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Obrigação primária e obrigação de indemnizar

Maria de Lurdes Pereira / Pedro Múrias

(Para os Estudos em Homenagem ao Prof. Carlos Ferreira de Almeida)

I. Introdução

Numa série de estudos que temos vindo a publicar, defendemos uma arrumação do
direito do não cumprimento baseada na heterogeneidade da seguinte tríade de efeitos: efeitos de
responsabilidade civil, efeitos na própria obrigação atingida e efeitos nas obrigações primárias
associadas, maxime na de realizar a contraprestação.1 A nossa tese toca, pois, o tema debatido da
contraposição entre dever de prestar e dever de indemnizar.2 À triplicidade que sustentamos,
porém, não interessa propriamente a diferença entre o antes e o depois de uma perturbação res-
ponsabilizadora, mas sim, no segundo momento, depois da perturbação, discernir os seus vários
efeitos. Os nossos estudos não se preocupam directamente com a intensidade das relações entre
o dever de prestar original e o dever de indemnizar resultante dum não cumprimento, mas sim,
dado o não cumprimento, com a necessidade de distinguir as suas consequências nos deveres de
prestar e num dever de indemnizar. Em nosso entender, mesmo quem defenda a «unidade» ou
«identidade» entre a obrigação primária e a obrigação de indemnizar pelo não cumprimento defi-
nitivo da primeira deve, ainda assim, aceitar a relevância da triplicidade, já que um não cumpri-
mento tem efeitos diversos e sob condições diversas no dever primário e no que o «substitui».
O presente artigo, portanto, é nalguma medida lateral para a ideia de base que nos tem
orientado, mas nem por isso poderíamos deixar de tomar posição na disputa quanto à «identi-
dade» ou «diversidade» entre prestar e indemnizar. Uma concepção que unifique os dois deveres
atrapalha a compreensão do direito do não cumprimento centrada na triplicidade, ainda que não

1 Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, nos Estudos em Honra do Professor Doutor Oliveira Ascensão, vol. I, Almedina,
Coimbra, 2008, 379-430; Obrigações de meios, obrigações de resultado e custos da prestação, nos Estudos em Memória do Prof.
Doutor Paulo Cunha, no prelo; Prestações de coisa: transferência do risco e obrigações de reddere, nos Cadernos de Direito Privado,
n.º 23, 2008, 3-17; Um conceito de atribuição para o direito do não cumprimento, na O Direito, ano 140.º/IV, 2008, 797-856;
Os direitos de retenção e o sentido da excepção de não cumprimento, na RDES, n.º 734, 2009, 235-262. Estes estudos encon-
tram-se disponíveis na internet desde há algum tempo. A conveniência de uma sistematização do género da que pro-
pomos parece ser reconhecida nalguns estudos recentes: cf. H. UNBERATH, Die Vertragsverletzung, Mohr Siebeck,
2007, que estrutura a sua parte dogmática (182 ss.) pela distinção entre as pretensões «primária» e «secundária»,
dando lugar à parte à matéria da resolução, e P. MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo,
Coimbra Ed., 2008, 1498 e n. 4247, que cita outros dois autores.
2 No texto, usaremos indistintamente «obrigação» e «dever». Rigorosamente, porém, é claro que a tese discriminati-

va a que aderimos não se basta com a identificação de dois deveres diferentes, forçando a que se reconheça que eles
encabeçam duas obrigações autónomas: a diversidade de objecto, fundamento e regime respeita a todas as situações
jurídicas adjacentes ao dever «analítico» de prestar e à sua concatenação, ou seja, respeita às situações jurídicas
complexas que são as duas obrigações.

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a impeça nem por ela seja impugnada. Em termos gerais, vamos afirmar a correcção das teses
propostas por GOMES DA SILVA em 1944, francamente discriminativas,3 que, nos seus aspectos
fundamentais, colhem inclusive alguma confirmação em desenvolvimentos da dogmática con-
temporânea, como sinteticamente se mostrará.
Note-se, a começar, que não interessa nem seria correcto pôr o dever de prestar e o
dever de indemnizar em universos incomunicáveis. Desde logo, a obrigação de indemnizar do
devedor subentende um dever violado e, por isso, todas as determinações do âmbito do dever
de prestar vão repercutir-se na existência ou não de responsabilidade civil. Esta relação de de-
pendência merece ser sublinhada. Em segundo lugar, a obrigação de indemnizar é uma obriga-
ção e, dessa maneira, proporciona a acção de cumprimento, a garantia geral e, sendo caso disso,
a execução específica. Normas como as do cumprimento ou da transmissão das obrigações,
entre outras, também lhe dizem respeito. No entanto, logo aqui há diferenças a assinalar. Traço
peculiar do seu regime será o da não extinção absoluta, mas antes transformação, em caso de
impossibilidade superveniente da reconstituição natural,4 mas sem relevo para o que queremos.
Neste estudo, não cuidaremos da enumeração e aprofundamento destas semelhanças e
diferenças. O texto que se segue vai estruturado em função da notável heterogeneidade no inte-
rior das teses unificadoras: existem diferentes graus ou modalidades de recusa da distinção dos
dois deveres, e o nosso estudo começa por discutir o tema apresentando essas variações. Uma
reflexão sobre a identidade ou diversidade do dever de prestar e do dever de indemnizar não
pode prescindir deste esclarecimento, pois são diferentes os argumentos que permitem rejeitar
cada uma dessas teses. Concretamente propomos que se distinga entre as teses da unidade em
sentido próprio ou da unidade como questão dogmática, por um lado, e, por outro, a tese da
unificação imprópria ou da unidade como questão expositiva e descritiva. As primeiras apresen-
tam a suposta «unidade» ou «identidade» como argumento ou conclusão directa de uma discus-
são dogmática, i.e., de uma discussão sobre soluções e fundamentos, enquanto a segunda a apre-
senta como modo de expor ou descrever um regime aferido com independência desta questão,
um regime dado por assente antes de se afirmar a «identidade».
Dentro das teses unificadoras proprio sensu, separaremos ainda a que constrói a identidade
dos dois deveres a partir de uma distorção do conceito de prestação daquela que o faz reformu-
lando o conceito de dano. Repudiamos ambas, mas a crítica segue percursos separados. Num
terceiro momento, apreciaremos as teses de unificação imprópria. Estas encabeçam, pelo contrá-
rio, uma orientação mais homogénea, sem prejuízo de ligeiras variações na formulação: uns sus-
tentam uma «identidade normativa», «jurídica» ou «axiológica» entre ambos os deveres, no sen-

3 GOMES DA SILVA, O dever de prestar e o dever de indemnizar, ed. do A., Lisboa, 1944, 213-232. Seguindo-o, PESSOA
JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, 1995 (reimp.), 44-47. Em sentido contrário, acen-
tuando a unidade, p. ex., ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, 9.ª ed., Almedina, 1996, I, 160-161.
4 Cf. arts. 566.º/1 e 2. Regra semelhante se encontra no enriquecimento sem causa e na restituição por invalidade

(cf. arts. 479.º/1 e 289.º/1). Em todos estes casos, porém, a oposição ao disposto no art. 790.º/1 não é tão evidente
como se possa pensar, por faltar discutir qual é propriamente o resultado definidor das obrigações de indemnizar e
de restituir. Por isso mesmo, a doutrina qualifica por vezes estas obrigações como obrigações de valor. Sobre o con-
ceito de «resultado definidor», cf. o estudo sobre obrigações de meios cit. supra, n. 1.

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tido de o regime ser o mesmo quanto a garantias e outros acessórios,5 ao passo que outros acen-
tuam a ideia de que, apesar da «substituição de deveres de prestar», a relação obrigacional se
mantém enquanto «estrutura», por a indemnização estar supostamente ao serviço do mesmo
interesse do credor.6 Em qualquer dos casos, a «equiparação» dos deveres surge como recurso
linguístico destinado a comunicar aspectos de regime previamente determinados.
Na quarta e última divisão, ilustraremos a conveniência em demarcar rigorosamente os
dois deveres a propósito da ausência de sinalagma entre dever de indemnizar e o dever de reali-
zar a contraprestação, da excepção de não cumprimento invocável pelo credor da indemnização
e do direito obrigacional de retenção atribuído ao devedor da mesma.
Acrescente-se, a terminar esta introdução, que o problema da distinção entre deveres pri-
mários e dever de indemnizar se coloca igualmente no campo extra-obrigacional. Assim, é pelo
menos discutível a opção de alguns manuais alemães de inserir no capítulo da responsabilidade
civil a matéria das pretensões negatórias,7 sucessoras da actio negatoria romana.8 Estas respeitam
aos deveres primários. Os autores que não a afastam da responsabilidade civil, de qualquer modo,
prescindem do requisito da culpa9 na negatória e afirmam que se trata aqui, essencialmente, de
afastar a «fonte primária de perturbação».10 Notemos que já não se cuida de reagir a um dano. A
suposta ligação à responsabilidade civil resultaria de os direitos subjectivos protegidos serem os
mesmos da tutela aquiliana.11 Com isto, todavia, toma-se a dúbia opção metodológica de tentar
definir um instituto pela sua facti species, em lugar de fazê-lo pelo problema visado.

II. A «identidade» dos deveres como questão dogmática: reconfiguração da prestação e reconfiguração do dano

A versão mais radical da tese da identidade fazia coincidir o dever de prestar e o dever de
indemnizar reconfigurando inadmissivelmente a prestação. Foi contra ela que se dirigiu funda-
mentalmente a reacção de GOMES DA SILVA.12 De facto, esta concepção deturpava o sentido do

5 Assim, C. MOTA PINTO, Cessão da posição contratual, reimp., Almedina, 1982 (1970), 426-429. Cf. o art. 634.º quanto
à fiança.
6 Cf. LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, vol. I, 14.ª ed., Beck, 1987, 333.
7 No bom sentido contrário, cf. o estudo precursor de E. PICKER, Der negatorische Beseitigungsanspruch, L. Röhrscheid,

Bona, 1972 (há edições posteriores).


8 Cf. SANTOS JUSTO, Direito privado romano, vol. III, Direitos reais, Coimbra Ed., 1997, 116. Para o direito das coisas

vigente, cf., p. ex., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito civil. Reais, 5.ª ed., Coimbra Ed., 1993, 432-434. Em Portugal, tem-
-se dado o qualificativo de «negatória» apenas à acção real, o que acompanha a origem da figura e impede confusões
com a responsabilidade civil. A terminologia seguida na Alemanha, mais frutuosa, mas com o perigo indicado,
alarga o tema a disposições como as dos arts. 70.º/2, 1276.º e 1278.º ou as dos arts. 56.º CDADC e 101.º/2 CPI. A
perspectiva ampla do tema das pretensões negatórias parece estar a chegar ao nosso país: cf. CARNEIRO DA FRADA,
Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, 2004, 629, n. 675, que cita P. COSTA SILVA no mesmo sentido.
9 NEUNER, Interesse und Vermögensschaden, AcP 133 (1931), 305, levou a identificação ao ponto de querer sustentar

que a negatória pressuporia culpa.


10 LARENZ/CANARIS, Lehrbuch des Schuldrechts, II/2, 13.ª ed., Beck, 1994, 700. Nos manuais, é a exposição mais

desenvolvida (672-717).
11 LARENZ/CANARIS, Schuldrecht, II/2, 673-674.
12 Cf. GOMES DA SILVA, O dever, 331-335.

