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Índice
PROLOGO
CAPITULO UM
CAPITULO DOIS
CAPITULO TRES
CAPITULO QUATRO
CAPITULO CINCO
CAPITULO SEIS
CAPITULO SETE
CAPITULO OITO
CAPITULO NOVE
CAPITULO DEZ
CAPITULO ONZE
CAPITULO DOZE
CAPITULO TREZE
CAPITULO QUATORZE
CAPITULO QUINZE
CAPITULO DEZESSEIS
CAPITULO DEZESSETE
CAPITULO DEZOITO
CAPITULO DEZENOVE
CAPITULO VINTE
CAPITULO VINTE E UM
CAPITULO VINTE E DOIS
CAPITULO VINTE E TRES
CAPITULO VINTE E QUATRO
CAPITULO VINTE E CINCO
CAPITULO VINTE E SEIS
CAPITULO VINTE E SETE
CAPITULO VINTE E OITO
EPILOGO
TRADUÇÃO E FORMATAÇÃO:
BOOKSUNFLOWERS
Índice
PROLOGO
CAPITULO UM
CAPITULO DOIS
CAPITULO TRES
CAPITULO QUATRO
CAPITULO CINCO
CAPITULO SEIS
CAPITULO SETE
CAPITULO OITO
CAPITULO NOVE
CAPITULO DEZ
CAPITULO ONZE
CAPITULO DOZE
CAPITULO TREZE
CAPITULO QUATROZE
CAPITULO QUINZE
CAPITULO DEZESSEIS
CAPITULO DEZESSETE
CAPITULO DEZOITO
CAPITULO DEZENOVE
CAPITULO VINTE
CAPITULO VINTE E UM
CAPITULO VINTE E DOIS
CAPITULO VINTE E TRES
CAPITULO VINTE E QUATRO
CAPITULO VINTE E CINCO
CAPITULO VINTE E SEIS
CAPITULO VINTE E SETE
CAPITULO VINTE E OITO
EPILOGO
PROLOGO
Khai deveria estar chorando. Ele sabia que deveria estar chorando.
Todo mundo estava.
Mas seus olhos estavam secos.
Se eles doı́am, era devido ao incenso pesado embaçando a sala de
recepçã o da funerá ria. Ele estava triste? Ele achou que estava
triste. Mas ele deveria estar devastado. Quando seu melhor amigo
morre assim, você deveria icar destruı́do. Se fosse uma ó pera
vietnamita, suas lá grimas formariam rios e afogariam a todos.
Por que sua mente estava clara? Por que ele estava pensando na
tarefa de casa que deveria ser entregue amanhã ? Por que ele ainda
estava funcionando?
A prima dele, Sara, chorara tanto que precisou correr para o banheiro
para vomitar. Ela ainda estava lá agora - ele suspeitava - vomitando
repetidamente. Sua mã e, Dı̀ Mai, sentou-se rigidamente na primeira ila,
as palmas das mã os juntas e a cabeça inclinada. A mã e de Khai dava
tapinhas nas costas dele de vez em quando, mas ela continuava sem
responder. Como Khai, ela nã o derramou lá grimas, mas isso foi porque
ela chorou todas elas dias antes. A famı́lia estava preocupada com
ela. Ela secou até o esqueleto desde que receberam a ligaçã o.
Fileiras de monges budistas em trajes amarelos bloqueavam sua visã o
do caixã o aberto, mas isso era uma coisa boa. Embora os agentes
funerá rios tivessem feito o melhor possı́vel, o corpo parecia deformado
e errado. Esse nã o era o garoto de dezesseis anos que costumava ser
amigo de Khai e primo favorito. Aquele nã o era o Andy.
Andy se foi.
As ú nicas partes dele que sobreviveram foram as memó rias na cabeça
de Khai. Lutas com bastõ es e lutas com espadas, lutas que Khai nunca
venceu, mas se recusou a perder. Khai preferia quebrar os dois braços
do que chamar Andy de papai. Andy disse que Khai era
patologicamente teimoso. Khai insistiu que ele apenas tinha
princı́pios. Ele ainda se lembrava das longas caminhadas para casa
quando o peso do sol era mais pesado do que as mochilas cheias de
livros e as conversas que haviam ocorrido durante as caminhadas.
Mesmo agora, ele podia ouvir seu primo zombando dele. As
circunstâ ncias especı́ icas o escaparam, mas as palavras
permaneceram.
Nada chega até você. É como se seu coração fosse feito de pedra.
Ele nã o tinha entendido Andy entã o. Ele estava começando agora.
O zumbido dos câ nticos budistas encheu a sala, sı́labas baixas e
desa inadas, faladas em um idioma que ningué m entendia. Fluı́a sobre
ele e vibrava em sua cabeça, e ele nã o conseguia parar de balançar a
perna, mesmo que as pessoas lhe tivessem dado olhares. Um olhar
furtivo para o reló gio con irmou que sim, isso já durava horas. Ele
queria que o barulho parasse. Ele quase podia se imaginar rastejando
para dentro do caixã o e fechando a tampa para bloquear o som. Mas
entã o ele icaria preso em um espaço apertado com um cadá ver, e nã o
tinha certeza se isso era uma melhoria em relaçã o à situaçã o atual.
Se Andy estivesse aqui - vivo e aqui - eles escapariam juntos e
encontrariam algo para fazer, mesmo que fosse sair para chutar pedras
ao redor do estacionamento. Andy era bom assim. Ele estava sempre lá
quando você precisava dele. Exceto por agora.
O irmã o mais velho de Khai estava sentado ao lado dele, mas ele sabia
que Quan nã o iria querer sair mais cedo. Funerais existiam para
pessoas como Quan. Ele precisava do fechamento ou o que quer que as
pessoas obtivessem deles. Com sua constituiçã o intimidadora e as
novas tatuagens no pescoço e nos braços, Quan parecia um ilho da
puta, mas seus olhos estavam vermelhos. De vez em quando, ele
discretamente escovava a umidade das bochechas. Como sempre, Khai
desejou que ele pudesse ser mais como seu irmã o.
Uma tigela de metal tocou e o canto parou. O alı́vio foi instantâ neo e
vertiginoso, como se uma pressã o enorme tivesse se dissolvido
repentinamente. Os monges trabalharam com os carregadores de
fé retro para fechar o caixã o, e logo uma procissã o entrou
silenciosamente no corredor central. Como ele nã o gostava de icar em
ilas e da pressã o claustrofó bica dos corpos, Khai icou sentado quando
Quan se levantou, apertou seu ombro uma vez e se juntou ao ê xodo.
Ele viu os parentes passarem. Alguns choraram abertamente. Outros
eram mais estoicos, mas a tristeza era ó bvia até para eles. Tias, tios,
primos, parentes distantes e amigos da famı́lia se apoiavam, unidos por
uma coisa chamada tristeza. Como sempre, Khai nã o fazia parte disso.
Um grupo de mulheres mais velhas, que consistia em sua mã e, Dı̀ Mai,
e duas de suas outras tias vinham no im da linha por causa de um
câ ntico, todas juntas na idade adulta, como todo mundo dizia ser desde
quando eram jovens. Se nã o fosse pelo fato de todos usarem preto, eles
poderiam estar participando de um casamento. Diamantes e jade
pendiam de suas orelhas, gargantas e dedos, e ele podia sentir o cheiro
de maquiagem e perfume atravé s da né voa do incenso.
Ao passarem por sua ila, ele se levantou e ajeitou o paletó de
Quan. Ele tinha muito o que fazer se quisesse preencher essa coisa. E
lexõ es. Milhares de pull-ups. Ele começaria aqueles hoje à noite.
Quando olhou para cima, ele descobriu que todas as mulheres haviam
parado ao lado dele. Dı̀ Mai estendeu a mã o em direçã o à sua bochecha,
mas parou antes de tocá -lo.
Ela procurou seu rosto com olhos solenes. — Eu pensei que você s
dois eram pró ximos. Você nã o se importa que ele se foi?
Seu coraçã o pulou e começou a bater tã o rá pido que doeu. Quando ele
tentou falar, nada saiu. Sua garganta estava fechada e inchada.
— E claro que eles eram pró ximos, — sua mã e repreendeu a irmã
antes de puxá -la pelo braço. — Venha Mai, vamos lá . Eles estã o
esperando por nó s.
Com os pé s congelados no chã o, ele observou enquanto elas
desapareciam pela porta. Logicamente, ele sabia que estava no lugar,
mas ele sentiu como se estivesse caindo. Caindo, caindo, caindo.
Eu pensei que vocês dois eram próximos.
Desde que o professor do ensino fundamental insistiu que seus pais o
levassem a um psicó logo, ele sabia que era diferente. A maioria de sua
famı́lia, no entanto, desconsiderou o diagnó stico resultante, dizendo
que ele era apenas "um pouco estranho". Nã o havia autismo ou
sı́ndrome de Asperger no interior do Vietnã . Alé m disso, ele nã o teve
problemas e se saiu bem na escola. O que isso importa?
Eu pensei que vocês dois eram próximos.
As palavras nã o paravam de ecoar em sua cabeça, levando-o a uma
auto realizaçã o indesejá vel: ele era diferente, sim, mas de um jeito ruim.
Eu pensei que vocês dois eram próximos.
Andy nã o tinha sido apenas seu melhor amigo. Ele tinha sido
seu único amigo. Andy era tã o pró ximo quanto era possı́vel ser pró ximo
de Khai. Se ele nã o podia lamentar por Andy, isso signi icava que ele
nã o podia lamentar. E se ele nã o podia lamentar, o outro lado també m
tinha que ser verdade.
Ele nã o podia amar.
Andy estava certo. O coraçã o de Khai era realmente feito de pedra
metafó rica.
O conhecimento espalhou-se sobre ele como petró leo em um
derramamento de ó leo. Ele nã o gostou, mas nã o havia nada a fazer alé m
de aceitá -lo. Isso nã o era algo que você poderia mudar. Ele era o que
era.
Eu pensei que vocês dois eram próximos.
Ele era... mau.
Ele abriu as mã os, trabalhou os dedos. Suas pernas se moveram
quando ele as comandou. Os pulmõ es dele respiraram. Ele viu, ouviu,
experimentou. E isso lhe pareceu incrivelmente injusto. Nã o era isso
que ele teria escolhido. Se ele pudesse ter escolhido quem foi naquele
caixã o.
O canto começou de novo, sinalizando que o funeral estava chegando
ao im. Hora de se juntar aos outros enquanto eles se
despediam. Ningué m parecia entender que nã o era um adeus, a menos
que Andy dissesse de volta. De sua parte, Khai nã o disse nada.
CAPÍTULO UM
Esfregar banheiros nã o era tã o interessante assim. Mỹ tinha feito isso
tantas vezes que ela tinha uma rotina automá tica agora. Pulverize com
veneno todos os lugares. Despeje veneno dentro. Esfregue, esfregue,
esfregue, esfregue, esfregue. Limpe, limpe, limpe. Dê descarga. Feito em
menos de dois minutos. Se houvesse um concurso de limpeza de
banheiros, Mỹ seria uma das principais candidatas. Hoje nã o, no
entanto. Os barulhos na cabine ao lado continuavam distraindo-a.
Ela tinha certeza que a garota lá dentro estava chorando. Ou isso ou
malhando. Havia muita respiraçã o pesada acontecendo. Que tipo de
treino você poderia fazer em um banheiro? Joelho alto, talvez.
Um som estrangulado foi emitido, seguido por um gemido agudo, e
Mỹ soltou sua escova de banheiro. Isso foi de initivamente um
choro. Inclinando a tê mpora contra o lado da cabine, ela pigarreou e
perguntou: — Senhorita, algo está errado?
— Nã o, nada está errado. — Disse a garota, mas seus soluços icaram
mais altos antes que parassem abruptamente, substituı́dos por uma
respiraçã o pesada, mas abafada.
— Eu trabalho neste hotel. — Como zeladora/faxineira. — Se algué m
te tratou mal, eu posso ajudar. — Ela tentaria, de qualquer
maneira. Nada a irritava mais que um valentã o. Ela nã o podia se dar ao
luxo de perder esse emprego, no entanto.
— Nã o, eu estou bem. — A trava da porta sacudiu, e os sapatos
estalaram contra o chã o de má rmore.
Mỹ en iou a cabeça para fora de sua cabine a tempo de ver uma garota
bonita indo na direçã o das pias. Ela usava os mais altos e mais
assustadores saltos que Mỹ já tinha visto e um vestido colado vermelho,
que terminou logo abaixo de seu bumbum. Se você acreditasse em
qualquer coisa que a avó de Mỹ dizia, aquela garota iria engravidar no
segundo que pisasse na rua. Ela provavelmente já estava grá vida - pela
potê ncia do olhar de um homem para engravidar.
De sua parte, Mỹ tinha engravidado apenas se divertindo com um
playboy da escola, nã o precisou nem de um vestido colado e de um
salto assustador. Ela resistiu a ele no começo. A mã e e a avó tinham
deixado claro que os estudos vinham primeiro, mas ele a perseguiu até
que ela cedeu, pensando que era amor. Em vez de se casar com ela
quando ela contou a ele sobre o bebê , ele se ofereceu de má vontade
para mantê -la como sua amante secreta. Ela nã o era o tipo de garota
que ele poderia apresentar à sua famı́lia de classe alta e, surpresa, ele
estava noivo e planejava prosseguir com o casamento. Obviamente, ela
o recusou, o que fora um alı́vio e um choque para ele, aquele ilho da
é gua. Sua famı́lia, por outro lado, icara de coraçã o partido - eles
depositaram tantas esperanças nela. Mas como ela sabia que eles iriam,
eles a apoiaram e a seu bebê .
A garota de vestido vermelho lavou as mã os e enxugou as bochechas
com rı́mel antes de jogar a toalha no balcã o e sair do banheiro. As luvas
de borracha amarela de Mỹ rangeram enquanto ela as pegava. O cesto
de toalhas estava ali. Resmungando para si mesma, caminhou até as
pias, limpou o balcã o com a toalha de mã o da garota e a jogou no cesto
de toalhas. Uma rá pida inspeçã o da pia, balcã o, espelho e uma pilha de
toalhas ordenadamente enrolada con irmou que tudo estava aceitá vel, e
ela voltou ao ú ltimo banheiro.
A porta do banheiro se abriu e outra garota entrou correndo. Com
seus cabelos pretos na altura da cintura, corpo magro, pernas longas e
saltos perigosos, ela se parecia muito com a garota anterior. Apenas o
vestido dela se diferenciava por ser branco. O hotel estava tendo algum
tipo de concurso? E por que essa garota estava chorando també m?
— Senhorita, você está bem? — Mỹ perguntou enquanto dava um
passo hesitante em sua direçã o.
A garota jogou á gua no rosto.
— Estou bem. — Ela apoiou as mã os molhadas na bancada de granito,
fazendo mais bagunça para Mỹ limpar, e olhou para seu re lexo no
espelho enquanto respirava fundo.
— Eu pensei que ela ia me escolher. Eu tinha tanta certeza. Por que
fazer essa pergunta se ela nã o queria a resposta? Ela é uma mulher
sorrateira.
Mỹ desviou o olhar das gotas de á gua em cima do balcã o e focou no
rosto da menina.
— Que mulher? Escolher você para o que?
A menina passou um certo olhar sobre o uniforme do hotel de Mỹ e
revirou os olhos.
— Você nã o entenderia.
As costas de Mỹ enrijeceram e sua pele icou vermelha com o calor da
vergonha. Ela tinha recebido aquele olhar e tom de voz antes. Ela sabia
o que eles queriam dizer. Antes que ela pudesse encontrar uma
resposta adequada, a garota se foi. E esqueça o avô da menina e todos
os seus outros antepassados; outra toalha amassada estava sobre o
balcã o.
Mỹ marchou até a pia, limpou a bagunça da garota e jogou a toalha na
cesta. Bem, ela pretendia. Ela mirou errado e a toalha caiu no
chã o. Bufando de frustraçã o, ela foi buscá -la.
Assim que seus dedos enluvados se fecharam em torno da toalha, a
porta se abriu mais uma vez. Ela olhou para o cé u. Se era outra garota
mimada chorando, ela iria para outro banheiro do outro lado do hotel.
Mas nã o era. Uma mulher mais velha, cansada, caminhou até a sala do
outro lado do banheiro e sentou-se em um dos assentos estofados de
veludo. Mỹ sabia à primeira vista que a senhora era uma Việ t kiều. Foi
uma combinaçã o de coisas que a denunciou: sua genuı́na bolsa Louis
Vuitton gigante, suas roupas caras e seus pé s. Bem cuidados e
perfeitamente sem calos, esses pé s de sandá lias tinham que pertencer a
uma vietnamita no exterior. Essas pessoas dã o uma gorjeta muito boas,
apesar de tudo. O dinheiro praticamente derrama deles. Talvez hoje
seria seu dia de sorte.
Ela jogou a toalha de mã o na cesta e se aproximou da mulher.
— Senhora, posso te ajudar com alguma coisa?
A senhora acenou para ela com desdé m.
— Apenas me avise, senhora. Aproveite o seu tempo aqui. E um
banheiro muito bom. — Ela estremeceu, desejando poder pegar de
volta as ú ltimas palavras e voltou-se para os banheiros. Por que eles
tinham uma sala de estar aqui estava alé m da compreensã o dela. Claro,
era um cô modo agradá vel, mas por que relaxar onde você podia ouvir
as pessoas fazendo coisas no banheiro?
Ela terminou o trabalho, colocou o balde de material de limpeza no
chã o junto à s pias e fez uma ú ltima inspeçã o no banheiro. Uma das
toalhas de mã o havia se desenrolado parcialmente, entã o ela a sacudiu,
a enrolou novamente e colocou na pilha com as outras. Entã o ela
reposicionou a caixa de lenços de papel. Pronto. Tudo estava
apresentá vel.
Ela se inclinou para pegar o balde, mas antes que seus dedos
pudessem fechar ao redor do cabo, a senhora disse: — Por que você
reposicionou a caixa de lenços assim?
Mỹ endireitou-se, olhou para a caixa de lenços de papel e depois
inclinou a cabeça para a mulher.
— Porque é assim que o hotel gosta, senhora.
Uma expressã o pensativa cruzou o rosto dela e, depois de um
segundo, ela chamou Mỹ em sua direçã o e deu um tapinha no espaço ao
lado dela no sofá .
—Venha conversar comigo por um minuto. Me chame de Cô Nga.
Mỹ sorriu com perplexidade, mas fez o que lhe foi proposto,
sentando-se ao lado da senhora e mantendo as costas retas, as mã os
cruzadas, e seus joelhos pressionados juntos como a maior das
virgens. Sua avó teria icado orgulhosa.
Olhos a iados em um rosto pá lido por pó a avaliavam, como
Mỹ acabara de fazer com o balcã o do banheiro, e Mỹ apertou os pé s
desajeitadamente e sorriu melhor para a mulher.
Depois de ler seu crachá , a senhora disse: — Entã o, seu nome
é Trâ n Ngọ c Mỹ.
— Sim senhora.
— Você limpa os banheiros aqui? O que mais você faz?
O sorriso de Mỹ ameaçou desaparecer, e ela o manteve com esforço.
— Eu també m limpo os quartos dos hó spedes, o que é mais
banheiros, també m troco lençó is, arrumo as camas, aspiro o
quarto. Esse tipo de coisa.
Nã o era o que ela sonhava em fazer quando era mais jovem, mas
pagava, e ela se certi icava de fazer um bom trabalho.
— Ah, isso é ... Você tem sangue misturado. — Inclinando-se para
frente, a senhora apertou o queixo dela e o inclinou para cima.
— Seus olhos sã o verdes.
Mỹ prendeu a respiraçã o e tentou descobrir a opiniã o da senhora
sobre isso. As vezes era uma opiniã o boa. Na maioria das vezes nã o
era. Era muito melhor ser mestiça quando você tinha dinheiro.
A senhora franziu o cenho.
— Mas como? Nã o houve soldados americanos aqui desde a guerra.
Mỹ encolheu os ombros.
— Minha mã e diz que ele era um homem de negó cios. Eu nunca o
conheci.
No decorrer da histó ria, a mã e dela era sua governanta - e algo mais -
e o caso terminou quando o projeto de trabalho terminou e ele deixou o
paı́s. Só depois sua mã e descobriu que estava grá vida e já era tarde
demais. Ela nã o sabia como encontrá -lo. Ela nã o teve escolha a nã o ser
voltar para casa para morar com sua famı́lia. Mỹ sempre tinha pensado
que ela faria melhor do que sua mã e, mas ela tinha conseguido seguir
seus passos quase exatamente.
