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A AUSÊNCIA DE RECURSO

IMEDIATO CONTRA DECISÃO


INTERLOCUTÓRIA NO JUIZADO
ESPECIAL CÍVEL1
Carolina de Moura Antonio2
Ana Brunetta3

RESUMO
O presente artigo versa sobre a análise do procedimento do Juizado Espe-
cial Cível, regulamentado pela Lei nº 9.099/95, bem como a irrecorribili-
dade das suas decisões interlocutórias. Por meio de uma pesquisa biblio-
gráfica junto a doutrinas, leis e jurisprudências, o estudo foi desenvolvido
com o objetivo de averiguar a viabilidade de interposição de recurso para
atacar decisões interlocutórias proferidas no âmbito do Juizado Especial
Cível. Para isso, a pesquisa será desenvolvida através do método hipoté-
tico-dedutivo. Adotar-se-á uma abordagem qualitativa acerca da matéria,
com a utilização de fontes secundárias pautada em pesquisa bibliográfica,
legislação, doutrina e jurisprudência nacional. Abordar-se-á a criação da
Lei nº 9.099/95 e a sua finalidade para que seja possível compreender
a sua origem, a sua competência de julgamento e o funcionamento do
procedimento como um todo. Ainda, busca-se analisar o Projeto de Lei
nº 1918/2015, o qual foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, atual-
mente, está submetido à apreciação do Senado Federal, tal análise partirá

1
Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro Univer-
sitário Metodista – IPA, como requisito parcial para obtenção do Grau de
Bacharel em Direito.
2
Graduando do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário
Metodista – IPA.
3
Orientadora do artigo, Doutora em Direito - Teoria Geral da Jurisdição e
Processo e professora do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Uni-
versitário Metodista – IPA.

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de uma visão inicial de todo o procedimento do Juizado Especial Cível até


chegar ao recurso de agravo de instrumento, com o intuito de identificar
a sua viabilidade. Tendo em vista que a redação final do projeto de Lei
nº 1918/2015, da maneira pela qual foi aprovada, mostra-se insuficiente
para regulamentar e estabelecer de que forma se dará a interposição do
agravo de instrumento no âmbito da Lei nº 9.099/95.

Palavras-chave: Juizado Especial Cível. Irrecorribilidade. Princípios.
Projeto de Lei nº 1918/2015. Agravo de Instrumento.

THE ABSENCE OF IMMEDIATE APPEAL AGAINST IN-


TERLOCUTORY DECISION IN THE SPECIAL CIVIL
COURT

ABSTRACT
This article deals with the analysis of the procedure of the Special Civil
Court, regulated by Law No. 9.099/95, as well as the irrelocation of its
interlocutory decisions. Through a bibliographic research, together with
doctrines, laws and jurisprudence, the study was developed with the
objective of ascertaining the feasibility of bringing an appeal to attack
interlocutory decisions given under the Civil Special Court. For this, the
research will be developed through the hypothetical-deductive method.
A qualitative approach to the subject will be adopted, with the use of
secondary sources based on bibliographic research, legislation, doctrine
and national jurisprudence. The creation of Law 9.099/95 and its purpose
to understand its origin, its jurisdiction of judgment and the functioning
of the procedure as a whole will be addressed. Furthermore, we seek to
analyze Bill No. 1918/2015, which was approved by the House of Repre-
sentatives and is currently submitted to the appreciation of the Federal
Senate, such analysis will start from an initial view of the entire procedure
of the Special Civil Court until it reaches the appeal of instrument injury,
in order to identify the feasibility of that appeal. Considering that the final
wording of the 1918/2015 bill, in the manner in which it was approved,
is insufficient to regulate and establish how the instrument injury will
be brought under Law 9.099/95.
Key words: Special Civil Court. Irrecorribility. Principles. Bill No.
1918/2015. Instrument Injury.

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A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

1 INTRODUÇÃO
O Direito, vedando a autotutela e atraindo para si a respon-
sabilidade de regular as relações sociais, garantiu aos cidadãos
a porta aberta do Judiciário para as soluções dos conflitos exis-
tentes na sociedade, a fim de efetivar a prestação jurisdicional.
Como decorrência disso, a atual constituição brasileira estabe-
leceu o direito de ação, o qual se encontra consolidado através
do principio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF).
Estabelecer o direito de ação significa garantir a todos o acesso
à justiça, à solução dos conflitos mediante a instauração de um
processo que se desenvolve em observância as garantias, tal como
o devido processo legal entre outras.
O processo, sendo definido como o instrumento a serviço do
direito material, pelo qual se exerce a jurisdição, possui normas
e princípios que o regem, os quais estão positivados nos códigos
processuais. No que tange ao ramo do Direito Civil, o Código
de Processo Civil estabelece as regras a serem observadas para
que se consiga entregar a prestação jurisdicional de forma justa.
Ocorre que, o legislador percebeu o elevado número de ações em
tramitação e apresentadas ao Judiciário e identificou que, para
determinados conflitos, algumas regras estabelecidas no Código
de Processo Cível não são necessárias e nem as mais adequadas
para que se obtenha um resultado justo de forma rápida, levan-
do em consideração a baixa complexidade das causas e o baixo
valor envolvido. Ainda, reconheceu que as demais causas com as
mesmas características, muitas vezes, nem chegavam à apreciação
do Poder Judiciário por diversos motivos, tais como o tempo de
duração do processo, a ausência de condições de contratar um
advogado e até mesmo o desconhecimento dos seus direitos por
parte dos cidadãos.
Nesse contexto, desde 1984 há uma intenção legislativa em
diferenciar as demandas que necessitam de uma prestação mais
formal, burocrática e demorada, das que podem ser solucionadas

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de forma mais simples, tendo em vista o baixo valor econômico.


Assim, surge a Lei nº 7.244/84 (Lei das Pequenas Causas) com
competência para julgamento das causas com o valor de até 20
salários mínimos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, tratou o
legislador de positivar o procedimento das Pequenas Causas (art.
98, I) e acrescentar como competência de julgamento, além do
baixo valor econômico, a baixa complexidade da causa, estabele-
cendo os seus critérios de identificação e toda a regulamentação
do procedimento conhecido como Juizado Especial Cível na Lei nº
9.099/95. Revogando a antiga Lei de 84 e tendo como finalidade
principal a ampliação do acesso à justiça e garantia de prestação
jurisdicional célere e eficaz.
Pois bem, nenhuma legislação escapa dos louvores e das
críticas por parte dos juristas, dos doutrinadores e até mesmo
da sociedade. Com a Lei nº 9.099/95 não é diferente. No que diz
respeito às criticas, um dos temas que gera debates frequentes
é a ausência de previsão recursal para atacar imediatamente as
decisões interlocutórias proferidas no Juizado Especial Cível. O
legislador previu a utilização de apenas dois recursos no procedi-
mento na Lei nº 9.099/95, sendo eles os embargos de declaração
e o recurso inominado.
Aprofundando a investigação sobre o âmago da questão, qual
seja, a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, é
possível identificar que os argumentos da parte doutrinária que
defende a previsão de impugnação das decisões interlocutórias,
fazendo o uso do recurso de agravo de instrumento, são baseados
nos princípios e garantias processuais e fundamentais, ao passo
que os defensores da irrecorribilidade argumentam que o pro-
cedimento não fere nenhuma garantia, e sim apenas se adequa
aos casos concretos de sua competência de julgamento. A ques-
tão chegou à apreciação da Câmara dos Deputados, através do
Projeto de Lei nº 1918/2015 apresentado pelo deputado Rogério

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NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Rosso, postulando a previsão legal do cabimento do agravo de


instrumento nos Juizados Especiais Cíveis.
A existência do referido Projeto de Lei abre um leque de
discussões processuais e principiológicas acerca do procedimento
do Juizado Especial Cível. Nesse contexto, analisar se a previsão
da interposição de recurso contra decisão interlocutória vai de
encontro aos princípios que norteiam o microssistema previsto
na Lei nº 9.099/95 torna-se relevante para a área do Direito, visto
que, em caso de aprovação, é necessário identificar qual seria o
impacto no procedimento como um todo.
Considerando o procedimento sumaríssimo da Lei nº
9.099/95, as suas finalidades imediatas e mediatas, bem como a
suposta aprovação do Projeto de Lei nº 1918/2015, é relevante
fazer os seguintes questionamentos: o agravo de instrumento
seria o recurso mais adequado? Quais mudanças ocorreriam com
a interposição desse recurso? A recorribilidade de imediato das
decisões interlocutórias levaria a um afastamento da celeridade
processual para possibilitar uma defesa mais ampla?
Identificar a ideia central de criação do Juizado Especial
Cível, qual a sua base pincipiológica e quais as intenções do
legislador, a fim de compreender as peculiaridades desse mi-
crossistema, é de suma importância para concluir se a amplia-
ção das possibilidades recursais traz consigo uma alteração no
funcionamento e na finalidade do procedimento como um todo.
É o que pretende o presente artigo.

2 O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E A SUA RAZÃO DE EXISTIR


Com o objetivo de ampliar o acesso à justiça, o artigo 98, I,
da Constituição Federal de 1988 estabeleceu a criação dos Jui-
zados Especiais, delegando a sua responsabilidade de criação e
regulamentação ao Distrito Federal e a cada um dos seus Estados.
No entanto, procedimento semelhante ao do Juizado Especial já

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era previsto na Lei nº 7.244/84, sendo esta competente para


julgar causas exclusivamente de baixo valor econômico, proce-
dimento conhecido como Pequenas Causas.
A Constituição Federal, além de positivar o funcionamento
do procedimento já existente desde 1984, modificou o nome para
Juizados Especiais Cíveis com competência para julgar causas de
menor complexidade. Ainda que o artigo 24, X, fale em Pequenas
Causas, enquanto o art. 98, I, fala em Juizados Especiais, trata-se
do mesmo instituto, apenas com nomenclatura diferente. Tanto
é que, com o advento da Lei nº 9.099/95 a Lei nº 7.244/84 foi
revogada (art. 97, Lei nº 9.099/95) e ambos os procedimentos
foram unificados (pequenas causas e juizados especiais), tornando
o Juizado Especial Cível competente para julgar causas de baixo
valor econômico aliado a menor complexidade.
Conforme o exposto, a Lei nº 9.099/95, especificamente
do art. 3º ao 59º, visto que os demais artigos dissertam acerca
do procedimento dos Juizados Criminais, regula o procedimen-
to dos Juizados Especiais Cíveis, tendo como um dos fatores
limitantes de sua competência o baixo valor econômico, bem
como a menor complexidade.
Em relação ao baixo valor econômico, o art. 3º prevê expres-
samente que são causas em que o seu valor não excede a soma de
40 salários mínimos (inciso I), salvo em hipóteses de conciliação
e de pagamento de multa por descumprimento de obrigação,
nesses casos, não há limitação do valor. O §3º do mesmo artigo
prevê que o valor excedente deve ser renunciado, sob pena de
extinção do processo sem resolução de mérito. De acordo com
o artigo 9º, a constituição de advogado só será obrigatória em
causas que ultrapassem 20 salários mínimos. Da mesma forma,
ainda que a causa possua o valor de 40 salários mínimos, a parte
autora deverá renunciar o valor que exceder os 20 salários mí-
nimos, caso opte pela dispensa do advogado.