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dever de prestar ao exigir que a prestação tivesse valor pecuniário e ao fazê-lo corresponder ao
montante dos danos sofridos pelo credor, concluindo que a prestação teria como equivalente
pecuniário a indemnização.
Uma outra tese, que aproxima os dois deveres manipulando o conceito de dano, situa-se
num segundo nível. Defende-se, e NEUNER deu-lhe especial ênfase, que a indemnização teria
como montante mínimo o «valor objectivo da prestação», mesmo quando em concreto a priva-
ção do cumprimento não tenha repercussão desfavorável no património do credor.13 À sua luz,
é, todavia, salvaguardada a faculdade de invocar um dano superior ao «valor objectivo da presta-
ção» e de exigir que o ressarcimento seja calculado nos termos da teoria da diferença.
A segunda tese — que assentou em fixar o dano, no mínimo, no valor objectivo da pres-
tação — não é exclusiva da responsabilidade contratual14 — falando-se então em «valor objecti-
vo» ou «valor comum» dos bens patrimoniais —, destina-se a ultrapassar certas insuficiências da
teoria da diferença na matéria da quantificação da indemnização e, por isso, nem sempre é rela-
cionada com a unificação entre dever de prestar e dever de indemnizar. Em qualquer caso, ela

13 Cf. NEUNER, Interesse, 293-303, para quem o dever de indemnizar teria uma função de continuação do direito violado
quer na responsabilidade delitual, quer na obrigacional; mas aqui, em princípio, apenas no domínio dos contratos
sinalagmáticos (idem, 295-296), o que indicia muito claramente uma confusão entre o problema da responsabilidade
civil e os do sinalagma. A construção de NEUNER teve seguidores de peso na doutrina germânica (é o caso de
LARENZ, Schuldrecht, I, 424-425 e 480-482, HANS STOLL, Begriff und Grenzen des Vermögensschadens, C. F. Müller, 1973,
12-15, e Abstrakte Nutzungsentschädigung bei Beschädigung eines Kraftfahrzeugs?, JUS 1968, 510-511, embora com limita-
ções no campo delitual e SCHERMAIER, anot. aos §§ 280-285, em SCHMOECKEL/RÜCKERT/ZIMMERMANN (org.),
Historisch-kritischer Kommentar zum BGB, vol. II, Schuldrecht: Allgemeiner Teil. §§ 241-432, Mohr, 2007, nm. 65 e 66,
embora, aparentemente, só no âmbito obrigacional. WILBURG, RABEL, COING e BYDLINSKY contam-se também
entre aqueles cujas posições implicaram uma recepção total ou parcial das ideias de NEUNER: cf. H.-J. MERTENS,
Der Begriff des Vermögensschadens im Bürgerlichen Recht, Kohlhammer, 1967, 50-70 e HistKomm-SCHERMAIER (cit. supra, n.
13), nm. 64, n. 534). Todavia, essas teses contam também, no seu país de origem, com distintos opositores (assim,
RÜSSMANN, AlternativKommentar BGB, in http://ruessmann.jura.uni-sb.de/rw20/akbgb/schaden/schadex.htm, nota
preliminar ao § 249, n.º 15, ESSER/SCHMIDT, Schuldrecht, vol. I, Allgemeiner Teil , tomo 2, 7.ª ed., 1993, C. F. Müller,
164 e 170, n. 13 e MERTENS, Der Begriff des Vermögensschadens im Bürgerlichen Recht, W. Kohlhammer Verlag, 1967, 87-
110, criticando o conceito «objectivo ou normativo» de dano em geral; LANGE/SCHIEMANN, Schadensersatz, 3.ª ed.,
Mohr Siebeck, 2003, 249-251, apesar de não banirem de todo a tese valor comum enquanto dano mínimo, restrin-
gem significativamente o seu âmbito). Veja-se uma tese idêntica à de NEUNER, no direito inglês, em TREITEL, The
law of contract, 11.ª ed., Sweet & Maxwell, 2003, 950-951, embora apresentada de modo sumário a propósito de um
grupo limitado de casos e com algumas restrições. TREITEL faz uso de uma argumentação característica das teses
que deslocam para a sede da imputação de vantagens os casos de revenda lucrativa de coisa defeituosa. Neste
contexto, tem ainda cabimento uma referência à original tese de KEUK. KEUK recusou o conceito dualista de dano
de NEUNER (cf. KEUK, Vermögensschaden und Interesse, Ludwig Röhrscheid, 1972, 43-51), não obstante, repudiou
expressamente o conceito de dano como grandeza de cálculo resultante da diferença entre duas situações patrimo-
niais globais (idem, 52-107 e passim). Consequentemente, a autora afirmou que a pretensão ao «interesse no cumpri-
mento», apesar de ser uma nova pretensão, repousaria sobre o direito de crédito originário fundado no contrato,
cujo conteúdo se apresentaria alterado (idem, 151-152). Infra, n. 59, voltamos a referir-nos à tese de KEUK. KNÜTEL,
por seu turno, apresentou uma construção idêntica à de NEUNER nos resultados, embora já não integrada na
responsabilidade civil, mas directamente como «desenvolvimento da obrigação primária» (cf. KNÜTEL, Die Schwächen
der „konkreten“ und „abstrakten“ Schadensberechnung und das positive Interesse bei der Nichterfüllung, AcP 202, 2002, 555-606,
esp.te 558, 571-583, 591 e 604; KNÜTEL, p. 583, assinala que os resultados a que chega são idênticos aos de NEU-
NER, apenas censurando a este autor o facto de não ter esclarecido a relação entre o dever de prestar in natura e o
dever de entregar o valor da prestação em dinheiro). HistKomm-SCHERMAIER (cit. supra, n. 13), nm. 65-66, 94 e
passim, também acentua repetidamente a distinção entre «o interesse» (falando em «ressarcimento do interesse») e o
dano (referindo-se então ao «ressarcimento do dano») que, nas fórmulas do autor também dão origem a direitos de
natureza distinta: a «pretensão ao interesse» e a «pretensão à indemnização do dano».
14 Acentuando-o, cf. HistKomm-SCHERMAIER (cit. supra, n. 13), nm. 64, embora o autor pareça só aceitar esta dou-

trina no âmbito obrigacional (idem, nm. 65-66).

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violenta o sentido ressarcitório da responsabilidade civil. Distorce um instituto que se destina a
eliminar danos. O «mínimo» pretendido por esta doutrina é um corpo estranho no direito da in-
demnização. Quem defende este «mínimo» não deixa de aceitar, como ponto de partida, que é
outro o modo de quantificação da obrigação de indemnizar, designadamente que, em caso de in-
cumprimento, ela postula avaliação dos reflexos da falta da prestação no património do concreto
credor. Na generalidade dos casos, portanto, a indemnização calcular-se-ia de acordo com a teo-
ria da diferença; todavia, o «mínimo» seria um modo de corrigir esse princípio de solução. Logo,
estes autores sustentam aqui uma desunião no seio de um instituto e, querendo manter o dano
no centro da responsabilidade civil, teriam de buscar um conceito radicalmente novo.
Vêem-se então de imediato as primeiras dúvidas quanto às soluções. Se os resultados a
que a segunda tese chega não chocam quando, apesar de o credor não sofrer danos com o in-
cumprimento, a contraprestação tenha um valor de mercado igual ao da prestação ou exista um
terceiro que, em lugar do credor, tenha saído lesado — trata-se da denominada liquidação de
dano de terceiro —, eles revelam-se especial e substancialmente injustos sempre que não exista
contraprestação, ou seja, sempre que saiamos do campo das relações sinalagmáticas. Certamente
intuindo a incorrecção deste efeito, NEUNER limitava a aplicabilidade da sua tese aos contratos
sinalagmáticos. Não se apercebeu, contudo, de que nos contratos sinalagmáticos o pensamento
é completamente diferente e que, se o credor acaba por receber um montante equivalente ao
«valor objectivo» ou «comum», essa solução não decorre de um pretenso direito do credor ao
valor a menos recebido: trata-se, sim, de não o fazer pagar pelo que não recebeu, imposição di-
recta do sinalagma. Só assim se percebe que não haja duplicação na tutela do credor: a contra-
prestação é reduzida em termos proporcionais à perturbação, e o credor, suportando agora o
valor adequado na «economia» que as partes gizaram, mantém plena justificação para, além disso,
ainda se aproveitar de todas as utilidades do bem. Isto, no entanto, é o funcionamento do
sinalagma, e não da responsabilidade civil. E se o credor não pagou nada — por o contrato ser
gratuito, por o credor ser terceiro beneficiário de um seguro, por ter ganho um concurso sem
custos para si, etc. — não terá nada a receber.
Quem, pelo contrário, quisesse manter o «mínimo» já fora da responsabilidade e do sina-
lagma, teria de dar argumentos para um indispensável novo instituto. É que a «continuação» ou
«desenvolvimento» da obrigação primária carece de princípios ou de uma teleologia que a sus-
tentem. Não pode nascer do nada. A única coisa que se retira da obrigação inicial é o direito à
prestação (perfeita), não um direito ao seu valor.15 Naturalmente, quando se tiver estipulado o

15Daí a improcedência da citada tese de KNÜTEL (supra, n. 13). KNÜTEL sustenta que, em caso de incumprimento
definitivo imputável ao devedor, o credor poderia exigir sempre o equivalente em dinheiro da prestação, indepen-
dentemente do dano que sofresse (KNÜTEL dá a àquele valor a designação de «interesse geral»: Schwächen, 571-575,
597-600 e passim). Se do incumprimento resultarem «danos adicionais», o devedor teria de indemnizar (a vantagem
acrescida que resulta do cumprimento para um concreto credor é o «interesse especial: Schwächen, 583, 587-590 e
603). Porém, este direito à indemnização não se confunde com o «direito ao valor da prestação», que, segundo o
autor, ainda integra materialmente o direito ao cumprimento, é a sua «continuação» (Schwächen, 575-576, 581-583,
604 e passim). A argumentação de que KNÜTEL lança mão para fundamentar o direito ao equivalente da prestação
em dinheiro não convence. O autor nunca chega a explicar como se extrai do direito à prestação «em espécie» a
faculdade de exigir o seu valor em dinheiro, direito ao «equivalente» esse que, aliás, só pode integrar a vinculação do

