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Universidade Católica de Pernambuco

Centro de Teologia e Ciência Humanas


Antropologia Filosófica
Professor: Karl Heinz Efken
Aluno: José de Sá Araújo Neto
A Antropologia na Filosofia Kantiana

Immanuel Kant (1724-1804), em seus trabalhos filosóficos, pôs o homem no centro de


suas reflexões. A partir dele, o pensamento ocidental voltou-se para uma questão premente: “o
que é o homem?” Em Kant, duas são as vertentes oriundas dessa investigação: a primeira é,
justamente, uma antropologização das questões filosóficas, ou seja, o homem torna-se o
horizonte para onde converge a reflexão e ponto de partida para todos os outros campos
investigativos; a segunda consiste em uma abordagem fática do homem, isto é, proveniente da
experiência.

Por volta do século XVIII, com o surgimento e posterior desenvolvimento das ciências
da natureza, o homem não mais se entendia como passivo contemplador da realidade, mas
agente e interventor na natureza. Em contraposição a essa ideia, Kant afirma que o domínio
empírico não é absoluto nem no que diz respeito ao conhecimento, nem tampouco no agir
moral humano. Aqui, faz-se presente o que o nosso filósofo chamou Eu Transcendental, ou
seja, a consciência enquanto tal, a subjetividade ou razão pura, que atua como mediação
universal e necessária entre o mundo, o qual nos é dado como uma multiplicidade
indetermina, e o conhecimento humano. Em outras palavras, o mundo só pode ser objeto
cognoscível por meio de esquemas transcendentais (quantidade, qualidade, relação,
modalidade) e das suas respectivas categorias, conceitos puros a priori. O pensar aplica as
categorias aos fenômenos e produz uma síntese, formando dois tipos de juízos: sintéticos e a
priori.

O Eu Transcendental dispõe das condições que possibilitam o conhecimento objetivo,


isto é, as categorias transcendentais são as condições para a transformação dos dados em
fenômenos, os quais, objetivados, podem ser conhecidos. Dessa forma, em torno da questão
sobre o que é o homem, desdobram-se outras três perguntas: “o que posso saber”, “o que devo
fazer?” e “o que posso esperar?”. Como já é possível de perceber, há um específico dualismo
em Kant, o qual se manifesta na oposição: teoria e práxis. A filosofia teórica kantiana é uma
reflexão acerca das questões possibilitantes da objetivação dos dados, tornando-os fenômenos;
a filosofia prática, por sua vez, diz respeito ao agir moral do homem, proveniente da
espontaneidade pura da razão, e não dos condicionamentos da natureza.

No campo teórico, o pensamento humano está a serviço da sensibilidade, pois a razão,


por ela mesma, nada pode conhecer. Conforme já foi exposto, a razão pura é constituída de
esquemas imprescindíveis para a representação do mundo físico na mente humana, o que só
acontece por meio das categorias transcendentais. Por toda essa profunda reflexão, Kant pôde
afirmar que a teoria é a dimensão da alienação da razão, uma vez que está indiretamente
dependente da sensibilidade, estando em função de um outro que não ele próprio.

Por outro lado, a teoria prática kantiana entende a razão como empossada em si
mesma, consequentemente, tudo o que não é proveniente da razão pura é passional e
desordenado. A práxis realiza a passagem do homem fenomênico para o “numênico”: o
homem, enquanto fenômeno, está sujeito à lei da causalidade universal, tornando-o
condicionado como todos os demais fenômenos, entretanto, o homem em si se estabelece no
reino dos fins, e é desse domínio de onde deve vir a sua norma de agir.

Nesse âmbito, a liberdade é o fundamento da lei moral e, por consequência, da


subjetividade, origem da moralidade. A liberdade, em Kant deve ser entendida como o deixar-
se guiar pela razão pura, não se sujeitando à causalidade natural e universal, dominante em
todo o mundo fenomênico. Decorrente desse conceito, surge um outro, a vontade: uma lei em
si e para si mesma na medida em que entendemos a liberdade como a obediência unicamente
ao que é ditado pela razão pura. A vontade é lei para si mesma, única medida para as ações de
um homem verdadeiramente livre, isto é, obediente ao dever oriundo da própria subjetividade,
independente da história e do mundo, livre para pensar por si mesmo.

A maioridade consiste, justamente, em uma vida pautada na espontaneidade pura da


razão. O cerne do homem, o que lhe dá dignidade, é a liberdade, a subjetividade pura, o que o
humaniza. A partir do momento em que o homem se desloca de um mundo empírico para o
domínio do inteligível, descobre a liberdade e, com ela, humaniza-se. Destarte, o homem é o
encontro de dois mundos: o teórico, por meio do qual pertence ao mundo natural, onde os
condicionamentos imperam; o prático, com o qual nos reconhecemos na esfera da
racionalidade, de onde procede a moral e os fins. Desse segundo mundo, recebemos
dignidade, compreendemos que jamais podemos ser meios, pois não existimos em função de
outrem, mas somos fins, já que encontramos sentido em nós mesmos.

Kant também aborda o que ele considera como propriamente antropologia, a saber, o
conhecimento do homem fático, uma ciência empírica. Desse modo, o nosso filósofo
estabelece uma relação entre o homem, como ser concreto e disposto no mundo, e a
humanização, processo pelo qual toma consciência da lei moral e da liberdade, ambas
provenientes da razão pura. A antropologia filosófica empírica atém-se a um conhecimento
universal sobre o homem concreto. A teoria das faculdades é um meio que torna possível a
observação de regularidades gerais no comportamento do ser humano. Dentro desse campo,
duas são as acepções da antropologia: a fisiológica, que consiste em estudar os
condicionamentos a que o homem concreto está submetido, e a pragmática, ou seja, o estudo
do homem como único ser que, por meio da razão, pode e deve agir sobre si mesmo.

Como único ser que pode chegar à razão, o homem se distingue dos outros animais por
três disposições fundamentais: a técnica, que é a capacidade humana de controlar as coisas
materiais; a pragmática, isto é, o potencial civilizatório do homem por meio da cultura; a
moral, entendendo o homem, enquanto inteligível, como um ser naturalmente bom, mas
também, enquanto ser concreto no mundo, tendente à realização do mal. Nesse paradoxo, o
homem deve cultivar a racionalidade para se humanizar, tornar-se civilizado e realmente livre.
Desse modo, a humanidade e a liberdade do homem são decorrentes de um conflito entre a
sua animalidade instintiva e o seu caráter racional, a educação especificamente humana.

O fim da natureza é o homem, único ser que é entregue a si mesmo. Contudo,


enquanto fenômeno no mundo, sofre os condicionamentos da realidade concreta e, por isso,
deve caminhar na direção da autonomia da razão, obedecendo unicamente às normas morais
dela decorrentes. Em outras palavras, a liberdade e a humanização somente se dão na
passagem da racionalidade potencial para uma atual, transcendendo os dados materiais
mediante uma racionalização.

Por conseguinte, o movimento constante entre o homem fenomênico e o numenal


funda a dialética da história. Nessa dinâmica, temos a tarefa permanente de passar de uma
vida natural para uma vida livre e racional, por meio da qual alcançamos o nosso fim. A meta
final, então, é o estabelecimento de uma ordem internacional fundada na razão e na liberdade,
recebendo as contribuições de cada indivíduo e podendo regular a vida da humanidade.

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