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NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Já a baixa complexidade da causa está prevista no art. 3º,


bem como em seus incisos e parágrafos, tornando o valor da
causa o critério definidor (inciso I, art. 3º), bem como um dos
critérios identificadores da menor complexidade, aliado aos
demais incisos (II, III e IV) do mesmo artigo. O Enunciado nº
54 do FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) esta-
belece que a baixa complexidade se dá em razão do objeto de
prova (complexidade probatória), ou seja, se não for possível
solucionar a lide com base em provas e esclarecimentos simples,
o procedimento do Juizado Especial Cível não será competente
para o julgamento da causa, devendo as partes serem direcio-
nadas à Justiça Comum.
A Lei nº 9.099/95 também estabelece expressamente as
causas que são excluídas da sua competência de julgamento,
elencadas no §2º, do art. 3º:

§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Es-


pecial as causas de natureza alimentar, falimentar,
fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também
as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e
ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de
cunho patrimonial.

Essa exclusão se dá por imposição Constitucional, por existên-


cia de procedimento específico regido por legislação especial acerca
da matéria ou por entendimento de maior complexidade da causa.
Por fim, o cunho social possui caráter relevante no procedi-
mento da Lei nº 9.099/95. Em síntese, o Juizado Especial Cível foi
criado para ampliar o acesso à justiça, visando alcançar a solução
do conflito de forma simples e rápida, daí a sua competência para
julgar causas com menor complexidade, visto que um processo
que possua um meio de prova mais trabalhoso vai de encontro
aos Princípios do Juizado.

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3 OS PRINCÍPIOS DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL


O sistema do Juizado Especial Cível possui princípios pró-
prios que visam atender a sua finalidade imediata, ou seja, a am-
pliação do acesso à justiça através de um procedimento simples
e eficaz. Todo o procedimento deve ser interpretado de acordo
com os princípios elencado no art. 2º para que seja válido:

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da


oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que
possível, a conciliação ou a transação.

Ainda, de acordo com Hélio Martins Costa (COSTA, 2007):

Na interpretação dos dispositivos da Lei 9.099/95,


bem como de todos os demais enunciados norma-
tivos que tenham aplicação a casos submetidos
ao Juizado Especial, o Juiz deverá observar os
critérios fixados no art. 2º e, na hipótese de lacu-
na na referida Lei, o magistrado deverá encontrar
soluções apontadas pelos critérios informativos
dos Juizados, mesmo que em detrimento de outras
normas processuais ou leis especiais que estejam
em desacordo com os mencionados critérios.

Como bem expõe Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016):

O que ocorre é que os princípios arrolados no art.


2º formam um filtro que, envolvendo o sistema,
permitem a passagem do que é compatível com
os seus institutos, dentro de uma lógica de pon-
deração de valores.

Portanto, a base de tudo que acontece no procedimento do


Juizado Especial Cível está presente no art. 2º da lei que o regula.
Todos esses princípios estão interligados e são próprios porque
o que pretendeu o legislador foi estabelecer um distanciamento

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do procedimento aplicado na Justiça Comum, tornando o pro-


cesso menos burocrático e menos formal, a fim de possibilitar a
autocomposição e a conciliação entre as partes.

3.1 O princípio da oralidade


O principio da oralidade é considerado por Felippe Borring
Rocha (ROCHA, 2016) como o mais importante da Lei do Juizado
Especial Cível, bem como de todo sistema processual pátrio.
Se na justiça comum o processo é predominantemente
composto por atos escritos, o legislador atribui ao procedimento
do Juizado Especial Cível a oralidade processual. Não significa
dizer que há proibição do uso da escrita, no entanto, tal princí-
pio busca fazer com o que processo ande de forma mais rápida
através de atos orais.
Conforme expõe Humberto Theodoro Júnior (THEODORO
JÚNIOR, 2016):

O processo dominado pela oralidade funda-se, des-


tarte, em alguns subprincípios como o imediatismo,
o da concentração, o da identidade física do juiz e
o da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

Com isso, o procedimento procura aproximar o juiz e as


partes para que a solução da lide seja alcançada de forma rápida,
direta e prática.
Assim, a propositura da ação, a contestação e o pedido con-
traposto, a oposição de embargos declaratórios e a execução da
sentença, podem ser solicitados de forma oral, ou seja, somente
em situações essenciais os atos serão escritos, nem mesmo o
depoimento das testemunhas se reduz a termo, e sim é gravado
em sistema de áudio ou vídeo.
No entanto, é importante observar que existe uma grande
dificuldade de eficácia do principio da oralidade, tendo em vista
que, segundo Alexandre Câmara (CÂMARA, 2008), ainda que o

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procedimento do Juizado Especial determine a prevalência dos


atos orais, na prática ocorre o inverso, pois os atos processuais
que a Lei nº 9.099/95 sugere que sejam praticados de forma oral
acabam sendo praticados de forma escrita pelas partes do pro-
cesso, aproximando-se assim do procedimento da Justiça Comum.
Na visão de Humberto Dalla Bernardina de Pinho (PINHO, 2012):

A oralidade contribui para acelerar o ritmo do


processo e para se obter uma resposta mais fiel
à realidade. O contato direto com os sujeitos do
conflito, com as provas e com as nuanças do caso
permitem ao magistrado ter uma visão mais ampla
diante da controvérsia.

Assim, o principio da oralidade possui fundamental impor-


tância para contribuir com a simplicidade e informalidade do
procedimento do Juizado Especial Cível.

3.2 O princípio da simplicidade e da informalidade


Segundo Alexandre Câmara (CÂMARA, 2008), não há dis-
tinção entre a simplicidade e a informalidade, trata-se de um
mesmo princípio, cuja finalidade é a deformalização do processo.
O procedimento do Juizado Especial foi pensado para funcionar
de forma simples e menos burocrática, assim o art. 13º, §1º da
Lei nº 9.099/95 dispõe:

Art. 13 Os atos processuais serão válidos sempre


que preencherem as finalidades para as quais
forem realizados, atendidos os critérios indicados
no art. 2º desta Lei.
§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem
que tenha havido prejuízo.

Em contra partida, Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016)


afirma que não basta apenas dizer que o principio da simplicidade

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NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

trata-se de um desdobramento do principio da informalidade,


pois a simplicidade foi arrolada no art. 2º como principio autô-
nomo. Assim, estabeleceu o seguinte significado para o principio
da simplicidade:

Do ponto de vista literal, temos que simplicidade,


conforme ensinam os bons dicionários, é a quali-
dade daquilo que é simples. Portanto, parece-nos
que o legislador pretendeu enfatizar que toda a
atividade desenvolvida nos Juizados Especiais deve
ser externada de modo a ser bem compreendida
pelas partes, especialmente aquelas desacompa-
nhadas de advogado. Seria, assim, a simplicidade
uma espécie de princípio linguístico, a afastar a
utilização de termos rebuscados ou jurídico.

O autor elenca como exemplo do principio da simplicidade


o §1º do art. 14 da Lei nº 9.099/95, o qual transcreve acerca
da petição inicial, devendo essa ser feita de forma simples e em
linguagem acessível.
Já a informalidade está ligada à predominância da instru-
mentalidade das formas, fazendo com que o ato processual deixe
de ser um fim em si. O mais importante é que o ato praticado,
ainda que de forma diversa da qual determinada em lei, atinja
a finalidade processual sem causar prejuízo às partes. Podemos
extrair como exemplo os atos praticados de forma oral, a dispensa
de relatório nas sentenças (art. 46), entre outros.

3.3 O princípio da economia processual


O que pretende o princípio da economia processual é a
obtenção do melhor resultado com o mínimo de dispêndio de
tempo e energia, ou seja, realizar o mínimo de atos processuais
possíveis de forma prática e que proporcione a solução eficaz da
lide. A gratuidade do procedimento na fase cognitiva (da propo-
situra da ação até a sentença) pode ser tomada como exemplo

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de econômica processual, uma vez que o processo anda de forma


mais rápida, sem ter que aguardar a realização dos atos de pa-
gamento das custas etc. No entanto, em caso de recurso contra
a sentença proferida, serão devidas todas as custas do processo
e o pagamento deverá ser realizado no prazo de 48h (art. 42, I,
Lei nº 9.99/95).

3.4 O princípio da celeridade


Conforme esclarece Ricardo Cunha Chimenti (CHIMENTI,
2012), a celeridade trata-se da maior expectativa gerada pelo
procedimento do Juizado Especial Cível, sem a ofensa do princípio
da segurança das relações jurídicas.
A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 estabeleceu a to-
dos a “razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII, CF). Todos os
princípios abordados até aqui, quais sejam, oralidade, simplicida-
de e informalidade e economia processual buscam na realidade
a celeridade processual.
Pretendeu o legislado afastar o Juizado Especial Cível do ex-
cesso de burocracia processual, diferentemente do procedimento
aplicado à Justiça Comum. Diversos são os exemplos acerca das
formas adotadas pelo Juizado Especial Cível, a fim de que o pro-
cesso seja menos burocrático e mais rápido:

a) A vedação de citação por edital na fase cognitiva (art. 18,


§2º), pois “demandaria uma série de consequências que
vão de encontro aos princípios dos juizados” (ROSSATO,
2012);
b) ENUNCIADO 13 (FONAJE) – Nos Juizados Especiais Cíveis,
os prazos processuais contam-se da data da intimação ou
da ciência do ato respectivo, e não da juntada do com-
provante da intimação (nova redação – XXXIX Encontro
- Maceió-AL).

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c) A concentração dos atos processuais em audiência cha-


mada de UNA (art. 28 e 29, Lei 9.099/95);
d) A vedação da Intervenção de Terceiros e da assistên-
cia, admitindo-se apenas o Litisconsórcio (art. 10, Lei
9.099/95);

Esses são apenas alguns exemplos de medidas adotadas pelo


microssistema que busca a todo o momento a autocomposição do
processo e a prestação jurisdicional de forma rápida. Nas palavras
de Luciano Alves Rossato (ROSSATO, 2012):

[...] quanto menor a complexidade da matéria em


debate, menos formal deve ser o procedimento,
com menor número de atos processuais e, conse-
quentemente, mais célere.
Essa é a lógica dos Juizados. O procedimento é
condizente com a pequena complexidade da de-
manda. A própria informalidade e a simplicidade
já conduzem, naturalmente, à celeridade.

Sobre esse princípio, importa esclarecer que, de acordo com


Daniel Amorim Assumpção Neves, Humberto Theodoro Junior, Fe-
lippe Borring Rocha entre outros, a duração razoável do processo
não se confunde com a celeridade do procedimento, conforme
explica Felippe Borring Rocha (ROCHA. 2016):

Destarte, o princípio da duração razoável represen-


taria o direito da partes de ver a causa julgada (com
trânsito em julgado), no menor espaço de tempo
possível. A celeridade, por seu turno, mira a esfera
procedimental, estabelecendo que os atos processu-
ais devam produzir os seus resultados rapidamente.

