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Resumo
A escolha de problemas de análise da viabilidade econômica para elaborar e vender um determinado
produto é feita com frequência nas aulas de modelagem matemática, devido ao interesse dos alunos
sobre esse assunto. Três categorias de modelos foram identificadas, de acordo com a linguagem
matemática utilizada: a primeira categoria é a dos modelos específicos; a segunda, refere-se a modelos
específicos com resultados na forma de tabelas manuais ou eletrônicas; e a terceira, apresenta modelos
algébricos, genéricos, os quais utilizam os resultados das tabelas e os expressam na forma de
equações, matrizes ou sistemas de equações. O presente trabalho tem como objetivo apresentar formas
de explorar a análise econômica da produção, propondo modelos com diferentes linguagens e
exemplificando com um caso particular: a produção caseira de vinho. Na elaboração desses modelos,
tem-se observado um forte envolvimento dos alunos, tanto na interação com os colegas, como na
efetiva busca pelos dados do problema. As discussões sobre a precisão, aplicabilidade prática e
possível aperfeiçoamento do modelo são comuns e intensas, porque os alunos contestam os resultados
com base em suas experiências pessoais, evidenciando claramente o conflito entre os saberes
populares e científicos. Ao pesquisar processos de fabricação, comercialização, preços e impostos, os
alunos entram em contato com problemas reais, desvendando o funcionamento de partes da
organização econômica da sociedade moderna e, em regra, ampliam suas concepções sobre os objetos
pesquisados.
Abstract
The choice of the economical viability analysis problems, to elaborate and to sell a certain product, it
is done frequently in the classes of mathematical modelling, due to the students' interest in that subject.
Three categories of models were identified in agreement with the used mathematical language: the
first category is the one of the specific models; The second category refers to specific models with
results in the form of tables manual or electronic; and the third present algebraics and generic models,
which use the results of the tables and they express them in equations form, matrices or equations
systems. The present work has as objective presents forms of exploring the economical analysis of the
production, proposing models with different languages and exemplifying with a particular case: the
homelike production of wine. The students present a fort involvement in the elaboration of these
models, as like interaction in the class, as in the effective search by problem data. The discussions on
the precision, practical use and possible improvement of the model are common and intense, because
the students answer the results based on personal experiences, evidencing clearly the conflict among
popular and scientific knowledge. When researching production processes, commercialization, prices
and tributes the students contact with real problems, unmasking the operation of parts of the
economical organization of the modern society and increase your conceptions about the researched
objects.
Keywords: Models of costs and profits; modelling and language; algebra and modelling in the
teaching.
1. Introdução
Modelos em diferentes linguagens sobre análise de custos e lucros 54
proposições, até que um determinado número de variáveis expresse a situação real com a
precisão desejada, pois modelos muito simplórios levam a conclusões equivocadas. Uma
análise que aponta lucros altos para determinada atividade leva os alunos a pensar em dedicar-
se profissionalmente a um empreendimento. Porém, antes disso, o modelo deve ser revisado
exaustivamente. Com esses cuidados e propondo questões cada vez mais esclarecedoras, é
possível construir modelos que simulem com certa precisão uma atividade econômica. É
importante observar, porém, que nem sempre dispomos de tempo e disposição para tais
revisões na escola. Por isso, o professor e os alunos devem determinar claramente os objetivos
da modelagem, definindo até onde devem melhorar os modelos.
O presente trabalho tem como objetivos apresentar um modelo simples sobre produção
caseira de vinho, como exemplo de análise econômica da produção; propor modelos com
diferentes linguagens e aplicações no ensino fundamental e médio; e discutir as principais
dificuldades inerentes ao desenvolvimento em classe desse tipo de modelo.
Os dados obtidos na pesquisa de campo (entrevistas) nem sempre vêm prontos, mas
podem ser calculados mediante a formulação de hipóteses, cuja investigação dá origem a
pequenos modelos. O cálculo do custo da água é um exemplo desse fato e será apresentado
neste trabalho como um exemplo do uso da modelagem para estimar custos. Procedimentos
semelhantes podem ser utilizados para estimar o custo dos outros componentes.
A água é utilizada apenas para lavar as pipas e os materiais em geral (copos,
medidores de álcool, baldes, caixas de uva, moedores, etc.), mas não é acrescentada na uva
esmagada, e muito menos no vinho pronto. Vejamos duas maneiras de avaliar esse custo:
1a) Medida direta do custo da água consumida. Se existir um medidor de vazão na rede
de água que abastece as instalações de trabalho com o vinho, basta fazer a leitura do volume
de água consumida, verificar o preço do litro de água e fazer a multiplicação da quantidade
pelo preço. Alternativas empíricas como esta são frequentemente cogitadas em avaliações de
custo, mas nem sempre obtêm sucesso. Particularmente, nesse caso, é necessário dispor de um
medidor de vazão, o que raramente ocorre. Por isso, esta maneira de avaliar o custo não será
considerada.
