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A ansiedade realmente afeta a memória?

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar como a memória - enquanto


processo psicológico básico dos seres humanos - pode ser afetada pela ansiedade e
situações emocionais intensas, tais como as que envolvem a própria ansiedade, e
também, o estresse. Ainda no texto, buscaremos trazer argumentos de como a atenção –
sendo esta uma importante aliada no processo de armazenamento da memória – pode
ser afetada, de forma negativa, também pela ansiedade.

Discussão bibliográfica

Em nossa pesquisa bibliográfica encontramos argumentos muito interessantes


que defendem e apontam diferentes questões sobre o assunto.

Christianson (1992), afirma que frente a um estado emocional intenso não só a


memória é afetada. Todo o sistema cognitivo sofre alterações, com repercussões ao
nível de percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisões.

Tomando como verdadeira a relação entre situações emocionais intensas e


ansiedade, vimos que estudos laboratoriais e estudos autobiográficos revelaram que os
acontecimentos emocionais negativos são bem recordados, quer no que se refere ao
acontecimento emocional em si, quer mais especificamente ao tema central do
acontecimento. Esse fenômeno foi denominado “Focagem da Arma”, por Maass e
Köhnken (1989). Christianson e Safer concordam com essa formulação e apresentam o
argumento de que se tiver em conta uma perspectiva evolucionista, este efeito seria
devido à necessidade de identificar e reagir rapidamente aos estímulos negativos e
ameaçadores.

Em contrapartida, Freud, em suas teorias do inconsciente, acredita que tais


lembranças de acontecimentos negativos podem ser reprimidas devido ao fato de terem
sido traumáticas, e, portanto, “esquecidas”.

Contrariando, em parte, os autores citados até agora, Curtiss et al. (2000), afirma
em um de seus artigos, baseado em um estudo com 3999 veteranos que cumpriram o
California Verbal Learning Test (CVLT), que altos níveis de ansiedade não surtem
efeito significativo em nenhum aspecto da memória. Entretanto, quando a depressão
está acompanhando a ansiedade, não só um efeito negativo é notado em memórias
antigas e suas quantidades, como também em lembranças recém-apreendidas.

Outro apoiador da ideia de não relação entre memória e ansiedade está no estudo
de Yassuda et al. (2009), que realiza uma pesquisa sobre este problema entre idosos. A
conclusão encontrada é de que não há danos na memória da amostra (de indivíduos)
decorrente da ansiedade. As causas da danificação dessa função cognitiva é
consequência de outros processos.

Entretanto, se tomarmos como verdade que a ansiedade é uma reação ao


estresse, pode-se encontrar mais alguns argumentos que salientam a relação entre os já
citados e a memória.

De acordo com Coelho (2014), em casos desesperadores como a questão da


própria sobrevivência, o entendimento acerca das reações ao medo ou estresse pode
ajudar a entender um pouco mais acerca da ansiedade e do estresse e, por conseguinte,
auxiliar na compreensão de como tais fatores podem influenciar, inclusive, na memória.
Apesar de as respostas imediatas ao estresse auxiliarem na sobrevivência em curto
prazo, a ativação crônica dessas respostas, propicia desenvolvimento de estados
emocionais patológicos e de distúrbios fisiológicos e psicológicos, como dificuldade de
aprendizagem e déficits de memória, que pode ser explicada pela produção aumentada
de adrenalina devido a um processo de estresse descontrolado.

A autora também explica que os glicocorticoides (GR) são hormônios esteroides


que se ligam aos receptores de cortisol e são capazes de agir no organismo como eles.
Podem decompor proteínas que são convertidas em glicose, que está relaciona com
energia corporal e é especialmente necessária aos altos níveis de ansiedade e estresse.
Além disso, esses hormônios regulam o comportamento ansioso e sua ação prolongada,
no caso de indivíduos em estado de estresse crônico, é absolutamente negativo. Outro
papel importante desempenhado pelos GR refere-se à memória, pois possuem efeitos
moduladores em diferentes fases de sua formação, e um rompimento de seu processo
normal afeta a cognição e a memória. Nesse caso, sua liberação em grande quantidade
na corrente sanguínea causa fortes impactos em neurônios do hipocampo.

O fato do hipocampo, que é uma das mais importantes áreas relacionadas aos
processos mnemônicos, ser um dos principais alvos de atividade dos GR, faz com que o
estresse crônico, que pode ser gerado por sua ação, leve os indivíduos a sofrerem com
déficits de memória.

Há também, estudos que mostram que atenção (função cognitiva que possibilita
o processo de memorização), pode ser afetada negativamente pela ansiedade.

A importância de citar a atenção brevemente em nossa discussão bibliográfica


está no fato de que a memória está diretamente ligada aos processos de atenção e
pessoas com ansiedade possuem dificuldade em manter a atenção sustentada pelas
interferências que a mesma produz. Beck (1985) afirma que tanto na escola, no trabalho
ou em casa, a falta de atenção pode afetar a vida das pessoas, impossibilitando-as de
apreender novos conhecimentos e podendo até coloca-las em risco em casos onde a
atenção é fator importante para a realização da tarefa. Sem a atenção, é um tanto quanto
complicado conseguir armazenar a sequência de informações importantes para o nosso
desempenho que chegam a todo o momento.