Portanto, a celeridade está relacionada aos atos processuais,


os quais devem produzir o resultado da maneira mais rápida pos-
sível, razão pela qual os princípios apresentados anteriormente

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(oralidade, simplicidade e informalidade e economia processual)


levam à celeridade.
Por fim, percebe-se que todo o procedimento estabelecido pela
Lei nº 9.099/95 é decorrente dos princípios próprios elencados
no art. 2º e o conjunto desses princípios determinam a condução
processo, bem como o seu deslinde de maneira célere e eficaz.

4 A FACULTAVIDADE DO PROCEDIMENTO
A antiga Lei nº 7.244/84 (Lei das Pequenas Causas) já no
art. 1º estabelecia que era opcional ao autor o processamento e
julgamento da ação mediante o procedimento ali estabelecido,
da mesma forma que está expressamente previsto nas Leis do
Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/01) e da Fazenda Pública
(Lei nº 12.153/09) a obrigatoriedade do procedimento. No en-
tanto, a Lei nº 9.099/95 nada falou a respeito, ficando a cargo da
doutrina a discussão acerca da obrigatoriedade ou facultatividade
dos Juizados Especiais Cíveis.
Alexandre Câmara (CÂMARA, 2008), explica que, inicialmen-
te, diante da ausência de previsão expressa da Lei nº 9.099/95, a
doutrina majoritária inclinou-se no sentido de considerar obri-
gatório o procedimento do Juizado Especial Cível. O autor foi um
dos primeiros a se manifestar em sentido contrário, defendo a
facultatividade, pois afirma que atribuir obrigatoriedade ao mi-
crossistema do Juizado Especial Cível seria inconstitucional por
violar garantias constitucionais como o devido processo legal e a
ampla defesa. Dentre alguns motivos que sustentam o seu enten-
dimento estão: não cabimento de recurso especial, a limitação do
arrolamento de apenas três testemunhas e ainda a hipótese de
que a justiça ordinária é competente para julgar qualquer causa
submetida ao Juizado Especial em razão da política legislativa e
não em razão ao direito material, como é o caso das ações com
procedimentos especiais.

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A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Atualmente, a doutrina majoritária entende que a compe-


tência do Juizado Especial Cível é relativa (diferentemente da
natureza dos Juizados Federais e da Fazenda Pública, ambos
possuem competência absoluta), alterando-se o entendimento
anterior para definir o procedimento como facultativo. Da pró-
pria leitura do §3º, do art. 3º é possível a interpretação da não
obrigatoriedade, razão pela qual o Enunciado 1 do FONAJE possui
a seguinte redação “o exercício do direito de ação no Juizado Es-
pecial Cível é facultativo para o autor”. Portanto, é opção do autor
a propositura da ação no Juizado Especial, devendo ponderar os
prós e contras da sua escolha.

Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DE
JUSTIÇA. INDEFERIMENTO SOB O FUNDAMENTO
DE QUE A DEMANDA PODERIA SER PROPOSTA
PERANTE O JUIZADO ESPECIAL. REFORMA DA
DECISÃO. FACULTATIVIDADE DA OPÇÃO PELO AJUI-
ZAMENTO DA DEMANDA. ESCASSEZ DE RECURSOS.
HIPOSSUFICIÊNCIA CARACTERIZADA. REFORMA
DA DECISÃO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. 1.
A criação dos Juizados Especiais não previu a
obrigatoriedade de propositura de demandas de
sua competência. Ao revés, expressamente restou
disposta a facultatividade dessa opção. 2. Havendo
elementos que demonstrem a hipossuficiência, a
gratuidade deve ser deferida. 3. Isenção de imposto
de renda, estudante e residência em área humilde,
que autorizam a concessão do benefício. 4. Impos-
sibilidade de arcar com o pagamento das custas
processuais sem prejuízo do próprio sustento. 5.
Concessão da gratuidade de justiça. PROVIMENTO
DO RECURSO.
(TJ-RJ - AI: 00245174020188190000 RIO DE
JANEIRO NITEROI 5 VARA CIVEL, Relator: MÔ-
NICA DE FARIA SARDAS, Data de Julgamento:
14/05/2018, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 17/05/2018)

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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Acrescenta Ricardo Cunha Chimenti (CHIMENTI, 2012) que


aplicar a competência absoluta em razão da matéria ao Juizado
Especial Cível implicaria na competência exclusiva da Justiça
Comum o julgamento das causas estabelecidas no art. 3º, II da
Lei nº 9.099/95, cujas especificações estão no art. 275 do Có-
digo de Processo Civil de 1973 e que teve parte da sua redação
alterada pela Lei nº 9.245/95 (posterior a Lei nº 9.099/95), ou
seja, as causa previstas no art. 275 do CPC/73 não poderiam mais
serem julgadas pelo rito sumaríssimo, pois a Lei nº 9.245/95 foi
promulgada posteriormente à Lei nº 9.099/95 e estabeleceu o
procedimento sumário.
Dessa forma, conclui-se que a natureza do procedimento es-
tabelecido na Lei nº 9.099/95 é facultativa e, sendo assim, a parte
autora possui liberdade de escolha em relação ao rito processual
que pretende adotar para propor a ação, estando ciente de que,
ao optar pelo Juizado Especial, visando obter uma solução mais
célere e igualmentejusta, estará sujeita aos procedimentos ali
estabelecidos, como por exemplo: renuncia do valor excedente,
a previsão de apenas dois recursos processuais (embargos de-
claratórios e recurso Inominado) etc.

5 A IRRECORRIBILIDADE IMEDIATA DAS DECISÕES


INTERLOCUTÓRIAS
O Código de Processo Cível fala acerca dos pronunciamentos
do juiz, especificamente o art. 203, §2º traz o conceito de decisão
interlocutória:

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consis-


tirão em sentenças, decisões interlocutórias e
despachos.
§ 2º Decisão interlocutória é todo pronuncia-
mento judicial de natureza decisória que não se
enquadre no § 1º.

106
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

O §1º do artigo 203 trata sobre a definição de sentença, a qual


se entende que é a decisão proferida pelo juiz que “põe fim à fase
cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”,
julgando o mérito da demanda. Decisão interlocutória, portanto,
possui caráter decisório, mas não extingue a fase cognitiva ao
passo que é proferida no curso do processo e não julga o mérito.
O recurso previsto no Código de Processo Civil (CPC) para
atacar a decisão interlocutória é o agravo de instrumento, sen-
do cabível contra as decisões que versarem sobre as hipóteses
taxativas constantes no rol do art. 1015. As demais decisões
interlocutórias que não estejam nesse rol, não são atingidas
pela preclusão e, de acordo com o art. 1.009 do mesmo diploma
processual, podem ser suscitadas em preliminar de apelação ou
nas contrarrazões.
Conforme já exposto, a Lei nº 9.099/95 prevê o cabimento
de apenas dois recursos: embargos de declaração para atacar
sentença ou acórdão (artigo 48 ao 50) e recurso inominado para
atacar a sentença (artigo 41 ao 43), em nada falando acerca de
recurso para atacar decisão interlocutória, razão pela qual é de
suma importância tecer algumas considerações acerca da ausência
de tal previsão.
No âmbito do Juizado Especial Cível, não raro, são proferidas
decisões interlocutórias, as quais, diferentemente do procedi-
mento estabelecido na Justiça Comum, não são recorríveis de
imediato. Para fins de análise das decisões no procedimento da
Lei nº 9.099/95, o presente artigo restringe-se àquelas que de-
ferem ou indeferem tutelas antecipadas em caráter de urgência.
A regra geral do art. 300 do CPC dispõe que, para a concessão
da tutela de urgência, devem estar presentes os elementos que
demonstrem a probabilidade do direito pleiteado em conjunto
com o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. O
Juiz, ao deparar-se com o pedido de antecipação da tutela juris-
dicional, bem como analisando a presença ou não dos elementos

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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indispensáveis, irá proferir a decisão interlocutória, podendo


deferir ou indeferir o pedido liminar.
Importante frisar que no Juizado Especial Federal (Lei nº
10.259/2001) admite-se a utilização do agravo de instrumento
para atacar decisão interlocutória, de acordo com a interpre-
tação dos artigos 4º e 5º, assim como no Juizado Especial da
Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009) nos seus artigos 3º e
4º. A previsão de utilização do agravo se dá de forma expres-
sa e pelo fato de ambos os Juizados possuírem o critério de
valor da causa superior (até 60 salários mínimos),bem como
a competência absoluta para julgamento, diferentemente do
Juizado Especial Cível, uma vez que se trata se procedimento
facultativo. Em síntese, todas as causas que se enquadrem no
requisito de baixo valor econômico de até 60 salários mínimos
obrigatoriamente devem ser julgadas pelos Juizados da Fazenda
Pública ou Federais, independentemente da complexidade da
causa. Ao passo que nos Juizados Especiais Estaduais o baixo
valor econômico e a baixa complexidade são requisitos da sua
competência, porém, essa competência não é exclusiva, levando
em consideração que a Justiça Comum também possuí compe-
tência de julgamento.
Ricardo Cunha Chimenti (CHIMENTI, 2012) esclarece que,
diante dos princípios estabelecidos pela Lei nº 9.099/95, especial-
mente o da celeridade processual, a doutrina majoritária entende
pela irrecorribilidade das decisões interlocutórias. No entanto,
tendo em vista a impossibilidade de impugnação imediata, não
ocorre o trânsito em julgado, não sendo, portanto, atingida pela
preclusão e, quando da interposição de recurso contra a sen-
tença, pode ser rediscutida em tópico de preliminar do recurso
inominado ou contrarrazões. Ainda, o autor Humberto Theodoro
Junior (THEODORO JUNIOR, 2016) ao falar sobre a irrecorribi-
lidade, esclarece que:

108
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

E, enfim, a irrecorribilidade tem a função de asse-


gurar a rápida solução do litígio, sem a interrupção
da marcha do processo por recursos contra as
decisões interlocutórias.

Para Humberto Dalla Bernardina de Pinho (PINHO, 2012), a


filosofia dos Juizados Especiais Cíveis é justamente uma alternati-
va de solução de conflitos ligada à ampliação do acesso a justiça,
possibilitando ao cidadão a postulação da tutela jurisdicional e
da sua apreciação de forma rápida, informal e desburocratizada e
afastando-se da formalização e da complexidade estabelecida pelo
processo tradicional, desestimulando-se a utilização de recurso
sem base sólida, além de não levar tais causas a apreciação pelos
tribunais. Em suas palavras:

Ademais, aliviam os tribunais de 2º grau e os tribu-


nais superiores da apreciação dessas causas, pela
criação de um sistema recursal próprio e sumário,
no qual sobressaem a irrecorribilidade das decisões
interlocutórias e a limitação de recursos das suas
decisões para aqueles tribunais que hoje estão res-
tritos ao recurso para o Supremo Tribunal Federal...

Na visão de Luciano Alves Rossato (ROSSATO, 2012), o gran-


de desafio seria a ampliação da interpretação do procedimento
do Juizado Especial proporcionada pelos seus princípios, sem
impor prejuízo ao devido processo legal. O autor entende que a
irrecorribilidade vige por absoluta falta de previsão legal.
Portanto, o entendimento consolidado é o de que as decisões
interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais
não são recorríveis de imediato, isso se dá por interpretação da
Lei nº 9.099/95 e a ausência expressa de cabimento de recurso,
qual seja, o agravo de instrumento. Contudo, importante obser-
var que, na prática, não raro, ocorre a impetração de mandado
de segurança para atacar a decisão.