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direito a um certo valor, a prestação já é outra. Pense-se nas justamente chamadas dívidas de
valor e nas obrigações valutárias. A ideia central a que não podemos fugir é que a prestação é o
que for — a determinar por interpretação e integração, com as correcções que o sistema deter-
mine —, não é um «valor» disso.
Repare-se finalmente em que, mesmo no domínio dos contratos sinalagmáticos, a tese
do valor objectivo da prestação como «dano» mínimo não deixa de chegar a resultados que se
afiguram incorrectos. Assim sucede quando a contraprestação tenha um valor de mercado infe-
rior à prestação incumprida e o credor, apesar do incumprimento, tenha obtido todas as utilida-
des que esperava. Nesta hipótese, uma indemnização acentuaria a vantagem que o acaso conce-
deu ao credor, num efeito que repugna totalmente à sua função. Suponha-se uma prestação
defeituosa que não causou danos no sentido de uma diferença entre duas situações patrimoniais.
Isto quer dizer que o credor obteve com a prestação todas as utilidades que quis.16 NEUNER e os
seus sequazes entendem que, além dessa utilidades, que são todas, o credor teria direito à dife-
rença de valor entre o prestado e o devido.17 A duplicação afigura-se evidente num negócio gra-
tuito. Note-se que temos em vista situações em que já não caiba considerar o direito à reparação

devedor condicionalmente, pois depende do não cumprimento definitivo e culposo. KNÜTEL separa correctamente o
dever de prestar do dever de indemnizar, assinalando que a vinculação de um vendedor não consiste em aumentar o
património do comprador em termos abstractos na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, mas
antes na entrega e/ou transmissão da coisa (Schwächen, 582). Mas, se é assim, fica por explicar que a vinculação do
vendedor — e do devedor em geral — não se cinja à coisa concreta e compreenda o pagamento do seu valor em
dinheiro. KNÜTEL busca arrimo no esclarecimento histórico do conceito de interesse (Schwächen, 571-575), na regra
(revogada) da perpetuatio obligationis (cf. Schwächen, 578-581), no «cálculo abstracto» da indemnização defendido pela
maioria da doutrina e revelado, designadamente, na escolha do momento relevante para o cálculo (Schwächen, 563-
567) e nas teorias da sub-rogação e da diferença em sede de indemnização pelo não cumprimento (Schwächen, 583).
A argumentação, contudo, ora é puramente conceptual, ora se funda em soluções criticáveis justamente por permi-
tirem que se dê ao credor uma indemnização superior ao seu dano.
16 Se a prestação se estabilizou, de alguma maneira, no património do credor — p. ex., numa prestação de coisa ou

numa empreitada —, então o seu desvalor, em si mesmo, já é um dano na maioria dos casos — o património tem
um valor menor do que o que teria. Para o caso aparentado de o comprador fiel não celebrar uma compra de
cobertura, mas demonstrar que actualmente o bem teria determinado valor e ainda se encontraria no seu património
se o contrato tivesse sido cumprido, entende KNÜTEL existir um dano nos termos da teoria da diferença, muito
embora assinale que a doutrina não é muito clara neste ponto, dando a impressão de que qualquer cálculo do dano
sem compra de cobertura corresponde a uma avaliação abstracta do dano, contrária à dita teoria da diferença
(Schwächen, 562-563). Também nas hipóteses do denominado «menor valor mercantil» — um objecto danificado,
normalmente um automóvel, sofre uma desvalorização no mercado apesar da reparação feita em sede de indemni-
zação em espécie, e por causa dessa reparação — a sua indemnização independentemente de o proprietário ter in-
tenção de vender decorre, na Alemanha, de jurisprudência constante e foi acolhida pela maioria da doutrina (cf.
LARENZ, Schuldrecht, I, 473, e LANGE/SCHIEMANN, Schadensersatz, 264-269, estes últimos acentuando que a doutrina
tem oscilado entre considerar esta indemnização como ruptura da teoria da diferença ou, pelo contrário, como
resultado da sua coerente aplicação). Seja como for, nos casos em que o cumprimento defeituoso constitui um dano
nos termos da teoria da diferença, ainda assim, o dever de corrigir defeitos pode resolver o problema antes da
responsabilidade civil.
17 Idêntico parece ser o resultado tido em vista por P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 787 e 790-791, ao advogar a

não dedução à indemnização do montante obtido pelo comprador através da revenda vantajosa da coisa defeituosa,
por tal negócio exceder o ónus do comprador lesado de mitigação dos danos (ao menos quando se tratar de um não
comerciante). No entanto, para se colocar a questão da dedução ou não dedução de vantagens é necessário que
exista um dano (ao qual estas serão ou não descontadas) e esse dano, neste caso, não existe, a menos que se adopte
a concepção de NEUNER, e se considere que a simples desvalorização decorrente do defeito da prestação constitui o
dano mínimo, concepção essa que P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1501-1502, porém, recusa.

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do defeito ou à substituição da prestação, que, de qualquer modo, também não são responsabili-
dade civil, mas manifestações directas da obrigação primária perturbada.
A crítica à primeira tese unificadora dos deveres de prestar e indemnizar, a modalidade
mais intensa, é igualmente definitiva. A existência e a exigibilidade da prestação não dependem
de a sua ausência materializar ou causar um dano.18 A primeira razão para isso estaria em que a
prestação não tem de ser patrimonial (cf. art. 398.º/2),19 mas a independência entre prestação e
dano descobre-se mesmo nas transacções estritamente patrimoniais. A falta da prestação primá-
ria, numa obrigação validamente constituída, não representa para o credor um dano juridica-
mente relevante quer quando, desde o início, não teria essa natureza, quer quando era esse o seu
sentido, mas se descobre que a finalidade última da prestação nunca poderia ter sido alcançada,
quer quando há uma perda total superveniente do interesse do credor na prestação20 e esta não
tem valor de troca. O primeiro caso, claro, é o mais significativo, porque nos outros dois havia,
ao tempo do contrato, a probabilidade ou mesmo a finalidade de a falta da prestação representar
um dano. Os exemplos são inúmeros. Como mera ilustração, considerem-se, respectivamente,
os seguintes contratos (onerosos): com uma instituição religiosa, para certas exéquias pelo cre-
dor;21 com um detective, para procurar certa pessoa em certo país, quando se descobre mais

18 Cf. GOMES DA SILVA, O dever, 218-221. A discussão no common law quanto à natureza do benefício e custo envol-

vidos para que pudesse falar-se de consideration conduziu ao mesmo resultado. Cf., v.g., ATIYAH, An introduction to the
law of contract, 5.ª ed., reimp., Clarendon, 2000 (1995), 120 e 129-130.
19 A ideia de que a prestação teria de ter valor pecuniário andava de mãos dadas com a confusão entre os dois deve-

res. Foi esse o ponto de partida para a crítica cerrada de GOMES DA SILVA (O dever, 213-218). Hoje, a crescente
indemnizabilidade de danos morais em sede obrigacional diminui o peso da relação. Cf., por todos, ALMEIDA
COSTA, Direito das obrigações, 9.ª ed., Almedina, 2001, 552-553, TREITEL, Contract, cit. supra, n. 13, 987-994, LANGE/
SCHIEMANN, Schadensersatz, 429-432 (perante o teor muito restritivo do BGB antes da lei de 19-7-2002). Cf. ainda o
art. 7.4.2.2 dos Princípios UNIDROIT para o Direito dos Contratos.
20 Têm-se em vista apenas os casos em que a perda não decorre de incumprimento algum, designadamente de nenhum

atraso. E, como é evidente, temos em vista casos em que não há impossibilidade da prestação. Por vezes, algumas
passagens num ou noutro autor parecem confundir impossibilidade e perda do interesse, o que seria uma confusão
grave. Basta ver a relação entre os dois conceitos nos arts. 790.º e ss.
21 Tal como com a matéria da patrimonialidade da prestação, o problema relaciona-se com o requisito do art.

398.º/2, in fine. A nosso ver, a interpretação do artigo no sentido de a prestação não poder corresponder a um
«mero capricho» do credor nem a um interesse só reconhecível por «outros complexos normativos, como a religião,
a moral», etc. (p. ex., PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código, I, 349), seria inconstitucional, além de contrária a
toda experiência (cf. tb. M. LIMA REGO, Contrato de Seguro e Terceiros. Um Estudo de Direito Civil, Coimbra Ed., 2009,
texto das páginas circa n. 1479). Diríamos até que, dos diamantes às tatuagens, é capricho grande parte do comércio
mundial. Não pode objectar-se com uma intenção estética do adquirente, por ser acidental. No caso dos diamantes,
evidentemente, o capricho individual, mesmo que divergindo do capricho universal, não suprime o valor de troca
resultante deste último e relevante para o direito. E seria inconstitucional por contrariar o princípio geral de liberda-
de (cf. arts. 1.º e 26.º CRP) sem qualquer espécie de justificação. Na verdade, (cf. R. ALEXY, Theorie der Grundrechte,
3.ª ed., Suhrkamp, 1996 (1985), 212, 217, 241-244), embora a autonomia privada seja essencialmente competência
(permitida), e não permissão, é também um momento (diríamos nuclear) da liberdade dos cidadãos, ao alargar o seu
campo de acção. Desse modo, merece a garantia constitucional enquanto «direito de liberdade». No ordenamento
português, a invocação constitucional de um princípio geral de liberdade talvez tivesse de transpor alguns obstácu-
los, mas ganhou novo alento com a introdução, em 1997, da referência ao «desenvolvimento da personalidade» no
art. 26.º (cf. P. MOTA PINTO, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal-Brasil Ano 2000. Tema direito,
Coimbra Ed., 1999, 151-154, 160-171, 198-205, 210-217, associando o princípio da liberdade à protecção constitu-
cional da autonomia privada, mas tb. J. SOUSA RIBEIRO, O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio
da liberdade contratual, Almedina, 1999, 145-148, n. 350, que aponta dificuldades à tutela constitucional da autonomia
privada, sobretudo dada a sua natureza de competência. Deixamos expresso um agradecimento a Miguel Nogueira
de Brito pelas indicações sobre as especificidades do direito constitucional português nestes temas.

7
tarde e por outra via que a pessoa se encontra noutro; com um publicitário, para a promoção de
um produto específico que o credor vem a ser impedido de lançar no mercado. Equivalentes aos
casos em que a finalidade da prestação não é alcançável são aqueles em que a prestação, sem
valor de troca, é inútil devido a características do credor ou dos seus bens. P. ex., a preparação
de certo medicamento que se deteriore depressa, convencionada num contrato, é inútil para
quem não padece da doença certa e tem valor nulo ou negativo. O exemplo com o detective,
evidentemente arbitrário, ilustra as especificidades das obrigações de meios.22 Note-se que, no
exemplo, não há impossibilidade da prestação, pois esta dependeria do conhecimento pelo devedor
do paradeiro da pessoa procurada. Mostra-se assim que o cumprimento de uma obrigação pode
não evitar a ocorrência do dano do credor que se pretendia evitar. Com efeito, nas obrigações de
meios é normal o cumprimento não «desfazer um dano», por não se produzir o resultado defini-
dor. Num plano próprio, vemos reforçada a diferença entre prestação e dano, entre o objecto do
dever de prestar e o objecto do dever de indemnizar. Veja-se ainda como é incerta a relação
entre prestação e dano numa simples compra de um maço de cigarros: o maço tem valor patri-
monial e, por isso, a sua falta é um dano; mas aquele comprador vai fumar os cigarros, tornando
muito pouco claro que a falta da prestação, afinal, o prejudicasse. Os cigarros eram o que o com-
prador queria, mas nem sempre algo de que precisasse. Prevalece a vontade, não o interesse, e o
não cumprimento não tem de ser um dano.
A falta imputável da mesma prestação dá origem a obrigações de indemnizar diferentes
consoante aspectos que lhe são exteriores, os danos.23 Na falta destes, não há indemnização.