A senhora assentiu e apertou seu braço uma vez.
— Você acabou de se mudar para a cidade? Você nã o parece ser
daqui.
Mỹ desviou os olhos, e seu sorriso caiu. Ela cresceu com muito pouco
dinheiro, mas nã o foi até que ela chegou à cidade grande que ela
percebeu o quã o pobre ela realmente era.
— Nos mudamos há alguns meses porque consegui o emprego
aqui. E tã o fá cil perceber?
A senhora afagou a bochecha de Mỹ de um modo estranhamente
afetuoso.
— Você ainda é ingê nua como uma garota do interior. De onde você é ?
— Uma vila perto de Mỹ Tho, perto da á gua.
Um sorriso largo se estendeu sobre o rosto da mulher.
— Eu sabia que gostaria de você . Lugares fazem as pessoas. Eu cresci
lá . Meu restaurante se chama Mỹ Tho Noodles. E um restaurante muito
bom na Califó rnia. Eles falam sobre ele na TV e nas revistas. Eu acho
que você nã o teria ouvido falar por aqui, no entanto. — Ela suspirou
para si mesma antes que seus olhos se a iassem e ela perguntou: —
Quantos anos você tem?
— Vinte e Trê s.
— Você parece mais jovem que isso, — disse Cô Nga, rindo. — Mas
essa é uma boa idade.
Uma boa idade para quê? Mas Mỹ nã o perguntou. Gorjeta ou nã o, ela
estava pronta para que essa conversa terminasse. Talvez uma garota da
cidade já tivesse saı́do. Os banheiros nã o se esfregavam sozinhos.
— Você já pensou em ir para a Amé rica? — Perguntou Cô Nga.
Mỹ balançou a cabeça, mas isso era uma mentira. Quando criança, ela
fantasiava viver em um lugar onde ela nã o se destacava e talvez
conhecer seu pai de olhos verdes. Mas havia mais do que um oceano
separando Viet Nam da Amé rica e, quanto mais velha ela icava, maior a
distâ ncia.
—Você é casada? — Perguntou a senhora. — Você tem um namorado?
— Nã o, sem marido, sem namorado. — Ela alisou as mã os sobre as
coxas e agarrou os joelhos. O que essa mulher queria? Ela ouvira
histó rias de horror sobre estranhos. Esta mulher de aparê ncia doce
estava tentando enganá -la e vendê -la para prostituiçã o no Camboja?
— Nã o pareça tã o preocupada. Eu tenho boas intençõ es. Aqui, deixe-
me mostrar uma coisa. — A senhora vasculhou sua bolsa enorme da
Louis Vuitton até encontrar um arquivo de papel pardo. Entã o ela tirou
uma fotogra ia e entregou para Mỹ. — Este é o meu Diê p Khai, meu ilho
mais novo. Ele é bonito, nã o é ?
Mỹ nã o queria olhar, ela realmente nã o se importava com este homem
desconhecido que vivia no paraı́so da Califó rnia, mas ela decidiu
agradar a mulher. Ela olharia a foto e faria todos os ruı́dos
apropriados. Ela diria a Cô Nga que seu ilho parecia uma estrela de
cinema e entã o encontraria uma desculpa para sair.
Quando ela olhou para a fotogra ia, no entanto, seu corpo icou
imó vel, como o cé u antes de uma tempestade.
Ele realmente parecia como uma estrela de cinema, um homem
bonito, com o cabelo jogado pelo vento, sexy e forte, caracterı́sticas
limpas. O mais cativante de tudo, no entanto, foi a intensidade
silenciosa que emanava dele. Uma sombra de sorriso tocou seus lá bios
enquanto ele se concentrava em algo ao lado, e ela se viu inclinada na
direçã o da foto. Se ele fosse um ator, todos os perigosos papé is de heró i
seriam dele, como um guarda-costas ou um mestre de kung fu. Ele fazia
você se perguntar: o que ele estava pensando tã o intensamente? Qual
era a histó ria dele? Por que ele nã o sorria de verdade?
— Ah, entã o Mỹ aprova. Eu disse que ele era bonito, — disse Cô Nga
com um sorriso conhecedor.
Mỹ piscou como se estivesse saindo de um transe e entregou a
imagem de volta para a senhora.
— Sim, ele é . — Ele daria a uma garota de sorte ainda mais sorte um
dia, e eles viveriam uma vida longa e de sorte juntos. Ela esperava que
eles experimentassem intoxicaçã o alimentar pelo menos uma vez. Nada
com risco de vida, é claro. Apenas inconveniente - torne
isso muito inconveniente. E levemente doloroso. Vergonhoso també m.
— Ele també m é inteligente e talentoso. Ele foi para a faculdade.
Mỹ trabalhou um sorriso.
— Isso é impressionante. Eu icaria muito orgulhosa se tivesse um
ilho como ele.
A mã e dela, por outro lado, tinha uma limpadora de banheiro como
ilha. Ela empurrou a amargura para longe e lembrou-se de manter a
cabeça baixa e cuidar do pró prio negó cio. A inveja nã o lhe daria nada
alé m de misé ria. Mas ela desejava incidê ncias extras de intoxicaçã o
alimentar, de qualquer maneira. Tinha que haver alguma justiça no
mundo.
— Estou muito orgulhosa dele. — Disse Cô Nga. — Ele é o motivo de
eu estar aqui, na verdade. Para encontrar uma esposa para ele.
— Ah. — Mỹ franziu a testa. — Eu nã o sabia que os americanos
faziam isso. — Parecia terrivelmente antiquado para ela.
— Eles nã o fazem isso, e Khả i icaria bravo se soubesse. Mas tenho
que fazer alguma coisa. O irmã o mais velho dele é muito bom com as
mulheres - nã o preciso me preocupar com ele -, mas Khai tem 26 anos e
ainda nã o teve uma namorada. Quando marco encontros para ele, ele
nã o vai. Quando as meninas ligam para ele, ele desliga. No pró ximo
verã o, terã o trê s casamentos em nossa famı́lia, três, mas algum é
dele? Nã o. Como ele nã o sabe encontrar uma esposa para si mesmo,
decidi fazer isso por ele. Eu tenho entrevistado candidatas o dia
todo. Nenhuma delas se encaixa nas minhas expectativas.
O queixo dela caiu.
— Todas aquelas meninas chorando...
Cô Nga acenou com o comentá rio.
— Elas estã o chorando porque tê m vergonha de si mesmas. Elas vã o
se recuperar. Eu tinha que saber se estavam falando sé rio sobre se casar
com meu ilho. Nenhuma delas estava.
— Elas pareciam muito sé rias.
Elas nã o estavam ingindo chorar no banheiro - isso era certo.
— E você ? — Cô Nga ixou aquele olhar avaliador nela novamente.
— O que tem eu?
— Você está interessada em se casar com meu Khai?
Mỹ olhou para trá s de si antes de apontar para seu pró prio peito.
— Eu?
Cô Nga assentiu.
— Sim, você . Você chamou minha atençã o.
Os olhos dela se arregalaram. Como?
Como se pudesse ler mentes, Cô Nga disse: — Você é boa, é uma
menina trabalhadora e bonita de uma maneira incomum. Acho que
posso con iar em você com meu Khả i.
Tudo o que Mỹ podia fazer era encarar. Será que as fumaças dos
produtos quı́micos de limpeza inalmente dani icaram seu cé rebro?
— Você quer que eu me case com seu ilho? Mas nunca nos
conhecemos. Você pode gostar de mim… — Ela balançou a cabeça,
ainda incapaz de entender isso. Ela limpava banheiros para ganhar a
vida. — Mas seu ilho provavelmente nã o vai. Ele parece exigente, e eu
nã o sou...
— Oh, nã o, nã o, — interrompeu Cô Nga. — Ele nã o é exigente. Ele
é tímido. E teimoso. Ele acha que nã o quer uma famı́lia. Ele precisa de
uma garota que é mais teimosa. Você teria que fazê -lo mudar de idé ia.
— Como eu...
— Õi, sabe. Você se veste bem, cuida dele, cozinha o que ele gosta, faz
o que ele gosta...
Mỹ nã o podia deixar de fazer careta, e Cô Nga surpreendeu rindo.
— Esse é o motivo que eu gosto de você . Você nã o pode deixar de ser
você mesma. O que você acha? Eu poderia lhe dar um verã o na Amé rica
para ver se você s dois se encaixam. Se nã o, nã o há problema, você volta
para casa. No mı́nimo, você irá a todos os casamentos em famı́lia e se
divertirá e comerá um pouco. O que acha?
— Eu-eu-eu…
Ela nã o sabia o que dizer. Era demais para absorver.
— Só mais uma coisa.
O olhar de Cô Nga se suavizou, e houve uma pausa pesada antes que
ela dissesse: — Ele nã o quer ilhos. Mas estou determinada a ter
netos. Se você conseguir engravidar, sei que ele fará a coisa certa e se
casará com você , independentemente de como você s se sentem um pelo
outro. Eu até te darei dinheiro. Vinte mil dó lares americanos. Você vai
fazer isso por mim?
A respiraçã o escapou dos pulmõ es de Mỹ e sua pele icou fria. Cô Nga
queria que ela forçasse um bebê do ilho e o forçasse a se
casar. Decepçã o e futilidade a esmagaram. Por um momento, ela pensou
que essa senhora via algo especial nela, mas Cô Nga a julgará com base
em coisas que nã o podia controlar, assim como as meninas nos vestidos
minú sculos.
— As outras garotas disseram nã o, nã o disseram? Você pensou que eu
diria que sim porque... — Ela indicou o uniforme com a palma da mã o
aberta.
Cô Nga nã o disse nada, seu olhar irme.
Mỹ afastou-se do sofá , passou a recolher o balde de material de
limpeza, abriu a porta, e parou. Com os olhos voltados para a frente, ela
disse: — Minha resposta é nã o.
Ela nã o tinha dinheiro, conexõ es ou habilidades, mas ainda podia ser
tã o cabeça dura e tola quanto quisesse. Ela esperava que sua recusa
doesse. Sem olhar para trá s, ela saiu.
•••
Aquela noite, apó s a longa caminhada de uma hora para casa - que ela
fazia duas vezes por dia, todos os dias - Mỹ entrou na ponta dos pé s em
sua casa de um quarto e caiu para a seçã o de tapete de chã o onde ela
dormia à noite. Ela precisava se arrumar para dormir, mas primeiro, ela
nã o fez nada por alguns momentos. Nada. Nada era um luxo.
Seu bolso zumbiu, arruinando o seu nada. Com um suspiro frustrado,
ela pegou o telefone do bolso.
Nú mero de telefone desconhecido.
Ela pensou em nã o atender, mas algo a fez apertar o botã o de atender
e pressionar o telefone no ouvido. — Alô ?
— Mỹ, é você ?
Mỹ icou intrigada com a voz. Era um pouco familiar, mas ela nã o
conseguia identi icar. — Sim. Quem é ?
— Sou eu, Cô Nga. Nã o, nã o desligue, — a senhora acrescentou
rapidamente. — Eu peguei seu nú mero do supervisor do hotel. Eu
queria falar com você .
Os dedos dela apertaram o telefone e ela se sentou. — Eu nã o tenho
mais nada a dizer.
— Você nã o vai mudar de idé ia?
Ela resistiu à vontade de jogar o telefone na parede. — Nã o.
— Que bom. — Disse Nga.
Franzindo a testa, Mỹ baixou o telefone e olhou para ele. O que ela
quis dizer com que bom?
Ela colocou o telefone no ouvido a tempo de ouvir Cô Nga dizer: —
Foi um teste. Nã o quero que você engane meu ilho para ter um bebê ,
mas precisava saber que tipo de pessoa você é .
— Entã o, isso signi ica…?
— Isso signi ica que você é quem eu quero, Mỹ. Venha para a Amé rica
para ver meu ilho. Vou lhe dar o verã o inteiro para ganhá -lo e ir ao
casamento de seus primos. Você vai precisar de tempo. Vai ser um
pouco trabalhoso desvendá -lo, mas valerá a pena. Ele é bom. Se algué m
pode fazer isso, eu acho que é você . Se você quiser. Você quer?
A cabeça dela começou a girar. — Eu nã o sei, preciso pensar.
— Entã o pense e me ligue de volta. Mas nã o demore muito. Preciso
arranjar seu visto e passagem de aviã o. — Disse Cô Nga. — Estarei
esperando notı́cias suas. — Com isso, a ligaçã o foi desconectada.
Uma lâ mpada do outro lado da sala acendeu, iluminando o espaço
apertado e cheio de luz suave e dourada. Roupas e apetrechos de
cozinha pendiam das paredes, cobrindo cada centı́metro quadrado de
tijolos desintegrados que nã o foram preenchidos pelo velho fogã o
elé trico, geladeira minú scula e TV em miniatura onde elas costumavam
assistir sagas de kung fu e ilmes americanos piratas. O espaço central
era ocupado pelos corpos adormecidos de sua ilha Ngọ c Anh e sua
avó . A mã e dela estava entre a avó e o fogã o, a mã o no interruptor da
lâ mpada. Um ventilador soprava ar ú mido para elas na velocidade mais
rá pida.
— Quem era? — Sua mã e sussurrou.
— Uma Việ t kieu, — Mỹ disse, mal acreditando em suas pró prias
palavras. — Ela quer que eu vá para a Amé rica e case com o ilho dela.
Sua mã e se apoiou em um cotovelo e seu cabelo caiu em uma cortina
de seda por cima do ombro. A hora de dormir era a ú nica vez que ela
soltava os cabelos, e isso a fazia parecer dez anos mais jovem. — Ele é
mais velho que seu avô ? Ele parece um gambá ? O que há de errado com
ele?
Naquele momento, seu telefone tocou com uma mensagem de Cô Nga.
— Eu vou fazer isso, — ela disse à mã e. Ela tentou parecer con iante,
mas estava tremendo por dentro. Com o que ela tinha acabado de
concordar?
— Eu sabia que você faria e estou feliz. Nó s cuidaremos bem
de Ngọ c Anh enquanto você estiver fora. Agora vá dormir. Você ainda
tem que trabalhar amanhã . — A luz se apagou. Mas depois que a sala
icou escura, a mã e disse: — Você deveria saber que, com apenas um
verã o, nã o terá tempo para fazer as coisas da maneira tradicional. Você
tem que jogar para ganhar, mesmo que nã o tenha certeza de que o
quer. Desde que ele nã o seja mau, o amor pode crescer. E lembre-se,
boas meninas nã o conseguem o homem. Você precisa ser má , Mỹ.
Mỹ engoliu. Ela tinha uma boa ideia do que "má " signi icava e icou
surpresa que sua mã e se atrevesse a sugerir isso com a avó na sala.
CAPÍTULO DOIS
Dias Atuais
•••
Esme ainda nã o conseguia se perdoar por mentir daquela forma. Ela
queria ser castigada pelos cé us? Por que ela fez isso?
Ela sabia o porquê . Porque ela era uma zeladora/empregada, e ele era
muito melhor. Ela queria impressioná -lo, para mostrar-lhe que ela valia
o seu tempo. Mas agora ela tinha que ingir que trabalhava com
contabilidade, quando ela nem sabia o que isso era, e continuar a
manter seu bebê em segredo. Ela era uma mentirosa e tinha vergonha
de si mesma.
Se ela fosse uma boa pessoa, confessaria agora, mas esse sentimento
de ser igual a ele era viciante demais. Nem importava que fosse falso,
ela gostava mesmo assim. Ela já estava ingindo ser algo que nã o era –
uma mulher sexy e mundana (embora nã o com muito sucesso, a julgar
por sua tentativa fracassada de lertar mais cedo no carro). Por que nã o
ir alé m e adicionar inteligente e so isticada à lista enquanto ela estava
nisso?
Quando ela morresse, os demô nios a atormentariam pela eternidade,
em vez de deixá -la reencarnar. Ou pior, eles a deixariam reencarnar,
mas ela seria um peixe-gato que vivia no buraco da casinha onde
pessoas faziam suas necessidades. Era apenas justo. E isso que ela
ganharia por desejar intoxicaçã o alimentar nas pessoas.
Khai saiu do carro e ela o seguiu. O ruı́do de seus sapatos nas pedras
era estranhamente alto para seus ouvidos, e sua cabeça girou quando
ela olhou para seus pé s. Quando foi a ú ltima vez que ela comeu? Ela
estava cansada demais para lembrar.
Massageando o queixo para acordar, ela se forçou a observar o local
ao seu redor. As casas eram tã o simples em comparaçã o com as
mansõ es que ela imaginara. E pequenas - de apenas um andar, a
maioria delas. O ar. Ela encheu seus pulmõ es. Que cheiro era esse?
Depois de um momento, ela percebeu que era a falta de cheiro. Ela
nã o podia sentir o cheiro de lixo e frutas podres. Uma né voa causada
pelo escapamento dos carros nã o escureceu o pô r do sol para um tom
ferrugem cor de tamarindo. Esfregou os olhos cansados e admirou um
cé u pintado em tons brilhantes de damasco e jacinto.
Que diferença um oceano de distâ ncia faz.
A saudade de casa a atingiu entã o, e ela quase esqueceu a
poluiçã o. Algo familiar seria bom enquanto ela estava lá , em uma rua
desconhecida, em uma cidade desconhecida, em um mundo distante de
todos que ela amava. Que horas eram no Vietnã ? Será que Ngọc Anh -
nã o, será que Jade estava dormindo agora? Ela sentia falta da mã e? Sua
mã e sentia sua falta.
Se estivesse em casa, deitaria-se ao lado dela, beijaria suas mã ozinhas
e pressionaria suas testas como sempre fazia antes de dormir.
Ela tropeçou e teria caı́do se nã o fosse a caixa de correio,
e Khai lançou olhar de desaprovaçã o para os sapatos que ela usava
depois que ele puxou a mala para fora do porta-malas.
— E melhor andar descalça do que usá -los.
— Mas eles sã o tã o ú teis. E como ter um sapato e uma faca. — Ela
tirou os dois sapatos e fez um movimento de punhalada com um deles.
Ele a considerou por um momento sé rio, sem rir, nem mesmo sorrir, e
ela apertou os lá bios e olhou para os dedos dos pé s nus. Lá estava ela,
falhando em lertar novamente. Em sua defesa, fazia muito tempo que
ela nã o saı́a com um homem e tinha esquecido como.
Enquanto olhava para os dedos pouco atraentes - odiava as mã os e os
pé s infelizes que herdara do pai de olhos verdes; nã o havia nada
elegante ou atraente neles - e ela notou as ervas assustadoras que
sufocavam o quintal de Khai.
— E se eu pisar nos espinhos? — Ela lhe enviou um sorriso que
esperava parecer sexy. — Você vai me carregar?
Ele trouxe a mala para a porta da frente sem olhar para ela.
— Fique no concreto, e você icará bem.
Pulando atrá s dele, ela disse: — Eu posso limpar o quintal para
você . Eu sou boa nisso.
Ele pegou as chaves do bolso e abriu a porta.
— Eu gosto dele do jeito que é .
Ela olhou por cima do ombro para o quintal novamente para se
certi icar de que nã o tinha imaginado tudo e, nã o, ainda era uma selva
de espinhos, trepadeiras emaranhadas e arbustos secos.
Ele estava errado mais cedo quando disse que Esme era a estranha
entre os dois. Ele venceu a competiçã o sem sequer tentar. Ele era
facilmente a pessoa mais estranha que ela já conhecera. Ela ainda nã o o
conhecia bem, mas percebeu sua estranheza imediatamente. Ele nã o
olhou nos olhos dela quando falou, ele usava tudo preto, ele gostava
desse terreno baldio e disse as coisas mais estranhas. Isso lhe deu
esperança.
Estranho era bom. Estranho era uma oportunidade.
Alé m disso, ela també m era estranha. Apenas nã o tã o estranha
quanto ele.
— Você é muito... mente aberta — ela disse.
Ele olhou para ela como se a achasse louca e ela se chutou
mentalmente.
— Por que você estaciona na rua quando tem isso? — Ela apontou
para a garagem dele. A julgar pelo tamanho da porta, ele poderia fazer
caber dois carros lá . Nã o fazia sentido que ele estacionasse seu belo
carro na rua. A menos que ele tivesse trê s carros, que ela duvidava que
ele pudesse pagar com base no estado de seu quintal e casa.