O autor salienta que nosso cérebro é como a placa mãe de um computador, que o
funcionamento depende de toda a fiação e processos que o ligam ao meio, ou seja, o
processamento depende da atenção seletiva, focalizada. Logo, para se apropriar e
apreender informações pelos órgãos dos sentidos, é preciso fazer uma espécie de filtro,
fazer a seleção e abdicar de alguns estímulos, e focar naqueles que são de uso relevante.
Em uma aula abdica-se das conversas ao redor e focaliza a atenção no que o professor
está dizendo, você ainda pode ouvir os ruídos, mas a sua atenção está com foco na fala
do professor. São essas considerações relevantes que ficam registradas em nossa
memória, para que posteriormente possam ser acessadas e utilizadas. A ansiedade entra
como fator que dificulta quando prejudica a apreensão e concentração nesses estímulos,
Beck mostra que, a partir de estudos, captou que os pacientes com transtornos de
ansiedade apresentam dificuldade em focalizar objetos específicos ou mantê-los em
atenção sustentada por um período de tempo, bem como de concentração, devido à falta
de habilidade de focalização.

Wigfeld e Eccles (1989) exemplificam em seus estudos, que, em momentos de


tensão, crianças da escola secundária apresentam uma oscilação atencional, como, por
exemplo, numa situação estressante de avaliação a atenção ficaria dividida, oscilando,
entre as exigências da tarefa e os sentimentos de auto-depreciação, diminuindo assim o
nível de concentração e a capacidade de memorizar.
Eysenck (2007), após realizar estudos em universidades, concluiu que alunos
que obtiveram resultados elevados em testes de ansiedade, tiveram também um
desempenho mais lento em atividades comparado aos outros, além de também
apresentar falsas memórias. Deste modo, entende-se que os graus elevados de ansiedade
afetam o desempenho cognitivo das atividades atencionais, no controle inibitório e na
memória de trabalho, ou seja, afeta diretamente a memória - que como dito
anteriormente - é totalmente ligada à atenção.

Conclusão

Da mesma forma como é comparado no texto, se considerarmos o cérebro como


a placa mãe de um computador que por meio de suas conexões tornam seu
funcionamento possível, não poderíamos desconsiderar que processos fisiológicos e
psicológicos que ocorrem no corpo humano tem poder de interferir uns sobre os outros.
Tal afirmação nos remete ao fato da ligação existente entre ansiedade e estresse e como
seus níveis elevados podem causar um comprometimento desse “sistema”.

Embora alguns estudos mais antigos desconsiderem o impacto da ansiedade


sobre capacidades mnemônicas e até mesmo se refiram a fortes situações emocionais
negativas como fatores que contribuem para consolidação dos eventos, estudos mais
recentes trazem um embate a tais questões, como no caso dos que foram realizados por
Eysenck e comprovaram como determinadas situações de ansiedade dificultam
processos cognitivos e a memória.

Portanto, ao falarmos sobre isso, é de grande importância discutirmos sobre a


evolução e a adaptação do ser humano aos novos eventos que contribuem ou não para
sua sobrevivência. Situações que evidentemente ameaçam nossa vida, como no caso dos
estudos de focagem da arma, tem um fator determinante sobre a memória. A tomada de
decisão nessas situações decorre da resposta de luta ou fuga e se relaciona com atitudes
humanas igualmente remotas à sua própria existência. Entretanto, atualmente não são
somente tais formas de eventos que são capazes desestabilizar fatores correspondentes
ao estresse e, com isso, a ansiedade. Isso nos direciona a questionamentos sobre a
capacidade dessas eventuais transformações ocorridas a partir da evolução.

Evidentemente, além de termos mantido nossas respostas a situações graves,


fomos capazes de vincular situações simples, como provas numa faculdade, a respostas
tão ansiolíticas quanto do caso anteriormente citado, porém a forma como isso tem
afetado a atenção e, com isso, a memória ao invés de contribuir para ela é uma questão
que só poderá ser respondida através de mais estudos que considerem essa interrelação
entre os fatores intra, como no caso do acometimento do hipocampo em resposta aos
níveis elevados de GR, e extra, que se relaciona à nossa adaptação ao meio e como essas
novas formas de produzir estresse e ansiedade tem interferido no bem estar da
população em geral.

Referências Bibliográficas

PINTO, A. C. (1998). O impacto das emoções na memória: alguns temas em


análise. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto,
Portugal.

COELHO, L. M. S. (2014). Ansiedade e Memória: Níveis de Alfa-CaMKII em


Hipocampos de Ratos Cariocas Adultos (Dissertação de mestrado). Departamento de
Psicologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, Rio de Janeiro.

PAULO, D. L. V., YASSUDA, M. S. (2009). Queixas de memoria de idosos e


sua relação com escolaridade, desempenho cognitivo e sintomas de depressão e
ansiedade. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo.

A. H. KIZILBASHA, A. H., VANDERPLOEG R. D., CURTISS, G. (2000). The


effects of depression and anxiety on memory performance. Archives of Clinical
Neuropsychology, Tampa, USA.

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