O art. 398.º/2 só conserva conteúdo útil quanto ao problema do limiar da vinculação jurídico-negocial e dos
acordos de honra (gentlemen’s agreements), podendo ser usado como indicativo (i.e., como indício interpretativo) da falta
de sentido de vinculação em sede de relações gratuitas. JÚLIO V. GOMES e A. FRADA DE SOUSA (Uma análise de
jurisprudência comparada sobre acordos de honra e prestações de cortesia, nos Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de
Magalhães Collaço, vol. II, Almedina, 2002, 145-189 (171-173)) recorrem a esta disposição para um dos vários casos
de acordos de honra que dilucidam (cf. tb. Acordos de honra, prestações de cortesia e contratos, nos Estudos dedicados ao Prof.
Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, 861-932 (894)). Os mesmos autores, porém, ao fazerem depender a
vinculatividade negocial do «interesse social» e da «utilidade que a comunidade retira da existência de uma garantia
para a execução de determinados acordos» (Acordos, sobretudo 884-891; cf. a referência a «caprichos ou bagatelas»
na p. 895), enveredam por uma concepção funcional-utilitarista do negócio jurídico (quando não do direito) que
devemos recusar e que colidiria com os vectores constitucionais mencionados. A mesma concepção que recusamos
encontra-se em FERREIRA DE ALMEIDA, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, Almedina, 1992, p. 486, em nota.
Claro que estas teses têm, na doutrina, uma história e um presente que lhes dão peso. P. ex., recentemente, na dou-
trina alemã, T. ACKERMANN defendeu que as regras da vinculação jusprivada não colheriam a sua legitimidade em
ponderações éticas acerca da vinculatividade da promessa em si mesma, mas antes na função de garantia da
liberdade: elas seriam necessárias à constituição e manutenção do mercado, enquanto instituição social em que, aí
sim, se realizaria a liberdade negativa (Der Schutz des negativen Interesses. Zur Verknüpfung von Selbstbindung und Sanktion
im Privatrecht, Mohr Siebeck, 2007, 64-137). Para o cumprimento desta tarefa, elas contribuiriam disponibilizando
sanções privadas que dariam aos agentes do mercado a possibilidade de cooperarem. Por consequência,
ACKERMANN não cinge a autovinculação privada aos «actos de vontade» (idem, desig.te 137). Cf. PAIS DE VASCON-
CELOS, Teoria, I, 344-348, sobre o funcionalismo antiliberal historicamente associado ao art. 398.º/2, e M. LIMA
REGO, loc. cit. supra, nesta nota. Parece-nos preferível a opção do art. 2.101/1, a) PDEC, que apenas exige uma
«intenção» de vinculatividade jurídica. Mesmo para além disso, a diferença entre uma «obrigação de rezar» (J. V.
GOMES/A. F. DE SOUSA, Jurisprudência, 171-173) e o caso das exéquias que apresentamos no texto não está na
utilidade da prestação, mas no carácter exterior, social, ou interior do acto devido. O problema não são os actos que
o direito tutela, mas sim aqueloutros em que não ousa interferir (salvo permitindo-os).
22 As linhas seguintes aplicam o que defendemos no estudo sobre obrigações de meios e de resultado cit. supra, n. 1.
23 Cf. GOMES DA SILVA, O dever, 219-221.

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Para lá dos casos do parágrafo anterior, em que a ausência da prestação não é dano, há que olhar
àqueles em que é o operar do sinalagma a evitá-lo. Em muitas situações da vida económica, ao
credor é indiferente receber ou não certa prestação, conquanto não a pague, porque pode obter
de outro fornecedor o mesmo bem, pelo mesmo preço e em tempo. Ora, como a excepção de
não cumprimento e a resolução facultam frequentemente que a contraprestação não chegue a
ser realizada,24 a responsabilidade civil fica sem lugar. É igualmente claro que, por força dos
mecanismos sinalagmáticos, o não cumprimento representa um lucro para o credor sempre que
este possa obter a prestação a um custo inferior ao acordado, p. ex., numa conjuntura de descida
de preços.25 Nestes casos, o credor tem interesse patrimonial no não cumprimento. Os vários
modos da autonomia entre a prestação ou a sua ausência e o dano ou ganho do credor tornam
indiscutível a falência da tese da «identidade» entre as obrigações de prestar e de indemnizar
assente na reconfiguração do conceito de prestação.

III. A «identidade» dos deveres de prestar e de indemnizar como expediente expositivo

Examinemos agora as fórmulas de unificação mitigada. Goradas as tentativas de igualar,


em sentido próprio, dever de prestar e de indemnizar, alguma doutrina empenha-se em preser-
var as referências à «identidade», agora deliberadamente reduzida a uma opção linguística alusiva
à comunhão parcial de regime entre os dois deveres.26 Estas teses da «identidade normativa»
«axiológica» ou «jurídica» não deixam de merecer ainda a nossa recusa.27
A opção a tomar tem natureza terminológica, no sentido de que já não está em causa,
para esta doutrina da «identidade», partir do pressuposto da identidade e decalcar o regime de um
dos deveres sobre o do outro, o que constituiria uma «inversão» metodologicamente inaceitá-
vel.28 A «identidade» seria sempre e só um ponto de chegada que exprime os passos anteriores,

24 Mas só no caso de não ser realizada ou ser restituída. Nalguns casos de restituição pode haver dano, quer porque
a contraprestação não é restituída nos termos em que foi recebida, quer porque o credor não pôde aproveitá-la
durante o período em que «esteve nas mãos» do devedor.
25 TREITEL, Contract, cit. supra, n. 13, 934-935, dá o exemplo como ilustração elementar de ausência de dano, mas é

mais sugestivo fazer notar que este incumprimento representa um ganho para o credor. Na maioria destes casos,
porém, não é de esperar que o devedor não cumpra (cf., v.g., BURROWS, The law of restitution, Butterworths, 1993,
265: «será um cenário raro»).
26 Defendendo a identidade normativa no direito português, M. DE ANDRADE, Teoria geral da relação jurídica, II,

Coimbra Ed., 1992 (reimp.), 21, C. MOTA PINTO, Cessão, 426-429, e Teoria geral do direito civil, 3.ª ed., Coimbra Ed.,
1994, 372, ANTUNES VARELA, Das obrigações, I, 538, n. 1 (algo contraditoriamente, o autor recusava a expressão
«responsabilidade obrigacional (…) por não fazer a destrinça entre o dever de prestar, tendente ao cumprimento da
obrigação, e o dever de indemnizar, correspondente ao seu não cumprimento»: idem, 535, n. 1), CALVÃO DA SILVA,
Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, sep. do vol. XXX do Suplemento ao BFDUC, 2.ª ed., reimp., 1995 (1986),
71, n. 139 e 146-148, e P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1497 e ss.
27 Recusa essa que devemos inclusive alargar ao próprio modo de auto-identificação destas teses. Os adjectivos usa-

dos («normativa», «jurídica» ou «axiológica», conforme os autores) dificilmente exprimem o pretendido. As teses da
«identidade» como questão dogmática não defendiam uma «identidade» menos «normativa», nem se vê como pode-
ria alguma coisa deixar de ser «normativa» e jurídica nestas matérias.
28 Reconhecendo-o, P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1499.

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uma locução destinada a acentuar as similitudes de regime, e nunca o ponto de partida, i.e., o
pressuposto para se alcançar a aplicação da mesma disciplina. É, por conseguinte, no plano da
terminologia que deve ser testada a sua valia.29 Não esqueçamos, no entanto, que, se a opção é
terminológica, não deixa de ter relevância (potencialmente) substancial, nos termos gerais em
que o «sistema externo» releva para o «interno».30
Precisamente do ponto de vista da nitidez, simplicidade e rigor que a linguagem jurídica
deve servir e que, de resto, a tese da unificação mitigada privilegia, é de evitar o recurso ao termo
«identidade», e por três ordens de razões. Em primeiro lugar, veremos que, mesmo nas zonas
em que dever de prestar e de indemnizar partilham estatuições idênticas, tal ocorre não por causa
da (pretensa) semelhança dos deveres, mas antes apesar da sua diversidade. A terminologia a que
nos opomos perturba, justamente, por sugerir o que se queria evitar, i.e., que a aplicação do
regime da obrigação primária à de indemnizar fosse entendida como consequência de uma unidade.
Em segundo lugar, veremos que há aspectos fundamentais em que o regime das duas obrigações
se diferencia e cuja compreensão e exposição, por esse motivo, é favorecida com o uso da termi-
nologia oposta. Por fim, notaremos que a expressão legislativa da suposta «identidade norma-
tiva» dos dois deveres — a ausência de uma regra legal explícita que comine a extinção do dever
de prestar em caso de impossibilidade imputável ao devedor — é facilmente confundida com a
faculdade de o credor obter uma condenação ao cumprimento apesar da impossibilidade, regime
que merece repúdio, como os próprios patronos da tese da unidade dos dois deveres acentuam.
A aplicação de alguma ou algumas das soluções de regime do dever de prestar ao dever
de indemnizar decorre de ponderações privativas de cada um dos institutos em causa. A ideia de
«manutenção» ou mesmo de «transferência de regime» não retrata o fenómeno com exactidão, já
que a comunhão de estatuições resulta de uma fundamentação que em nada depende da ideia de
«identidade». Assim, por exemplo, as garantias especiais abrangem também o dever de indemni-
zar, mas isso resulta do sentido e finalidade das garantias e não de uma sobrevivência do dever
originário: as garantias destinam-se a assegurar o credor contra os efeitos do incumprimento,
pelo que tem de entender-se, salvo estipulação, regra ou princípio em contrário, que englobam
todas as consequências desse incumprimento e, portanto, também a compensação pelos respec-
tivos prejuízos.31 A possibilidade de a parte fiel recusar-se a realizar a (contra) prestação a seu
cargo enquanto não for indemnizada e a correlativa faculdade de a parte incumpridora fazer
depender o pagamento da indemnização da aquisição da contraprestação acordada também ofe-

29 Por isso mesmo, parece-nos paradoxal a afirmação por P. MOTA PINTO (Interesse contratual, 1499, n. 4250) de que
os argumentos de ordem expositiva seriam irrelevantes ou «reversíveis». O autor, que defende a «identidade» numa
versão refinada, ao ponto de escrever «identidade» entre aspas, teria de aceitar que só esse género de argumentos
releva, pois o regime que é exposto ao dizer-se que há ou que não há «identidade» entre a obrigação primária e a
obrigação de indemnizar não gera hoje dúvidas de maior. Trata-se, é claro, de argumentos quanto à exposição do
regime vigente, e não de argumentos quanto à bondade geral da exposição ou do ensino do direito.
30 Cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil, vol. I, Parte Geral, t. I, 2.ª ed., Almedina, 2000, 41-42, ID Introdução

à edição portuguesa, in CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 2.ª ed., FCG, 1996, LXVII-
LXIX.
31 Assim, GOMES DA SILVA, O dever, 358-359. Isto mesmo é aceite por P. MOTA PINTO, loc. cit., n. 4251, seguindo

M.ª LURDES PEREIRA, Conceito de prestação e destino da contraprestação, Almedina, 2001, 63-64.

10
recem um exemplo eloquente de como as afinidades dos regimes dos dois deveres não justifi-
cam o uso do termo identidade. O tema será abaixo retomado. O que se diz vale ainda em maté-
ria de prescrição, concretamente na resposta à questão de saber se o prazo prescricional iniciado
com o dever de prestar continua a correr relativamente ao dever de indemnizar ou se, diversa-
mente, se inicia a contagem do novo prazo.32 Já se defendeu que, a ser aceite a tese da «identida-
de», esta seria a sua única «consequência prática»33, mas, a nosso ver, sem razão.34 A escolha
entre a subsistência do prazo já encetado e o início do curso de um outro dependerá de ponde-
rações próprias do instituto da prescrição no confronto com o dever de indemnizar. Designada-
mente, as razões de dificuldade de prova do cumprimento para o devedor, que se supõe estarem
na base da prescrição,35 parecem não valer relativamente ao dever de indemnizar, aconselhando,
por isso, à contagem de um novo prazo.36/37
Em suma, se a unidade do dever de prestar e do dever de indemnizar não é pressuposto
do regime, se a afinidade das soluções ocorre não por causa de serem um e o mesmo dever —
ou uma sucessão de deveres no interior da mesma obrigação — mas apesar da sua diversidade, o
recurso à palavra «identidade» só pode, nesta perspectiva, ser fonte de equívocos.
No que respeita às diferenças de regime, aceitamos que a «unificação» atenuada que
agora temos em vista não seria estritamente incompatível com o reconhecimento da diversidade
de certos elementos da disciplina do dever de prestar e do dever de indemnizar. Contudo, em
oposição ao efeito pretendido de alusão directa ao regime, a desvantagem desta última tese unifi-
cadora radica precisamente em não prover a exposição da disciplina dos dois deveres com uma
linguagem simples e rigorosa que obste a confusões ou ambiguidades. Tais elementos estrutu-
rantes do regime tornam-se mais claros e podem ser expostos com mais simplicidade se se pres-
supuser a distinção. Por exemplo, seria bastante difícil explicar que o dever de corrigir defeitos
da prestação não depende de culpa, por não se tratar de um problema de indemnização, mas da
prestação primária, sustentando em simultâneo serem «um só» o dever de prestar e o dever de
indemnizar.