Em vez de responder à pergunta dela, ele abriu a porta e eles
entraram. Ela se perguntou se ele nã o a ouvira ou se a ignorara
propositalmente, mas deixou passar. O interior de sua casa era mais
estranho que o exterior, com um tapete grosso que parecia mais grama
do que seu gramado, equipamentos de giná stica por toda a sala e
mó veis e persianas de uma é poca diferente. Depois de colocar os
sapatos no chã o, ela seguiu Khai por um corredor estreito, e as ibras
macias do tapete acariciavam seus pé s descalços a cada passo.
Ele colocou a mala em um pequeno quarto que continha uma mesa,
um sofá e um armá rio. Quando ela notou o papel de parede antigo, seus
olhos arderam com lá grimas nã o derramadas. Ursos de pelú cia, bolas
de praia, bonecas, sapatilhas de balé e blocos de construçã o. Este
costumava ser um quarto de criança. Ela tocou com as pontas dos
dedos nas sapatilhas de balé . Jade adoraria isso.
— Este é o seu quarto, — disse ele — você terá que se contentar com
o sofá .
— E ó timo. Obrigada, Anh Khai. — Ela nunca dormiu em algo tã o bom
quanto um sofá em toda sua vida. Ela nunca teve um sofá . Mas ela nã o
mencionou nada disso. Ela era a Esme so isticada da Contabilidade
agora. Esme, da Contabilidade, provavelmente tinha um belo
apartamento com dois ou trê s sofá s e nunca dormiria numa esteira de
palha sobre um chã o de terra batida.
A garota solitá ria do interior olhou para o grande sofá vazio e sentiu
saudades de casa novamente. Ela queria o tapete de palha, o chã o de
terra, a casa de um quarto e os corpos adormecidos de sua ilhinha, avó
e mã e. Ela estava exausta, mas nã o sabia como iria dormir sozinha.
— O celular na mesa é para você . — Ele apontou para a mesa antes de
se virar para sair.
— Espere um pouco, para mim? — Ela correu para a mesa e esticou a
mã o em direçã o ao celular prateado brilhante, mas enrolou os dedos
em punho antes de fazer contato. Seria uma pena sujar o celular chique
com as pontas dos seus dedos.
— Minha mã e disse que você precisava de um novo chip, mas um
celular novo é mais fá cil. Se você nã o gostar, provavelmente posso
trocá -lo pelo modelo mais atual.
Mas isso custaria ainda mais. — E novo. — Ela diz.
Ele en iou a mã o no bolso. — Sim. — Ele diz como se fosse a coisa
mais normal do mundo.
— Você pode devolvê -lo?
Ele franziu a testa enquanto inclinava a cabeça para o lado.
— Acho que nã o. Você realmente nã o gostou?
Ela torce as mã os.
— Nã o, eu gostei, mas...
— Entã o nã o é um problema. Apenas use.
Uma onda de calor ansioso tomou conta de seu rosto, mas ela se
obrigou a dizer: — Eu pago de volta assim que estiver trabalhando. —
Ela esperava conseguir o su iciente para pagar por isso. Em casa, ela
teria que economizar por quase um ano para pagar por algo tã o bom.
— Você nã o precisa.
Ela levantou o queixo.
— Eu preciso sim.
Era importante que ele soubesse que ela nã o estava se casando com
ele por seu dinheiro. Isso nunca tinha sido sobre dinheiro para
ela. Na verdade, ela gostava que ele não tivesse tanto dinheiro quanto
seus vizinhos. Eles eram uma combinaçã o melhor assim. Ela nã o
precisava de um homem rico. Ela só precisava de algué m que era dela. E
de Jade.
Ele apenas deu de ombros.
— Fique à vontade. Eu vou esquentar o jantar. Saia quando estiver
com fome.
Os ombros dela caı́ram. Ele nã o entendeu que ela queria ganhar as
coisas sozinha.
— Vou ligar para casa primeiro, ok?
— Sim, vá em frente.
Assim que ele saiu da sala, ela cuidadosamente fechou a porta, retirou
o cabo do carregador branco da tomada e sentou-se no sofá , olhando
para seu inacreditá vel telefone novo. Ela nã o havia esperado por
isso. Foi o melhor presente que ele poderia ter lhe dado, absolutamente
melhor. E ele nem gostava dela.
Ele era estranho, sem tato e muito possivelmente um assassino, mas
quando ela olhou para as açõ es dele, tudo o que viu foi bondade. Cô Nga
estava certa. Khai era bom material. Um material muito, muito bom.
Ela memorizou como discar internacionalmente dos Estados Unidos
antes de sair e discou o nú mero do celular da mã e. A mã e dela atendeu
no primeiro toque.
— Oi, Má .
— Já , já , me conte tudo.
— Primeiro, como está Ngọ c Anh? Posso falar com ela?
— Ela está bem, animada por ter um pai em breve. Fale um pouco
comigo. Como estã o as coisas? Você gosta dele? — Sua mã e perguntou.
— Sim, eu gosto dele.
Um Hmmmmm satisfeito soou na linha. — Isso é bom. E a casa dele? E
legal?
— Eu gosto, — disse Esme — o quarto em que estou hospedada tem
um papel de parede bonito. Se Ngọ c Anh visse, ela gostaria. Há um sofá
para mim.
— Você nã o está dormindo com ele?
Ela revirou os olhos.
— Nã o, Má , eu nã o estou dormindo com ele. Você se lembra? Ele nã o
quer uma esposa.
— Isso nã o signi ica que ele quer dormir sozinho.
— Acabei de sair do aviã o. — Ela lembrou a mã e. Ela precisava de
tempo para trabalhar seus poderes sedutores nele. Se ela ainda tivesse
esses poderes. Ela esteve trabalhando tanto que nã o teve tempo para
namorar. Ou quis. Apenas a memó ria dos rostos de sua mã e e avó
quando descobriram sua gravidez foi su iciente para fazer qualquer
homem parecer desinteressante.
— Oh, isso mesmo, foi um voo longo — disse a mã e. Apó s um
momento de silê ncio, sua mã e continuou. — Você pode soltar uma das
pernas do sofá e dizer que está quebrada?
— Porque eu faria isso?
— Para que você possa dormir com ele, minha ilha.
Esme puxou o telefone e olhou para ele. Quem era essa mulher com
quem estava falando? A voz soava como a da mã e dela, mas nã o as
palavras.
— Nã o posso fazer isso. E errado.
— Tudo bem, esqueça que eu disse isso — sua mã e resmungou. —
Aqui, fale com sua garota.
— Má. — A vozinha fez o coraçã o de Esme derreter e se partir. Ela
deveria estar lá , nã o aqui do outro lado do mundo, perseguindo um
homem.
— Oi, minha garota. Eu sinto muito a sua falta. O que você tem feito
desde que eu saı́?
— Eu peguei um peixe grande na lagoa ontem. Bisavó o matou
batendo-o contra uma á rvore, e depois disso, nó s o comemos no
jantar. Meu peixe estava bom.
Esme cobriu os olhos com uma mã o. Matou batendo contra uma
árvore... Esme da Contabilidade icaria chocada com essa conversa. Nã o
apenas ela nã o teria uma ilha de cinco anos fora do casamento, mas
sua ilha nã o pegaria seu pró prio jantar. Certamente nã o haveria
matança ou ningué m batendo qualquer coisa contra uma á rvore.
Mas pelo menos a ilha dela estava feliz. Era pecaminoso tirar uma
vida, até mesmo a vida de um peixe, mas Esme alegremente sacri icaria
um cardume inteiro de trutas para distrair Jade de sentir falta demais
da mã e. Ela levantou os pé s e apoiou a cabeça pesada no braço do sofá
enquanto Jade divagava sobre peixes, vermes e grilos. Quando suas
pá lpebras se fecharam, ela quase sentiu o sol do Vietnã na pele, quase
sentiu sua bebê nos seus braços. Ela adormeceu com um sorriso nos
lá bios.
CAPÍTULO QUINTO
•••
•••
— Aqui, aqui — disse Cô Nga no segundo em que Esme entrou pela
porta, acenando da cabine onde ela estava enchendo os pimenteiros. —
Venha sentar e me conte tudo.
Esme deslizou para dentro da cabine de couro vermelho e lançou um
rá pido olhar ao redor do restaurante, contemplando as paredes
alaranjadas, as cabines vermelhas, as mesas pretas, o grande tanque de
peixes na traseira e os aromas familiares de
comida. Surpreendentemente, alé m dos estandes, o restaurante nã o era
tã o diferente daquele que você encontraria no Vietnã . Ela sentiu como
se tivesse voltado para casa.
Aqui, o cheiro de molho de peixe era bem-vindo. Ela levou uma mecha
de cabelo ao nariz e inalou, mas nã o detectou nada. Ela se lavou na
noite passada. Ela estava limpa. Mas um constrangimento
desconfortá vel permaneceu quando ela se lembrou da maneira como
ele abriu todas as janelas e a porta para dissipar um cheiro que ela nã o
notou.
Cô Nga ergueu os olhos do pimenteiro. — Como vã o as coisas?
Esme deu de ombros e sorriu.
— E muito cedo para dizer.
— Ele está sendo difı́cil? — Perguntou Cô Nga. — Eu preciso falar
com ele? Ele prometeu tratá -la como uma noiva.
Esme balançou a cabeça rapidamente. — Nã o, ele tem sido
bom. Comemos juntos esta manhã e... — Ela pensou em dizer a Cô Nga
que seu ilho a abandonara em sua casa o dia todo ontem, mas ela nã o
tinha coragem.
Cô Nga levantou as sobrancelhas. — E o que mais?
— Nada mais. — Esme pegou o grande recipiente de pimenta de Cô
Nga e continuou enchendo os pimenteiros de onde ela havia parado.
Depois de um tempo, Cô Nga disse: — Existe um segredo para lidar
com meu Khai.
— Um segredo?
— Ele nã o fala muito e é muito inteligente, entã o as pessoas pensam
que ele é complicado, mas, na verdade, ele é simples. Se você quer algo
dele, tudo o que você precisa fazer é contar a ele.
— Apenas contar a ele? — Esme nã o conseguiu esconder o ceticismo
de sua voz.
— Sim, apenas diga a ele. Se ele estiver quieto demais, diga a ele que
você quer que ele fale com você . Se você está entediada em casa, diga a
ele que deseja ir a algum lugar com ele. Nunca assuma que ele sabe o
que você quer. Porque ele nã o sabe. Você precisa contar a ele, mas,
quando o izer, nove em cada dez vezes, ele ouvirá . Ele nã o parece ser
assim na maioria das vezes, mas se preocupa com as pessoas. Até com
você .
Esme considerou a expressã o sé ria no rosto da mulher. Cô Nga
acreditava no que estava dizendo. — Eu... sim, Cô .
Cô Nga sorriu e apertou o braço de Esme. — Agora, deixe-me mostrar
o lugar a você , para que você possa trabalhar.
•••
P ela semana seguinte, houve uma nova rotina seguida por Khai. De
manhã , tomavam café da manhã . Khai comeu tudo o que Esme o deu, e
ela se alegrou com frutas tropicais. Eles foram trabalhar e ele a pegou
por volta das seis da noite. Essa era a hora mais movimentada do
restaurante, mas a mã e dele insistiu que ela tinha tudo sob
controle. Khai suspeitava que ela só queria que ele e Esme jantassem
juntos.
Nã o era um romance à luz de velas ou algo assim, entã o ele nã o sabia
por que sua mã e se incomodava. Na maioria das vezes, aqueciam os
recipientes da geladeira e comiam como catadores. Outras vezes, Esme
cozinhava, e ele tinha que ligar o exaustor e abrir todas as janelas para
desabafar o cheiro. Enquanto eles comiam, Esme fez comentá rios
estranhos sobre trabalho, eventos atuais e quaisquer coisas aleató rias
que estavam acontecendo em sua cabeça, e ele tentou ignorá -la, quase
sem sucesso. Depois do jantar, ele se exercitou e assistiu TV em volume
baixo enquanto trabalhava em seu laptop. Ela usou o tempo para
atormentá -lo de maneiras novas e criativas.
Na terça-feira, Khai encontrou suas meias arrumadas e empilhadas na
gaveta como charutos. Na quarta-feira, ela colocou pop vietnamita no
má ximo em seu telefone, enquanto separava os alimentos da despensa
por cor, tornando impossı́vel para ele se concentrar na TV ou qualquer
coisa, na verdade. Na quinta-feira, ela limpou os rodapé s, vestindo
aquela camiseta grande demais, sem sutiã e um par de cuecas dele. Elas
eram suas cuecas, pelo amor de Deus, nã o shorts, e elas nem se
encaixavam nela. Elas caı́ram de sua cintura tantas vezes que poderia
muito bem ter andado de calcinha.
Quando sexta-feira chegou, ele estava tendo fantasias de embarcá -la
no pró ximo aviã o de volta ao Vietnã . Ele nã o conseguia encontrar nada
em sua casa, ele nã o estava dormindo e estava tã o sexualmente
frustrado que seus molares doı́am. Ele consideraria seriamente
suborná -la para sair se nã o fosse por sua mã e e suas ameaças. De jeito
nenhum ele faria isso uma segunda vez.
No inal da noite de sexta-feira, ele estava na cama, olhando para o
teto escuro e imaginando Esme acenando alegremente para ele do
meio- io do aeroporto enquanto ele se afastava, quando a porta do
banheiro, que ligava os quartos, se abriu. O brilho suave da luz noturna
do banheiro se espalhou pelo quarto dele, lançando uma luz fraca no
rosto cheio de lá grimas de Esme quando ela tropeçou no pé da cama
dele.
Ele se sentou e tirou os cabelos do rosto. — Você está bem? O que...
Ela rastejou pela cama e foi direto para o colo dele. Os braços dela
envolveram o pescoço dele, e ela tremeu enquanto o segurava com
força. Respirando rá pido e irregularmente, ela pressionou o rosto
molhado no pescoço dele.
Ele se manteve tã o rı́gido quanto um manequim. Que diabos ele
fez? Ele tinha uma mulher chorando agarrada a ele como um polvo. Ele
nã o pô de deixar de lembrar que o polvo de ané is azuis era um dos
animais mais venenosos que existia.
Não perturbe o polvo.
Depois de pigarrear, ele perguntou: — O que há de errado? O que
aconteceu?
Ela o abraçou com mais força, como se estivesse tentando rastejar
direto para dentro dele. Ele estava tã o acostumado a manter as pessoas
afastadas que mal sabia o que fazer com algué m tã o
pró ximo. Felizmente, esse tipo de toque irme era aceitá vel - ele gostava
de propriocepçã o e pressã o profunda. Mas a umidade quente
encharcou sua pele nua, perturbando-o. Lá grimas, nã o neurotoxina
mortal, ele lembrou a si mesmo.
— Eles a tiraram de mim — disse ela contra o peito dele. Ele nã o
sabia por que assumiu que era ela. Os pronomes nã o eram do gê nero
em vietnamita, entã o ela poderia muito bem estar falando dele. Nã o
havia uma boa razã o para que ele nã o gostasse de Esme chorando por
um homem. Seu tremor piorou quando um soluço saiu de sua garganta.
— Quem levou quem?
— O pai dela e a esposa dele.
Ok, isso nã o fazia sentido. Ele tinha noventa e nove ponto nove por
cento de certeza de que ela teve um pesadelo. Fazia muito tempo desde
que ele teve pesadelos - embora inconvenientes, fantasias sexuais nã o
se quali icam como pesadelos - mas quando costumava ter, apenas uma
coisa o fazia se sentir melhor. Ele fechou os braços em volta dela e a
abraçou.
Um suspiro irregular aqueceu seu peito, e ela caiu contra ele com um
murmú rio. Quase instantaneamente, seu tremor desapareceu. Um tipo
incomum de satisfaçã o se espalhou por ele, melhor do que divisõ es
perfeitas de tempo ou quantias inteiras em dó lares no posto de
gasolina.
Ele tirou a tristeza dela. Ele geralmente fazia exatamente o oposto nas
pessoas.
Por longos minutos, ele continuou abraçando-a, pensando que ela
precisava de tempo para a calma permanecer. Mas talvez ele gostasse
de abraçá -la també m. Lá , na escuridã o pró xima do quarto, era aceitá vel
admitir para si mesmo que ela era macia e cheirava bem, como o sabã o
dele, mas feminino, macio, sem molho de peixe. Ele gostou do peso do
corpo dela no dele. Ela era melhor que trê s cobertores pesados. Ele
poderia ter apoiado a bochecha na testa dela.
Sua respiraçã o se igualou e suas fungadas icaram cada vez mais
distantes até que parassem completamente. Ela se mexeu um pouco no
colo dele, e ele percebeu que estava excitado, loucamente e de maneira
constrangedora. Merda. Se ela se mexesse mais, perceberia com certeza.
— Você terminou? — Ele perguntou.
Ela se afastou e saiu do colo dele, felizmente nã o percebendo sua
ereçã o furiosa, e ele esfregou o peito onde suas lá grimas secaram.
Um longo silê ncio se seguiu. Ela começou a falar vá rias vezes, mas se
conteve. Finalmente, ela sussurrou: — Posso dormir aqui esta
noite? Em casa, durmo com Má e Ngoai e... nã o vou tocar em você ,
prometo. A menos que você queira... — Os olhos dela brilharam
misteriosamente enquanto ela o olhava.
A menos que ele quisesse o que? Espera, ela quis dizer sexo? Nã o, ele
nã o queria sexo. Na verdade, ele queria. Seu corpo estava entusiasmado
com a ideia. Mas mente fora do pê nis e tudo isso. O sexo estava
embaraçado com relacionamentos româ nticos em sua mente, e porque
ele nã o era adequado para relacionamentos, fazia sentido evitar o
sexo. Alé m disso, tocar era complicado para ele. Abraços estavam bem,
mas qualquer outra coisa provavelmente seria um problema. Já era
ruim o su iciente ele ter que dar instruçõ es ao seu cabeleireiro sobre
como fazer o corte. Ele nã o queria fazer isso com uma mulher antes do
ato.
Ele olhou para a metade vazia de sua cama grande. Os cobertores
estavam completamente intactos, intocados. E ele gostava deles dessa
maneira. Ele sempre sentia uma certa realizaçã o quando acordava de
manhã e nã o precisava ajeitar o outro lado da cama.
Esfregando o cotovelo, ela se afastou dele. Em voz baixa, ela disse: —
Desculpe, eu vou...
Ele puxou os cobertores para baixo. — Você pode dormir aqui, eu
acho.
Droga, o que ele estava fazendo? Ele nã o a queria compartilhando sua
cama. Mas ela parecia que ia começar a chorar novamente. Ela nã o
deveria estar triste. Esme estava sempre feliz, sempre sorrindo.
Ela cobriu a boca. — Sé rio?
Ele afastou os cabelos da testa. Essa foi uma ideia horrı́vel. Ele já
sabia. — Eu posso roncar.
— Minha avó ronca como uma motocicleta. Isso nã o me incomoda —
ela disse com um grande sorriso.
Lá estava. O sorriso dela. Era importante de alguma forma. Seus
mú sculos relaxaram de uma tensã o que ele nem havia percebido.
Ela se arrastou para debaixo das cobertas e jogou a cabeça no
travesseiro, deitada de lado, de modo que o encarou. Ele se esticou de
costas e olhou para o teto. Eles estavam a uma boa distâ ncia, mas seu
coraçã o ameaçava entrar em parada cardı́aca de qualquer maneira.
Isso foi estranho. Ele tinha feito festas de pijamas com as primas. Isso
nã o era nada disso. Ele nã o estava atraı́do por suas primas. Suas primas
nã o cortavam á rvores com cutelos de carne, usavam sua cueca ou
queriam se casar com ele. Suas primas nã o corriam para ele quando
tinham pesadelos.
Só Esme.
— Obrigada, Anh Khả i. — Disse ela.
Ele puxou os cobertores até o pescoço. — De nada. Tente dormir um
pouco. O casamento da minha prima Sara é amanhã . — Ele franziu a
testa quando percebeu que nunca a mencionara. — Você nã o precisa ir
se nã o quiser, mas eu tenho. Você quer?
— Sua mã e me contou sobre isso. Eu quero ir. — A voz dela vibrou
com emoçã o, e ele quase suspirou. Pelo menos um deles ia se divertir.
— Está bem entã o. Boa noite, Esme.
— Durma bem, Anh Khai.
Por vá rios momentos, ele percebeu que ela o observava. Ele quase
podia sentir os raios de felicidade brilhando sobre ela e saltando contra
o lado do rosto, mas nã o demorou muito para que ela adormecesse. Ela
nã o ronca e nã o ocupa muito espaço. Mas a mera presença dela o
deixou em estado de alarme.