2a) Estimação do consumo. A elaboração de vinho utiliza água nos meses de janeiro a
maio. Verificando o consumo mensal de água da residência do produtor (Tab.1), podemos
fazer os seguintes procedimentos:
a) Calcular a média do custo mensal de água de junho a dezembro.
b) Podemos admitir que a diferença entre o custo mensal da água de janeiro a maio e
a média dos meses sem trabalho com vinho é a quantidade de água utilizada para a
produção (Ver 4a linha da Tab. 1).
c) Somar o custo de água nos meses de produção de vinho.
d) Calcular o custo da água para produzir 1 l de vinho dividindo o consumo pelo
número de litros produzidos.
Esses procedimentos constituem um modelo para estimar o custo da água e podem ser
expressos de várias formas, que classificaremos como categorias:
Tabela 1 – Estimativa do consumo de água (Ct = custo mensal água s/vinho, Cvt = custo mensal da
produção, m = média do consumo nos meses sem produção e Ca = custo por litro).
t Meses com produção de vinho Meses sem produção de vinho
(meses) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Ct (R$) 94,5 126,52 91,4 92,4 95 70,5 72,78 71,3 78,3 69,94 71,34 75,14
Cvt(R$) 21,75 53,77 18,65 19,65 22,25 m = 72,75 Cv = 136,07 Ca = 0,14
12
∑ Ct
t =6
m= (1)
7
onde m é a média do consumo nos meses sem trabalho com vinho (R$), Ct é o
custo da água no mês t (R$) (Ver 3a linha da Tab. 1) e t é o número do mês.
A diferença entre o consumo de cada mês, de janeiro a maio (Cvt), e a média dos
meses sem trabalho com vinho é a quantidade de água utilizada para a produção
(Ver 4a linha da Tab. 1):
O custo total estimado é obtido somando os custos dos meses de janeiro a maio.
Portanto, o custo para um litro deve ser dividido pelo número de litros produzidos,
como apresenta a Eq. 3.
5
∑ Cvt
t =1
Ca = (3)
n
Modelos em diferentes linguagens sobre análise de custos e lucros 58
Procedimentos semelhantes podem ser feitos para avaliar o custo da energia elétrica,
mão de obra, produtos de limpeza e aditivos. Esta fase da avaliação econômica corresponde
aos passos 1 a 5 e constitui-se numa boa oportunidade para aplicações de conteúdos da
matemática elementar, tais como frações, proporções, regra de três, porcentagem e unidades
de medida. A 5ª coluna da Tab. 2 dá os custos parciais de cada componente. Somando os
custos parciais, obtemos o custo total para a produção de 1000 l de vinho (célula da 5ª coluna
e 10ª linha da Tab. 2) que é a solução do problema de avaliação de custo.
1% Uva
1% Garrafa de vidro
32%
35% Rolhas de cortiça
Água
Energia
5%
14%
3% Mão de obra
9% Prod limpeza
Aditivos
funcionário ou pesquisa de uvas com menor custo são decisões que podem diminuir o custo
de produção. A apresentação clara desse tipo de informação é um dos produtos mais
importantes da modelagem, como técnica de simulação de situações reais.
Os alunos não têm muitas dificuldades em apresentar modelos com a linguagem da
primeira categoria. As maiores dificuldades ocorrem na tradução das relações entre as
variáveis do problema real para a linguagem matemática. Considerando que o uso de
diferentes linguagens é uma das funções do ensino da matemática, vamos escrever o modelo
da Tab. 2 na forma matricial.
Escrevendo as quantidades e os preços unitários como matrizes colunas, temos:
1,6667 0 ,9
1 0 ,5
1 0 ,4
1 0 ,14
Q= PU = (4)
1 0 ,22
1 1,65
1 0 ,05
1 0 ,05
onde Q é a matriz das quantidades e PU é a matriz dos preços unitários.
É importante lembrar que os elementos Qi e PUi correspondem à quantidade e preço
unitário do componente i da Tab.2, respectivamente.
Para obter o custo total do litro de vinho usando matrizes, fazemos
Para obter os custos parciais (5a coluna da Tab.2), criamos uma matriz diagonal
quadrada, na qual as quantidades ocupam a diagonal principal. Chamaremos esta matriz de
Q*.