32 Questão diversa, embora de alguma forma subsequente, é a da sujeição do dever de indemnizar a um prazo pres-
cricional da mesma duração do aplicável ao dever de prestar ou, inversamente, a uma prescrição de curto prazo
igual à que vale no domínio delitual. A última solução foi recusada por VAZ SERRA, Responsabilidade civil, sep. do
BMJ n.ºs 86, 87, 88, 91, 92 e 93, 1960, 343-344, e P. ALBUQUERQUE, A aplicação do prazo prescricional do n.º1 do art.
498.º do Código Civil à responsabilidade civil contratual, ROA 49/II, 1989, 793 ss.
33 Sustentando ser a única implicação prática da tese da identidade, ainda que refutando essa mesma tese, cf.

LARENZ, Schuldrecht, I, 333, n. 1. Seguindo-o, M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 63-64, n. 140, numa opinião que agora
se revê.
34 Implicitamente no mesmo sentido, P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1499-1500, n. 4253, ao aderir à tese da

«identidade normativa», mas considerando simultaneamente «duvidoso» que, por prescrição, a indemnização não
possa ser reclamada depois do momento em que a prestação poderia ser exigida.
35 A propósito dos fundamentos em geral da prescrição, cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil, vol. I, Parte

Geral, t. IV, Almedina, 2005, 160-161.


36 A maioria dos partidários da identidade sustenta a continuação da contagem do prazo prescricional já iniciado

com o dever de prestar, mas sem o fundamentar à luz dos quadros gerais da prescrição: cf. MANUEL DE ANDRADE,
Teoria geral, 21, C. MOTA PINTO, Cessão, 427, e CALVÃO DA SILVA, Cumprimento, 71, n. 139 e 147.
37 E valerá a pena lembrar que são irrelevantes para a obrigação de indemnizar outras regras relativas ao tempo que

se apliquem à obrigação primária: assim, p. ex., um termo essencial para o cumprimento ou um prazo de caducidade
para a exigência da prestação.

11
Outro tema em que a dificuldade se repete é o da extinção ou possibilidade de extinção
do direito à contraprestação em caso de não cumprimento definitivo, apesar do surgimento dum
dever de indemnizar pelo interesse positivo. Só com grandes rodeios explicativos se poderia por-
ventura dizer que a contraprestação se extingue por se ter extinto a obrigação primária, apesar de
ter surgido o dever de indemnizar, advogando ao mesmo tempo a «identidade» dos deveres. Na
verdade, mesmo quem adira à teoria da sub-rogação, directamente tributária das teses unificado-
ras do dever de prestar e dever de indemnizar38, mas hoje maioritariamente abandonada, aceita a
possibilidade de a parte fiel optar por se exonerar da contraprestação — renunciando, com isso,
à indemnização — numa solução dificilmente convocada pelo recurso à ideia de identidade
entre os dois deveres.39 Atente-se ainda no regime da cessão voluntária do crédito que já se
tenha tornado impossível ao tempo do negócio transmissivo. A transmissão negocial do dever
de prestar não pode ser interpretada no sentido de abranger o direito à indemnização que entre-
tanto se tenha constituído. Dado que «o direito à prestação pode ter, sem deixar de ser o mes-
mo, função diferente na economia do cedente e do cessionário, podem ser diversos os danos
causados com a falta de cumprimento ou com o facto de ele se tornar impossível, consoante o
crédito pertence ainda ao cedente ou já se transmitiu para o cessionário»40: consequentemente,
extinto o crédito por impossibilidade ou incumprimento definitivo, a cessão fica despojada de
objecto, em vez de se passar a referir à indemnização. Como sublinha GOMES DA SILVA, «a
hipótese do crédito cedido é uma daquelas em que com maior evidência se revela a autonomia
do dever de indemnizar».41 Parece-nos injustificado trocar a clareza quanto a este e aos anterio-
res aspectos centrais por uma linguagem que apenas retrata o que sucede quanto a acessórios. As
semelhanças de regime são, de facto, poucas, e todas elas secundárias. Nada que justifique o uso
da palavra «identidade». Quanto aos pressupostos e à fundamentação material, dificilmente se
encontrará algum ponto comum.
Acresce que, como dissemos, uma terminologia que unifique os dois deveres favorece
um equívoco de regime que deve ser evitado, a saber, a viabilidade de uma acção de cumprimen-
to em caso de impossibilidade imputável. A doutrina unificadora dos dois deveres nunca susten-
tou tal viabilidade, o que seria, aliás, incompatível com os seus pressupostos: se a indemnização
vem «substituir» a prestação, parte-se necessariamente do princípio de que esta já não pode ser
exigida. Porém, a tradução legislativa da tese da unidade supõe que se omita uma regra explícita
de extinção da obrigação em caso de impossibilidade imputável e, com isso, abre uma porta a
equívocos ou, no mínimo, não ajuda à clareza neste domínio.
A impossibilidade coloca o problema da subsistência ou extinção do dever de prestar e
simultaneamente o problema (diverso) da reacção indemnizatória. No direito português, a indem-
nização funda-se na culpa, pelo que a impossibilidade só gera responsabilidade civil quando seja

38 Segundo HistKomm-SCHERMAIER (cit. supra, n. 13), nm. 75, a teoria da sub-rogação teve historicamente como

pressuposto a ideia de que o dever de indemnizar era uma continuação do dever de prestar.
39 Vide, aliás, a argumentação de MEINCKE, Rechtsfolgen nachträglicher Unmöglichkeit der Leistung beim gegenseitigen Vertrag,

AcP 171 (1971), 28.


40 GOMES DA SILVA, Dever de prestar, 360.
41 Ibidem.

12
imputável. O primeiro problema, por seu turno, é resolvido sempre no sentido da cessação da
obrigação primária. Esta extinção decorre dum postulado jurídico convincente,42 aceite desde o
Digesto (cf. D. 50.17.185) e, para não dizer mais, estribado no bom senso:43 o dever implica pos-
sibilidade. Qualquer impossibilidade afasta os meios de tutela que pressupõem a obrigação.
Além dos já referidos, tenha-se agora em conta a sanção compulsória (cf. art. 829.º-A).44 Já se
alvitrou que, sendo imputável a impossibilidade,45 deveria dar-se ao credor a acção de cumpri-
mento, deixando para a fase executiva a «transformação» da prestação num montante indemni-
zatório. Invocaram-se razões de prova.46 No processo civil português, poderia sustentar-se o
mesmo pensamento em disposições como os arts. 931.º e 934.º CPC. No entanto, aquele género
de dificuldades tem de ser ultrapassado, simplesmente, em sede de ónus da prova.47 Os arts.
931.º e 934.º CPC cumprem a sua função quando a impossibilidade48 não tenha sido atendida no
processo declarativo, designadamente por ser posterior. De resto, é inconsequente a ausência de
uma disposição idêntica ao art. 790.º em sede de impossibilidade culposa. A boa solução — não
distinguir aqui a impossibilidade culposa — encontra-se expressa nos arts. 546.º («uma das pres-
tações possíveis») e 802.º/1 («do que for possível»), no art. 1051.º/1, e), embora com um alcance
que ultrapassa a prestação, e no art. 1221.º («se os defeitos puderem...»). Tem o mesmo sentido a
necessidade de, para a substituição, ser fungível a coisa defeituosa vendida (cf. arts. 914.º e
921.º). Entre nós, MENEZES CORDEIRO defendeu a solução correcta.49 Na Alemanha, perante a
antiga redacção do § 275 BGB, equivalente ao 790.º, a doutrina maioritária já trilhava o bom ca-

42 Ainda que necessitado de tratamento rigoroso. Lembre-se a hostilidade à solução decorrente, no nosso direito,
dos arts. 280.º e 401.º, em grande medida encetada por RABEL; p. ex., a dos comparatistas ZWEIGERT/KÖTZ,
Einführung, 486-488. O idêntico § 306 BGB foi eliminado, consagrando-se hoje a solução contrária no § 311-a,
embora com a especialidade do n.º 2/2. A CCVI, os PUC e os PDEC antecederam-no, suprimindo quase toda a
especificidade dos problemas originários da prestação. Os arts. 3.3 PUC e 4.102 PDEC são expressos, mas cf. tb.
arts. 3.4 e 3.7 PUC e arts. 4.103 e 4.119 PDEC, no que toca ao erro. É de esperar que a solução dos arts. 280.º e
401.º venha também a ser invertida num futuro não muito longínquo e, inclusive, que surjam interpretações restriti-
vas desses preceitos (cf. P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1231 e ss.). Para o imperativo de fundamentar o 790.º,
cf. M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 72-86.
43 CALVÃO DA SILVA, Cumprimento, 439, invoca o bom senso a propósito do art. 829.º-A.
44 Cf., por todos, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento, 438-442, e PINTO MONTEIRO, Cláusula penal, 125-126.
45 Cf. os autores referidos por M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 73, n. 165.
46 Cf. HUBER, Leistungsstörungen, II, Mohr Siebeck, 1999, 774-777, DAUNER-LIEB et. al., Anmerkungen, 25, e JAN

WILHELM/PETER DEEG, Nachträgliche Unmöglichkeit und nachträgliches Unvermögen, JZ 2001, 226. RÖDL, Die Spannung
der Schuld, Duncker & Humblot, 2002, 43 e 48-50, identifica MOMMSEN como autor do argumento. Repetimos a
remissão da n. anterior. JÜRGEN KOHLER, Bestrittene Leistungsunmöglichkeit und ihr Zuvertretenhaben, AcP 205 (2005), 94
e ss. também argumenta no plano processual, mas acentua, diversamente, que a solução actualmente consagrada no
BGB (cf. já de seguida no texto) implica um acrescido risco de desperdício de meios para o credor.
47 Cf. CANARIS, Die Reform des Rechts der Leistungsstörungen, JZ 2001 (56), 500.
48 Ou outras dificuldades. Essas disposições não prevêem apenas a impossibilidade substantiva.
49 Já em 1980. Cf. MENEZES CORDEIRO, Obrigações, II, 171-173. A essa solução se deu desenvolvimento também em

M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 48-71. Apesar do efeito extintivo da impossibilidade culposa, parece-nos pedagogi-
camente desaconselhável ensinar a impossibilidade — ou a impossibilidade não culposa — em sede de «extinção
das obrigações», bastante longe da matéria do «não cumprimento». Foi essa, todavia, a opção de MENEZES COR-
DEIRO, loc. cit., com reflexos em vários autores de Lisboa (cf., p. ex., L. MENEZES LEITÃO, Obrigações, II). Mais im-
portante do que a identidade do efeito extintivo é a unidade dos vários temas das perturbações da obrigação, que a
constância da triplicidade só evidencia.