Havia uma mulher em sua cama, sua vida estava completamente fora
de ordem, e havia um casamento amanhã .
Naquela noite, ele nã o dormiu nada.
CAPÍTULO OITO
Nua.
Esse era o ú nico pensamento que o cé rebro de Khai era capaz de
produzir.
Nua.
Ele olhou para ela por menos de um segundo antes de fechá -los no
armá rio, mas foi o su iciente para ver quase tudo. Ombros nus, seios
cheios que ameaçavam transbordar a prisã o de seus braços, cintura
ina, quadris exuberantes e calcinha de algodã o branco com um
pequeno laço no meio.
Deletar, deletar, deletar. Ele fechou os olhos com força enquanto
tentava apagar a imagem de sua mente. Mas isso fez os sons do outro
lado da porta do armá rio icarem mais altos.
Respiraçã o pesada. Sons de beijos molhados. Mã os arrastando
tecido. O zzzzip das calças sendo desabotoadas. Oh merda, eles estavam
fazendo o que ele pensava que estavam fazendo?
Ele olhou atravé s das ripas e viu o casal entrelaçado no chã o. Ele nã o
reconheceu a mulher, mas seus cabelos loiros a marcaram como amiga
da famı́lia. Com seus cachinhos estilo anos 80 e jaqueta de couro
vermelha, o homem nã o podia ser confundido como ningué m alé m de
seu primo Van. Talvez ele estivesse perseguindo seu quarto casamento
agora. Khai nã o tinha ideia de como aquele look funcionava tã o bem
para seu primo.
Os dois gemeram simultaneamente antes de seus corpos começarem
a se contorcer ritmicamente.
Droga.
Khai se afastou das ripas, mas entã o estava olhando para Esme
novamente. A luz derramou em listras atraentes sobre sua pele macia,
delineando o comprimento do pescoço, a curva madura do peito e...
Regra número seis.
Ele cobriu os olhos com uma mã o e desejou estar em qualquer outro
lugar do mundo. Ele já teve o su iciente para pensar sobre Andy, fazer
as pessoas chorarem e desejar Esme.
A Antá rtica seria uma boa mudança de ritmo. Picos de montanhas
glaciais, extensõ es á ridas de neve intocada, vazio, calma, a pequenez do
homem -
— Oh. Wow. Wow — a mulher gritou. — Wowieeeee!
O foco de Khai quebrou e ele afastou a mã o dos
olhos. Wowie? Sé rio? O que diabos Van estava fazendo lá fora?
Um som sufocado atraiu sua atençã o antes que ele pudesse espionar
o casal novamente, e ele encontrou os ombros de Esme tremendo
enquanto ela ria na palma da mã o. Ele supô s que era meio engraçado,
mas ele nunca ria junto com ela. Ela afastou um braço do peito e ele
jurou que quase podia ver um dos mamilos dela. Ele nã o tinha certeza
com todas as sombras, mas havia uma parte mais escura...
Inferno. Ele estava no inferno.
Ele olhou para a parede, tentando ao má ximo nã o responder ao pornô
ao vivo, tanto fora quanto dentro do armá rio. Era impossı́vel. Os gritos
da mulher icavam mais altos. Esme faz esses sons? Ele esperava que ela
nã o dissesse wowie. Mas outra coisa. Como talvez... o nome dele. Seu
corpo inteiro endureceu com o pensamento, e sua pele icou
ultrassensı́vel. Seu pulso acelerou. Ele tentou colocar mais espaço entre
eles, mas a lateral do armá rio o deixou com pouco espaço. Nã o havia
escapató ria.
Quanto tempo isso poderia durar? Van e sua mulher estavam
tentando estabelecer algum tipo de recorde mundial?
Eventualmente, os barulhos chegaram a uma crescente horrı́vel e
depois se acalmaram. Van se levantou bê bado e ajudou a parceira a se
levantar. Eles ajeitaram as roupas com uma conversa desconfortá vel e
desapareceram. Khai esperou uma contagem de sessenta antes de abrir
a porta do armá rio e sair. Ele respirou fundo e o ar cheirava a - nã o, ele
nã o ia pensar em como cheirava o ar. Um arrepio involuntá rio o
percorreu.
Esme o seguiu para fora do armá rio, as bochechas avermelhadas em
um fantá stico brilho de lagosta e foi buscar seu vestido verde e sapatos
- ele pensou que eles pareciam familiares. De costas para ele, ela vestiu
o vestido e puxou-o para cima. As costas de uma mulher nã o eram uma
das partes restritas do corpo mencionadas nas notas de rodapé das
Regras, entã o ele se deixou olhar. Mas ainda parecia uma quebra das
regras. A curva na base da sua coluna vertebral era uma das coisas mais
elegantes que ele já vira.
— Me ajuda? — Ela perguntou, olhando para ele por cima do ombro.
Seus pé s o levaram até ela por conta pró pria. Quando seu coraçã o
bateu forte nos ouvidos, ele se atrapalhou com o zı́per e puxou-o pela
linha graciosa das costas dela, cobrindo sua pele perfeita. Quando ele
terminou, ela se virou e seus olhos se encontraram.
— Eu queria usar o vestido de noiva — ela sussurrou. — Mas eu nã o
consegui alcançá -lo.
Ele olhou para o vestido de noiva pendurado na haste da cortina. Sim,
ela era de initivamente muito pequena para isso. — Você quer que eu o
pegue para você ?
Um sorriso apareceu em seu rosto, um daqueles sorrisos de tirar o
fô lego, que deixavam seus olhos mais verdes. Ele causou aquele
sorriso. O conhecimento enviou calor derretendo atravé s dele, melhor
do que um grande sué ter fresco da secadora.
— Por que você está sorrindo? — Ele perguntou.
O sorriso dela aumentou. — Você nã o riu.
— Por que eu deveria?
Ela levantou um ombro. — Onde você foi? Eu procurei em todos os
lugares por você .
— Eu dei um passeio lá fora. Para limpar minha cabeça. Eu nã o sou...
bom com pessoas. — E o salã o de banquetes e o hotel pareceram
sufocantes. Depois que ele percebeu o que estava faltando, começou a
notar todos os lugares onde Andy deveria estar. Tomando uma bebida
no bar, em pé com os padrinhos, ao lado de Khai...
— Eu també m nã o sou boa com as pessoas — disse ela.
Isso foi uma revelaçã o para Khai, e quando ele a olhou, suas
imperfeiçõ es se destacaram pela primeira vez. Uma das sobrancelhas
dela era mais arqueada do que a outra. O nariz dela nã o era tã o reto
quanto ele pensara. Lá , no lado esquerdo do pescoço, uma pequena
marca de nascença. Ela nã o era uma imagem com photoshop em uma
revista. Ela era uma pessoa real, com falhas. Estranhamente, isso a
deixou mais bonita. Ela també m era esperta à sua maneira estranha,
com uma sensaçã o de justiça que ressoava na dele. Ela nã o era nada do
que ele pensara no começo.
Ela deu um passo em sua direçã o e, quando mordeu o lá bio inferior,
os olhos dele acompanharam o movimento, hipnotizados pela maneira
como seus dentes brancos arranhavam a pele vermelha. E se ele se
inclinasse e a beijasse?
Ela deixaria? Como seria unir suas bocas? Sentir aqueles lá bios
vermelhos contra os dele? Para aprofundar e reivindicar-
Algo roçou levemente contra sua mã o.
Frio. Inesperado. Errado.
— O que diab… — Ele se afastou no re lexo, muito rá pido e
violentamente, e ela se assustou e se afastou dele com os olhos
arregalados.
— Desculpe. — Ela disse enquanto abraçava a mã o no peito. Ela o
tocou, talvez para dar as mã os, e ele a assustou. Ele odiava assustar
pessoas.
Explicaçõ es estavam empilhadas na sua lı́ngua, mas ele nã o sabia por
onde começar. Ele nem sabia se deveria se incomodar. Qual era o
objetivo? Depois desse verã o, eles nunca mais se veriam.
A impressã o do toque dela permaneceu em sua pele, brilhante e
desagradá vel, e ele sabia por experiê ncia pró pria que a sensaçã o nã o
desapareceria por mais um dia. Toques leves faziam isso, e foi pior
quando as pessoas o pegaram de surpresa. Como ela tinha. Se ela o
avisasse, e se o tocasse da maneira certa, talvez... Ele balançou a cabeça
em seus pensamentos. Nã o tinha talvez.
O incidente de hoje com Sara con irmou que ele nã o era destinado a
relacionamentos. Como esse era o caso, ele nã o podia incentivar o
toque. E se - ele nã o sabia - eles explorassem essa atraçã o entre eles, e
ela se apaixonasse por ele? Seria terrivelmente irresponsá vel da parte
dele, nã o? Ele nunca poderia amá -la de volta. Ele apenas a
machucaria. E ele nunca quis fazer isso. Ela deveria ser feliz.
Quando ele esfregou a mã o contra a perna da calça, em um esforço
para atenuar a sensaçã o, ela assistiu o movimento com um aperto nos
lá bios.
— Se você quer comer bolo e dançar, eu nã o me importo de esperar
por você aqui. — Mas ele nã o iria se juntar a ela. Ele terminou com
aquela sala de banquetes. E talvez fosse covarde, mas ele nã o queria
mais ver Sara chorando.
— Nã o, nã o, vamos lá . — Ela deu um sorriso para ele e caminhou
e icientemente da sala.
Enquanto caminhavam pelos corredores luxuosos do hotel, Khai
estava muito consciente de que ela nã o descansou a mã o na dobra do
braço dele. Ela mantinha uma distâ ncia saudá vel entre eles, e ele nã o
conseguia decidir se estava decepcionado ou aliviado. Ele
honestamente nã o tinha gostado antes, mas gostava disso ainda menos.
O chã o tremia com um ritmo baixo quando eles passaram pelas
portas do salã o de banquetes onde a recepçã o estava ocorrendo. A
dança começou. Isso signi icava que o jantar terminara, o bolo de
casamento cheio de frutas havia sido comido, os discursos falados e o
casamento estava basicamente pronto.
Andy tinha perdido tudo.
Ele deveria estar aqui. Ele provavelmente teria sido um padrinho de
casamento. Se nã o, ele de initivamente teria sido um planejador. Ele
teria sentado ao lado de Khai durante a cerimô nia e recepçã o. Ele daria
um discurso que envergonharia Sara e faria todo mundo rir. Agora, ele
estaria lá dançando porque era o casamento de Sara e ele era esse tipo
de irmã o.
O fato de ele não estar lá dançando fazia peso nos ombros, pulmõ es e
pé s de Khai. Ele puxou a gola novamente porque estava estrangulando-
o. Pelo menos ele sabia o que estava errado agora. Era o senso de
ordem dele. As coisas nã o estavam no seu devido lugar.
Era muito importante para ele ter as coisas em seu devido lugar.
•••
•••
Esme amou o supermercado asiá tico 99 Ranch. Era como se eles
tivessem recolhido um pouco de casa e plantado do outro lado do
oceano. Os trabalhadores eram todos chineses, mas os alimentos eram
familiares. Ela conhecia esse cheiro de peixe. Ela estava animada para
comer o doce de tamarindo picante que tinha encontrado no corredor
da saı́da. Na caixa registradora, o processo foi rá pido e indolor. Ela
entregou ao caixa uma nota de vinte, e ele deu-lhe o troco sem dizer
uma ú nica coisa. Nenhuma traduçã o necessá ria. Todo mundo pertencia
a esse lugar.
Ela carregou suas sacolas plá sticas para fora e admirou a motocicleta
azul estacionada perto das portas da frente da loja. Ela gritou de alegria
quando a encontrou hoje cedo. Durante toda a semana passada, ela
passou por aquela porta na cozinha de Khai sem veri icar o que havia
do outro lado. Ela estava muito ocupada limpando e planejando
maneiras de entrar no coraçã o e nas calças de Khai.
Esta manhã , ela girou a maçaneta da porta por acidente quando a
confundiu com a porta da despensa e percebeu que estava
destrancada. Depois de abri-la, ela acendeu a luz e descobriu uma
garagem espaçosa, vazia de qualquer coisa, exceto algo coberto por
lona no meio. Pelo tamanho e formato, suspeitava que fosse uma
motocicleta e, quando levantou a lona, nã o se decepcionou.
Transporte. Como ela nã o gostava de pedir carona à s pessoas sempre
que queria ir a algum lugar, ela icava em casa, mas nã o gostava de icar
presa e abandonada sempre que Khai precisava ir a algum lugar sem
ela. Havia um sistema de ô nibus local, mas isso era intimidador e
provavelmente lento com as diferentes rotas e conexõ es de ô nibus. Uma
motocicleta, por outro lado, poderia levá -la aonde ela quisesse
diretamente.
Nã o importava que estivesse um pouco arranhada e machucada,
quando ela girou as chaves convenientemente na igniçã o, ela começou a
funcionar. Ela se apressou para pegar sua bolsa e fechar a porta, e entã o
saiu enquanto possibilidades surgiam em sua mente, maneiras de
surpreender Khai e torná -lo viciado nela. A primeira coisa que lhe
ocorreu foi comida. Ela poderia fazer algo fresco e nutritivo como sopa
de bexiga natató ria.
Sentindo-se esperançosa e cautelosamente feliz, ela colocou a bolsa e
os mantimentos recé m-comprados - incluindo as bexigas de natató rias
de vinte peixes - na parte de trá s da motocicleta, puxou o capacete e
saiu. Havia algo de especial no ar enquanto ela dirigia para casa. As
casas e lojas pareciam mais bonitas e a grama mais verde.
Quando ela virou para a Central Expressway e seguiu para o oeste,
altos pinheiros abraçavam os dois lados da rua e ocupavam a á rea
central, que separava o trá fego em faixas de entrada e saı́da. Engraçado
como as á rvores eram tã o altas, mas elas a faziam se sentir maior - por
dentro, onde contava. Ela sorriu enquanto passava esquina apó s
esquina. Ela logo chegaria em casa e depois faria o café da manhã
de Khai. Depois disso, ela terminaria de limpar o jardim da
frente. Agora que ela tinha uma motocicleta, podia ir à loja e comprar
coisas como sementes de grama e lores frescas. Ela poderia deixar o
quintal dele muito legal.
Quando a esquina da casa de Khai se aproximou, ela ligou o pisca-
alerta direito, mas antes que pudesse mudar de faixa, um carro
prateado vindo da outra direçã o derrapou. Pneus guincharam e fumaça
subiu do asfalto. Parecia assustadoramente o carro de Khai, e quando a
porta se abriu, um homem disparou e nã o poderia ser ningué m alé m do
pró prio Khai.
Sobre o rugido do motor da motocicleta, ela o ouviu gritar:
— Pare. Saia. Saia agora!
Seu coraçã o pulou na garganta e sua boca icou seca. Foi a polı́cia? Em
que tipo de problema ela poderia estar? Ela diminuiu a velocidade e
parou ao lado das linhas da rua, como ele havia feito.
Ele correu em sua direçã o.
— Saia da moto. Depressa.
Assim que ele chegou perto o su iciente para ela registrar o terror em
seu rosto geralmente calmo, ela começou a tremer. Tinha que haver
algo errado com a motocicleta. Ela ia explodir?
Ela arrumou o suporte com um pé trê mulo, mas antes de conseguir
sustentar a bicicleta, Khai agarrou-a pelos braços e a levantou do
assento. A motocicleta caiu ao seu lado, enviando suas coisas por todo o
asfalto e grama irregular.
Seu cabelo estava arrepiado com mechas selvagens e seu rosto era
uma má scara de fú ria. Ela nunca imaginou que ele poderia icar tã o
bravo. Sem parar para respirar, ele disse:
— Por que você andou de moto? Por que você andou nela? Eu nunca
disse que você podia andar de moto.
Seu tremor piorou a ponto de nã o poder se mover.
— Desculpe. Eu acabei de sair...
Ele a conduziu pela grama em direçã o ao carro.
— Vamos lá .
— Mas eu comprei comida. Caiu tudo no chã o. E a moto. Algué m vai
roubar. Eu levo de volta...
— Fique. Longe. Da. Moto — ele rosnou.
Uma vez que ela entrou no carro, ele puxou o cinto de segurança
sobre ela e o a ivelou, dando um puxã o forte para se certi icar de que
estava apertado.
Ela se encolheu quando ele bateu a porta, e depois que ele marchou e
se jogou em seu assento, ela pigarreou e disse: — Minha bolsa. Meu
dinheiro. Está ali, e eu preciso...
Ele saiu do carro e atravessou a rua para se agachar ao lado da
motocicleta, mas em vez de soltar a bolsa dela da moto, ele apertou um
punho na testa e permaneceu assim por vá rios momentos. Os carros
passavam rá pido. Um diminuiu a velocidade e depois acelerou. Outro
motorista abaixou a janela e perguntou se precisá vamos de ajuda.
Khai balançou a cabeça e gritou em tom lacô nico:
— Nã o, obrigado.
A medida que o carro se afastava, ele estendeu a mã o, girou a chave
fora da igniçã o da motocicleta, e guardou no bolso. Entã o ele pegou sua
bolsa e voltou para o carro.
O caminho de volta para sua casa levou dois minutos. Esme sabia
porque ela passou o tempo todo olhando para o reló gio e esperando ele
falar, mas ele nã o falou. A garagem estava vazia, mas ele estacionou no
meio- io como de costume.
Ela o seguiu até a porta da frente, sem saber o que dizer ou o que
fazer. Quando ele abriu a porta, ela entrou e tirou os sapatos, esperando
que ele izesse o mesmo, mas ele se virou sem dizer uma palavra e
começou a andar pela rua. Para pegar a motocicleta, ela percebeu.
— Você quer que eu vá com você ? — Ela perguntou.
Sem resposta. Ele simplesmente continuou andando, ombros retos e
costas retas, parecendo um assassino em sua ú ltima missã o.
Ela observou até que ele desapareceu na esquina e depois fechou a
porta e cedeu contra ela. Seu batimento cardı́aco diminuiu
gradualmente, mas seu rosto permaneceu quente com uma mistura
intensa de vergonha e confusã o.
Ela nã o deveria ter pegado a motocicleta sem perguntar. Mas ele era
tã o tranquilo com o resto de suas coisas que ela nã o tinha pensado que
era uma grande coisa.
Por que foi uma grande coisa para ele? Por que ele a manteve na
garagem sem usá -la? Havia espaço su iciente para a motocicleta e o
carro. Por que ele estacionava do lado de fora?
Por que ele estava tã o bravo?
Nã o importava o que fosse, ela tinha que compensá -lo e poderia
começar a fazer isso imediatamente. Ela entrou na garagem, pegou a
escada que tinha visto antes e a levou para a varanda da frente. Havia
tantas folhas entupindo a sarjeta que ela temia que caı́ssem e
atingissem algué m na cabeça. També m era feio. Depois de posicionar a
escada o mais está vel possı́vel, ela subiu e jogou um punhado de folhas
no chã o. Ela havia limpado uma boa parte da sarjeta
quando Khai chegou caminhando com a motocicleta pela entrada da
garagem, a devolveu ao seu lugar e caminhou em sua direçã o.
Suas sacolas plá sticas de mantimentos estavam penduradas nos
dedos dele, mas ele as deixou cair no chã o enquanto se aproximava e
agarrava a escada, olhando para ela com uma profunda carranca no
rosto.
— O que você está fazendo?
Ela jogou outro punhado de folhas para baixo.
— Há muitas folhas aqui.
— Desça — disse ele com irmeza. — Nã o é seguro.
— Mas eu nã o terminei. Espere um pouco...
— Agora, Esme. — As palavras saı́ram nı́tidas, mais altas do que ela
esperava, e seu pé escorregou na escada.
Ela se agitou impotente por um segundo de parar o coraçã o, mas
conseguiu segurar a sarjeta para nã o cair. Com o rosto pressionado no
metal sujo, ela sussurrou graças ao cé u e a Buda. Aquela queda teria
quebrado sua bunda.
— Por favor. Desça agora. — Ele disse em tom monó tono.
No instante em que seus pé s tocaram o chã o, ele virou a escada de
lado e a levou de volta para a garagem.
Ela jogou as mã os para o alto e o seguiu.
— Por que você está fazendo isso? Ainda nã o terminei. — Ela ainda
tinha grande parte da sarjeta para limpar e odiava deixar algo
inacabado. Sem pensar, ela agarrou o ombro dele e disse: — Anh Khai,
coloque de volta...