Q1 0 0 0 0 0 0 0 1,6667 0 0 0 0 0 0 0
0 Q2 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0
0 0 Q3 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
0 0 0 Q4 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Q* = = (6)
0 0 0 0 Q5 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0
0 0 0 0 0 Q6 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0
0 0 0 0 0 0 Q7 0 0 0 0 0 0 0 1 0
0
0 0 0 0 0 0 Q8 0 0 0 0 0 0 0 1
O sexto passo da avaliação econômica da produção refere-se aos recursos obtidos com
a venda do vinho (receita). Analogamente ao cálculo dos custos, diferentes problemas podem
também ser formulados e investigados para o cálculo da receita. Vamos analisar apenas dois e
escrever sua solução usando linguagem algébrica.
“o preço de 1 litro de vinho deve ser igual ao custo total da produção mais o lucro de
30 % deste custo”:
100 CT
i% L
i ⋅ CT
L= (10)
100
Pedro Augusto Pereira Borges 61
i ⋅ CT
p = CT + (11)
100
i CT
p = CT 1 + = (100 + i ) (12)
100 100
2.3. Investimentos
Consideremos que um produtor de vinho resolva comprar uma pipa de inox, cujo valor
é P. Podemos perguntar, quantos litros de vinho serão necessários para pagar o investimento?
Na forma de produção considerada (produção caseira), o custo de mão de obra é
constante se a produção não ultrapassar 4000 litros de vinho. Ou seja, não é necessário
contratar mais pessoal para manter esta produção. As demais despesas dependem linearmente
da quantidade de vinho produzido: quanto mais litros produzidos, mais garrafas, mais massa
de uva, mais rolhas, serão utilizados. Podemos expressar essa ideia como uma função de
primeiro grau
C(n) = q⋅ n + M (13)
onde C é o custo total da produção, q é o custo unitário (R$/l) sem mão de obra, n é o número
de litros produzidos e M é o custo da mão de obra (valor fixo para n < 4000 litros).
O leitor deve observar que M é o valor do sexto elemento da matriz PU. O valor de q
pode ser obtido fazendo o sexto elemento da matriz PU igual a zero (custo zero para a mão de
obra) e usando a equação matricial (5).
L(n) = P (14)
O lucro obtido com a venda de vinho é dado pela Eq. 10, desde que coloquemos a Eq.
13 como custo.
i ⋅ ( q ⋅ n + M )
L( n ) = (15)
100
1 100 ⋅ P 100 ⋅ P − iM
n= −M = (16)
q i iq
Modelos em diferentes linguagens sobre análise de custos e lucros 62
P 1 0 L
= ⋅ ou b = A ⋅ x (17)
iM 100 − iq n
DL − Piq Dn 100 P − V
L= = =P e n= = (18)
D − iq D iq
O leitor deve observar que, usando a Regra de Cramer, obtivemos os mesmos valores
da Solução 1.
3. Resultados esperados
A modelagem matemática pode ser utilizada em sala de aula de diversas formas. Para
tanto, o professor deve escolher a forma que mais se adapte às condições de trabalho e
características da turma. Nesses modelos de custos de produção, para que haja um
envolvimento significativo com o objeto de estudo é importante que os alunos pesquisem os
insumos e preços da produção local, conversando com as pessoas, buscando dados na
Internet, em revistas, etc.
No ensino fundamental, principalmente até a sexta série, a solução de casos
particulares de forma manual (primeira categoria de modelos) ou com planilhas eletrônicas
(segunda categoria de modelos) é mais comum e aconselhável. Com essa atividade, os alunos
aplicam vários conceitos da matemática ensinada nesse nível, como frações, sistemas de
medidas, regra de três e percentagem. As soluções que envolvem expressões algébricas são
mais aconselháveis para as sétima e oitava séries, ou para o ensino médio.
Em qualquer nível de ensino, as discussões sobre a precisão são comuns, assim como
sobre a aplicabilidade prática e possível aperfeiçoamento do modelo. A precisão é sempre
uma questão presente em modelagem, pois trabalhamos com hipóteses para criarmos os
modelos (ver o exemplo do cálculo da despesa com água na produção do vinho). Os modelos
1
Gabriel Cramer, matemático suíço (1704-1752)
Pedro Augusto Pereira Borges 63
podem ser sempre modificados (BASSANEZI, 2002, p.30 e BIEMBENGUT, 1999, p. 29). A
aplicabilidade do modelo na produção efetiva do objeto depende se o modelo proposto
considera um número suficiente de variáveis. O leitor pode observar que no modelo proposto
não consideramos variáveis como transporte, caixas de embalagem e nem impostos,
características da produção industrial. Esses aperfeiçoamentos podem ser implementados de
acordo com a realidade que se quer modelar; no entanto, entendemos que o objetivo principal
da modelagem escolar não é concentrar os esforços nos melhoramentos (este é o objetivo da
modelagem em níveis científicos e profissionais), mas na simulação da realidade pesquisada,
visando ao ensino contextualizado da matemática. Mesmo assim, a proposição de modelos
razoáveis que permitam uma visão geral do problema é um compromisso do modelador. Com
o modelo proposto, os alunos terão uma boa ideia da fabricação do vinho, da sua viabilidade
econômica e da lógica da produção de bens, podendo usar a mesma estrutura para planejar a
produção de outro bem qualquer.