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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6 MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTER-


LOCUTÓRIA
Um dos conhecidos “remédios constitucionais”, com previsão
no art. 5º, inciso LXIX, é o denominado Mandado de Segurança,
o qual é cabível para proteger direito liquido e certo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-
dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para
proteger direito líquido e certo, não amparado
por habeas corpus ou habeas data, quando o res-
ponsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público;

Entende-se por direito líquido e certo aquele cujos fatos já


estejam comprovados, de acordo com os documentos juntados
na petição inicial, razão pela qual não é permitida a instrução
probatória acerca da existência do direito. O art. 5ª Lei nº 12016
(Lei do Mandado de Segurança), em seu inciso II, dispõe que não
será concedido mandado de segurança quando se tratar de deci-
são judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.
A discussão doutrinária acerca do cabimento do mandado
de segurança contra decisão interlocutória proferida no Juizado
Especial Cível iniciou-se justamente pela ausência de previsão
de recurso, ocasionando a prática corriqueira da utilização do
mandado de segurança para impugnar tais decisões. A questão
foi levada à apreciação do STF:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.847-3 BAHIA


RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCES-
SO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

110
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. DE-


CISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. LEI
N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA
DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO.
Não cabe mandado de segurança das decisões in-
terlocutórias exaradas em processos submetidos
ao rito da Lei n. 9.099/95.
A Lei 9.099/95 está voltada à promoção de cele-
ridade no processamento e julgamento de causas
cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrada
a regra de irrecorribilidade das decisões interlo-
cutórias, inarredável.
Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil, sob a for-
ma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto
do mandado de segurança.
Não há afronta ao principio constitucional da
ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões
interlocutórias podem ser impugnadas quando da
interposição de recurso inominado.
(STF - RG RE: 576847 BA - BAHIA, Relator: Min.
EROS GRAU, Data de Julgamento: 01/05/2008, Data
de Publicação: DJe-142 01-08-2008)

A decisão teve negado o seu provimento por maioria dos


votos, sendo vencido o Ministro Marco Aurélio por possuir o
entendimento de que, em síntese, “o afastamento do mandado
de segurança implica o da própria jurisdição”. Ainda que da de-
cisão do REXT 576847/BA tenha determinado o não cabimento
do mandado de segurança, o REXT 586789/PR, julgado em 16
de novembro de 2011, reconheceu a competência do julgamento
de mandado de segurança às Turmas Recursais.
Conforme explica Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016), o
entendimento de irrecorribilidade absoluta pertence à minoria,
tendo como corrente majoritária a tese da Irrecorribilidade de
Imediato Exclusivamente por Mandado de Segurança. Tese da qual
o autor não coaduna, uma vez que defende, além do cabimento

111
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

do mandado de segurança (por ser garantia constitucional), a


possibilidade de interposição de agravo de instrumento.
Humberto Dalla Bernardina de Pinho (PINHO, 2012) expõe
que a utilização do mandado de segurança trata-se de garantia
constitucional que não pode ser recusada diante de uma situação
de grave ilegalidade:

A utilização do mandado de segurança em face


das decisões dos Juizados Especiais em que não
haja previsão de impugnação se revela, então,
como uma garantia constitucional que não pode
ser recusada a quem se sinta numa situação de
grave ilegalidade.

Portanto, o entendimento consolidado atualmente é o de


que é possível impetrar mandado de segurança contra decisão
interlocutória proferida no Juizado Especial Cível, observando
o prazo e os procedimentos da Lei nº 12.016, sendo a compe-
tência de julgamento das Turmas Recursais quando se tratar de
ilegalidade ou abuso de poder praticado pelo Juizado Especial
(Súmula 376, STJ).

7 O PROJETO DE LEI Nº 1918/2015


Conforme abordado anteriormente no presente artigo, a irre-
corribilidade imediata das decisões interlocutórias nos Juizados
Especiais Cíveis é tema de constante discussão doutrinária e juris-
prudencial, razão pela qual, em 16 de junho de 2015, o deputado
Rogério Rosso – PSD/DF apresentou na Câmara dos Deputados
o Projeto de Lei nº 1918/2015, propondo a alteração da Lei nº
9.099/95 para prever o cabimento do agravo de instrumento
contra decisão interlocutória, sob a justificativa de contribuição
para a segurança jurídica e certeza de meio adequado para im-
pugnação. Tendo como objetivo alterar a Lei nº 9.099/95 para
inserir o agravo de instrumento, acrescentando o art. 47-A ao
capítulo II, da seção XII:

112
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Art. 47-A. Contra as decisões interlocutórias caberá


agravo de instrumento para a Turma Recursal, no
prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência da
decisão, aplicando-se, no que for compatível, o
disposto no Capítulo III do Título II do Livro III da
Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
§1º As questões resolvidas na fase de conhecimen-
to, se a decisão a seurespeito não comportar agravo
de instrumento, não estão submetidas à preclusão
e devem ser suscitadas em preliminar de recurso,
eventualmente interposto contra a decisão final,
ou nas contrarrazões.
§2º Se as questões referidas no §1º forem suscita-
das em contrarrazões,
o recorrente será intimado para, em 10 (dez) dias
manifestar-se.
§3º No agravo de instrumento será observado o
disposto no art. 41, §2º, desta Lei.” (NR)
Art. 2º Revoga-se o art. 5º da Lei nº 10.259, de 12
de julho de 2001.
Art. 3º Revoga-se o art. 4º da Lei nº 12.153, de 22
de dezembro de 2009.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias
após a data da sua publicação.

Possuindo a seguinte justificativa:

A Lei nº 9.099, de 23 de setembro de 1995, trata


sobre o processo perante os Juizados Especiais
Estaduais e em obediência aos seus princípios
norteadores estabelecidos no artigo 2º, disciplinou
um processo simples, informal e célere.
A efetividade obtida foi posteriormente estendida
ao âmbito federal, por meio da Lei nº 10.259/2001
e, finalmente, à Fazenda Pública local, por meio da
Lei nº 12.153/2009.
A Lei nº 9.099/1995 estabelece apenas o cabi-
mento de recurso contra a sentença nos artigos
41 a 46. As Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009
previram a recorribilidade das interlocutórias,
sem, contudo, indicar o recurso adequado. Tais

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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circunstâncias levaram a grande discussão dou-


trinária e jurisprudencial acerca da possibilidade
de se impugnar e, sendo possível, qual o meio de
impugnação adequado das decisões interlocutórias
no âmbito dos juizados especiais.
O projeto de Lei em apreço vem positivar o cabi-
mento do agravo de instrumento contra decisões
interlocutórias nos Juizados Especiais, contribuin-
do para a segurança jurídica e para a certeza do
meio adequado para a impugnação das decisões. O
projeto em questão, já contempla as hipóteses de
cabimento previstas pela Lei nº 13.105/2015, que
institui o novo Código de Processo Civil.
Em razão da Lei dos Juizados Especiais Federais,
Lei n° 10.259/2001, e da Lei dos Juizados Especiais
da Fazenda Pública, Lei nº 12.153/2009, terem por
base aprópria Lei nº 9.099/95, propõe-se a revoga-
ção dos artigos que preveem a irrecorribilidade das
decisões interlocutórias nas respectivas leis, para
que haja tratamento uniforme entre elas.
Diante do exposto, por se tratar de proposição da
mais alta relevância contamos com o apoio dos
nobres pares para sua aprovação.

Decorrido o prazo, não foram apresentadas emendas ao proje-


to, sendo então submetido ao parecer da Comissão de Constituição
e Justiça e de Cidadania (CCJC). O relator deputado Marcos Rogério
– DEM/RO elaborou o parecer, reconhecendo a constitucionalidade,
no que tange a iniciativa de lei por parte de parlamentar, bem como
afirmou que não há injuridicidade no Projeto de Lei. No entanto,
fez ressalvas acerca da técnica legislativa adequada, uma vez que
não é necessária a nova redação, pois apenas irá acrescentar um
dispositivo aos já existentes. Com relação ao mérito, entende pelo
cabimento do recurso, porém, apenas quando há risco de lesão
grave e de difícil reparação, conforme trecho abaixo:

Porém, como o agravo de instrumento é recurso


contra decisões interlocutórias, não pode ser per-

114
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

mitido a todas as situações nos procedimentos do


Juizado Especial. Tal fato iria de encontro, frontal-
mente, contra o princípio constitucional, instituído
no art. 98, que determina o procedimento oral e
sumariíssimo, do que se presume dever ser extre-
mamente célere o seu desfecho.
Em se adotando o agravo para todas as decisões
interlocutórias, estar-se-á, com certeza, transfe-
rindo toda a morosidade do processo comum ao
processo perante os Juizados.
Cremos que somente as decisões interlocutó-
rias que causem grave lesão, e que seja iminente,
devam ser amparadas pelas vias do agravo de
instrumento.
Esta foi a conclusão a que chegou o I Encontro do
Primeiro Colégio Recursal dos Juizados Especiais
Cíveis da Capital do Estado de São Paulo, editou o
Enunciado nº 02:
“É ADMISSÍVEL, NO CASO DE LESÃO GRAVE E DE
DIFÍCIL REPARAÇÃO, O RECURSO DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL”
(aprovada por votação unânime).
Temos de levar em consideração, ainda, que o
agravo, nos termos em que é interposto recurso
contra a sentença do Juizado, deve ser apreciado
pelo Colegiado Recursal dos Juizados, para que
não se venha a interpô-lo perante outros órgãos
judicantes.

Assim, em 23 de maio de 2016 o Projeto de Lei nº 1918/15


foi aprovado com alterações e, consequentemente, a elaboração
do Substitutivo foi realizada e teve sua aprovação. Decorridos
os prazos para emendas e recursos, em 27 de março de 2019, o
projeto passou a ter a seguinte redação final:

Art. 1º Esta lei permite a interposição de agravo


de instrumento, em sede de Juizados Especiais Cí-
veis, para os casos de decisões interlocutórias que
tragam lesão grave e de difícil reparação à parte.

115
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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Acrescentando o art. 47-A na seção XII:

Art. 47-A. Caberá agravo de instrumento para a


Turma Recursal, no prazo de dez dias, contra de-
cisões interlocutórias que venham a causar lesão
grave e de difícil reparação.

A remessa ao Senado Federal ocorreu em 03 de abril de
2019, sendo o projeto recepcionado e atribuído o nº 2111, de
2019. Ainda que pendente a análise por parte do Senado, salta
aos olhos alguns questionamentos acerca de como se encaixaria
o agravo de instrumento no Juizado Especial Cível, considerando-
-se tudo o que foi abordado até o momento no presente artigo.
Tendo em vista que se trata do cabimento de um recurso, bem
como o procedimento instaurado nos Juizados Especiais Cíveis,
torna-se relevante tecer algumas considerações acerca da redação
final aprovada pela CCJC. No que diz respeito ao recurso do agra-
vo de instrumento em si, o projeto fala apenas sobre o prazo de
interposição, qual seja, 10 dias e onde se dará a sua interposição
(Turma Recursal). Porém, em nada fala, a titulo de exemplo:

a) O Preparo Recursal
A Lei dos Juizados Especiais Cíveis, no art. 54 dispõe acerca
da gratuidade do procedimento na fase cognitiva:

Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá,


em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de
custas, taxas ou despesas.
Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma
do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas
as despesas processuais, inclusive aquelas dispen-
sadas, em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a
hipótese de assistência judiciária gratuita.