Ele se virou instantaneamente e passou um braço sobre o peito para
poder esfregar o ombro que ela tocou.
— Você tem que parar com isso.
— Eu vou terminar mais tarde, entã o, mas...
— Ningué m vai terminar nada. Você . Precisa. Parar. Com. Isso. Você .
Entende? Você . Precisa. Parar.
O lá bio inferior dela tremeu com a pronú ncia lenta e exagerada.
— Você nã o precisa falar assim. Eu entendo você .
Ele fez um som frustrado.
— Você nã o entende. Você tem reorganizado minhas coisas de
maneira ridı́cula, cortando á rvores com um cutelo, tocando aquela
motocicleta, me tocando. Tudo isso tem que parar. Nã o posso viver
assim.
Quando o signi icado das palavras fez sentido os ombros de Esme
caı́ram.
— Ridı́cula? — Ela repetiu em inglê s. Isso nã o parecia bom.
Ele passou as duas mã os pelos cabelos.
— Sim.
Ela olhou para o gramado meio limpo e limpou as mã os sujas nas
calças enquanto seu coraçã o se encolhia e seu rosto
queimava. Ridícula. Se ela fosse mais elegante, saberia o que isso
signi icava. Agora que ela pensava nisso, provavelmente nã o era muito
elegante para ela fazer o trabalho no quintal ou limpar a casa dele ou
qualquer uma dessas coisas. Esme da Contabilidade provavelmente
contrataria pessoas para fazer esse trabalho. Mas a verdadeira Esme,
a camponesa Mỹ que sempre cheirava a molho de peixe, só queria ser
ú til. Ela nã o tinha pensado em como pareceria.
Ela estava envergonhando ele e ela mesma todo esse tempo?
— Eu vou parar. — Ela se fez dizer.
— Sé rio? — Ele perguntou, soando tã o esperançoso que fez seu
orgulho doer ainda mais.
Ela assentiu. — Eu prometo que vou parar agora. — Ela teria
apertado sua mã o, mas ele incluiu tocá -lo na lista de coisas que tinham
que parar. Ela enxugou as palmas das mã os na calça novamente, mas
algo lhe disse que o que mais o enojava nã o era algo que ela pudesse
lavar.
CAPÍTULO ONZE
DICIONARIO PORTUGUÊS
Ridículo: que provoca riso, escárnio ou zombaria.
DICIONÁRIO VIETNAMITA
Absurdo: đáng cười
•••
Esme cruzou os braços contra o peito enquanto uma mulher fazia sons
calmantes para um bebê chorã o e caminhava para frente e para trá s
atravé s da sala de espera. O rosto do bebê estava vermelho e choroso
por vá rios minutos de choro intenso, e isso fez os braços de Esme
doerem para segurar sua pró pria garota. Jade nunca icou tã o doente,
felizmente, mas Esme icou. Lembrou-se de quando a febre e a dor
estavam em seu pior estado, disse a Jade para manter distâ ncia, para
nã o icar doente també m, e Jade caiu no choro.
— Nã o chore. — Esme disse.
— Nã o estou chorando porque estou com medo de icar doente — a
garota respondeu. — Estou chorando porque te amo.
A saudade de Esme por sua ilha tornou-se insuportá vel, e ela se
ofereceria para segurar o bebê dessa estranha se seu tornozelo nã o
estivesse inchado duas vezes mais que seu tamanho normal e apoiado
entre um travesseiro e com uma bolsa de gelo por cima.
Quando Khả i marchou pela porta da sala de espera, todo o seu corpo
icou rı́gido. Ver um fantasma teria feito mais sentido para ela. O que ele
estava fazendo aqui? Por que ele veio? Quando ele atravessou a sala e se
agachou na frente dela, franzindo o cenho, ela nã o tinha ideia do que
pensar. Ele ia gritar com ela?
— O que aconteceu? — Ele perguntou. — O mé dico já viu você ? O que
eles disseram?
— Eu dei mal jeito na escada. O mé dico acha que está torcido. Ele está
esperando o raio-x.
Ele ergueu a bolsa de gelo do tornozelo inchado dela e sua carranca
se aprofundou. — Você consegue mexer o pé ? — Quando ela o mexeu,
ele disse: — Para cima e para baixo? Para os lados?
Uma porta se abriu e uma enfermeira gritou: — Esmeralda Tran.
Esme levantou-se e preparou-se para mancar para a sala de exames
como antes, mas antes que seu pé machucado pudesse tocar o chã o, a
terra girou. Ela se viu aninhada nos braços de Khai como uma heroı́na
em um ilme, e seus mú sculos icaram tensos.
— Você nã o precisa me carregar. Eu posso andar. Eu sou pesada.
Ele revirou os olhos e seguiu a enfermeira pelos corredores. — Você
nã o é pesada. Você é uma humana pequenina.
— Eu nã o sou 'pequenina'. — Mas ela nã o podia colocar muita
indignaçã o nas palavras. Seu aperto sobre ela estava seguro, e ele nã o
estava respirando pesado. Ele a fez se sentir segura. E pequenina. Ela
adorou. Em casa, sua mã e e avó sempre pediam que ela pegasse as
coisas da prateleira superior ou carregasse os pacotes pesados, porque
ela era muito maior do que elas.
Khai nã o achava que ela era muito grande.
— Você pode colocá -la lá . — A enfermeira indicou a cama de exame
coberta de papel. Ao sair da sala, a enfermeira disse: — Otimo
namorado que você tem. O mé dico chegará em breve.
Namorado. A enfermeira se foi antes que qualquer um deles pudesse
corrigi-la, e uma vez que Khả i a colocou no chã o, ela ixou sua atençã o
na imagem de ossos e mú sculos na parede. — Obrigada por… — Ela
acenou para o tornozelo, que ele cuidadosamente posicionou na cama
de exame.
Ele deu de ombros e sentou-se em uma cadeira contra a parede. —
Você nã o deve andar por um tempo.
— Nã o é ruim. — Agora. Mas havia doı́do terrivelmente antes. Ela
pensou que estava quebrado e entrou em pâ nico. Ela claramente falhou
com Khả i. Se ela nã o pudesse trabalhar, Cô Nga a enviaria de volta para
o Vietnã mais cedo? Ela nã o podia ir para casa ainda. Ela ainda
precisava procurar pelo pai. Esfregando o braço desconfortavelmente,
ela perguntou: — Por que você veio?
Ele deu a ela um olhar engraçado. — Você está machucada.
As coisas entraram em colapso em seu coraçã o, e ela desviou os olhos
dele e olhou para as mã os no colo. Ele veio... para icar com ela?
Que conceito estranho.
Enquanto crescia, era esperado que ela se cuidasse. A mã e e a avó
estavam sempre ocupadas trabalhando, e se ela estava magoada ou
doente, era melhor cerrar os dentes e lidar com isso sozinha. Esse era
ainda mais o caso agora que ela tinha Jade. Quando ele mexeu na bolsa
de gelo e a reposicionou contra o tornozelo, ela se sentiu mais cuidada
do que nunca.
— Eu estou bem. — Disse ela.
— Espero que sim.
Uma batida soou na porta e o mé dico entrou - o mesmo de antes. Ele
era extremamente bonito, com feiçõ es escuras, altura acima da mé dia e
um nome indiano que ela nã o sabia pronunciar. Navneet Alguma
Coisa. Ele segurava um raio X preto nas mã os.
— Boas notı́cias, Esmeralda. Sem fratura. Se você mantê -lo
compactado, elevado e gelado, deve estar melhor em poucas semanas.
O corpo de Esme relaxou de alı́vio. — Otimo. Obrigada.
— O prazer é meu. — O mé dico deu um sorriso de dentes brancos
para ela quando pegou um cartã o de visita do bolso e o entregou a
ela. — Nã o é sé rio o su iciente para precisar de outro exame, mas se
você quiser se encontrar depois do expediente um dia desses, icaria
feliz em dar outra olhada.
Esme aceitou o cartã o de visita e virou para ver outro nú mero de
telefone rabiscado na parte de trá s. Quando o olhar dela saltou de volta
para o rosto dele, ele piscou para ela.
Khai levantou-se entã o, e olhos do mé dico se arregalaram quando ele
percebeu a altura de Khai, suas roupas escuras, e o olhar intenso que a
fez pensar de assassinos a guarda-costas.
— Eu sinto muito. Eu nã o notei você aqui. — Disse o mé dico.
— O que você quis dizer com 'depois do expediente'? —
Khả i perguntou com seriedade.
O mé dico engoliu em seco. — Signi ica... o que ela quiser que
signi ique. — Ele se encaminhou para a porta. — Nosso atendimento
ica por aqui. Vou mandar a enfermeira vir para enrolar o tornozelo. —
Com um ú ltimo sorriso, ele saiu.
Khai fez uma careta para a porta fechada e pegou o rolo de tecido que
mé dico havia deixado para trá s. — Eu posso fazer isso. Eu sei como.
Entã o ele a chocou, levantando a perna e enrolando o pano em torno
do tornozelo e do arco do pé . Seu aperto era irme, mas ele nã o a
machucou. Os dedos quentes dele eram gentis contra sua pele gelada da
panturrilha, do calcanhar e da ponta do pé , provocando arrepios na
perna.
Quando ela recuperou o fô lego, ele olhou para ela. — Está muito
apertado?
Ela estava muito distraı́da para falar. Ele estava tocando seu pé feio, e
ele nã o estava se afastando ou limpando as palmas das mã os nas
calças. Em vez disso, ele a segurou como se ela fosse preciosa. Era uma
sensaçã o inebriante ter sua linda mente focada inteiramente nela,
mesmo que fosse apenas no tornozelo.
Atrasada, ela respondeu: — Nã o, nã o está muito apertado.
Ele voltou sua atençã o para o tornozelo dela, e as bordas do cartã o de
visita pressionaram a pele de Esme enquanto ela apertava os dedos. Ela
queria tocar seu rosto, as linhas pensativas de seu per il, sua testa, sua
mandı́bula, a ponte a iada de seu nariz, seus lá bios tã o beijá veis...
— Isso deve servir. — Disse ele, e quando ele afastou as mã os, ela viu
que ele tinha enrolado seu tornozelo ordenadamente e segurado a
ponta com um fecho de metal. — Se você começar a perder a
sensibilidade nos dedos dos pé s, avise-me, e eu vou afrouxar.
— Ok, obrigada, Anh.
— Pronta para ir?
Ela assentiu e deixou as pernas caı́rem sobre a beira da cama, com a
intençã o de icar de pé , mas, novamente, ele a pegou nos braços e a
levou para fora do quarto.
— Eu posso andar. — Ela sussurrou.
— E melhor se você nã o andar. Nã o me importo de carregar você .
Depois disso, ela nã o protestou. Ela també m nã o se importava que ele
a carregasse. Ningué m a segurava assim desde que ela era
criança. Enquanto eles andavam pela clı́nica, no entanto, ela apertou as
mã os e manteve os braços tensos. Ela nã o conseguia esquecer como ele
respondera cada vez que o tocara no passado. Ela nã o queria estragar
isso. Ou surpreendê -lo e ele deixá -la cair.
Depois de colocá -la na recepçã o brevemente para pagar sua visita -
ela nã o sabia quanto custava, porque ele entregou o cartã o de cré dito à
recepcionista antes que ela pudesse mostrar a conta a Esme - ela foi
levada para fora e a ivelada ao carro dele. Sonolenta, ela viu as luzes
piscarem enquanto ele voltava para sua casa.
Ele quebrou o silê ncio, perguntando: — Em que escada você estava
quando caiu? Nã o há nenhuma no restaurante da minha mã e.
Com a pergunta dele, a adrenalina aumentou, e o suor frio enevoou
sua pele. — As escadas do outro lado da rua.
Por favor, não pergunte mais.
— A da escola para adultos?
Ela tentou afundar na cadeira e passou as pontas dos dedos pelo
corrimã o da porta. — Eu gosto do seu carro. De que tipo é ?
— E um Porsche 911 Turbo S.
— Por-sha — ela repetiu. — Esse é um nome bonito.
Ele deu de ombros e disse: — Acho que sim.
Os mú sculos dela relaxaram. Ela conseguiu distraı́-lo.
Mas quando ele estacionou em frente à sua casa, ele nã o saiu do carro
imediatamente. — O que você estava fazendo na escola de adultos?
Ela se contorceu no banco e moveu as pernas. Suas roupas icaram
ú midas sob os braços e os cabelos grudados no pescoço. Todos os seus
esforços seriam inú teis se ele descobrisse sobre eles.
— Você estava...
Antes que ele pudesse completar a pergunta, ela abriu a porta e
saiu. Ela mancava um quarto do caminho até a entrada da garagem
quando o carro apitou e ele apareceu atrá s dela.
— Você realmente nã o deveria estar andando ainda — disse ele. —
Deixe-me carregá -la.
Ela nã o precisava disso. O tornozelo dela já estava muito melhor. Mas
ela assentiu de qualquer maneira.
Ele lhe deu as chaves e a pegou como se ela fosse uma - humana
pequenina. Depois que ela abriu a porta da frente para ele, ele a
carregou para dentro, e ela se divertiu com a proximidade dele. Se ela
se inclinasse um pouco para frente, poderia beijá -lo. Isso
provavelmente o assustaria, no entanto.
Sem beijos. Sem toque.
No entanto, as pontas dos dedos dela coçavam para acariciar sua
mandı́bula levemente raspada e as cordas fortes do pescoço. Como
seria passar os dedos pelos cabelos dele? Os ios eram mais grossos e
escuros do que os dela, e algumas das mechas desiguais caı́am sob o
queixo dele. Ela se deteve antes de tocar as pontas.
— Você precisa de um corte de cabelo.
Ele lhe lançou um olhar irô nico. — Eu sei.
— Eu posso fazer isso. Eu sei como. Eu costumava cortar o cabelo dos
meus primos. Eu sou boa nisso. — Ela disse, mas depois prendeu a
respiraçã o. Cortar o cabelo em casa era muito desagradá vel para
ele? Talvez ela nã o devesse ter oferecido.
Ele parou no corredor e a considerou. — Você cortaria meu cabelo
para mim?
— Claro.
— Você tem que fazer de uma certa maneira.
— Me mostre uma imagem. Se eu ver, eu consigo.
Parecia que ele queria dizer mais, mas ele a carregou para o quarto
dela. Depois de colocá -la no sofá , ele perguntou: — Você pode cortar
meu cabelo amanhã de manhã ? Por favor?
Ela mordeu o lá bio, mas isso nã o impediu o sorriso largo de se
espalhar pelo rosto. — Ficarei feliz em cortá -lo.
Ele assentiu. — OK. Obrigado.
— Como é que você gosta? Você tem uma foto?
Ele passou a mã o pelo cabelo. — Vou deixar o estilo para você . Eu só
quero mais curto.
— Eu posso escolher?
— Sim, claro. — Ele sorriu levemente enquanto en iava as mã os nos
bolsos e passeava sem rumo pela sala, parando na mesa. Um olhar
pensativo cruzou seu rosto, e ele pegou algo da superfı́cie da mesa. A
fotogra ia do pai dela. — Quem sã o essas pessoas?
Ela se concentrou no tornozelo machucado e mexeu os dedos
algumas vezes. — Minha mã e e meu pai.
As sobrancelhas dele se arquearam quando ele olhou para ela. — Ele
foi para Berkeley.
Ela respirou e soltou. — Acho que sim, mas nã o tenho certeza. Eu
nunca o conheci.
— Oh. — Khả i virou a foto para inspecionar as costas, mas ela sabia
que nã o havia nada escrito lá .
— Você acha que se formos lá , eles podem me ajudar a encontrá -lo?
— Para Berkeley? — Ele perguntou.
Ela assentiu.
Ele encolheu os ombros. — E possı́vel.
A esperança loresceu em seu peito. — Podemos ir... amanhã ? Depois
do corte de cabelo?
Ele hesitou um segundo antes de dizer: — Sim, tudo bem. Nó s
podemos ir.
Ela icou de pé , tã o feliz que queria abraçá -lo, mas apertou as mã os
em punhos e sorriu. — Obrigada, Anh Khả i.
Um sorriso estranho tocou sua boca. — Sim, claro. — Ele caminhou
em direçã o ao banheiro que ligava os quartos, mas parou com a mã o na
maçaneta da porta. — Lembre-se de retirar a bandagem quando tomar
banho. Vou enrolá -lo novamente quando você estiver pronta para
dormir.
— OK.
Quando ele saiu, ela levou um momento para admirar a bandagem do
tornozelo. Tinha sido perfeitamente enfaixado, nem muito apertado,
nem muito solto, com laços espaçados uniformemente. Entã o era assim
que Khả i cuidava de algué m.
Um sonho dele cuidando de Jade passou por sua mente. Se ele
quisesse, ele poderia ser tã o bom com sua ilhinha.
Mas Esme nã o tinha con iança que isso estava em jogo. Isso
nã o signi icava nada. Ela nã o deveria deixar isso ir à sua cabeça. Ele era
apenas uma boa pessoa. Ela estava trabalhando nisso, mas ainda era...
ela mesma. Surpreendentemente, a experiê ncia de sua vida anterior
como Mỹ seria ú til amanhã .
Ela pegou o telefone e vasculhou as fotogra ias de estrelas de cinema
e mú sicos até que imagens de homens bonitos estavam grudadas nas
costas de suas pá lpebras. Amanhã , ela daria a Khả i o melhor corte de
cabelo de sua vida.
CAPÍTULO DOZE
Finalmente!
•••
•••
•••
•••
Esme agarrou os cobertores com suas mã os enquanto ela lutava contra
a necessidade de tocar Khai. Seu rosto estava desenhado como se
estivesse com dor. Ela queria acalmá -lo, e entã o ela queria acariciá -lo
todo. Ele era magnı́ ico, todo poderoso, cheio de mú sculos e linhas
duras.
Era bom, tã o bom, e mesmo que ele nã o a tivesse tocado onde ela
precisava, ela estava dolorosamente perto. Ela arqueou as costas e se
contorceu contra ele, tentando encontrar o â ngulo perfeito, mas seus
movimentos apenas o in lamaram.
Seus impulsos aumentaram de velocidade e icaram mais rasos, e sua
boca se abriu quando ele empurrou bruscamente e trancou os quadris
juntos por vá rios batimentos cardı́acos. Pulmõ es arfando, ele a
beijou. Entã o ele saiu de dentro dela, saiu da cama e desapareceu no
banheiro.
Ela caiu na cama, incré dula. Foi isso? Certamente, ele tinha que voltar
logo. Seu sexo doı́a para ele voltar e terminar o que havia começado.
O chuveiro começou.
Ela se sentou e olhou para a porta do banheiro enquanto sua pele
esfriava. Ele realmente tinha ido embora. Ele se divertiu e agora estava
se lavando dela. Nã o fazia nem um minuto que ele terminou. Os lá bios
dela ainda estavam molhados dos beijos dele.
As lá grimas ameaçaram cair, mas ela as sufocou de volta. Ela nã o
sabia quanto tempo icou ali, olhando para a porta do banheiro. Podem
ter passado horas ou segundos, mas entã o inalmente ela pulou da
cama dele, juntou suas coisas e as jogou no chã o do seu quarto. Depois
de se sentar no sofá , ela abraçou a si mesma com força. Ela queria estar
com ele, e agora ela havia conseguido. Sua curiosidade foi satisfeita. Ela
disse a ele que nã o esperava nada, e foi isso que ele lhe deu. Nada.
Dor e raiva a atravessaram. Ela se concentrou na raiva.
Quando o chuveiro foi desligado, ela marchou para o banheiro. Ele
olhou para ela enquanto se enrolava na toalha. Depois de um segundo
constrangedor, ele levantou a toalha da coxa e secou o cabelo, expondo
seu belo corpo nu. Mú sculo de inido em seus braços que se enrolavam
quando ele esfregava a cabeça, ombros largos, barriga
irme, aquela parte dele, pernas fortes. Tudo perfeito para os olhos dela,
mas nã o para ela. Ele abriu um sorriso para ela, do tipo com covinhas,
mas o sorriso desapareceu quando ela o encarou com dureza.
Ela entrou no chuveiro e apertou os botõ es com agressividade. O que
havia de errado com ela que o sorriso dele ainda a derretia? Ela nã o
tinha nenhum respeito pró prio. Quando ela esfregou entre as pernas,
sua carne sensı́vel palpitava com a necessidade. Ele a beijou e a tocou
até que ela estivesse louca por ele e depois a abandonou. De novo.