Os recursos computacionais são fundamentais na execução deste tipo de modelo. Sua
utilização precisa ser assessorada e incentivada pelo professor. É importante que todas as
fases dos modelos sejam feitas manualmente, para que o aluno aplique seus conhecimentos de
matemática e perceba a lógica e rotinas matemáticas inerentes ao problema. A implementação
computacional envolve a ideia de “resolver várias situações com o mesmo programa”, mais
aconselhável para o ensino médio. Para escolas com formação computacional, isto não chega
a ser um problema. A elaboração de programas em planilhas ou em linguagem específica é
aparentemente difícil em um primeiro momento, mas depois de concluída, constitui-se em um
recurso prático para criar uma infinidade de cenários do problema modelado. Os alunos
podem trocar os valores das variáveis e obter facilmente os resultados, analisando a influência
de cada variável no resultado final. No caso do modelo sobre vinho, podem ser analisados o
incremento da produção e o lucro obtido, o impacto no preço final (e no lucro) se for
acrescentado um rótulo nas garrafas, ou mais um funcionário, ou impostos, ou transformar a
produção caseira em industrial, enfim, o modelo passa a ser uma ferramenta útil para analisar
problemas da produção e tomar decisões.
A análise dos problemas de produção, para além de uma aula de Matemática, é uma
aula de economia e cidadania. Ao pesquisar processos de fabricação, comercialização, preços
e impostos, os alunos entram em contato com problemas reais e, em regra, ampliam suas
concepções sobre os objetos pesquisados. O estudo de objetos característicos do local da
escola (por exemplo, o vinho na serra gaúcha, ou no noroeste do RS; a produção agrícola em
escolas da zona rural; a produção de peças mecânicas ou móveis em cidades industrializadas;
o comércio de produtos em cidades de fronteira) envolve os alunos e os eleva à condição de
pesquisadores do objeto. Essa postura faz com que aprendam e desenvolvam o senso crítico
sobre os processos estudados, muitas vezes propondo inovações. Particularmente sobre o
vinho, os alunos tendem a superar os limites culturais dos procedimentos aprendidos na
família, substituindo-os por procedimentos com técnicas atualizadas, sob o argumento de
qualificar o produto, ganhar mercado e aumentar os lucros. A substituição de pipas de
madeira por pipas de inox; escolha de variedades de uvas adaptadas às condições climáticas e
solos locais; cuidados com a higiene e limpeza da cantina e dos equipamentos; uso de garrafas
de vidros ao invés de garrafas plásticas, etc, são exemplos de evoluções nas concepções dos
alunos (RIZZON et al, 1994, p. 7), as quais podem ser construídas a partir do trabalho de
modelagem.
O cálculo do lucro e do preço do litro de vinho, descrito no item 2.2, é um modelo de
aplicação de equações lineares, que ilustra bem o estudo de sistemas ensinado no ensino
médio. A maior dificuldade dos alunos está em escrever o problema na forma de equações. O
professor deve ter clara a ideia de expressar a relação entre variáveis e constantes em
linguagem algébrica, o que pode ser feito em etapas. É necessário, para tanto, que os alunos
Modelos em diferentes linguagens sobre análise de custos e lucros 64
construam a ideia da equação mentalmente, falem sobre ela, a escrevam em português (forma
sincopada, FIORENTINI et al, 1993, p.80), e finalmente, traduzam a equação para linguagem
matemática. O uso sistemático da expressão de situações reais em linguagem algébrica,
proporcionado pela modelagem, faz com que o aluno entenda as estruturas matemáticas como
recursos eficientes para a análise e tomada de decisões sobre a realidade.
Os modelos de análise de custos, lucros e investimentos têm grande potencial de
aplicações dos conceitos de matemática, tanto no ensino fundamental como no médio, como
mostramos na descrição do modelo sobre produção de vinho. Além disso, despertam o
interesse dos alunos, pois esses têm a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre
assuntos reais.
4. Referências