13
minho.50 Com a Modernisierung do direito das obrigações, foi finalmente suprimida a tradicional
fonte de equívocos, assumindo-se a diferença entre o dever primário de prestar e o dever de in-
demnizar.51 Reformulou-se o § 275 BGB,52 que agora não distingue impossibilidade imputável e
não imputável. Os instrumentos internacionais seguem a mesma direcção.53
A tese da unidade sugere ainda outros dois equívocos de regime: por um lado, sugere
que seria impossível cumular a resolução com a indemnização do interesse contratual positivo,
ao passo que, como abaixo se verá, a solução contrária vai colhendo progressivamente a aceita-
ção das leis e da doutrina; por outro lado, sugere que se negue a indemnização do interesse con-
tratual negativo no caso de incumprimento contratual não seguido de resolução, sendo certo que
também aqui, embora em termos que não podemos demonstrar neste estudo, existem boas
razões para atribuir ao credor a faculdade de escolher entre uma e outra das indemnizações.
Com efeito, o pressuposto da identidade dos dois deveres favorece o entendimento de
que a resolução do contrato e o dever de indemnização pelo interesse contratual positivo se ex-
cluiriam reciprocamente. Mesmo que se perfilhe a versão «moderna» dos efeitos da resolução,
i.e., a versão de que esta se limitaria a metamorfosear a relação primária numa relação de liquida-
ção, o certo é que essa eficácia, uma «eficácia de conformação inversora», implicará a cessação

50 Cf. FIKENTSCHER, Schuldrecht, 232 («levadas à letra, teriam de se riscar do § 275/1 as palavras “não imputável”»),

SCHLECHTRIEM, Schuldrecht AT, 154, com indicações de doutrina e jurisprudência, e RÖDL, Spannung (cit. supra, n.
46), 52-53 (com uma boa síntese, pp. 41-51, sobre os fundamentos da extinção do dever de prestar em caso de
impossibilidade). Cf. tb. LARENZ, Schuldrecht, I, 333, embora o A., adepto da «identidade axiológica», fale de uma
«mera substituição» dos deveres de prestar. No sentido oposto, cf. HUBER, Leistungsstörungen, II, cit. supra n. 46, 771-
-773 e WILHELM/DEEG, Nachträgliche Unmöglichkeit, cit. supra, n. 46, 225-226. Cf. ainda M.ª LURDES PEREIRA, loc. ult.
cit., com referência às doutrinas portuguesa e alemã.
51 Podemos dizer sem exagero que a distinção entre dever de prestar e dever de indemnizar foi um dos resultados

mais notórios da Modernisierung. Considere-se o surgimento da expressão «Schadensersatz statt der Leistung» («indemni-
zação em vez da prestação»), v.g., nos §§ 280 e ss. Em Die Behandlung nicht zu vertretender Leistungshindernisse nach § 275
Abs. 2 BGB beim Stückkauf, JZ 2004/5, 214-225 (224), CANARIS é incisivo na distinção dos dois deveres, «que, por
boas razões, têm subjacentes pressupostos diversos e produzem diversos efeitos jurídicos.» TH. LOBINGER, Die
Grenzen rechtsgeschäftlicher Leistungspflichten, Mohr Siebeck, 2004, 13, é esp.te crítico quanto aos «modos de dizer mistifi-
cadores» que confundiam dever de prestar e de indemnizar ao falarem de uma «metamorfose» ou «mudança de
conteúdo» no incumprimento culposo, ou ao dizerem que o dever de indemnizar ocuparia o lugar do de prestar na
relação obrigacional. Cf. tb. o estudo de 2007 de UNBERATH, Vertragsverletzung, cit. supra, n. 1, e o estudo do mesmo
ano de H. DEDEK, Negative Haftung aus Vertrag, Mohr Siebeck, 2007, 232 e ss.
52 Cf., p. ex., SCHWARZE, Unmöglichkeit, Unvermögen und ähnliche Leistungshindernisse im neuen Leistungsstörungsdrecht, JURA

24 (2002), t. 2, 76, CANARIS, Die Reform, 500, acentuando a diferença entre o dever de prestar e o de indemnizar,
com indicações, e MEDICUS in HASS/MEDICUS/ROLLAND/SCHÄFER/WENTLAND, Das neue Schuldrecht, Beck, 2002,
91. Cf. ainda os trabalhos preparatórios coligidos por CANARIS em Schuldrechtsmodernisierung, 2002, Beck, 2002, so-
bretudo 154, 357, e 658-659. Crítico em relação à regra, já presente na Konsolidierte Fassung, precisamente por romper
com a tradição da identidade, cf. STOLL, Notizen zur Neuordnung des Rechts der Leistungsstörungen, JZ 2001, 590.
53 Cf. arts. 7.2.2.a) PUC e 9.102.2.a) PDEC. Na CCVI, o art. 28 deixa o problema aos direitos nacionais, apesar,

quanto à reparação de defeitos, da referência à razoabilidade no art. 46/3. A CCVI não exclui, por si, a «execução
específica» (a acção de cumprimento) nem sequer em casos de impossibilidade não imputável, o que pode gerar
problemas de «fraude à Convenção», se um direito nacional permitir, em sede, p. ex., de sanções compulsórias quali-
ficáveis como direito adjectivo à luz desse mesmo ordenamento, obter resultados equivalentes aos de uma indemni-
zação (afastada no art. 79). Se a doutrina começou por confiar no art. 28 (HONNOLD, Uniform Law for International
Sales under the 1980 United Nations Convention, 2ª ed., Kluwer, 1991, 552, embora usando também o art. 79/1, e HER-
BER/CZERWENKA, Internationales Kaufrecht, Beck, 1991, 357-358), parece-nos preferível, em acréscimo, confundir
aqui dever de prestar e de indemnizar (!), e invocar o art. 79 CCVI, com vista a impedir resultados gritantemente
injustos.

14
do dever de prestar.54 Se a obrigação de indemnizar pelo interesse positivo corresponde a um
dever «idêntico», deveria também extinguir-se.
No plano da indemnização sem resolução, o postulado da identidade dificulta — embo-
ra, em última análise, não impeça — aceitar-se que o dever de indemnizar pode ter por objecto o
denominado «dano de confiança».55 Não vamos aqui aprofundar o problema da indemnizabilida-
de deste dano em sede de incumprimento, que se defronta com o obstáculo da falta de causali-
dade.56 Todavia, a ideia de que a indemnização constitui um «sucedâneo» da prestação originária
não se harmoniza com uma forma de cálculo que pressuponha que esta última nunca tivesse
sido devida. Por isso, a tese da «identidade» dificilmente admite que a indemnizabilidade do inte-
resse negativo em caso de resolução se estenda às situações em que esta não ocorre.57 Tal solu-
ção não parece correcta e, em qualquer caso, inferi-la da «identidade» constituiria uma «inversão
metodológica» relativamente àquilo que afirmam os defensores da «identidade normativa»: esta,
supostamente, seria conclusão, e não argumento.
Há uma razão expositiva acrescida para os juristas manterem na sua pureza o postulado
de que o dever — e a obrigação — implica possibilidade e de que, portanto, toda a impossibili-
dade implica extinção, independentemente da ausência de culpa. As teses da «identidade», como
temos vindo a ver, introduzem nesse postulado a restrição de que, sendo a impossibilidade cul-
posa e havendo danos, a obrigação não se extingue, mas antes se «converte» numa obrigação de
indemnizar. Ora, quem adoptar esta linguagem cria aqui uma divergência entre o discurso dos
juristas e o discurso da filosofia moral, que discute e frequentemente aprova em termos gerais a
relação de implicação entre dever e possibilidade.58 Se a doutrina jurídica quer manter laços es-
treitos com o restante pensamento da normatividade e, em especial, com a ética — como parece
indispensável — então deve reconhecer que a impossibilidade (definitiva e total) extingue sem-

54 Assim, DEDEK, Negative Haftung, cit. supra n. 51, 236. A expressão entre aspas traduz «„umkehrende“ Gestaltungswir-

kung». O autor considera que um dos pressupostos fundamentais da consagração do actual § 325 BGB (que admite
a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse positivo) foi precisamente o abandono da tese da
identidade (idem, 236-237).
55 Segundo DEDEK, o pressuposto da «identidade» teria sido ultrapassado com o § 284 BGB, sobre indemnização

de despesas inutilizadas com o incumprimento, por não ser possível defender um em conjunto com o outro (cf.
DEDEK, Negative Haftung, cit. supra n. 51, 233). Cremos, no entanto, que a correlação não pode tomada nesses ter-
mos absolutos: a indemnização de despesas inutilizadas pode ser concedida com fundamento na «teoria da frustra-
ção», sendo então uma indemnização pelo interesse contratual positivo. A indemnização do interesse negativo, por
outro lado, quando outorgada em casos de incumprimento, não tem necessariamente a natureza de uma indemniza-
ção por incumprimento do dever de prestar, podendo ser vista como manifestação de responsabilidade pela confiança (cf. a
nota seguinte). Por isso sublinhámos no texto que a tese da identidade apenas dificulta, mas não impede totalmente
uma indemnização pelo interesse negativo em caso de incumprimento.
56 Negando a indemnização do interesse negativo enquanto tal em caso de não cumprimento, precisamente por

falta de causalidade, cf. P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1543-1582. O argumento da falta de causalidade é, con-
tudo, ultrapassado por quem, como CARNEIRO DA FRADA, Teoria da confiança, 662-672, considere que o fundamento
da obrigação de indemnizar pode situar-se alternativamente na violação do comando contratual ou no «pensamento
da protecção da confiança».
57 P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1647, é coerente na medida em que não só recusa a indemnização pelo interes-

se negativo em caso de incumprimento, também não admite que esta se cumule com a resolução.
58 Cujas afirmações mais famosas são de KANT: na Crítica da Razão Pura, A-548/B-576 e A-807/B-835, na Metafísica

dos Costumes, 6:380, e em vários outros lugares da sua obra.

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pre o dever e a obrigação, e deve coibir-se de construções verbais, como a da «identidade», que
encubram essa extinção.
O ponto de partida da tese discriminativa é a observação lapaliciana de que, p. ex., a
obrigação de entregar uma coisa e a obrigação de pagar uma indemnização por violação da ante-
rior não são «idênticas» porque entregar aquela coisa e pagar aquela indemnização não são o
mesmo. Falar aqui de uma «sub-rogação real», i.e., da «subsistência do vínculo» com um «objecto
diferente» não resolve verdadeiramente a questão, já que, embora se consiga identificar uma
diversidade de regime entre isto e uma novação objectiva (cf. arts. 861.º e 862.º), também é certo
que a «mudança de objecto», em qualquer «sub-rogação real», já implica uma alteração decisiva
das regras e das soluções dos problemas. Em certos contextos, sobretudo na transmissão das
obrigações, a manutenção de acessórios mostra a identidade de uma situação jurídica em dois
momentos e, inclusive, em sujeitos diferentes (cf., v.g., arts. 582.º e 599.º). Mas aí, justamente, o
objecto da obrigação mantém-se; seria descabido pensar numa transmissão de um crédito se o
devedor passasse a ter de realizar uma prestação diferente.
Os paladinos da «identidade normativa» dos deveres também usam o argumento de que
a indemnização estaria «ao serviço» do mesmo interesse do credor visado pela obrigação primá-
ria. Pretende-se que a finalidade das duas obrigações seria a mesma.59 Supomos, porém, que há
aqui duas faltas de rigor. Por um lado, o objecto do dever de indemnizar nem sempre consiste na
obtenção de um resultado identificável antes do incumprimento como o interesse do credor.
Basta pensar nos casos em que o devedor tem de indemnizar o credor de gastos extraordinários
a que este se viu compelido em consequência do incumprimento — v.g., a deslocação em vão ao
local de cumprimento, as despesas adicionais com a manutenção da prontidão para receber a
prestação, etc. — ou nos casos em que o devedor renuncia voluntariamente a lucros para se de-
dicar a mitigar as consequências danosas do incumprimento.60 Em ambas as hipóteses, a indem-
nização não visa proporcionar ao credor a utilidade que ele esperava obter com o cumprimento,
embora suprima os efeitos negativos do incumprimento.