Ele sempre a deixaria. Porque ela nã o era o que ele queria. Ela sabia
disso, mas se jogou nele de qualquer maneira.
Garota estú pida.
Quando a á gua a inundou e o calor afundou em sua pele, ela jurou que
tudo acabava aqui. Sem mais. Sem mais esperanças secretas, sem mais
seduçã o, sem mais se importar com ele. Ela cansou. Ela nã o era rica,
elegante ou inteligente, mas nã o era algo que você pudesse usar uma
vez e jogar fora. Ela tinha valor. Você nã o podia vê -lo nas roupas que ela
usava ou nas abreviaçõ es do nome ou ouvir na maneira que falava,
mas sentia isso, mesmo que nã o entendesse completamente de onde
vinha. Batia dentro de seu peito, grande, forte e brilhante. Ela merecia
mais que isso.
Fortalecida pela força de sua convicçã o, ela desligou a á gua, puxou
uma toalha nova para o peito e saiu do chuveiro.
Khai parou no meio de escovar os dentes e se virou para olhá -la,
deixando seu olhar percorrer sua pele nua. Era impossı́vel nã o notar
que ele estava duro novamente, e seu corpo traiçoeiro aqueceu em
resposta. Corpo estú pido.
Ela passou por ele e se trancou no quarto sem dizer uma palavra. Se
ela tentasse falar, ela choraria ou gritaria com ele. Depois de vestir
outra calcinha branca e vestir suas roupas de dormir, ela sacudiu os
cobertores e fez a cama no sofá . Sem mais compartilhamento de cama.
Quando ela empurrou as pernas para debaixo das cobertas, uma
batida soou em sua porta, e Khai entrou no quarto, vestindo um novo
par de boxers.
Ele esfregou o pescoço enquanto reparava nos cobertores no sofá . —
Você nã o vai dormir... no meu quarto? Como de costume?
— O sofá está bom.
Sua testa se enrugou, mas depois de um tempo, ele assentiu. — Tudo
bem entã o. Boa noite. — Piscando um sorriso para ela, ele fechou a
porta e seus passos retrocederam quando ele voltou para o quarto.
Ela socou o travesseiro antes de puxá -lo para baixo da bochecha e
abraçá -lo ao lado do corpo, como se fosse uma pessoa. Ela nã o
precisava dormir com ele. A raiva dela a acompanharia.
CAPÍTULO DEZESSETE
A primeira coisa que Khai viu na manhã seguinte foi a outra metade
vazia de sua cama. Sem Esme, nem mesmo uma ruga nos
cobertores. Era normal nã o querer a presença de algué m depois de
fazer sexo com ela? Ele nã o entendeu, especialmente quando ela tinha
pesadelos quando dormia sozinha, mas ele nã o sabia o que fazer alé m
de deixá -la em paz.
Ele sentou-se, pô s os pé s no chã o e passou os dedos pelos cabelos
curtos. Ele apagou - um ó timo sexo provavelmente fazia isso - mas tudo
parecia errado hoje. As paredes eram muito cinza, o quarto muito sujo,
sua cama muito grande. Até seu tapete parecia feio demais em torno de
seus pé s descalços, e sua suavidade nã o era su iciente para compensar
sua aparê ncia.
Esperando que a rotina resolvesse as coisas, ele realizou as tarefas
regulares da manhã de domingo. Ele se aprontou, engoliu uma barra de
proteı́na e levantou pesos, mas Esme nunca saiu do quarto. Ele sabia
por que a observava o tempo todo.
Depois de tomar banho, ele a encontrou sentada no sofá lendo um
livro com um desenho animado sendo exibido na TV. Ele pegou seu
laptop e se juntou a ela no sofá , pensando em trabalhar enquanto ela
estudava, mas assim que ele se sentou, ela se levantou e desapareceu
em seu quarto.
Que diabos estava acontecendo? Ela estava cansada dele agora que
eles izeram sexo? Ele nã o estava cansado dela. Na verdade, ele a queria
mais, nã o menos. Franzindo a testa, ele deixou o computador no sofá e
foi atrá s dela. Do lado de fora da porta, ele respirou fundo, abriu as
mã os para esticá -las e bateu.
A porta se abriu imediatamente depois disso, e Esme o encarou. Ela
usava sua camisa amarela escrita Em yêu anh yêu e shorts na altura
dos joelhos e tinha o cabelo em um rabo de cavalo desleixado com um
lá pis na orelha. Ela era tã o bonita que fez seu peito doer.
— Você está brava comigo? — Ele perguntou.
Seus lá bios a inaram quando ela olhou para ele.
— Por que você está agindo dessa maneira? — Ele a queria de volta
ao jeito que ela costumava ser.
Ela levantou o queixo, parecendo teimosa e o desejo perverso de
beijá -la aumentou. Ele quase agiu, mas parecia prová vel que ela o
mordesse. Exceto que seus olhos icaram vidrados e sua respiraçã o
acelerou. — Eu faço o que eu quero.
— Está com fome? Eu posso...
— Nã o, obrigada. — Ela fechou a porta na cara dele.
Ele olhou para a porta por um bom minuto. O que diabos estava
acontecendo? Ele... tinha feito algo errado? Ele nã o conseguia pensar
em nada. Houve o sexo, o que foi incrı́vel, e depois ele tomou banho
imediatamente, para nã o a sujar de suor. Isso exigiu um esforço
monumental desde que ele sentiu como se algué m tivesse atirado nele
com um calmante de hipopó tamo. O que aconteceu? Ele desejou
entender as pessoas.
Mas ele conhecia algué m que sabia. Porque ele era um humano ideal.
Ele pegou as chaves e saiu da casa. Foram necessá rios 45 minutos
para chegar ao bairro de Quan em Sã o Francisco e mais 15 minutos
para encontrar estacionamento na rua. Quando ele inalmente tocou a
campainha do lado de fora do pré dio do condomı́nio, nã o houve
resposta.
Ele tentou de novo.
Nada ainda.
Mais uma vez com sentimento.
Mais nada.
Resmungando consigo mesmo, pegou o telefone do bolso e discou
para o irmã o.
Quan atendeu no primeiro toque. — Eaaaaiii? — Ele perguntou, sua
voz grossa de sono.
— Estou do lado de fora do seu pré dio.
— Uau, o que? Algo está errado? Espere, eu estou indo. Espere um
segundo. — Uma voz feminina mais suave murmurou algo ao fundo, e
ele disse: — E meu irmã o. Volto já . — A chamada foi desconectada.
Khai chutou um pedaço de terra no concreto enquanto
esperava. Parecia que ele nã o era o ú nico que teve uma noite
agitada. Mas ele nã o achava que o encontro de Quan iria ignorá -lo e
evitá -lo o dia todo.
A porta da frente se abriu, revelando Quan em nada alé m de
tatuagens e um velho par de jeans. — Ei.
Por um momento, Khai icou tã o distraı́do com as tatuagens de Quan
que se esqueceu do porquê de ter vindo. — Quando você conseguiu
essas novas? Você tem planos para esse espaço vazio?
Quan coçou a caligra ia em redemoinho no lado direito, que
combinava com a arte de estilo japonê s à esquerda. — Vou deixar em
branco. Muita coisa boa e tudo.
— Você nã o acha que já passou da linha 'muita coisa'? — Khai
perguntou.
— Cale a boca. Minha bunda ainda está nua. Entre.
Khai entrou no pré dio e eles subiram o elevador juntos.
— Entã o, o que é isso? — Quan perguntou enquanto os nú meros no
mostrador digital aumentavam. — Você nunca me visita.
Khai esticou os dedos novamente antes de relaxá -los. — Eu iz sexo
ontem à noite. Com Esme.
Um sorriso gigante se estendeu sobre a boca de seu irmã o. — Sua
primeira vez, certo?
Khai assentiu secamente. Ele nunca disse a ningué m que era virgem,
mas é claro que Quan, com toda a sua excelente intuiçã o pessoal, sabia.
— Bom trabalho, irmã ozinho. — Quan estendeu a mã o e Khai bateu
com a sua por puro há bito. Entã o ele se sentiu ridı́culo.
— Você nã o se importa? Eu sei que você disse que estava interessado
e eu...
— Nã o, eu nã o me importo — disse Quan com uma pequena risada.
— Você é meu irmã o. Eu sempre vou pensar em você primeiro. Alé m
disso, eu gosto dela para você . Estou feliz que você tenha feito isso.
Khai encheu seu peito com um grande suspiro, aliviado por nã o ter
arruinado nada com seu irmã o por sua indecisã o, mas també m
estranhamente orgulhoso por Esme o ter escolhido em vez de Quan. Se
Khai fosse uma mulher, ele escolheria Quan, sem competitividade. —
Ela está agindo de forma estranha agora, e eu nã o sei o que fazer.
— Você quer dizer que ela está icando pegajosa e você quer que ela
pare? Isso acontece algumas vezes. Você tem que decepcioná -las
suavemente. O que eu faço é ...
— Nã o, nã o é isso. — Ele nã o se importaria que fosse pegajosa. Isso
seria melhor do que o que estava acontecendo agora. — Acho que ela
está brava comigo, mas nã o consigo descobrir o que há de errado. Ela
nã o vai me contar.
As sobrancelhas de Quan se ergueram. — Quando ela começou a agir
de maneira estranha?
— Eu acho... — Ele olhou para o lado enquanto procurava em suas
memó rias. — Acho que depois que nó s-, depois do sexo.
As sobrancelhas de Quan se ergueram ainda mais antes de sua
expressã o icar em branco. — Talvez seja isso entã o. Ela, você sabe, ela
gostou?
— Sim, essa parte foi fá cil.
— Sé rio... — disse Quan em tom seco. — Sua primeira vez fora do
portã o.
— Sim.
Quan lançou um olhar cé tico a Khai. — O que você é , o rei Midas dos
orgasmos? Eu tenho aperfeiçoado meu ofı́cio desde a oitava sé rie, e à s
vezes ainda nã o sei o que estou fazendo lá em baixo. As mulheres sã o
complicadas.
— Que complicaçã o? E sexo. Você junta os corpos, e a merda
acontece. E como o canal da natureza. — Ele se saiu mal na frente
emocional, mas acertou essa parte, caramba.
— Tenho certeza de que descobrimos o problema. — Disse Quan.
Khai en iou as mã os nos bolsos. — Diga-me, entã o. — Ele tinha
noventa e nove por cento de certeza de que Quan estava errado.
— Como você sabe que ela gozou?
O elevador apitou e, enquanto desciam um corredor estreito em
direçã o à casa de Quan, Khai pigarreou. — Ela fez sons. Aqueles tipos de
sons. — Sons muito bons.
— Mais alguma coisa? — Quan parou na porta e girou a chave na
fechadura.
— O que mais há ?
— Oh, pelo amor de Deus, entre e sente-se. — Quan abriu a porta do
seu apartamento de solteiro.
Khai entrou com cuidado, meio convencido de que encontraria
esperma nas paredes, mas era na maior parte
arrumado. De initivamente nã o havia esperma. Que ele podia ver. Se
você analisasse os sofá s de couro preto de perto, quem sabia o que você
encontraria. Ele nã o tirou os sapatos antes de seguir Quan até a
cozinha.
— Sente-se. Preciso melhorar minha ressaca. — Quan icou andando
pela cozinha moderna, quebrando os ovos no liquidi icador e
acrescentando suco de laranja. Depois de misturar a mistura com a
espuma, ele a derramou em um velho copo gigante de Slurpee e se
juntou a Khai na mesa da cozinha. — Quer um pouco? — Ele estendeu
para Khai.
Khai fez uma careta. — Nã o, obrigado. Você nã o tem Advil?
— Nã o, acabou. — Quan bebeu metade de sua mistura, largou a
xı́cara e limpou a boca com as costas da mã o. — Ok, de volta ao
sexo. Meu palpite é que ela nã o teve um orgasmo.
— Quais sã o os sintomas do orgasmo?
Quan caiu na gargalhada e bebeu mais da cura para a ressaca laranja.
— Só você falaria sobre orgasmo como se fosse uma doença.
Khai tamborilou com os dedos sobre a mesa. — Você pode continuar
com isso logo?
— Ok, ok, ok. — Quan respirou fundo antes de rir, balançar a cabeça e
coçar a nuca da manhã em sua mandı́bula. — Primeiro, ela - espere, nã o
seria incrı́vel se Michael estivesse aqui? Ele é um pro issional nessa
merda. Já sei, vamos ligar para ele.
— O que? Nã o. Você nã o pode me dizer?
Quan acenou com os dedos em direçã o aos bolsos de Khai. — Pegue o
telefone e ligue para ele. Ele pode concordar com o que eu digo, para
que você pare de olhar para mim como se eu estivesse colando as
respostas de algué m numa prova.
— Você liga para ele.
— Ele nã o atende se eu ligar para ele. E domingo e nem oito ainda. Se
você ligar para ele, ele pensará que é uma emergê ncia. Você nunca liga
para ningué m.
Revirando os olhos, Khai pegou o telefone, discou para o primo e
apertou o botã o do alto-falante. Nã o havia nenhuma maneira de ele
estar falando sozinho.
Michael atendeu no quarto toque. — Ei, Khai, como está indo?
Khai segurou o telefone em direçã o ao irmã o e Quan disse: —
Michael, precisamos da sua experiê ncia. E sobre orgasmos.
— Que diabos? Você está brincando comigo? — Um som frustrado
estalou atravé s do alto-falante. — Eu vou voltar a dormir.
— Nã o estamos brincando. — Disse Khai rapidamente.
Houve uma longa pausa antes de Michael dizer: — O que você queria
saber?
Khai respirou fundo antes de perguntar: — Como você sabe quando
uma mulher está tendo um orgasmo? Quais sã o os sinais simbó licos?
— Uau, tudo bem. Orgasmos. Hum… — Ele limpou a garganta. —
Existem muitos sinais, mas nem toda mulher é a mesma. Geralmente,
ela vai... — Ele limpou a garganta novamente. — Por que isso é tã o
difı́cil? — Ele riu um pouco.
— Tudo bem, já que você tem nove anos de idade, eu vou começar —
disse Quan. — Os sons sã o realmente enganosos. Na metade do tempo
em que você tem uma mulher barulhenta, ela é mais falsa e quer que o
sexo termine porque nã o está gostando. E melhor observar o corpo
dela. Quando uma mulher está prestes a gozar, ela ica tensa e seus
quadris se erguem. Sua pele cora. E quando o orgasmo atinge, ela
convulsiona forte e rá pido. Todo o seu corpo pode tremer. Se você
prestar atençã o, sentirá isso em seu pê nis, dedos ou lı́ngua, o que quer
que esteja usando. E foda demais.
Apó s outra longa pausa, Michael con irmou: — O que ele disse.
Um sentimento desconfortá vel percorreu a pele de Khai enquanto ele
olhava para o telefone e depois para o rosto de seu irmã o. — Nã o sei se
ela fez tudo isso. Fiquei distraı́do com a sensaçã o.
— Você estava dentro dela? — Quan perguntou.
— Bem, sim. E assim que você faz sexo. — Disse Khai. Eles ensinaram
isso na aula de saú de da quinta sé rie.
Quan lhe lançou um olhar impaciente. — Você tocou seu clitó ris?
— O que é isso?
— Oh inferno. — Disse Michael.
Quan bateu a palma da mã o na testa. — Seu clitó ris. E onde você a
estimula para fazê -la gozar.
— Onde ica?
Quan esfregou as duas mã os no rosto enquanto Michael repetia: —
Oh, inferno.
— O quê ? — Khai perguntou. — Eles nã o falam sobre o 'clitó ris' na
aula de saú de da escola. — Nem parecia real. Pelo que ele sabia, era
uma lenda urbana, como o Chupacu ou Roswell.
— Eles realmente deveriam. — Disse Michael, parecendo dolorido.
— Por que eles nã o ensinam?
Michael e Quan icaram em silê ncio.
— Entã o, talvez ela nã o tenha gozado. Isso é motivo su iciente para
ela icar brava comigo? — Ele perguntou.
— De quem é isso que estamos falando? — Michael perguntou.
— Esme. — Disse Khai.
— Oh. — Disse Michael.
— Quem mais seria? — Perguntou Quan. — No inal, você a
abraçou? Elas precisam de alguns minutos disso.
— Por quê ?
— Que merda, Quan? — Michael disse. — Você deveria tê -lo
preparado melhor.
— Me preparado para o quê ? — Khai perguntou.
Quan passou a mã o sobre a cabeça. — Merda.
— Eu estava todo suado e tinha medo que o preservativo vazasse e a
engravidasse. Eu tomei um banho. Isso parecia apropriado. Nã o foi?
Quan continuou esfregando a cabeça. — Bem, merda.
— Por que você continua dizendo isso? — Khai perguntou.
Quan soltou as mã os da cabeça e concentrou um olhar irme em Khai.
— Imagine que você é uma garota e, falando sé rio, nã o ria, você deixa
um cara tocar em você , mas quando as coisas começam a parecer muito
boas, ele para. E entã o você está dizendo a si mesmo que está tudo bem,
você está feliz por ele ter se divertido, mas ele deixa você
imediatamente e se limpa de você , deixando você sozinho em sua
cama. Como você se sentiria?
— Sexualmente frustrado?
Quan olhou para o teto. — Sim, e usado e triste e como uma
merda. Elas icam mais sensı́veis depois do sexo, e você precisa garantir
que elas se sintam bem.
— Eu concordo com isso. — Disse Michael.
Khai soltou um suspiro pesado e derrotado. Quando se tratava de
mulheres, o que Michael disse era tã o bom quanto ouro. Khai tinha
estragado tudo. Por causa de de iciê ncias no currı́culo de saú de da
quinta sé rie e o coraçã o de pedra.
— O que eu faço agora? — Ele perguntou, completamente perdido.
Michael e Quan falaram ao mesmo tempo.
— Peça desculpas.
— Diga que sente muito.
— Você pode dar um exemplo do que eu deveria dizer? — Ele
perguntou. Um roteiro seria melhor. Ele poderia memorizar e repetir
para ela.
— Nã o diga nada, Michael. — Para Khai, Quan disse: — E melhor que
você invente algo por conta pró pria. Será genuı́no assim. Mas primeiro,
tenho alguns livros para você .
— Que livros? — Michael perguntou.
— Livros de sexo. O que? Sim, eu leio. Surpreendente, eu sei. — Quan
balançou a cabeça para o telefone. — Eu acho que você pode voltar a
dormir ou transar com sua mulher agora. Tenho algumas coisas para
conversar com Khai.
— Quais livros? Eu tenho... — Houve um sussurro feminino quase
inaudı́vel, seguido por algo que foi claramente um beijo. — Eu falo com
você s mais tarde. Ligue-me se precisar de alguma coisa.
A tela do telefone de Khai icou preta e Quan se levantou. — Eu volto
já . Eles estã o no meu quarto.
Khai viu o irmã o andar pelo corredor. Nã o demorou muito para Quan
voltar com uma pilha de livros debaixo do braço.
— Sé rio? Sexo para idiotas? — Khai perguntou. — Você leu isso?
— E uma boa visã o geral. Mas eu gosto mais deste. — Quan colocou
os livros sobre a mesa e moveu Ela vem primeiro para o topo. — Nã o
leve tudo aqui como regras rı́gidas. Sã o apenas sugestõ es. Nã o concordo
com tudo, mas é um bom lugar para começar.
Khai pegou o livro, mas hesitou com a mã o a centı́metros de distâ ncia.
— Esses livros sã o seguros para tocar?
— Sim, seu idiota, eles sã o seguros para tocar. Pre iro bater uma com
pornogra ia, nã o com livros de instruçõ es. Pode icar. Eu já terminei
com eles.
— Ok, obrigado. — Khai pegou Ela vem Primeiro e folheou, erguendo
as sobrancelhas para as ilustraçõ es. Ele nã o tinha feito isso.
Mas ele queria.
— Existem vı́deos em que eles demonstram coisas com frutas no
YouTube. Você deveria vê -los. Mas eu os guardaria para mais
tarde. Você precisa ler rapidamente esse livro e depois pedir desculpas
o mais rá pido possı́vel.
Khai juntou todos os livros. — Certo, entendi. Obrigado novamente.
O canto da boca de Quan se levantou. — A qualquer hora, Khai. Eu
deveria ter preparado você mais cedo, mas...
— Eu nã o teria ouvido. Eu nã o estava pronto. — Ele provavelmente
nunca estaria pronto se nã o fosse por Esme. — Eu estou agora.