O preparo recursal é a soma da taxa judiciária e o porte de


remessa e retorno dos autos, sendo dispensado o pagamento

116
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

de porte e remessa no Juizado Especial em decorrência da sua


tramitação ocorrer em meio eletrônico. No que diz respeito ao
agravo de instrumento, só não é exigido o pagamento do preparo
quando interposto contra decisão que nega seguimento ao recur-
so especial ou ao recurso extraordinário, sendo interposto para
atacar decisão interlocutória, as custas e o preparo são devidos.
De acordo com o paragrafo único do art. 54 da Lei nº
9.099/95, as custas e o preparo somente serão devidos em caso
de interposição de recurso para atacar a decisão que põe fim à
fase cognitiva, qual seja, recurso inominado, quando não haja o
deferimento da justiça gratuita. O projeto de Lei nº 1918/2015
em nada fala acerca dessa questão, daí decorre a importância
de esclarecimento, tendo em vista que na fase cognitiva não é
necessária a postulação do beneficio da justiça gratuita. Dessa
forma, haverá necessidade de pagamento das custas e do preparo
ou o benefício da justiça gratuita será presumido, já que a fase
cognitiva ainda não foi encerrada?
O art. 42 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis dispõe que o
pagamento do preparo (no caso do recurso inominado) deve ser
realizado no prazo de 48h seguintes à interposição do recurso,
sob pena de deserção. Percebe-se que há previsão expressa acerca
do prazo para pagamento e da consequência do não cumprimen-
to do prazo. Tendo em vista que não há tal previsão na redação
do Projeto de Lei, a regra a ser seguida seria a constante no art.
1.007 do CPC:

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso,


o recorrente comprovará, quando exigido pela
legislação pertinente, o respectivo preparo, inclu-
sive porte de remessa e de retorno, sob pena de
deserção.
§ 1º São dispensados de preparo, inclusive porte
de remessa e de retorno, os recursos interpostos
pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito
Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respecti-

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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vas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.


§ 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive
porte de remessa e de retorno, implicará deserção
se o recorrente, intimado na pessoa de seu advoga-
do, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3º É dispensado o recolhimento do porte de
remessa e de retorno no processo em autos ele-
trônicos.
§ 4º O recorrente que não comprovar, no ato de
interposição do recurso, o recolhimento do prepa-
ro, inclusive porte de remessa e de retorno, será
intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar
o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.
§ 5º É vedada a complementação se houver in-
suficiência parcial do preparo, inclusive porte de
remessa e de retorno, no recolhimento realizado
na forma do § 4º.
§ 6º Provando o recorrente justo impedimento, o
relator relevará a pena de deserção, por decisão
irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias
para efetuar o preparo.
§ 7º O equívoco no preenchimento da guia de cus-
tas não implicará a aplicação da pena de deserção,
cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto
ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar
o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

Dessa forma, caso o entendimento seja de que são devidos


as custas e o preparo, o não pagamento ou o pagamento parcial
acarretaria a deserção ou possibilitaria intimação para comple-
mentação do valor?

b) Casos de não obrigatoriedade da representação por ad-


vogado:
O art. 133 da Constituição Federal estabelece que “o ad-
vogado é indispensável à administração da justiça”, ao passo
que o art. 9 da Lei nº 9.099/95 estabelece como obrigatória a
representação da parte por um advogado apenas nos casos em

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A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

que a causa ultrapasse o valor de 20 salários mínimos, não ultra-


passando esse valor, não é compulsória a representação. O tema
já foi alvo de debates entre os doutrinadores, alguns entendem
ser inconstitucional a não obrigatoriedade do advogado por ir de
encontro ao que diz o art. 133 da Constituição, já outros autores
defendem a constitucionalidade através de um juízo de ponde-
ração. A discussão foi levada à apreciação do Supremo Tribunal
Federal no ano de 2003, através da ADI (ação direta de incons-
titucionalidade) nº 1539, por iniciativa do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil.
Em síntese, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil postulou pala declaração de inconstitucionalidade da
primeira parte do art. 9º, a qual torna facultativa a representação
por advogado, sob o fundamento de que a ausência de representa-
ção “constitui flagrante prejuízo à sua regular defesa” (defesa da
parte). A ADI nº 1539 foi julgada improcedente por unanimidade
dos votos, entendendo os ministros pela constitucionalidade do
art. 9º da Lei nº 9.099/95 em virtude dos princípios da oralida-
de e informalidade e por consignar que o dispositivo não veda
a representação da parte por um advogado, apenas estabelece à
parte a facultatividade.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ACESSO À JUSTIÇA. JUIZADO ESPECIAL. PRESENÇA
DO ADVOGADO. IMPRESCINDIBILIDADE RELATIVA.
PRECEDENTES. LEI 9099/95. OBSERVÂNCIA DOS
PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE
DA NORMA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. FACUL-
DADE DA PARTE. CAUSA DE PEQUENO VALOR.
DISPENSA DO ADVOGADO. POSSIBILIDADE.
1. Juizado Especial. Lei 9099/95, artigo 9º. Faculda-
de conferida à parte para demandar ou defender-se
pessoalmente em juízo, sem assistência de advo-
gado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência.
Não é absoluta a assistência do profissional da
advocacia em juízo, podendo a lei prever situações

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em que é prescindível a indicação de advogado,


dados os princípios da oralidade e da informali-
dade adotados pela norma para tornar mais célere
e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes.
2. Lei 9099/95. Fixação da competência dos juízos
especiais civis tendo como parâmetro o valor dado
à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o
acesso do cidadão ao judiciário de forma simples,
rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves
burocráticos. Ação julgada improcedente.
(STF - ADI: 1539 UF, Relator: MAURÍCIO CORRÊA,
Data de Julgamento: 24/04/2003, Tribunal Pleno,
Data de Publicação: DJ 05-12-2003 PP-00017
EMENT VOL-02135-03 PP-00398)

Ainda, acrescenta o relator Ministro Maurício Corrêa:

A possibilidade de dispensa do advogado, tendo
em vista o pequeno valor da causa, visa facilitar
a busca da prestação jurisdicional daqueles sem
condições econômicas de suportar os ônus do
processo e dos honorários advocatícios. Autoriza,
desse modo, que as causas antes materialmente
inviabilizadas pelos custos a elas inerentes e que
no mais da vezes eram superiores à própria repa-
ração pretendida possam agora ser submetidas ao
Poder Judiciário.
A disposição, assim concebida, responde ao anseio
social de democratização de facilitação do acesso à
jurisdição, removendo empecilhos de ordem eco-
nômica incompatíveis com a competência especial
desses órgãos. Sem que com isso se desqualifique
a nobilíssima atividade profissional do advogado.
Assim sendo, a exemplo do que ocorre com a Jus-
tiça do Trabalho (CLT, artigo 839, “a”), o habeas-
-corpus e a revisão criminal (CPP, artigo 623), não
vejo como não possa entender-se constitucional o
exercício do jus postulandi nos juizados especiais
em causas de pequeno valor, a realizar-se direta-
mente pela parte.

120
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Portanto, a conclusão alcançada é a de que não há de se


falar em afronta ao art. 133 da Constituição Federal, uma vez
que não há proibição da atuação do advogado nas causas com
valor inferior a 20 salários mínimos e a facultatividade busca
atingir outra garantia constitucional, qual seja, a ampliação do
acesso à justiça.
Superado o debate, carece de resposta saber como ficaria a
questão com a previsão de cabimento do agravo de instrumento
no Juizado Especial Cível, uma vez que, por se tratar de recurso
absolutamente formal, não é possível fazer uso da oralidade e da
informalidade para a sua interposição. Até mesmo porque o inciso
IV do art. 1.016 do CPC estabelece como um dos requisitos da peti-
ção do agravo de instrumento o nome e endereço completo dos ad-
vogados constantes no processo. Dessa forma, consequentemente,
a representação processual se tornará obrigatória, enfraquecendo
a proposta da Lei nº 9.099/95 de ampliação do acesso à justiça e
a economia processual, impondo as partes, cujas causas possuam
baixo valor econômico, o pagamento do profissional.

c) A possibilidade de atribuição do efeito suspensivo:


Via de regra, o agravo de instrumento possui apenas o efeito
devolutivo, porém o art. 1.019, I do CPC possibilita a atribuição
do efeito suspensivo, bem como o art. 995 do CPC estabelece o
requisito para essa atribuição, vejamos:
Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da
decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial
em sentido diverso.
Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida
poderá ser suspensa por decisão do relator, se da
imediata produção de seus efeitos houver risco de
dano grave, de difícil ou impossível reparação, e
ficar demonstrada a probabilidade de provimento
do recurso.

121
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

Em síntese, o efeito suspensivo obsta a produção de efeitos


da decisão impugnada enquanto não for julgado o recurso inter-
posto. No entanto, conforme os ensinamentos de Fredie Didier
Jr. (DIDIER JR, 2015), a simples previsão legal de cabimento do
recurso, antes mesmo da atribuição do efeito suspensivo pelo
relator, já impossibilita os efeitos da decisão interlocutória pro-
ferida pelo juiz de primeiro grau:

O efeito suspensivo é aquele que provoca o impedi-


mento da produção imediata dos efeitos da decisão
que se quer impugnar. É interessante notar que,
antes mesmo da interposição do recurso e pela
simples possibilidade de sua interposição, a deci-
são ainda é ineficaz. Isso porque não é o recurso
que tem efeito suspensivo, tendo antes o condão
de prolongar a condição de ineficácia da decisão.

Nesse sentido, importante transcrever novamente o que diz


o art. 47-A do Projeto de Lei nº 1918/2015:

Art. 47-A. Caberá agravo de instrumento para a


Turma Recursal, no prazo de dez dias, contra de-
cisões interlocutórias que venham a causar lesão
grave e de difícil reparação.

A leitura em conjunto de ambos os artigos permite concluir


que, se o agravo de instrumento só será cabível em casos de lesão
grave e de difícil reparação e a hipótese de atribuição do efeito
suspensivo é, justamente, o risco de lesão grave, de difícil ou
impossível reparação, o efeito suspensivo poderá ser concedido
quando houver interposição de agravo de instrumento no Juizado
Especial Cível. Cumpre salientar que a atribuição do efeito sus-
pensivo deve ser postulado pela parte recorrente, no entanto, se
o fundamento do recurso é a lesão grave ou de difícil reparação,
quase na sua totalidade haverá o pedido de efeito suspensivo.