59 A afirmação dos defensores da identidade «normativa» de que os dois deveres serviriam o mesmo interesse tem um
sentido diverso da tese principal de KEUK de que o dever de prestar se destinaria à a realização do «interesse in
natura», enquanto o dever de indemnizar, por seu turno, visaria a realização do mesmo «interesse», mas por forma
equivalente ou sucedânea (ersatzweisen Form): cf. KEUK, Vermögensschaden (cit. supra n. 13), 15-19 e 52 ss. Na cons-
trução da autora, o «interesse» seria a situação concreta, vantajosa para o credor, decorrente da actuação do devedor
conforme com o dever (idem, 55), o «interesse» seria o mesmo desde o momento da constituição da obrigação (idem,
57) e contrapor-se-ia ao «dano», entendido este como diferença entre duas situações patrimoniais globais; o «interes-
se» seria o verdadeiro objecto do dever de indemnizar, sendo irrelevante para a fixação deste dever a determinação
das consequências ou efeitos do facto gerador de responsabilidade. A tese de KEUK afirma, pois, que é o «interes-
se», e não o «dano», o objecto do dever de indemnizar, pelo que a equiparação entre «dano» e «interesse» que teria
sido operada pelos glosadores, impregnando, desde então, lei e doutrina, constituiria um equívoco linguístico e con-
ceptual. Parece-nos claro que a orientação da autora, muito assente em certos aspectos da história do conceito de
«interesse», dá ao termo um sentido diferente do geralmente considerado. Independentemente da divergência dog-
mática, separa-nos da autora uma questão terminológica. KEUK não se refere ao mesmo «interesse» a que nos referi-
mos nós e os autores que criticamos. Um desvio equivalente de origem terminológica ocorrerá também em
HistKomm-SCHERMAIER , loc. cit. supra, n. 13.
60 Não cabe agora aprofundar os termos e o fundamento da indemnização da renúncia a rendimentos pelo credor

para se poder dedicar à mitigação dos danos (acerca do tema no domínio delitual, cf. BRANDÃO PROENÇA, A con-
duta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, 1997, 688-694).

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Em segundo lugar, este argumento das teses da «identidade» falha por não distinguir
entre o «interesse do credor», também chamado, em certos planos, «fim da prestação», e o «re-
sultado definidor» dessa prestação.61 O resultado definidor é um elemento interno resultante do
contrato ou de outra fonte e que determina quando é que há ou não cumprimento. O interesse
do credor ou o fim visado, pelo contrário, releva sobretudo num momento prévio, como auxi-
liar interpretativo da fonte que constitui a obrigação, e num momento posterior, dado o não cum-
primento, em certos casos em que se impõe eleger um dos regimes aplicáveis (cf., v.g., arts. 792.º e
808.º). O regime mais simples e, aliás, modelar do não cumprimento — o regime da impossibili-
dade definitiva e total, culposa e não culposa — não dá relevância alguma ao interesse do cre-
dor. São alguns outros casos de não cumprimento que têm um regime decalcado do da impossi-
bilidade quando o interesse do credor assim o exija. A não obtenção do interesse do credor tam-
bém nunca é suficiente para o não cumprimento, sem prejuízo das soluções que se retirem do
instituto da alteração das circunstâncias. E nada impõe que o interesse do credor seja o mesmo
do princípio ao fim da relação obrigacional.
Ora, dada esta distinção básica no campo do dever de prestar, um correspondente dever
de indemnizar comporta-se de maneira diferente. Para começar, não conta o interesse antes pre-
tendido pelo credor, ainda que oponível ao devedor,62 mas sim o interesse que de facto foi prejudi-
cado pelo não cumprimento, numa verificação ex post. A insatisfação deste interesse é um dano.
Mas o dano — o interesse63 — não é aqui um elemento externo da obrigação, é o critério da
obrigação de indemnizar. E a indemnização não visa interesses ulteriores que não contem para a
aferição do seu objecto.64 A indemnização não está «ao serviço» dos interesses variáveis do cre-
dor; pelo contrário, é o produto e a expressão de um interesse concretamente atingido. Ou seja,
a relação do dever de prestar e do dever de indemnizar com o interesse do credor, identificado
quanto ao primeiro, é distinta: no dever de prestar, trata-se de um resultado exterior apenas indi-
rectamente relevante; no dever de indemnizar, esse resultado que era exterior é, quando releva, o
próprio critério do seu objecto, pelo que o devedor passa a estar obrigado a proporcionar ao
credor um benefício a que primitivamente não estava vinculado.65
Em suma: mesmo se se vir o problema da «identidade» ou «diferença» entre obrigação
primária e obrigação de indemnizar como uma questão meramente terminológica, há bons moti-
vos para escolher a terminologia que as distingue.

61 Cf. o estudo sobre Obrigações de meios, obrigações de resultado e custos da prestação, cit. supra, n. 1. O resultado definidor
da prestação é uma categoria comum às obrigações de meios e de resultado. Aliás, é em face dele que estas se distin-
guem.
62 Para os efeitos acessórios referidos no parágrafo anterior.
63 Mantendo-se o conceito comum de «interesse», ou seja, não seguindo a opção de KEUK nem a de SCHERMAIER

(cf. supra, nn. 13 e 59).


64 Sem prejuízo, claro, de o credor poder ter os mais variados projectos de emprego dessa indemnização.
65 Acentuando-o, GOMES DA SILVA, O dever, 348-349, que dá o exemplo do dever de edificar uma casa que o credor

pretende arrendar.

17
IV. Dever de indemnizar, sinalagma, excepção do não cumprimento e direito obrigacional de retenção

Recuemos ainda um pouco para observar com pormenor um exemplo em que uma apa-
rente semelhança de regime não resiste a uma análise cuidada. Pareceria poder retirar-se um
argumento a favor da tese da «identificação» entre a obrigação primária e a obrigação de indem-
nizar da atribuição à parte fiel, em caso de falta definitiva de cumprimento, da faculdade de sus-
pender a (contra)prestação que lhe cabe até que a outra se disponha a indemnizar. O mesmo
resultaria do meio simétrico que deve ser reconhecido à parte inadimplente, i.e., a faculdade de
recusar-se a indemnizar enquanto não receba a contraprestação. Os defensores daquela tese
gostariam de poder concluir estarmos aqui diante de meras concretizações da excepção do con-
trato não cumprido e de assim confirmar que o dever de indemnizar ocuparia o lugar deixado
vago pelo dever originário, sendo seu «substituto» e submetendo-se num aspecto importante ao
regime deste, num paralelo que só a alusão a uma «identidade normativa» dos dois deveres seria
capaz de representar cabalmente.66
Mas a ideia é inutilizável. Um suposto nexo sinalagmático entre prestação e indemniza-
ção teria de ter outras concretizações além da excepção de não cumprimento, e caberia demons-
trar o próprio nexo. Quer dizer, se os defensores da identidade quisessem invocar, em abono da
sua tese, a extensão do art. 428.º à obrigação de indemnizar, o procedimento exigiria que fossem
até ao âmago do problema e que provassem que entre o dever de indemnizar e o dever de con-
traprestar a cargo da parte fiel existe um sinalagma. O que, porém, não se verifica, como vere-
mos.67
A inexistência de sinalagma entre o dever de indemnizar e o dever de contraprestar é evi-
denciada, desde logo, pela atribuição legal da faculdade resolutiva. É precisamente por a indem-
nização ser muito diversa da prestação inicial que se dá ao credor a possibilidade de se exonerar
da contraprestação, resolvendo o contrato. O poder de extinguir em definitivo o dever de remu-
nerar é reconhecido mesmo no âmbito da chamada «teoria da sub-rogação». Portanto, mesmo
partindo da perspectiva de que a indemnização entraria no lugar do dever violado, como seu
sub-rogado, e de que a estrutura do contrato sinalagmático se manteria intacta após a inexecução
definitiva e imputável de uma das prestações, a verdade é que o credor pode libertar-se do seu

66 É claro que a possibilidade de exercer a exceptio no contexto assinalado nunca poderia servir de argumento para
demonstrar que a indemnização é o equivalente pecuniário da prestação.
67 Diversamente, ANTUNES VARELA, Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda, CJ 1987 (Ano XII), t. 4, 31-

34, e ROMANO MARTINEZ, Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 2000, 295
(limitando embora o sinalagma à indemnização dos danos circa rem). GERNHUBER (Das Schuldverhältnis, Mohr
Siebeck, 1989, 325) afirma que os deveres de prestar secundários, na medida em que sub-roguem ou ampliem um
dever primário, «entram» no sinalagma. Inclui aí a indemnização moratória e, portanto, implicitamente também a
indemnização pela inexecução definitiva. Em sentido idêntico, ESSER-SCHMIDT, Schuldrecht, 8.ª ed., I (Allgemeiner
Teil), t. 1, Müller, 1995, 264-265. Uma tese próxima da que vamos defender pode encontrar-se em BAPTISTA
MACHADO, A resolução por incumprimento e a indemnização, in Obra dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, 1991, 197-198. O A.
recorre à ideia de que o não cumprimento definitivo de uma das obrigações de um contrato sinalagmático tem por
efeito imediato a transformação da relação obrigacional originária numa «relação de liquidação», pelo que a contra-
prestação a realizar apareceria com um sentido completamente diferente: não com o sentido de um «sacrifício feito
para obter em contrapartida a prestação originária (...), mas com o significado e função de mero factor de cálculo».

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vínculo, embora, seguindo essa teoria, tivesse de renunciar a uma indemnização pelo interesse
contratual positivo.68 Mas, se assim é, temos de concluir que até uma tese «identificadora» admite,
nesta matéria, uma diferença de tratamento entre dever de prestar e o de indemnizar: ocupasse a
indemnização, para todos os efeitos, a posição deixada vaga no sinalagma originário, e não se com-
preenderia a admissibilidade da decisão do credor de pôr termo ao contrato.
Deve, contudo, ir-se mais longe na demonstração da ausência de sinalagma entre indem-
nização e contraprestação. Era já praticamente consensual na doutrina alemã anterior à Moderni-
zação69 e vai-se tornando consensual na doutrina portuguesa que, para o credor obter a indemni-
zação pelo interesse contratual positivo, não é indispensável que realize a contraprestação que
inicialmente lhe cabia. Quer dizer, não só o credor pode libertar-se do seu dever e renunciar a
uma indemnização, ainda lhe é permitido cumular a pretensão exoneratória com a ressarcitória,
desde que no cálculo da indemnização se atenda às vantagens que obteve por não prestar. A
fundamentação da solução é convincente. O credor havia prometido a contraprestação em vista
da prestação originária e a indemnização coloca-o numa situação que apenas do ponto de vista do seu
património é equivalente àquela em que estaria se tivesse havido cumprimento. Por isso, a satisfa-
ção deste seu «interesse» patrimonial não pode ser feita depender da efectivação da contrapresta-
ção convencionada.70 Apenas há que evitar que, com a indemnização, o credor acabe por ser
colocado em melhor situação do que estaria se tivesse havido cumprimento. Para o efeito, é irre-
levante saber se esse desiderato há-de ser alcançado através de uma aplicação correcta da fórmu-
la do art. 566.º/2 — por nela se entender implícita a dedução de vantagens patrimoniais decor-
rentes do ilícito71 — ou por outra via — caso se considere impossível condensar a solução da
compensatio lucri cum damno numa fórmula unitária e se recuse a viabilidade da identificação de uma
regra geral (com excepções), seja no sentido da «compensação» das vantagens, seja no sentido da
sua não contabilização no cálculo da obrigação de indemnizar.72 Apenas há que sublinhar, como
particularidade do grupo de casos que nos ocupam, o facto de não se tratar aqui de uma vanta-
gem directamente decorrente do ilícito, mas antes de um benefício originado pela decisão do
credor de se desvincular.73