Quan olhou para ele por um bom momento antes de dizer: —
Cuidado, ok? Você s dois sã o adultos e podem tomar suas pró prias
decisõ es e coisas assim, mas apenas... tenha cuidado. Com você e com
ela. Eu realmente gosto dela pra você e...
— Quan, — algué m chamou do outro lado do condomı́nio. — Estou
icando com frio.
Quan bateu palmas e as esfregou como se tudo estivesse resolvido. —
Acho que terminamos aqui. Sinta-se livre para me ligar se você tiver
dú vidas. Mas nã o antes das dez, no mı́nimo. Boa sorte. Ah, e talvez você
queira comprar uma caixa de preservativos a caminho de casa. Eu daria
um pouco do meu, mas só tenho mais dois.
Khai foi para a porta. — Entendi. — Isso parecia realmente otimista,
considerando onde as coisas estavam com ele e Esme agora, mas era
melhor estar preparado.
Ao sair, ouviu Quan dizer: — Nã o se esqueça de se desculpar. Primeiro
com palavras. Depois com a sua lı́ngua.
CAPÍTULO DEZOITO
O mê s que se seguiu foi o melhor mê s da vida de Esme. Agora que ela
havia pegado o jeito, as gorjetas do trabalho como garçonete lhe
serviam muito bem, e ela economizou o su iciente para consertar a casa
da avó ou comprar algo melhor. Suas notas na escola continuaram
altas. Ela poderia até nã o se tornar Esme da Contabilidade, mas estava
chegando perto.
E melhor de tudo, o tempo que ela passou com Khai foi como um
sonho. As coisas se tornaram fá ceis entre eles. Ela sabia ligar o exaustor
quando cozinhava com molho de peixe, e ele aprendeu a beijá -la todas
as manhã s quando ela saı́a para o trabalho e abraçá -la todas as noites
quando ele a pegava da aula. Ele ainda nã o falava muito, a menos que
ela izesse perguntas especı́ icas, mas estava tudo bem. Ela falava o
su iciente pelos dois, e ele era um bom ouvinte. Ela fez um comentá rio
aleató rio sobre querer andar de barco um dia, e ele a surpreendeu hoje,
levando-a para um brunch de domingo na á gua na Baı́a de Sã o
Francisco. Foi adorá vel. O primeiro encontro deles.
Agora eles estavam sentados no sofá em casa. Ela estava estudando
muito, e o trabalho dele era aparentemente interminá vel. Ela destacou
algumas pá ginas do livro antes de fazer a má escolha de olhar para
ele. Ele estava usando seus ó culos de leitura novamente, vestido de
preto, como sempre, e meditando sobre a tela do computador como se
estivesse planejando um ataque de atirador de elite. Uma espiada no
computador, no entanto, revelou planilhas em vez de projetos de
batalha.
Era sexy de qualquer maneira. E ela nã o podia impedir-se de deixar a
liçã o de lado e se aconchegar ao lado dele. Ele nã o pareceu notar a
princı́pio, e ela beijou as linhas fortes em seu pescoço e mandı́bula.
— Khai, — ela sussurrou. — E se...
Seus lá bios encontraram os dela, e o resto das palavras nã o
importava. Como sempre, ele a beijou com toda a atençã o e intensidade,
e nã o demorou muito para que ela substituı́sse o computador e
ocupasse o espaço em seu colo – o plano dela desde o inı́cio.
Eles bateram nos ó culos e ele os agarrou como se fosse removê -los.
— Nã o — ela disse rapidamente e os reposicionou para ele. — Eu
gosto deles.
Ele lhe lançou um olhar confuso. — Meus ó culos de leitura? Você quer
que eu os use... agora?
Ela mordeu o lá bio enquanto sorria. — Eles sã o sexys.
— Oculos de leitura? — Ele balançou a cabeça enquanto ria, mas os
manteve. — O que mais é sexy?
— Você . Nu. — Ela agarrou a barra da camisa e puxou para cima, mas
seu telefone tocou e tocou.
Era a mú sica bonitinha que tocava toda vez que ela recebia uma
ligaçã o do celular da mã e. Ela escolheu porque pensou que Jade iria
gostar.
Khai pegou sua bolsa, que ela tinha deixado em seu lado do sofá , e os
pensamentos dispararam atravé s de sua mente mais rá pido do que um
relâ mpago: Ele sabia onde ela guardava seu telefone. Ele ia pegar para
ela. Ele ia ver a foto de Esme e Jade na tela. Ele ia saber.
Ela mergulhou para sua bolsa, mas em vez de interceptá -lo, ela caiu
do sofá e quase bateu a cabeça na mesa de café .
— Você está bem? — Mã os fortes a puxaram na vertical e alisaram
sua cabeça apenas para ter certeza.
O telefone dela continuou tocando. — Estou bem. Eu apenas – a
pessoa ligando – talvez seja Phil Jackson. — Ela estremeceu. Nã o era
Phil Jackson.
Khai pegou sua bolsa e, quando ele começou a abrir o bolso externo
onde ela guardava o telefone, ela o pegou das mã os dele.
— Eu atendo. — Disse ela com uma voz muito aguda, mas quando
inalmente recuperou o telefone, ele parou de tocar.
A culpa mordiscou sua barriga. A julgar pelo nú mero de toques,
provavelmente tinha sido Jade.
— Você vai ligar de volta? — Khai perguntou, olhando para o telefone
dela com curiosidade.
Ela mordeu o lá bio. — Hum, talvez mais tarde. Eu…
O telefone começa a tocar novamente. O mesmo toque. Sua boca icou
seca e o suor escorria pela testa. Ela apertou o telefone no peito.
Ela deveria contar a ele. Agora mesmo. As coisas estavam indo
bem. Talvez ele aceitasse as notı́cias rapidamente.
— E minha mã e. — Ela se ouviu dizer atravé s do bater do coraçã o.
— Você deveria atender. Eu nã o me importo.
Mas será que…?
E se fosse muito cedo? E se ela estragasse tudo?
— Vou conversar na outra sala, para que você possa trabalhar —
disse ela, perdendo toda a coragem no ú ltimo segundo. Ela correu para
o quarto, fechou a porta e correu para atender o telefone. — Olá ?
— Má. — A voz inconfundı́vel de criança de Jade veio do outro lado, e
a culpa de Esme piorou. Que tipo de mã e mantinha seu ilho em
segredo? Ela nã o tinha vergonha de sua ilha, mas ter um ilho tã o
jovem nã o parecia bom. Ela já tinha tantas desvantagens. Como ela
poderia adicionar outra?
— Oi, minha garota.
— Eu te liguei porque sinto sua falta. — Disse Jade.
A garganta de Esme doı́a e seus olhos arderam. — També m sinto sua
falta.
— Isso é tudo que eu queria dizer. Ngoai disse para nã o desperdiçar
os minutos de telefone. Ah, e se eles tiverem brinquedos de cavalos aı́,
você pode me dar um, se quiser. Eu te amo muito. Tchau.
Depois que a ligaçã o foi desligada, um som meio riso e meio soluço
tossiu de seus lá bios, e ela escondeu o rosto nas mã os. Ela tinha que
dizer a Khai.
Em breve.
Mas ainda nã o.
•••
•••
Khai voltou para o carro e entrou, mas nã o ligou o motor. Ele nã o
conseguia parar de pensar no que ela havia dito.
Ele dirá que tudo que eu quero é um green card e seu dinheiro. É
verdade, eu quero uma vida diferente, mas…
Era chocante ele nã o ter pensado nisso antes. Esse era o objetivo
principal de toda a viagem: uma vida diferente. Nã o um relacionamento
româ ntico. Isso fazia todo o sentido para ele. Se ele estivesse no lugar
dela, ele teria feito a mesma coisa, exceto que nã o teria se concentrado
tanto em um candidato a casamento – ele. Ele teria feito muito mais
encontros para aumentar suas chances de sucesso. Por que ela nã o fez
isso? Talvez porque ela pensou que encontraria o pai e ganharia
cidadania dessa maneira?
Essa era a melhor opçã o. Se ela encontrasse o pai, receberia
automaticamente a cidadania e nã o precisaria se casar com ningué m
para isso. O processo provavelmente també m seria acelerado. Mas se
ela nã o conseguisse encontrar o pai...
Ele pegou o telefone e pesquisou no Google "Cidadania dos Estados
Unidos por meio de casamento". Segundo os resultados da pesquisa, o
governo concedia green cards trê s anos apó s o casamento a um cidadã o
americano.
Khai era americano.
Se isso era tudo o que ela precisava – e parecia que era – ele poderia
se casar com ela. Ele poderia ter essa relaçã o por mais de um verã o. Sua
cabeça girou quando ele imaginou. Ele e ela, juntos, sexo e TV e
compartilhando uma cama e seus sorrisos e risadas, sem im.
Nã o, isso nã o parecia certo. Isso seria tirar vantagem dela. Um green
card nã o valia a pena de prisã o perpé tua, mas eram necessá rios trê s
anos.
Três anos com Esme.
A força de seu desejo cresceu tã o intensa que sua pele icou
quente. Comparado à s trê s semanas miserá veis que ele tinha restante,
trê s anos eram uma quantidade de tempo luxuosa. Ele poderia dar a
seu vı́cio por Esme três anos inteiros de ré dea livre e depois libertá -la
para encontrar o amor. Vantajoso para as duas partes.
Mas apenas se ela nã o encontrasse o pai. Com sua mã e querendo uma
resposta neste sá bado, Esme estava icando sem tempo.
Estava decidido. Se Esme nã o localizasse seu pai esta semana, Khai
iria propor um casamento.
CAPÍTULO VINTE E UM
No sá bado à noite, Esme estava puxando seu vestido preto por cima
da cabeça quando seu telefone tocou com uma ligaçã o. Ela terminou de
tirar o vestido e correu para pegar o telefone.
Nú mero desconhecido.
Ela apertou o botã o de falar. — Olá ?
— Olá , aqui é Phil Turner. Recebi sua mensagem — disse um
homem. — E sobre o que?
Ela respirou fundo, para que seus nervos tivessem tempo para se
acalmar e repetir linhas que se tornaram familiares na semana passada,
enquanto ela examinava sua lista de Phils, uma por uma: — Olá , meu
nome é Esmeralda. Você já esteve no Vietnam?
— Sim, claro que estive. Se isso é fé rias grá tis ou algo assim, eu nã o
estou...
— Estou procurando algué m que esteve lá vinte e quatro anos atrá s.
— Disse ela.
— Oh. Sim... — Houve um assobio prolongado, como se ele estivesse
procurando em suas memó rias. — Nã o. Minha primeira vez foi em
Hanó i no inı́cio de 2000.
Ela suspirou enquanto a decepçã o pesava nela. Isso signi icava que
restava apenas um Phil, e nã o havia garantia de que ele era o Unico e
Verdadeiro Phil. Se ele també m nã o tivesse estado no Vietnam, ela
estaria no mesmo lugar onde tinha começado.
— Você nã o é a pessoa certa — disse ela. — Obrigada por ligar de
volta.
— Claro, sem problemas. Boa sorte. Espero que você o
encontre. Tchau.
Ele desligou e Esme cuidadosamente colocou o telefone na mesa. O
ú ltimo Phil da lista foi um Schumacher, ou Shoo-mock-er,
como Khai pronunciou. Ela tentou o sobrenome - Esmeralda
Schumacher - e franziu a testa. Isso levaria algum tempo para se
acostumar, embora ela gostasse do signi icado: sapateiro. Havia muitos
pé s neste mundo.
Isso a lembrou que ela precisava usar sapatos de tortura a noite toda
novamente. Ela colocou os sapatos ofensivos, pegou um punhado de
joias baratas e se olhou no espelho de chã o, dentro do banheiro. Ela
segurou o colar brilhante até a garganta, mas decidiu nã o o
colocar. Depois que ela terminou de colocar os brincos, uma pulseira e
maquiagem, uma nova mulher olhou para ela do espelho.
Ela acertou dessa vez. Ela parecia elegante como a irmã de Khai, e isso
lhe deu um impulso de con iança muito necessá rio.
Esta noite era a noite. Ela ia contar a ele sobre Jade, e se ele nã o
parecesse completamente oprimido, ela iria propor.
Apenas o pensamento fez suas mã os tremerem, e ela correu para a
pia para o caso de vomitar. Enquanto respirava com
ná usea, Khai entrou no banheiro, parecendo um guarda-costas do
serviço secreto em seu smoking preto.
— Eu nã o suporto essas coisas. — Ele torceu as pontas da gravata,
enrolou-as e soltou as mã os, exasperado.
— Eu sei como dar nó . — Feliz pela distraçã o, ela desfez a bagunça
que ele fez e amarrou a gravata borboleta com calma. — Tudo feito.
— Obrigado. — Ele disse enquanto balançava os braços e respirava
como se estivesse se preparando para a batalha.
Ela sorriu e passou as mã os pelas lapelas dele, satisfeita com a
aparê ncia dele no terno bem ajustado. — De nada… nã o está aqui. —
Ela pressionou as palmas das mã os na á rea onde ela pensava que os
bolsos internos do casaco estavam.
A testa dele enrugou. — O que nã o está ?
— O livro que você sempre leva.
Ele olhou para o rosto dela. — Você está me dizendo para levar um?
— Nã o — ela disse rapidamente. — Bem, se você quiser. — Ela
encolheu os ombros. Preferia que ele falasse com ela, especialmente
hoje à noite, quando ela estava tã o nervosa, mas se ele realmente
odiava tanto casamentos, ela nã o queria torturá -lo.
Ele sorriu. — Venha, entã o. Temos uma hora de viagem para Santa
Cruz e nã o quero me atrasar.
Ela o seguiu para fora de casa e desceu a calçada até o meio- io, onde
ele estacionou o carro. Em vez de entrar imediatamente, Khai fez
uma careta para as manchas brancas que decoravam o teto e o para-
brisa.
— Isso é estatisticamente imprová vel. Nã o é como eu estacionasse
debaixo de uma á rvore. — Ele disse.
Os lá bios de Esme queriam sorrir, e ela os manteve retos com
esforço. — Os pá ssaros estã o dizendo para você estacionar na
garagem. Há espaço lá . Apenas mova a motocicleta para o lado.
Entã o ela mordeu o interior do lá bio. As coisas icaram tã o fá ceis
entre eles que ela esqueceu que esse era um assunto delicado. Seu
estô mago icou tenso enquanto o observava, sem saber como ele
reagiria. Ele icaria bravo como no dia em que ela foi para o mercado?
Apó s uma breve pausa, ele disse: — Nã o gosto de estacionar na
garagem.
— Por quê ?
Ele piscou, e seu rosto se enrugou em pensamentos. — Por quê ?
— Qual o motivo? — Ela perguntou, porque nã o fazia sentido para
ela.
— Porque a moto está lá . — Disse ele em uma voz cortada antes de
abrir a porta do passageiro para ela.
Esme entrou no carro e viu quando ele fechou a porta, deu a volta
para o outro lado e sentou-se em seu assento. Ele ligou o carro e parou
na rua como se a conversa estivesse terminada. Mas nã o estava.
— Se você nã o gosta da motocicleta, por que você ...
— Eu nã o disse que nã o gosto. — Disse ele.
Ela exalou um suspiro, ainda mais confusa agora. — Entã o por que...
Ele olhou para ela por um segundo rá pido antes de voltar sua atençã o
para a estrada, mudar de marcha e passar por um conversı́vel. — E
assim que eu gosto das coisas. E como você e ... por que você enrola
meias daquele jeito?
Ela olhou para baixo e girou a pulseira brilhante em seu pulso. —
Você icava me ignorando. Eu iz isso para fazer você pensar em mim.
— Entã o você nã o enrola a sua dessa maneira?
— Nã o. — Ela disse com uma risada.
Ele inclinou a cabeça para o lado. — Funcionou.
Ela sorriu. — Eu sei.
Mesmo que ele nã o tenha se virado para olhá -la, seus lá bios se
curvaram enquanto continuava dirigindo, e um silê ncio confortá vel se
seguiu. Ela observou os pré dios de escritó rios que passavam,
impressionada com o exterior brilhante e os gramados bem cuidados.
— Esse é o meu. — Khả i apontou para um pré dio que tinha paredes
de vidro azul e grandes letras brancas no topo que diziam DMSoft.
Ela se endireitou na cadeira e a inspecionou com interesse. — Em
qual andar ica seu escritó rio?
— O topo. Eu compartilho com outras pessoas.
— Como um chefe. — Disse ela com um sorriso provocador,
imaginando-o amontoado em um pequeno armá rio enquanto as
pessoas importantes tinham todas as janelas.
Ele apontou um sorriso engraçado para ela. — Algo parecido.
— Muitos Phils sã o chefes. Um deles pensava que eu era funcioná ria
dele. — Disse ela por falta de algo melhor para dizer.
Uma quietude incomum tomou conta de Khả i antes de perguntar: —
Você recebeu notı́cias dos dois ú ltimos?
— Um deles.
— Foi um nã o?
Ela apertou os lá bios e assentiu. — Pareço uma Schumacher?
Ele a considerou pensativamente antes de focar na estrada
novamente. — Possivelmente.
— Talvez estas sejam boas para calçados — disse ela, estendendo as
mã os e fazendo uma careta para elas. —Tã o feias.
— O que você quer dizer?
Ela deu um sorriso desconfortá vel para ele e cruzou os braços para
esconder as mã os, mas ele estendeu a palma da mã o.
— Deixe-me ver. — disse ele.
— Você está dirigindo.
Ele puxou o braço dela até que ela cedeu. Em vez de inspecionar a
mã o dela, no entanto, ele levou o punho à boca e beijou os nó s dos
dedos. — Eu nã o me importo com o que essas mã os fazem, desde que
sejam suas.
Era bobo - ele nã o era poeta -, mas suas palavras izeram seus olhos
arderem com lá grimas. Quando ele colocou a mã o de volta no câ mbio,
ela descansou a dela em cima da dele. Nã o era uma mã o bonita,
mas era pequena em comparaçã o com a dele. As pessoas pensavam que
formavam um casal bonito?
Ela relaxou contra o assento e o observou dirigir pelo resto do
caminho, reconhecendo a emoçã o que explodia em seu coraçã o. Ela a
estava assustando, icando maior a cada dia, e nã o havia como negar
agora. Quando você se sentia assim sobre algué m, nã o escondia
segredos dela. Nã o importava quã o assustada ela estava, ela iria dizer
tudo a ele hoje à noite.
•••
•••
•••
Khai vagou pela praia pelo que pareceram horas, mas nã o conseguiu
encontrar Esme. Ela desapareceu na noite.
Ele tentou ligar para ela novamente, mas foi direto para o correio de
voz.
Uma sensaçã o horrı́vel tomou conta de sua pele. O ar estava fresco,
mas ele nã o conseguia parar de suar. Ele soltou a gravata borboleta,
puxou os cabelos e arrancou o casaco. Ele quase o jogou nas ondas, mas
lembrou-se da caixa de veludo dentro do bolso do casaco. Isso
pertencia a Esme. Bem, uma vez que ele tivesse a oportunidade de dar a
ela.
Como ela poderia simplesmente sair assim?
Quan correu em sua direçã o do outro lado da praia. — Nã o consegui
encontrá -la lá em baixo. Você a viu em algum lugar?
Que pergunta frustrante. Se ele a visse, ele nã o estaria aqui
sozinho. — Nã o.
Quan esfregou sua cabeça raspada. — O que diabos aconteceu entre
você s dois? Por que ela fugiu?
Khai chutou a areia. — Sugeri que nos casá ssemos.
Mesmo na escuridã o, Khai podia ver os olhos de seu irmã o se
arregalarem. — Uau, tudo bem. Estou surpreso que ela nã o estava feliz
com isso. Eu pensei que ela estava realmente apaixonada por você .
O aperto de Khai em seu paletó apertado apertou tanto que o tecido
chiou. — Ela está . Bem, ela estava. Ela me disse que está apaixonada por
mim esta noite. — Ele ainda mal acreditava.
Quan lançou-lhe um olhar ponderado. — E?
Khai ignorou a pergunta e começou a caminhar em direçã o à
rua. Talvez ela estivesse sentada em um banco ali, esperando por
ele. Talvez ela tivesse superado sua raiva momentâ nea, pensado sobre
as coisas e queria mudar sua resposta.
— E aı́, Khai? — Quan insistiu, dando um passo para o lado dele.
Ele en iou a jaqueta debaixo do braço e en iou as mã os nos bolsos. —
Eu disse a verdade.
