verbo de movimento)
3. gradação (começa por conhecer pouco e acaba a conhecer tudo)
- sensações visuais ( cor, movimento e a forma da Terra) → contribuem para se conhecer as descoberta do Mar
- A concretização da obra → a descoberta dos Mares:
● descoberta gradual (gradação)
● verbos nos gerundio
● verbos de movimento
● as sensações visuais
● expressões adverbiais (de repente)

3º Estrofe: Há tempos distintos:


- passado distante
- passado recente /presente
- futuro → apelo a Deus para que se repita o mesmo ciclo
Mar Português
Ó mar salgado, quanto 1ª Parte → 1ª Estrofe:
do teu sal - Sofrimento, os sacrifícios do povo português para conquistar o mar.
São lágrimas de - Realidade épica - Recursos:
Portugal! ● Apóstrofe → da mesma maneira que começa também acaba
Por te cruzarmos, ● Frases exclamativa
quantas mães ● Metáfora e Hipérbole → Para reforçar o sofrimento dos portugueses,
choraram, tomando a sua dor mítica devido ao sal do mar ter origem nas lágrimas
Quantos filhos em vão dos portugueses
rezaram!
● Paralelismo Anafórico e Enumeração → para evidenciar o sofrimento
Quantas noivas ficaram
por casar familiar, a destruição de famílias provocado pelos descobrimentos
Para que fosses nosso, ó - Ideia de causa no inicio e de objetivo no v.6
mar!

Valeu a pena? Tudo


vale a pena
Se a alma não é
pequena.
Quem quer passar além
do Bojador
Tem que passar além da
dor.
Deus ao mar o perigo e
o abismo deu,
Mas nele é que
espelhou o céu.

- Carater lírico:
● discurso de 1ª pessoa
● frases exclamativas
● demonstra os sentimentos do sujeito épico → ele também sente a dor dos descobrimentos

2ª Parte: 2ª estrofe→ Reflexão:


- começa por uma pergunta retórica
- responde 3x à mesma pergunta:
1. Resposta → quando há sonhos a determinação é necessária
2. Resposta → ultrapassar um obstaculo necessita de sofrimento
3. Resposta → a recompensa/a glória que se atinge à custa dos perigos e abismos que se vencem

C. O Encoberto:
Contém 13 poemas e tem como figura referencial Dom Sebastião. O Sebastianismo
perdurou ao longo dos séculos da nossa história. a nação, quando o pessimismo se
instala, anseia por uma espécie de messias que venha reconstruir o sonho Português.
Há poemas que retratam o estado de decadência em que Portugal se encontra
(“Noite” e “Tormenta”) e outros que apontam para a necessidade urgente de um futuro
melhor e do Renascimento de Portugal (“Nevoeiro” e “Quinto império”).
Quinto Império 1 estrofe:
Triste de quem - Antítese → contentes com o conforto do seu lar, mas o sujeito poético
vive em casa, acha-as tristes
Contente com o - O sujeito poético explica o porquê de não serem assim tão felizes →nao
seu lar, sonham → faria as pessoas voar, mudar e a brasa teria mais brilho
Sem que um - As pessoas deviam abandonar esse conforto da casa e partir nas
sonho, no erguer asas do sonho
de asa,
Faça até mais 2 estrofe:
rubra a brasa - Mesma perspetiva da estrofe anterior = são tristes porque a “vida dura”,
Da lareira a a vida continua sem sonhos e sem ambições → ideia de passividade em
abandonar! relação à vida
- A vida é comparada à morte
Triste de quem é - Crítica ao conformismo
feliz!
Vive porque a vida 3 estrofe:
dura. - passagem do tempo, vão se somando gerações → os sonhos continuam nas
Nada na alma lhe gerações
diz - Se o mundo avança é porque as pessoas têm sonhos, há insatisfação e
Mais que a lição da ambições → e por isso há mais gerações
raiz — - Desejo\Esperanca de que acabe a passividade e o conformismo
Ter por vida a que deve ser domado pelos sonhos.
sepultura.
4 estrofe: conclusão
Eras sobre eras se - Depois de todos os impérios que houve
somem - Um passado e um presente correspondem à noite metaforicamente,
No tempo que em MAS dessa noite surge futuro como um dia:
eras vem. - Passado e presente = Crise →pais as escura, noite
Ser descontente é - Futuro = época melhor, espera-se que venha algo de positivo da
ser homem.
noite escura → dia que será claro, época mais feliz.
Que as forças
cegas se domem
Pela visão que a
alma tem!

E assim, passados os quatro


Tempos do ser que
sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que
no atro
Da erma noite
começou.

Grécia, Roma,
Cristandade,
Europa — os
quatro se vão
Para onde vai toda
idade.
Quem vem viver a
verdade
Que morreu D.
Sebastião?