68 Quanto à teoria da sub-rogação, cf. M.ª LURDES PEREIRA, Conceito, 136.


69 A questão hoje nem se coloca, por ser agora expressamente permitido no § 325 do BGB cumular a resolução
com a indemnização pelo interesse positivo.
70 Assim, LARENZ, Schuldrecht, I, 339-340. Alude-se no texto à chamada «teoria da diferença» em sede de cálculo do

montante da indemnização pelo não cumprimento do contrato, ao tempo maioritária na Alemanha e sobre a qual a
doutrina portuguesa se encontra dividida. Cf., por último, ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, Almedina,
2005 203-213 e P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 1604-1639. A inexactidão desta «teoria da diferença» será por
nós tratada num estudo a publicar. Adiante-se, no entanto, que ela implicou um avanço científico ao afirmar a pos-
sibilidade de cumular a exoneração da contraprestação com uma indemnização pelo interesse contratual positivo:
esta possibilidade não mais pode ser questionada.
71 Trata-se do entendimento maioritário na doutrina portuguesa, não obstante excluir-se a imputação de vantagens

que apresentem uma conexão fortuita ou acidental com o facto gerador de responsabilidade: cf. as resenhas de P.
MOTA PINTO, Interesse contratual, 713-714, 770-771 e passim.
72 É a tese recente de P. MOTA PINTO, que, nessa sequência, recorre a uma sistematização de grupos de casos em

que concretiza directrizes a que a solução do problema deve obedecer: cf. Interesse contratual, 727, 763 e 773 ss.
73 Há ainda outros casos de vantagens não directamente resultantes do ilícito, como sucede nas hipóteses de substi-

tuição do velho por novo — a vantagem é causada aí por uma certa forma de indemnização —, mas que, por

19
Acresce, por fim, que mesmo quando credor opte por realizar a contraprestação e exigir
uma indemnização sem nenhuns descontos, ainda assim não pode dizer-se que, relativamente a
esta indemnização, se mantenha o sinalagma originário. Decerto, não há, neste caso, uma limita-
ção intrínseca do objecto do dever de indemnizar, no sentido de o ressarcimento só ser devido
em troca do preço.74 A comprová-lo está a inaplicabilidade do art. 795.º/1 na relação entre a
indemnização calculada sem desconto e a contraprestação. Se, após o credor ter optado por esta
indemnização, a contraprestação se tornar definitivamente impossível por causa que não lhe seja
imputável (supondo evidentemente que não se trata de uma obrigação pecuniária), nem por isso
deixa de ter direito à compensação dos prejuízos, apenas devendo ser descontado o valor da
vantagem que eventualmente tenha com a sua exoneração. A parte fiel já tinha, num momento
anterior, o direito de optar por não realizar a contraprestação a seu cargo e de exigir adicional-
mente uma indemnização. Por isso, parece inteiramente adequado que essa faculdade se mante-
nha ou, em certos casos, «ressuscite» após a ocorrência da impossibilidade não imputável. Em
resumo, a impossibilidade da contraprestação não conduz à extinção da pretensão ressarcitória,
antes obriga a um novo cálculo, que atenda a essa circunstância. Repare-se que não se pode
sequer dizer que o direito à indemnização, após a impossibilidade da contraprestação, depende-
ria de o credor entregar ao obrigado o valor dela. Não é a contraprestação em si mesma conside-
rada que influi no quantum indemnizatório. O que é computado no cálculo é a vantagem patri-
monial (eventual) que o credor aufere em consequência da exoneração do seu dever de contra-
prestar. Tem-se em conta aquilo que o credor economizar e/ou obtiver mediante um emprego
alternativo da sua capacidade de prestar, o que pode ser igual, inferior ou superior ao valor da
contraprestação.75
Em suma: a profunda diversidade entre a prestação originária e a indemnização reflecte-
se nas relações de cada uma delas com a contraprestação. Só no primeiro caso podemos (e deve-
mos) falar de sinalagma, com um conjunto de dispositivos destinados a assegurar a interdepen-
dência dos dois deveres. No segundo, nada disso existe. Verifica-se, antes, que a circunstância de
o credor pretender ou não fazer ou manter a contraprestação é atendida na determinação do
quantum da indemnização devida. Também aqui, portanto, não se encontra qualquer argumento
favorável à tese da identidade normativa entre dever de prestar e de indemnizar.
Do mesmo modo, a possibilidade de o credor suspender a sua contraprestação até que a
outra parte o indemnize não implica a existência de sinalagma. Trata-se aqui de uma verdadeira
concretização da excepção do contrato não cumprido — e não de um direito obrigacional de
retenção76 — mas nem isso infirma a conclusão apresentada. Quando, neste contexto, se reco-

darem lugar a valorações particulares, apresentam uma maior distância do problema da «compensação de vanta-
gens»: cf. P. MOTA PINTO, Interesse contratual, 739-758.
74 Quanto à formulação mais adequada da estipulação das partes num contrato sinalagmático, cf. o nosso estudo

Sobre o conceito e a extensão do sinalagma cit. supra, n. 1.


75 Desenvolveremos em estudo posterior o tema a propósito da denominada «teoria da diferença» em matéria de

cálculo da indemnização por não cumprimento definitivo.


76 Acerca deste, por confronto com a excepção do contrato não cumprido, cf. o estudo sobre Os direitos de retenção e o

sentido da excepção do não cumprimento, cit. supra, n. 1.

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nhece ao credor o exercício da exceptio, esta destina-se, não a garantir um pretenso sinalagma
entre indemnização e contraprestação, mas a assegurar o sinalagma inicial entre a prestação originá-
ria e a contraprestação. Ao exigir a indemnização sem desconto, o credor opta por não se valer
da limitação imanente do seu dever de contraprestar. Essa opção, contudo, é forçosamente
revogável. A decisão não preclude uma redução ou resolução ulteriores, que se tornam úteis
quando surjam dificuldades substanciais na efectivação da pretensão ressarcitória (maxime em
caso de insolvência).77 A excepção mantém-se em vista de uma posterior e eventual preferência
do credor pela redução ou pela resolução. Trata-se de um meio de tutela apto a garantir a
eficácia prática dessa decisão, que de outra forma poderia ser prejudicada.78 Dir-se-ia sugestiva-
mente que, neste caso, a exceptio não é exercida por causa da falta da indemnização, mas sim por
causa da falta da prestação e até ao momento em que a indemnização seja paga ou em que o devedor
se disponha a fazê-lo. Nesse momento, deixa de funcionar a excepção, não porque o credor
tenha recebido a contrapartida devida, mas porque abdicou em definitivo de invocar o seu não
cumprimento.
Ao devedor é também reconhecida a faculdade de recusar o pagamento da indemnização
sem desconto se o credor, pelo seu lado, não se dispuser a realizar a contraprestação, desde que
esta deva ser feita em simultâneo. Não há nisto, novamente, uma manifestação de um sinalagma
entre indemnização e contraprestação. A faculdade de recusa atribuída ao devedor da indemni-
zação, apesar de inteiramente justificada, não pode ser considerada uma concretização da excep-
ção do contrato não cumprido. O que está em causa é saber, sendo o prazo inicialmente acorda-
do idêntico para ambas as prestações, se e em que termos pode o devedor suspender a indemni-
zação enquanto não receber o preço. Com a inexecução definitiva e a emergência do dever de
indemnizar, o credor adquire o poder de se exonerar em definitivo da contraprestação, declaran-
do a resolução do contrato. Ao exigir a indemnização sem desconto, o credor opta também por
realizar a sua contraprestação e, portanto, por não se prevalecer da limitação intrínseca do seu

77 A doutrina alemã tem admitido sem limitações a possibilidade de o credor que tenha exigido a indemnização
alterar o seu pedido enquanto o devedor não a tenha cumprido (cf. LARENZ, Schuldrecht, I, 337). Na nossa doutrina,
a par da defesa, por alguns autores, de um ius variandi do credor desde que o devedor não cumpra a sua obrigação
de indemnizar, surgem entendimentos contrários: cf., no bom sentido, BRANDÃO PROENÇA, A resolução do contrato no
direito civil: do enquadramento e do regime, reimp., Coimbra Ed., 1996 (1982), 83-84, com indicações da opinião contrária.
Os projectos de VAZ SERRA consagravam igualmente essa solução: Impossibilidade superveniente e cumprimento imperfeito
imputáveis ao devedor, BMJ n.º 47, 1955, 40-41 e 93 e Mora do devedor, BMJ n.º 48. 1955, 272-275 e 309-310).
78 Distanciamo-nos, por isso, quer da tese apresentada por ANTUNES VARELA, quer da posição contraposta de

MENEZES CORDEIRO na solução de um caso de venda de rações defeituosas, cuja questão principal incidia sobre a
atribuição da exceptio ao comprador a quem havia sido reconhecido o direito a uma indemnização pelo não
cumprimento. ANTUNES VARELA (Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda, CJ 1987 (Ano XII), t. 4, 31-34)
respondeu positivamente, mas fê-lo por considerar «que o nexo existente entre o direito da vendedora ao preço e o
direito da compradora à indemnização (...) é o mesmo que ligava inicialmente o direito ao preço com o direito às
rações» (idem, 31). O A. chega a chamar «sinalagma funcional» àquele que «abraça» as prestações que tenham a
«mesma natureza» das prestações decorrentes da celebração do contrato e que provenham do desenvolvimento da
relação. Seguindo ANTUNES VARELA, vide CALVÃO DA SILVA, Responsabilidade civil do produtor, Almedina, 1990, 242-
243, n. 3. MENEZES CORDEIRO (Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda, CJ 1987 (Ano XII), T. IV, 46-47)
não reconheceu a exceptio ao comprador, com o argumento de que não existiria sinalagma entre indemnização e con-
traprestação. Num caso, portanto, um fundamento incorrecto leva a uma solução adequada; no outro, a solução é
injusta, mas são exactas as considerações acerca da ausência de sinalagma.

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dever. A opção é resolúvel em certas condições, mas isso não põe em causa a afirmação de que,
enquanto o credor nela persista, continua obrigado à contraprestação, que há-de ser feita no
prazo convencionado. Ora, seguindo por esta via, o credor tem de aceitar que o devedor mante-
nha, na sua condição de credor da contraprestação, o mesmo nível de tutela de que até aí
beneficiava em tudo o que não contenda a faculdade de o credor revogar a decisão que tomou.
Ao contrário, pois, de um sinalagma funcional entre indemnização e contraprestação, reconhe-
ce-se, sim, ao credor, em termos exactamente opostos, o direito de não trocar a contraprestação
que lhe cabe por uma prestação que já não é a originária. Optando ele pela manutenção do
contrato, não há razões para negar à outra parte (incumpridora) a protecção dispensada antes da
inexecução definitiva, pois tal não compromete o exercício eventual e posterior do direito de o
credor se decidir pela extinção do seu dever de remunerar. A possibilidade de suspender o cum-
primento não é reconhecida porque o dever de indemnizar deva ser equiparado ao dever de pres-
tar: é reconhecida apesar da não identidade dos dois deveres. Por isso, precisamente porque não há
sinalagma, não estamos aqui perante uma manifestação da excepção do contrato não cumprido,
mas antes do direito obrigacional de retenção. É inaplicável à suspensão da indemnização o regi-
me dos arts. 428.º e ss. Não vale, por exemplo, o disposto no art. 430.º: com a prescrição do di-
reito à contraprestação, o devedor deixa de ter a possibilidade de recusar a indemnização; apenas
lhe dá o direito de exigir que seja descontado o valor da vantagem patrimonial auferida pelo
credor por não ter cumprido.79

79 Cf. novamente o nosso estudo sobre a exceptio e as retenções cit. supra, n. 1.

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