122
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

No que tange aos casos de lesão grave e de difícil reparação


não há uma definição e nem requisitos a serem preenchidos para
que se enquadre em lesão grave ou de difícil reparação. Nas li-
ções de Humberto Theodoro Junior (THEODORO JÚNIOR, 2015)
é possível identificar que o antigo CPC (1973), em seu art. 558,
trazia alguns exemplos do que seria caso de lesão grave ou de
difícil reparação como, por exemplo, a prisão civil, a adjudicação,
remissão de bens e levantamento de dinheiro sem caução idônea:

Art. 558. O relator poderá, a requerimento do


agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação,
remição de bens, levantamento de dinheiro sem
caução idônea e em outros casos dos quais possa
resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo
relevante a fundamentação, suspender o cumpri-
mento da decisão até o pronunciamento definitivo
da turma ou câmara. (Redação dada pela Lei nº
9.139, de 1995)

Ocorre que, o atual CPC não traz essa definição e nem a


doutrina consegue dizer ao certo o que seria lesão grave e de
difícil reparação. De acordo com Humberto Theodoro Junior
(THEODORO JÚNIOR, 2015):

O código novo não repete tal previsão, mas é fácil


entender que se trata de casos em que não haverá
dificuldade maior em configurar o motivo da sus-
pensão. O regime atual parece confiar ao relator
a prudente averiguação de maior ou menor risco
no caso concreto, sem limitá-lo ao casuísmo de
um rol taxativo.

Da leitura do inciso I, art. 1.019 do CPC, observa-se que, caso


não seja atribuído o efeito suspensivo, o relator ainda poderá
deferir a antecipação de tutela total ou parcial, quando houver
conteúdo positivo, portanto o verbo “poderá” dispensa a obrigato-

123
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
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riedade. Sendo assim, caso não ocorra o efeito suspensivo e nem


o deferimento, o art. 1.020 do CPC estabelece que o julgamento
ocorra em prazo não superior a 1 (um) mês.
No que diz respeito ao prazo para julgamento, o projeto de
Lei nº 1918/2015 também deixou de informar se existirá prazo
próprio ou será obedecido o prazo do art. 1.020, lembrando que,
conforme expõe Humberto Theodoro Junior (THEODORO JÚNIOR,
2015), o prazo é meramente administrativo, ou seja, a sua não
observância não acarreta maiores consequências, pois não se
trata de prazo atribuído às partes.
Superadas as hipóteses de efeito suspensivo e deferimento da
tutela antecipada, o recurso ficará pendente de julgamento pela
Turma Recursal enquanto o processo continua a sua tramitação
no primeiro grau. No procedimento da Justiça Comum há casos
frequentes em que a sentença acaba sendo proferida antes mes-
mo do julgamento do recurso de agravo de instrumento. Nesse
sentido, tendo em vista que o procedimento da Lei nº 9.099/95
preza pela economia e concentração dos atos processuais, a pro-
babilidade de a sentença ser proferida antes do julgamento do
agravo de instrumento é ainda maior, o que acarretará a perda
superveniente do objeto do agravo. Conforme ensinamentos de
Daniel Amorim Assumpção Neves (NEVES, 2016):

Tratando-se de decisão interlocutória que tenha


como objeto uma tutela de urgência, sendo proferida
a sentença, a decisão interlocutória será imediata-
mente substituída pela sentença que, ao conceder
a tutela definitiva, substitui a tutela provisória.
Havendo recurso de agravo de instrumento pen-
dente de julgamento no tribunal, o relator deverá
monocraticamente não conhecer o recurso, por per-
da superveniente de objeto (recurso prejudicado).

O autor ainda acrescenta que essa substituição ocorre de
imediato, desde quando a sentença se torna pública, com ou sem

124
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

o trânsito em julgado e independente da interposição de recurso


para reformar a sentença.
Em linhas gerais, o recurso de agravo de instrumento repre-
sentará a realização de mais um ato processual realizado na fase
cognitiva, com a possibilidade de atribuição do efeito suspensivo
(tendo em vista os requisitos para agravar e para atribuir o efeito
suspensivo serem os mesmos) e com a grande probabilidade de
ocorrer a perda do seu objeto.

d) Cabimento de recurso contra decisão monocrática:


Em casos de decisão monocrática acerca do agravo de instru-
mento, o art. 1021 do CPC estabelece o cabimento do recurso de
agravo interno, o qual será dirigido ao próprio relator para que se
manifeste no prazo de 15 dias e, não havendo retratação, o recurso
será incluído em pauta para der julgado pelo órgão colegiado.
De acordo com a redação final do Projeto de Lei nº
1918/2015, percebe-se que não há considerações acerca do
cabimento do agravo interno para atacar decisão monocrática
proferida pelo relator da turma recursal, igualmente, não é pos-
sível saber qual será o prazo para interposição do agravo interno.

e) A preclusão:
Conforme os ensinamentos de Sidnei Amendoeira Junior
(AMENDOEIRA JÚNIOR, 2012), a preclusão, em termos objetivos,
constitui-se um fato impeditivo da prática de certo ato proces-
sual, em virtude de atingimento dos limites estabelecidos para
a o seu exercício:

O que se busca com a preclusão é evitar que certos


atos, cujo momento de realização já foi ultrapassa-
do, sejam retomado, o que tornaria os procedimen-
tos judiciais confusos e ainda mais morosos, cheios
de idas e vindas. Com a preclusão não é isso que
ocorre, já que, como dito, vencido o momento para

125
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

o exercício do ato processual, ele já não poderá ser


praticado, de modo que o procedimento segue nor-
malmente rumo ao seu momento final, qual seja, o
da entrega da tutela jurisdicional. Tanto é verdade
que a coisa julgada formal nada mais seria que a
própria preclusão, em seu grau máximo.

Conforme já exposto no presente artigo, no âmbito do Jui-


zado Especial Cível as decisões interlocutórias proferidas pelo
juiz não são atingidas pela preclusão, justamente pelo fato de
impossibilidade de recorrer de imediato, podendo, assim, a parte
rediscutir as decisões interlocutórias em preliminar de recurso
inominado ou de contrarrazões.
O projeto de Lei nº 1918/2015 estabelece a possibilidade de
interposição do agravo de instrumento, mas não esclarece acerca
da preclusão em decorrência da interposição ou não do referido
recurso. Ainda que a resposta possa parecer intuitiva, no sentido
de que a preclusão se consumaria, é de suma importância que
esteja expressa tal previsão. Imaginemos o seguinte caso:
O juiz defere a tutela de urgência postulada pelo autor para
a baixa de restritivos nos órgãos de proteção ao crédito, no
prazo de 48 horas, e arbitra multa diária no valor de R$500,00
(quinhentos reais) em caso de descumprimento. A parte ré não
interpõe agravo de instrumento, por entender não se tratar de
lesão grave ou de difícil reparação (tendo em vista que o enten-
dimento de lesão grave ou difícil reparação é subjetivo), porém
acredita ser excessivo o valor arbitrado e pretende rediscutir,
caso a sentença seja de procedência para a parte autora, em
preliminar de recurso inominado. Nesse caso o réu poderia ou
não rediscutir a decisão?
Percebe-se que, no caso de decisão interlocutória que versa
sobre tutela de urgência, o inciso I do art. 1.015 do CPC diz ex-
pressamente que contra tal decisão o recurso cabível é o agravo de
instrumento, sendo assim, a não interposição do recurso no prazo

126
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

determinado acarreta a preclusão. No que tange ao Projeto de Lei


nº 1918/2015, apenas dita que caberá agravo de instrumento para
impugnar decisão interlocutória que possa gerar lesão grave ou de
difícil reparação e, conforme esclarecido no item b, não há um rol,
nem mesmo exemplificativo, do que seria uma decisão impugnável
por ser lesão grave ou de difícil reparação. Dessa forma, caso o réu
não queira interpor o recurso de agravo e deixe para rediscutir o
valor da multa em preliminar de recurso, resta saber se haverá
essa possibilidade ou o recurso deve ser interposto e torcer para
que o relator ou a turma recursal deem provimento?
Em caso de não provimento, por entendimento de que não
há lesão grave ou de difícil reparação, a preclusão já terá sido
consumada e o réu ficará impossibilitado de rediscutir o valor
da multa que era o seu objetivo.
Nesse contexto, a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves
(NEVES, 2016) acerca da insegurança jurídica:

Basta imaginar uma parte que deixa para impugnar


a decisão interlocutória na apelação ou contrarra-
zões e tem sua pretensão recursal rejeitado com
o fundamento da preclusão temporal por não ter
agravado de instrumento contra a decisão. Até os
tribunais definirem os limites dessa interpretação
a insegurança jurídica imperará.

Portanto, a questão da preclusão precisa ser esclarecida para


evitar a insegurança jurídica, até porque a preclusão da decisão
interlocutória é inexistente no âmbito do Juizado Especial Cível
(na fase cognitiva), daí a importância desse esclarecimento.

8 SEGURANÇA JURÍDICA NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL:


CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
A justificativa de apresentação do Projeto de Lei nº
1918/2015 está ligada à segurança jurídica, nesse caso, ao

127
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

exercício do contraditório e da ampla defesa no âmbito no Jui-


zado Especial Cível, considerando-se que há doutrinadores que
possuem o entendimento de que a irrecorribilidade imediata
das decisões interlocutórias caracteriza-se como afronte a esses
dois princípios. Nesse contexto, Felippe Borring Rocha (ROCHA,
2016) acrescenta:

Com efeito, não se pode simplesmente negar o


cabimento do agravo de instrumento, dentro de
uma ótica constitucional do processo.
[...] dizer que cabe tutela antecipada, mas não cabe
recurso sobre a decisão que trata desse tem, é uma
contradição insuperável...

No que diz respeito à segurança jurídica, Gustavo Bohrer


Paim (PAIM, 2012) esclarece:

Frequentemente, os julgadores veem-se diante de


um dilema, tendo de optar por uma segurança jurí-
dica ou por uma efetividade maior. Saber conciliar
esses dois valores, muitas vezes contrastantes, é
uma das dificuldades impostas aos julgadores. Não
se pode considerar equivocada a busca da seguran-
ça e da certeza jurídica, visto a importância desses
valores para o desenvolvimento da sociedade. O
que não se pode admitir é que se os tenham como
garantias absolutas.
[...] Deve-se, pois, buscar um equilíbrio entre a
segurança jurídica e a efetividade, permitindo
uma utilização maior de ritos sumários, a lado,
sem excluir o útil, porém não único, procedimento
ordinário, caracterizado, via de regra, por uma
cognição plenária e exauriente, a fim de que se
viabilize a justiça para o caso concreto.

A título de esclarecimento, há autores como Fredie Didier Jr


(DIDIER JR, 2015) que afirmam que contraditório e ampla defesa
trata-se de um único direito fundamental, sendo a ampla defesa

128
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

o “aspecto substancial do principio do contraditório”.