5ª Estrofe:
- 4 impérios importantes, materialistas e que já acabaram
- o novo império será espiritual e ligado à cultura → baseado em valores morais, sonhos e na verdade
- os valores morais ficam mas a riqueza não
- D.Sebastião andava à procura da verdade, portanto foi a verdade que matou D. Sebastião → verdade = sonho
2. Miguel torga
a. Majestade
Passa um rei — é o Poeta. --> metáfora Capacidade criativa
Não pela força de mandar,
Mas pela graça mágica e secreta
homenagem a quem é exigido um esforço contínuo e um trabalho paciente
De imaginar.

O ceptro, a pena — a lançadeira cega Escreve sobre vários temas


Do seu tear de versos.
O manto,a pele—arminho onde se
Ser predestinado = nasceu poeta porque assim foi decidido
pega
A lama dos caminhos mais diversos.
1. Tendo em conta as duas primeiras estrofes
Um grande soberano a. justifica o uso repetido do travessão.
No seu triste destino → é infeliz Introduz orações com caracter explicativo, realçando o papel do rei/poeta,
De ser um monstro humano que exerce o ser poder através da pena e da pele.
Por direito divino. b. estabelece uma relação de sentido entre o conteúdo e o
título do poema
O titulo remete para a ideia da grandeza do rei mas, ao longo do poema,
percebe-se que esse rei é o poeta e que o seu poder está associado a
outros símbolos.

2. Sintetiza os traços caracterizadores do poeta, tal como é apresentado na composição.


Capacidade de criar, de imaginar e também através da sua sensibilidade.

3. Refere o recurso expressivo que, na última estrofe, contribui para essa caracterização
Na última estrofe há uma antítese que evidencia o poder do poeta e a sua grandiosidade (v. 9 e 12) que contrasta
com o facto de ele estar destinado a ser infeliz (v. 10 e 11).

4. Mostra que neste texto está presente a temática: “figurações do poeta”


Este tema está aqui presente porque o poeta é caracterizado como um ser dotado da capacidade de imaginar e de
um espírito sensível para mostrar os diferentes aspetos da realidade.

b. Canção do Semeador

Na terra negra da vida


Pousio do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.

Mas todo o semeador


Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.

c. Orfeu Rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso 1. Compara a rebeldia de Orfeu com a
Que na casca do tempo, a canivete, rebeldia do suj. poético
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...


Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura, 2. Mostra como se concretiza, a nível
Saibam que há gritos como há nortadas, vocabular, a ideia de rebeldia anunciada
Violências famintas de ternura. no título do poema.

Bicho instintivo que adivinha a morte 3. Explica em que medida o “Eu” (v.8) se
No corpo dum poeta que a recusa, diferencia dos “outros” (v.7) poetas.
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa. 4. Justifica a tua respostas à 3.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

d. Cantiga de Maldizer:
Esta menina que eu sei Fica assustada se alguém a quer namorar
É como a rosa dos ventos: →
comparação
Fica zangada pelo pai a querer fechar num convento.
Ora grita aqui-del-Rei,
Se alguém a vem namorar,
Ora maldiz os conventos A menina é indecisa e inconstante. Assim, ela pede ajuda quando
Onde o pai a quer guardar. alguém procura namorá-la, mas também não aceita ser fechada num
É um riso agradecido convento, tal como o pai pretende. Esta ideia de indecisão é também
E um pranto de se acabar. concretizada pela indefinição do fruto maduro que tem medo de ser
comido mas também receia ficar na árvore.
Parece um fruto maduro, →
comparação - Justifica o título do poema:
Do outro lado do muro, Sátira feita à menina, remetendo para a crítica presente nas cantigas de
Com medo de ser comido Maldizer medievais.
E medo de ali ficar.

Relaciona a métrica utilizada com a tradição literária portuguesa. → é a medida tradicional na poesia medieval e na poesia
popular.

Relaciona este poema com as seguintes linhas temáticas. → o poeta capta da realidade uma figura do quotidiano (uma
rapariga indecisa) e procura retratá-la.

3. Características do texto de memórias:


i. Natureza biográfica → o autor fala de uma determinada altura da sua vida
ii. Temas variados ligados às lembranças do passado (distante ou mais recente) →
com informações do passado
iii. Marcas textuais:
1. discurso na 1ª pessoas → pronomes e verbos
2. Tempos verbais:
a. tempo invocado = pretérito perfeito e imperfeito
b. tempo da escrita = presente
3. Expressões temporais → Antigamente, naquele tempo,...
4. Verbos associados à Memória ou à ideia de lembrança (Lembro-
me, recordo-me,...)

Você também pode gostar