Pois bem, o contraditório garante às partes a possibilidade
de se manifestarem acerca de todos os atos processuais, a fim
de que possam exercer a influência nas decisões judiciais. No
que tange ao exercício do contraditório nos procedimentos es-
peciais, o autor Gustavo Bohrer Paim (PAIM, 2012) explica que é
comum que o contraditório seja diferido, eventual ou invertido,
salientando que sempre deve ser assegurado com a observância
das particularidades dos diversos procedimentos, até mesmo
porque nenhum principio é absoluto. Ademais, acrescenta que a
limitação ao contraditório não implica na inconstitucionalidade do
procedimento especial, pois poderá ser exercido posteriormente.
A Lei nº 9.099/95 possui como coluna vertebral a celeridade
processual, em decorrência do principio da duração razoável do
processo e do objetivo de ampliação do acesso à justiça, compro-
metendo-se a entregar a prestação jurisdicional de forma rápida
e eficaz. Razão pela qual, não se entende que a irrecorribilidade
imediata das decisões interlocutórias acarreta ofensa aos princí-
pios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que podem ser
exercidos no momento considerado adequado pelo legislador, qual
seja, em preliminar de recurso inominado ou em contrarrazões,
sem o acréscimo da pratica de mais um ato processual. Nesse
sentido, Humberto Dalla Bernardina de Pinho (PINHO, 2012):
Assim, o rito dos Juizados Especiais, na verdade, não dimi-
nui a garantia do jurisdicionado, mas apenas se adequa melhor
a determinadas situações concretas. Suas limitações não são
inconstitucionais, mas apenas compatibilizam garantias consti-
tucionais que presidem a atuação do autor e do réu no processo.

O autor ainda acrescenta:

Dessa forma, nota-se que houve uma restrição à


admissão de recurso, por força dos princípios da
oralidade e celeridade que regem os Juizados, na

129
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

medida em que a possibilidade de sua interposi-


ção representa, pelo menos quanto às matérias
de fato, apenas maior retardamento na prestação
jurisdicional.

Um dos princípios que regem o direito processual é o da


adequação, acerca de tal principio, Fredie Didier Jr (DIDIER JR,
2015) ensina que esse decorre do direito fundamental à efetivida-
de e ao devido processo legal e que “processo devido é processo
adequado”. Apoiando-se nos ensinamentos de Luiz Guilherme
Marinoni, o professor expõe que:
O titular do direito litigioso precisa de uma série
de medidas estabelecidas pelo legislador, dentre
as quais avulta a criação de um procedimento
adequado às particularidades da situação jurídi-
ca substancial submetida à apreciação do órgão
jurisdicional.

Ademais, o professor alerta que existem três dimensões do


principio da adequação, dentre elas a legislativa, podendo-se ex-
trair que a adequação ocorre através de três aspectos: subjetivo,
objetivo e teleológico, esse último ocorre de acordo os objetivos
que procura alcançar e é nesse contexto que se enquadra o pro-
cedimento do Juizado Especial Cível:

Há adequação teleológica também quando o proce-


dimento é adaptado aos objetivos preponderantes
em cada caso. Assim, por exemplo, o procedimento
dos Juizados Especiais é adequado aos propósitos
da duração razoável do processo e da efetividade,
que presidiram a sua criação.

Dessa forma, o procedimento da Lei nº 9.099/95 assim o é


em decorrência da utilização do principio da adequação, o qual
está ligado à garantia fundamental da efetividade e do devido
processo legal. Sendo essa a maneira encontrada pelo legislador

130
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

de garantir a concretização de tais garantias nas causas de baixo


valor econômico e baixa complexidade.
A interposição do agravo de instrumento poderá levar ao
afastamento dos princípios norteadores da Lei nº 9.099/95,
justamente por ser um recurso formal, não permitindo a sua
interposição de forma oral, não permitindo fazer uso da sim-
plicidade e da informalidade e indo de encontro a economia
processual. No procedimento do Juizado Especial Cível ocorre
a diminuição de algumas garantias em prol da celeridade pro-
cessual, ao passo que a permissão de todas as utilizadas no
procedimento comum em nada diferenciaria o procedimento
sumaríssimo do ordinário e, consequentemente, o tempo de
duração do processo seria o mesmo.

9 APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI 13.105/2015 (CPC)


Uma parte da doutrina entende que a irrecorribilidade
trata-se de lacuna ou omissão por parte do legislador e, nesse
caso, o Código de Processo Civil deve ser utilizado de maneira
subsidiária, até mesmo porque o paragrafo único do art. 318
desse diploma processual estabelece que o procedimento comum
aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais
e ao processo de execução.
Ricardo Cunha Chimenti (CHIMENTI, 2012), juntamente com
demais autores, tais como Alexandre Câmara, Marisa Ferreira do
Santos etc, acredita no cabimento do agravo de instrumento no
Juizado Especial Cível, por aplicação subsidiária. Nesse mesmo
sentido, Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016) defende a impos-
sibilidade de funcionamento do Juizado Especial Cível sem o CPC,
sendo a sua aplicação impositiva. Ainda, Humberto Theodoro
Junior (THEODORO JÚNIOR, 2016) acredita na utilização do CPC
para suprir omissões da lei específica, desde que não interfira
em suas disposições expressas e não atrite com seus princípios
fundamentais. Ainda, alerta que:

131
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

No entanto, é importante ressaltar que nenhuma


lacuna da Lei nº 9.099/95 poderá ser preenchida
por regra do Código de Processo Civil que se mos-
tre incompatível com os princípios informativos
que norteiam o Juizado Especial na sua concepção
constitucional e na sua estruturação normativa
especifica.

Em uma linha de entendimento oposta à aplicação subsidi-


ária, de acordo com Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016), Luiz
Felipe Salomão entende ser inadmissível a aplicação subsidiária
do CPC por falta de autorização expressa da Lei nº 9.099/95.
Dessa forma, o entendimento é de que o legislador admitiu a
aplicação do CPC de forma expressa no que entedia ser neces-
sário e a ausência de previsão nos demais artigos se dá porque
assim quis o legislador, levando em conta a finalidade do Juizado
Especial Cível. Trata-se, portanto, de omissão intencional.
Importa observar que a Lei nº 9.099/95, na parte Cível, prevê
expressamente a utilização do CPC apenas no que diz respeito
à fase executória (artigos 52 e 53), aplicando o Código de Pro-
cesso Civil “no que couber” e “com as modificações introduzidas
por esta lei”. Ou seja, a aplicação não ocorre da maneira tal qual
expressa no CPC, e sim de maneira modificada e adequada as
particularidades da Lei nº 9.099/95.
A impossibilidade de aplicação subsidiária do CPC possui
como forte defensora a Ministra Nancy Andrigui (LINHARES, 2015),
a qual afirma que o rito próprio estabelecido pelo Juizado Especial
o apartou dos demais ramos processuais para dar efetividade ao
procedimento oral e sumário, entendendo que as normas contidas
na Lei 9.099/95 são amplas e abertas de forma proposital e, por-
tanto, deve-se buscar a solução com base nos próprios princípios
do Juizado Especial sem socorrer-se ao CPC. Em suas palavras:

Na verdade, fica evidente, que há uma reiterada


opção legislativa pela permanente apartação dos

132
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

sistemas, sob pena de os julgadores perderem a


autonomia na condução dos processos; das partes
perderem, na prática, o acesso direto ao sistema,
considerando o aumento da complexidade na tra-
mitação das ações, o que imporia, necessariamente,
o apoio técnico especializado de advogados; e de
se perder a celeridade nos julgamentos...

Ainda expõe que a formalização do Juizado Especial Cível,


nos moldes do Código de Processo Civil, trata-se de prática fre-
quente e de um grande equívoco em decorrência de “uma inde-
vida influência osmótica da Justiça Tradicional sobre os Juizados
Especiais”. Portanto, para a Ministra, não há espaço para aplicação
subsidiária do CPC por ser procedimento próprio que estabeleceu
soluções próprias baseadas em seus princípios.
Por fim, percebe-se que ambas as teses de aplicação ou não
do CPC de forma subsidiaria possuem relevantes fundamentos,
decorrentes de visões distintas acerca do Juizado Especial Cível,
estabelecendo ponderações acerca dos princípios.

10. A TEORIA NA PRÁTICA E O PEDIDO DE


UNIFORMIZAÇÃO
Após toda a exposição feita no presente artigo, cumpre te-
cer breves considerações acerca da aplicação prática de todo o
procedimento estabelecido na Lei nº 9.099/95. Ocorre que, tal
como no procedimento ordinário, no procedimento do Juizado
Especial Cível nem sempre a prática consegue acompanhar o
que determina o comando legal. Felippe Borring Rocha (ROCHA,
2016) cita como exemplo o art. 27 da Lei nº 9.099/95, o qual
possui a seguinte redação:

Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-


-se-á imediatamente à audiência de instrução e
julgamento, desde que não resulte prejuízo para
a defesa.

133
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização ime-


diata, será a audiência designada para um dos quinze dias sub-
sequentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventu-
almente presentes.
Dessa forma, o referido artigo determina que a audiência de
instrução deve ser realizada logo após o encerramento da audiência
de conciliação, tendo como exceção o que diz o parágrafo único.
No entanto, afirma o autor, que a exceção está virando regra:

O que deveria ser exceção, no entanto, vem sendo


usado como regra, de modo que, na maioria das
vezes, não obtido acordo, é marcada a audiência
de instrução e julgamento para data posterior,
independentemente de ter sido alegado prejuízo
à defesa por parte do réu (art.23). Isso tem ocor-
rido, principalmente, porque o juiz não tem como
organizar sua pauta de audiências, em razão da
imprevisibilidade sobre o número de audiências
de instrução e julgamento que serão necessárias.

Em relação à audiência de instrução e julgamento, o autor


esclarece que, na prática, não há o julgamento logo após a ins-
trução, sendo a audiência encerrada pelo juiz leigo e as partes
intimadas da data em que a sentença, já homologada, será pu-
blicada. Ademais, acrescenta que esse desvirtuamento da Lei é
fruto do acúmulo de trabalho.
O relatório de pesquisa elaborado em 2011 (Diagnóstico
sobre os Juizados Especiais Cíveis) pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), tendo como foco de pesquisa os dados dos Estados
do Amapá, Ceará e Rio de Janeiro, conclui que 62,63% dos ma-
gistrados do Ceará e 63,33% dos magistrados do Rio de Janeiro
não atuam de forma exclusiva em uma vara e, ainda, 26,67%
dos magistrados do Rio de Janeiro exercem a outra função em
cidades diferentes. Dessa forma, é possível identificar o porquê
Felippe Borirng atribui o desvirtuamento da Lei nº 9.099/95 ao
acumulo de trabalho.

134
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

No que diz respeito ao tempo de processamento, o referido


relatório buscou identificar a eficácia do compromisso com a
celeridade processual no Juizado Especial Cível, concluindo que,
de acordo com os dados obtidos, é possível entender pela falta
de efetividade do procedimento, ao menos em relação aos três
Estados analisados:

Considerando-se o tempo médio entre a petição


inicial apresentada pela parte e o encerramento
do processo, efetuado pela baixa, tem-se que em
média no Amapá esse tempo é de 417 dias, no
Ceará 470 dias e no Rio de Janeiro 316 dias.
No entanto ao analisarmos o tempo de tramitação
apenas das ações com resolução de mérito, esses
tempo aumenta consideravelmente chegando
a 1.869 dias no Ceará, 1.365 dias no Amapá e
1.296 dias no Rio de Janeiro, uma análise mais
aprofundada desses dados pode expressar a falta
de efetividade dos juizados especiais cíveis, como
mecanismos de celeridade e garantia dos direitos.

No que concerne aos recursos, o relatório afirma que há


impacto sobre o tempo de tramitação dos processos:

No estado do Ceará, enquanto o tempo médio


total de tramitação de processos nos quais não
houve recursos é de 470 dias, o tempo médio de
tramitação dos processos nos quais houve qualquer
recurso é de 1.019 dias. No Amapá esse impacto
é de 417 dias de tramitação para processos em
que não houve qualquer recurso contra 832 dias
para processos nos quais houve qualquer tipo de
recurso. No Rio de Janeiro essa variação de tempo
é menor, chegando a 316 dias de tramitação para
os processos nos quais não houve recurso e 593
dias de tramitação para os processos nos quais
foram apresentados algum tipo de recurso.

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JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

Nota-se que e interposição de recurso, praticamente, dupli-


cou o tempo de tramitação do processo, sendo que no Estado do
Ceará foi ultrapassado o dobro de tempo. Esse tempo de duração
foi atingido considerando-se a previsão de utilização de apenas
dois recursos (embargos de declaração e recurso inominado).
Podemos assim dizer que daí decorre a importância do debate
acerca do cabimento do recurso de agravo de instrumento no
âmbito do Juizado Especial Cível, buscando analisar o procedi-
mento e o impacto temporal que poderá acarretar.
Ainda em relação a pratica nos Juizados Especiais Cíveis, a
fim de evitar decisões divergentes entre as Turmas Recursais,
evitando (ou buscando corrigir) a transformação do procedimen-
to em uma “terra sem lei”, na qual cada um dos seus membros
julga de acordo como bem entende as causas que versam sobre
o mesmo direito material e/ou processual, é que está em trami-
tação um Projeto de Lei que positiva o pedido de uniformização
da jurisprudência.
O art. 14 da Lei dos Juizados Especiais Federias e o art.
18 da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública preveem
a criação da Turma Nacional de Uniformização (TNU), a qual é
responsável por unificar as divergências de julgamentos proferi-
dos pelas Turmas Recursais. No entanto, na Lei nº 9.099/95 não
há tal previsão, sendo esse o tema do Projeto de Lei da Câmara
nº 16, de 2007, o qual teve sua aprovação, mediante alteração,
no Senado Federal. O Projeto de Lei inclui o capitulo II, seção
XIII-A na Lei 9.099/95 (artigos do 50-A ao 50-D), tendo como
objetivo principal o pedido de uniformização de jurisprudência
em caso de divergência de decisões entre Turmas Recursais do
mesmo Estado:

Art. 50-A. Caberá, no prazo de 10 (dez) dias, a


contar da publicação do acórdão, pedido de uni-
formização de interpretação de lei quando houver,
entre Turmas Recursais de competência cível do

136
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

mesmo Estado ou do Distrito Federal, divergência


sobre questão de direito material ou processual.
§ 1º O recurso será dirigido ao presidente da Tur-
ma Estadual de Uniformização, e não dependerá
do pagamento de custas.
§ 2º O pedido será instruído com prova da diver-
gência, mediante cópia do julgado ou reprodução
de sua versão disponível na internet, com indicação
da respectiva fonte, mencionando as circunstâncias
que identifiquem os casos confrontados.
§ 3º Ao recorrido é facultada a apresentação de
contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias.

De acordo com Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2016):

É preciso ressaltar ainda que a previsão de um


“Sistema”, qualquer que seja o seu sentido, retrata
não apenas um avanço significativo no reconhe-
cimento da importância e da peculiaridade dos
Juizados Especiais, mas também na adoção de um
modelo mais racional e coerente de funcionamen-
to. Não se pode conceber a coexistência de dois
Juizados, no mesmo seguimento judiciário, com
filosofias diferentes e sem sintonia.

Tendo em vista a aprovação pelo Senado Federal, mas com


a elaboração do Substitutivo, o projeto retornou à Câmara dos
Deputados e encontra-se na CCJC desde 07 de janeiro de 2019.
Por fim, verifica-se que o tema é relevante para o procedi-
mento do Juizado Especial Cível, tendo em vista que, na visão
dos legisladores, a uniformização das decisões pode acarretar,
na prática, através das medidas estabelecidas pelo Projeto de
Lei, maior organização das decisões e, consequentemente, maior
celeridade ao Juizado Especial Cível.

137
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo se propôs a abordar o procedimento do Jui-
zado Especial Cível, percorrendo o caminho de identificação da sua
razão de existir, da sua base principiologica, dos recursos cabíveis,
bem como os louvores e as criticas doutrinárias e jurisprudenciais
à Lei nº 9.099/95, até possibilitar uma análise mais aprofundada
acerca da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
Verificou-se que a irrecorribilidade imediata das decisões
interlocutórias decorre da ausência de previsão expressa como
consequência da intenção do legislador. No entanto, o tema leva
doutrinadores e juristas a frequentes debates acerca da sua
constitucionalidade.
Conforme visto, a doutrina majoritária defende a recorri-
bilidade imediata somente através da utilização do mandado de
segurança (quando presentes os requisitos que o autorizam).
Em contrapartida, o entendimento de que é cabível o recurso de
agravo de instrumento possui consideráveis defensores, os quais
veem ganhando espaço. Tal afirmação se concretiza através da
apresentação do Projeto de Lei nº 1918/2015 à Câmara dos De-
putados em 16 de junho de 2015 pelo deputado Rogério Rosso,
tendo sido aprovada a sua redação final, após a elaboração do
substitutivo, para positivar o entendimento de que é cabível o
recurso do agravo de instrumento para impugnar decisões in-
terlocutórias proferidas no âmbito do Juizado Especial Cível que
causem lesão grave ou de difícil reparação.
Acerca da lesão grave ou de difícil reparação, demonstrou-se
que a própria doutrina não consegue estabelecer os seus critérios
definidores, confiando ao relator a averiguação no caso concreto,
o que nos leva a crer que toda decisão interlocutória proferida no
Juizado Especial Cível poderá ser impugnada através do agravo
de instrumento, tendo em vista que a análise do relator se a de-
cisão é de lesão grave ou de difícil reparação só é possível com
a interposição do referido recurso.

138
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Analisando a redação final do Projeto de Lei nº 1918/2015,


buscou-se destacar algumas questões que carecem de maiores
explicações no que diz respeito à correta compreensão de como
o agravo de instrumento será inserido dentro do procedimento
sumaríssimo do Juizado Especial Cível. Em síntese, identificou-se
que o referido Projeto de Lei não esclarece acerca da exigibilidade
ou não de pagamento do preparo recursal; de como ocorrerá nos
casos em que a representação da parte por advogado não é obri-
gatória; da possibilidade de atribuição do efeito suspensivo; do
cabimento do agravo interno, bem como o prazo de interposição;
e da preclusão das decisões interlocutórias.
As respostas aos questionamentos expostos acima são de
suma importância, uma vez que não se pode apenas prever
a utilização do agravo de instrumento sem voltar o olhar ao
procedimento do Juizado Especial Cível, bem como sem esta-
belecer formas de adequação (se é que existem) desse recurso.
Não é viável que o legislador queira simplesmente incorporar
um recurso do Código de Processo Civil ao Juizado Especial
Cível sem levar em consideração quais os objetivos da Lei nº
9.099/95. Tanto é que, o chamado recurso inominado equipara-
-se ao recurso de apelação, mas não é o recurso de apelação, e
sim um recurso que se adapta à proposta do Juizado Especial
Cível. Ainda, viu-se que há autores que defendem a aplicação
subsidiária do CPC em casos de lacuna da Lei nº 9.099.95. No
entanto, o entendimento diverso defende a que as normas ali
inseridas são amplas e abertas de forma proposital, devendo a
solução ser encontrada na base principiológica do art. 2º e não
no Código de Processo Civil.
No que tange ao Projeto de Lei nº 1918/2015 e a sua jus-
tificativa de contribuição à segurança jurídica, buscou-se expor
o que se entende por segurança jurídica e que não se trata de
garantia absoluta, sendo necessário, sempre que possível buscar
um equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade.

139
JUSTIÇA & SOCIEDADE, V. 4, N. 2, 2019
Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista – IPA

A redação original do Projeto de Lei expõe o pensamento de


muitos juristas ao argumentar que no Juizado Especial Federal e
no Juizado Especial da Fazenda Pública, cujas leis de regulamen-
tação são posteriores à Lei nº 9.099/95, há previsão expressa do
agravo de instrumento, razão pela qual deveria haver tal previsão
na Lei nº 9.099/95. Porém, tal argumento deixa de considerar que
a previsão de impugnação imediata nas Leis nº 10.259/01 e nº
12.153/09 é decorrência da sua competência absoluta de julga-
mento, bem como do valor econômico ser de 60 salários mínimos
e, principalmente, que em ambos os Juizados, a complexidade
da causa não é impedimento para a prestação jurisdicional. Em
outras palavras, ainda que a causa seja complexa, será julgada
no âmbito do Juizado Federal ou do Juizado da Fazenda Pública
sempre que possuir valor que não ultrapasse o permitido. Dessa
forma, por certo, a imposição da tramitação de causas complexas
deve possibilitar fazer uso de mais recursos, tal como ocorre na
Justiça Comum.
Todo o procedimento do Juizado Especial Cível assim o é
em virtude da utilização do aspecto teleológico, por parte do
legislador, do principio da adequação, o qual é retirado de outras
garantias fundamentais: efetividade e devido processo legal. Ou
seja, o procedimento estabelecido na Lei nº 9.099/95 é adequado
às causas as quais possui competência para julgamento, sendo
elas a de baixo valor econômico e baixa complexidade. Razão pela
qual não há ofensa ao contraditório e a ampla defesa, tendo em
vista que há garantia de que sejam exercidos. Apenas não podem
ser de imediato contra as decisões interlocutórias, adequando,
assim, o procedimento do Juizado Especial Cível aos propósitos
que nortearam a sua criação e a sua razão de existir.
De acordo com o demonstrado no presente artigo, o fun-
cionamento prático do Juizado Especial Cível, em determinadas
comarcas, não consegue dar integral efetividade à proposta le-
gislativa da Lei nº 9.099/95, isso devido a diversos fatores tanto

140
A AUSÊNCIA DE RECURSO IMEDIATO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

estruturais como funcionais, bem como o número de demandas


que ali tramitam. No entanto, não se pode olvidar que tal proce-
dimento foi pensado para funcionar de forma simples e menos
burocrática, buscando a todo tempo a autocomposição e a entrega
da prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva, razão pela
qual possui princípios próprios e adequados a essa finalidade.
Por fim, dentre todo o exposto, o suposto cabimento do
agravo de instrumento para atacar decisão interlocutória não
parece trazer contribuições positivas ao procedimento, além de
ir de encontro a todos os princípios da Lei nº 9.099/95, os quais,
quando respeitados de maneira conjunta, produzem a efetivida-
de, a rapidez e a almejada ampliação do acesso à justiça. Dessa
forma, o Projeto de Lei nº 1918/2015 deixa a desejar, uma vez
que se distancia da filosofia do procedimento do Juizado Especial
Cível e o atinge diretamente em sua coluna vertebral, qual seja,
a celeridade processual.

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