— Que é …?
Ele andou mais rá pido, deixando a areia para a calçada, e olhou para a
rua Santa Cruz no inal da noite. Havia um banco ao lado de uma
iluminaçã o solitá ria, mas estava vazio. Ele olhou para o estacionamento
onde estava o carro. Sem sinais de vida.
Ela nã o estava em lugar algum.
Quan agarrou seu braço com um aperto irme. — Khai, o que você
disse a ela? Por que ela estava chorando?
Ele tentou engolir. Nã o deu certo na primeira tentativa, nem na
segunda, mas ele lembrou como na terceira tentativa. — Eu disse a ela
que nã o a amo de volta.
— Isso é besteira — explodiu Quan. — Que porra é essa?
— Eu disse porque é verdade. — Disse ele.
— Você é louco de amor por ela. Apenas olhe para você . — Disse
Quan, acenando com as mã os para Khai como se fosse ó bvio.
— Eu. Nã o. Sou. — Khai disse.
— Que porra que você nã o é . Você é um cara do tipo tudo ou nada,
entã o sabı́amos que a primeira garota a chamar sua atençã o seria a
ú nica. Esme é sua 'ú nica', Khai.
— Eu nã o tenho uma 'ú nica'. Eu nã o tenho relacionamentos. — Ele
caminhou pela calçada por um quarteirã o, olhando ao redor. Onde ela
estava?
Merda, ela estava segura? Nã o parecia uma á rea sombria, mas nã o
havia nenhum tipo de garantia. A adrenalina disparou e seu coraçã o
bateu contra as costelas quando ele pegou o telefone e tentou o nú mero
dela novamente.
Direto para o correio de voz novamente.
Droga.
— Por que ela nã o atende? — Ele murmurou, mais para si mesmo do
que qualquer um.
Quan respondeu assim mesmo. — Ela nã o quer falar com você . Você
nã o diz a uma garota que nã o a ama e depois pede que ela se case com
você . Nã o sei o que você estava pensando.
Khai en iou o telefone de volta no bolso, impaciente. — Ela precisa de
um Green Card. Eu posso dar a ela. E simples assim. Eu até disse a ela
que estaria disposto a me divorciar assim que tudo fosse o icial. Ela
deveria ter icado feliz. Ela nã o deveria ter dito nã o e fugir.
Em vez de falar imediatamente, Quan exalou e passou a mã o no rosto
enquanto balançava a cabeça. — Meeeerdaaaa.
Pelo menos eles estavam de acordo sobre alguma coisa. Esta situaçã o
era exatamente uma merda.
— Por que você está disposto a fazer tudo isso por ela, se nã o gosta
de relacionamentos? — Quan perguntou com os olhos estreitos.
Khai desviou o olhar do irmã o e deu de ombros. — Estou acostumado
com ela, e está sendo bom morar juntos. Por que nã o?
Quan jogou as mã os para o ar. — Otimas razõ es para o
matrimô nio. Eu vou voltar para o casamento. Se você souber dela, me
avise.
Quando Quan voltou para a tenda de casamento, Khai voltou para o
carro e entrou. Os saltos altos dela estavam do lado do passageiro em
â ngulos desiguais, e ele procurou o interior do carro em emoçã o. Até
que ele lembrou que ela os havia deixado aqui antes de entrar.
Ele dirigia sem rumo, procurando nas ruas, calçadas, bancos e
fachadas de lojas uma mulher com um vestido preto folgado e sem
sapatos. Ele nã o a viu em lugar nenhum.
Quando ele parou na frente do mesmo semá foro pela quarta vez, ele
reconheceu que era hora de desistir. Ela tinha o telefone e a bolsa e
sabia como cuidar de si mesma. Se ela nã o queria ser encontrada, nã o
fazia sentido procurar. Mesmo assim, ele icaria perto apenas por
precauçã o.
Ele estacionou o carro em uma vaga aleató ria na praia, acionou o freio
e desligou o motor. Entã o ele se sentou e esperou, tamborilando com os
dedos no volante enquanto olhava para o cé u escuro.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
•••
•••
Eu passei!
Venha!!!!!!!
Por que nã o? Ela queria compartilhar suas notı́cias, mas era a hora
errada de ligar para casa e conversar com Khai estava fora de questã o.
Ela deu uma resposta rá pida, veri icou a ortogra ia duas vezes e a
enviou.
Parabé ns! Vejo você lá . :)
Depois que terminou de fechar o restaurante, ela desamarrou o
avental da cintura, guardou-o e acenou um adeus a Cô Nga. Levou trê s
minutos para atravessar a rua e caminhar até a loja de chá s, e quando
ela entrou, a umidade a envolveu como um cobertor. Pequenas TVs de
tela plana foram montadas nas paredes perto de diferentes grupos de
mesas. Uma delas reproduzia uma novela de Taiwan. Outra um jogo de
futebol. A do pequeno grupo de colegas de Esme passava uma partida
de golfe.
Esme acenou para todos, pediu e pagou um chá preto simples com
leite e pé rolas de tapioca, e se sentou ao lado de Angelika. O espaço à
sua frente foi ocupado pela senhorita Q, que usava jeans, uma camisa
descontraı́da e, é claro, um cachecol. Elegante como sempre.
— Eu sabia que você passaria — disse a senhorita Q com um sorriso
largo.
— E claro que ela passou. — Angelika sacudiu a mã o como se fosse
uma conclusã o ó bvia, e Esme sorriu.
— Eu passei, obrigada. Parabé ns a você també m. Parabé ns a todos.
Os outros assentos à mesa estavam ocupados por trê s colegas
da classe masculina, Juan, Javier e John, e eles a parabenizaram antes
de se levantarem.
— Temos que ir, mas icamos felizes em vê -las — disse Juan. — Hora
da faculdade agora, hein?
Ela piscou em choque. A ideia nunca lhe ocorreu. — Talvez. — Ela
sorriu em excitaçã o inesperada antes que a realidade a alcançasse, e o
sorriso caiu de seus lá bios enquanto ela acenava para os homens. —
Tchau.
— Por que essa cara? — Miss Q perguntou uma vez que os caras
deixaram a loja.
— Eu nã o posso ir para a faculdade.
— Por quê ? — Miss Q e Angelika perguntaram ao mesmo tempo.
Esme se encolheu. — Porque eu tenho que voltar para o Vietnã em 9
de agosto. — E nã o havia como ela se dar ao luxo de ir para a faculdade
em casa. Elas precisavam muito de sua renda, e isso nem levava em
consideraçã o os subornos que ela precisaria pagar para mudar sua
papelada e ser aceita em qualquer lugar que fosse bom.
— Que tipo de visto você tem? — Perguntou Miss Q.
Esme olhou para os dedos feios na mesa. — Visto de turista.
— Eu també m. — Angelika cobriu a mã o de Esme com a sua e
apertou. Algo brilhante chamou a atençã o de Esme, mas Angelika
afastou a mã o antes que Esme pudesse dar uma olhada mais de perto.
— Existem outros tipos de vistos, você sabe — a senhorita Q
apontou. — Se você for aceita por uma faculdade ou universidade aqui,
eles concederã o um visto de estudante. Eles até permitem que você
traga sua famı́lia aqui pela duraçã o. Depois de se formar, você pode
tentar um visto de trabalho.
O ar saiu dos pulmõ es de Esme. — Eu poderia ser aceita em uma
faculdade ou universidade aqui?
Sua pontuaçã o no GED brilhou na sua mente. APROVADA NO GED
Pronta para a faculdade + créditos.
— Claro que você poderia. Sua pontuaçã o foi boa? — Miss Q
perguntou.
Ela assentiu, tentando manter o sorriso fora do rosto e falhou, e
mostrou à senhorita Q sua transcriçã o em seu telefone. — Obrigada por
me ensinar.
Ela ganhou cada uma dessas pontuaçõ es sozinha. Elas eram dela.
E talvez elas fossem a chave para pertencer aqui.
A senhorita Q sorriu e continuou sorrindo e seus olhos brilhavam
com lá grimas nã o derramadas. — O prazer é meu.
Excitaçã o borbulhou no sangue de Esme como champanhe logo
depois que estouram a rolha. Se o que Miss Q estava dizendo fosse
verdade, ela realmente poderia se tornar uma contadora de verdade. Ou
talvez outra coisa. Ela poderia ser qualquer coisa. Ela poderia ser
so isticada e educada algum dia e erguer o queixo - mesmo na frente
de Khai.
Exceto que havia um problema. — Quanto custa a faculdade? — Ela
perguntou, hesitante.
— Isso depende da escola. De dez mil dó lares por ano a cinquenta mil
para estudantes de graduaçã o, mas existem programas de empré stimos
e bolsas de estudos. — Disse Sra. Q.
A tensã o roubou os mú sculos de Esme. Dez mil dó lares americanos
foram mais do que ela ganhou em toda a sua vida. Se um emprego aqui
nã o fosse garantido, ela nã o sabia se ousaria fazer um empré stimo
como esse uma vez, e muito menos quatro vezes. Mas se ela pudesse
continuar trabalhando na Cô Nga, provavelmente conseguiria. Seria
apertado, mas isso nã o seria novidade.
Ela estava mentalmente fazendo as contas, descobrindo quantos
turnos ela poderia fazer e subtraindo os custos de aluguel, alimentaçã o
e aula, quando a Srta. Q acrescentou: — No seu caso, você precisaria
obter uma bolsa de estudos porque nã o pode trabalhar com um visto de
estudante, mas conheço escolas pró ximas que as oferecem, mesmo para
estudantes internacionais. Com suas pontuaçõ es no GED e sua
experiê ncia pessoal, você tem uma chance, Esme. Vou entrar em
contato com as pessoas que conheço e ver se elas a consideram um caso
especial.
Os lá bios de Esme se moveram sem emitir som. Ela entendeu o
signi icado individual das palavras ditas, mas icou chocada demais
para interpretar a mensagem geral. Ela conhecia o fracasso e a
di iculdade para ganhar o que queria. Generosidade dessa magnitude
nã o fazia sentido para ela.
— Mantenha os olhos abertos para o meu e-mail, ok? Pode vir
qualquer dia. Se eu enviar uma inscriçã o, preencha-a e envie-a
imediatamente. Vou ligar para meus amigos agora. Adeus, para você s
duas. — A srta. Q saiu da loja de chá como se estivesse em uma missã o,
indo tã o rá pido que Esme nem teve tempo de agradecê -la.
A srta. Q realmente poderia ajudar Esme a conseguir uma bolsa? Isso
seria... incrı́vel. Tudo. Ela percebeu que era sua ú ltima opçã o.
A experiê ncia disse-lhe para segurar seu entusiasmo, mas a srta. Q
acreditou nela, e ela realmente passou no GED com notas perfeitas. Se
ela pudesse fazer isso, pense em todas as outras coisas que ela poderia
fazer se tivesse a chance. Isso era real. Isso poderia realmente
acontecer. E sua esperança cresceu fora de controle.
Originalmente, ela se imaginara casando com Khai e continuando a
vida como garçonete. Isso seria ó timo, nã o seria? Ela daria a Jade um
futuro maravilhoso assim, e estaria com Khai. Talvez eles izessem mais
bebê s.
Mas agora, um novo sonho se formou em seu coraçã o, um que ela
nunca ousou encorajar, mas desejava com intensidade
ofegante: fazer algo pelo qual ela era apaixonada, mudar esse mundo
para melhor, ser mais. Ela nem sabia no que era boa, mas se pudesse
explorar e aprender...
Um dos trabalhadores da loja entregou a Esme seu chá com leite, e ela
agradeceu e sugou o chá açucarado e as pé rolas em sua boca atravé s do
canudo grande. A TV piscou para um close de um jogador de golfe e o
logotipo da DMSoft em seu chapé u parecia familiar.
Depois de um segundo, ela lembrou que era onde Khai trabalhava. No
andar de cima, em um armá rio. Tinha que ser uma grande empresa se
eles patrocinavam torneios de golfe. Bom para Khai. Talvez se ele
trabalhasse duro, eles o promovessem, e um dia ele poderia refazer seu
quintal.
— O que aconteceu com o seu namorado? — Angelika perguntou,
quebrando o silê ncio.
As mã os de Esme se apertaram ao redor de seu chá com leite. — Nã o
é mais meu namorado. Nunca foi meu namorado. — Eles apenas eram...
colegas de casa que dormiam juntos.
Agora que ela se fora, esperava que ele estivesse subindo pelas
paredes em frustraçã o sexual. Ela esperava que ele pensasse nela
enquanto desse prazer a si mesmo. Porque ele estaria fazendo muito
disso a partir de agora.
A menos que ele conhecesse outra pessoa.
Sua fú ria in lamou quando ela imaginou Khai com outra mulher,
beijando-a do jeito que Esme gostava, acariciando-a do jeito que Esme
precisava, deixando-a tocá -lo da maneira que só Esme já fez. Ele
con iaria em outra mulher com seu corpo agora que Esme o havia -
iniciado-? Ela supô s que deveria se sentir orgulhosa se fosse esse o
caso, mas isso apenas a fez querer arranhar o rosto dessa mulher
imaginá ria como um gato bravo da selva.
Ela balançou a cabeça para afastar os pensamentos violentos e
encontrou Angelika observando-a com triste entendimento.
— Ele era um bom partido — disse Angelika. — Meu noivo, ele tem
sessenta anos. E é centrado o tempo todo em negó cios. — Ela olhou
para o anel de noivado deslumbrante. Foi isso o que Esme havia notado
anteriormente. Angelika icou noiva sem dizer nada. — Os ilhos dele
me odeiam. Eles sã o mais velhos do que eu.
— Com o tempo, eles verã o. — Disse Esme.
Angelika olhou para a mã o esquerda, apertou-a com um punho e
largou-a abaixo da mesa. — Eu acho que nã o. Eles continuam me
dizendo para voltar para a Rú ssia e estã o convencendo-o a fazer
vasectomia - você sabe, para que ele nã o possa ter mais ilhos? Receio
que isso acabe em divó rcio. Ou que simplesmente nã o aconteça.
— Por que eles...
— Para proteger o dinheiro quando ele morrer — disse Angelika
amargamente. — Concordei em assinar um contrato antes do
casamento, por isso, se nos divorciarmos, nã o recebo nada. Mas isso
nã o é su iciente para eles. Eu sempre quis uma famı́lia.
— Ele... te ama? — Esme perguntou.
Um sorriso suave se espalhou pelos lá bios de Angelika. — Sim, ele
ama. E eu amo ele.
Esme apertou o braço da amiga. — Entã o você s dois icarã o bem. —
Ao contrá rio de Esme e Khai.
Angelika sorriu antes de sua expressã o icar pensativa. — Uma bolsa
de estudos parece boa, mas você já pensou em namorar outras pessoas?
Esme balançou a cabeça.
Angelika lançou-lhe um olhar impaciente. — E só namoro, Esmeralda.
— Namoro tem beijos e toques e… — Ela nã o conseguia dizer sexo. O
pensamento de estar com outro homem tã o cedo fez sua pele
arrepiar. Uma mulher diferente estaria namorando todos os homens
desesperados que pudesse encontrar - ela tinha que pensar em Jade,
a inal - mas Esme nã o conseguia fazer isso. Ela provavelmente era
ingê nua por pensar assim, mas se ela se casasse, tinha que ser
um casamento de verdade. Ela nã o tinha coragem de tirar vantagem de
algué m ou machucá -lo. Isso signi icava que ela tinha que se apaixonar
primeiro. — Nã o estou pronta.
Os lá bios de Angelika a inaram, mas ela inalmente assentiu. —
Espero que você consiga essa bolsa. Eu nã o quero que você vá
embora. Você é minha ú nica amiga aqui.
Esme disse a si mesma para se preparar para a decepçã o. Mas seu
coraçã o nã o quis ouvir. Ela tinha esse sonho agora, e nunca quis tanto,
tanto. Ela apertou a mã o de Angelika e sua amiga apertou de volta.
— Eu també m — disse Esme. — Eu també m.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Khai já havia feito isso antes. Ele poderia fazer isso hoje. Ele já havia
quase superado sua gripe. Sem os sapatos, pé s de meias na madeira, a
neblina do incenso, o pesado perfume loral que emanava dos
numerosos buquê s brancos, e ali, no lado oposto da sala principal, um
altar com uma grande está tua dourada de Buda em cima de um buquê
de lor de ló tus.
Ele passou pela famı́lia e amigos vestidos principalmente com roupas
cinza, sentados de pernas cruzadas nos tapetes no chã o e se aproximou
do altar. Um dos monges lá em cima lhe entregou um graveto de
incenso, e Khai o aceitou sem jeito. Ele nã o sabia o que diabos fazer com
isso. Sua mã e estava acostumada com essas tradiçõ es, nã o ele. Ele
afundou aquele incenso na tigela gigante de arroz com os outros
incensos e observou a fotogra ia em frente à está tua. Andy ao lado de
sua moto Honda azul.
Andy exibia o mesmo sorriso espertinho que brilhava toda vez que
dava uma resposta espertinha. Ele sempre tinha uma resposta para
tudo, sempre. As vezes, ele até pensava no que dizer com antecedê ncia,
para estar pronto quando a ocasiã o chegasse. Nã o como Khai, que
congelava quando as pessoas o provocavam ou nem mesmo percebia
que ele estava sendo provocado.
Ele tocou a ponta dos dedos na foto, e a frieza do vidro o
surpreendendo. Ele nã o costumava gastar tempo contemplando
questõ es ilosó icas sobre a vida e a humanidade, mas agora, enquanto
observava a igura de seu primo em papel e resina, imaginou o que fazia
de uma pessoa uma pessoa. Era algo mı́stico como uma alma? Algo
cientı́ ico como conexõ es neurais no cé rebro? Ou algo mais simples
como a capacidade de fazer algué m sentir sua falta dez anos depois de
sua morte?
Ele reconheceu o vazio sem graça dentro dele como falta de
algué m. Ele sentia falta de Andy. E ele sentia falta de Esme. Mas isso nã o
era o mesmo que estar com o coraçã o partido. Quan estava errado
sobre isso.
Quando ela entrou no pagode e colocou os sapatos na porta da frente
com todos os outros pares, seu corpo inteiro congelou.
Esme.
Ela usava o mesmo vestido preto sem forma de antes, e por um
momento confuso, parecia que ela tinha saı́do direto do casamento de
Michael até aqui. Mas duas semanas se passaram. Logicamente, Khai
sabia disso.
Os olhos dela encontraram os dele. Sua expressã o era tensa no
começo, mas depois de um momento, seus lá bios se curvaram um
pouco. Nã o era o sorriso habitual que mexia com o cé rebro dele, mas
ainda era um sorriso. Sentiu aquela sensaçã o aguda de agulhas picando
sua pele da cabeça aos pé s, e ele puxou o ar para os pulmõ es com
esforço.
Ela andou descalça ao redor de todas as pessoas nos tapetes e parou
ao lado dele, pró xima da está tua e da foto de Andy. — Vim para ajudar
com a comida depois. — Disse ela em tom baixo.
O monge entregou-lhe uma vara de incenso, e ela inclinou a cabeça e
agradeceu antes de pressionar o incenso entre as palmas das mã os e se
curvar à está tua da maneira que Khai deveria ter feito. Depois de en iar
o incenso na tigela de arroz, ela considerou a fotogra ia de Andy, tocou a
motocicleta e olhou para Khai com uma expressã o ilegı́vel no rosto.
— Era dele? — Ela perguntou.
Ele nã o achava que podia falar, entã o assentiu. A motocicleta tinha
sido a posse mais valiosa de Andy, e Dı̀ Mai a entregou a Khai, dizendo
que Andy gostaria que ele a tivesse. A mã e dele icou zangada no
começo, mas como Khai nã o a dirigia, ela esqueceu.
Na maioria das vezes, Khai també m se esquecia, e era isso que ele
preferia. Ele automaticamente empurrou a motocicleta e as memó rias
que a acompanhavam para o fundo de sua mente e se concentrou em
Esme. Sua pele estava mais pá lida que o normal, e ela havia perdido
peso, mas ainda era inconfundivelmente Esme. Ningué m mais tinha
olhos com aquele tom especı́ ico de verde. Tão lindo. A necessidade de
segurá -la tornou-se uma dor visceral nos mú sculos e ossos dele, mas
ela se afastou antes que ele pudesse agir.
Ela andou pela á rea de estar e sentou-se na beira, afastada de
todos. Sua mã e acenou para ele de onde ela estava sentada com Dı̀ Mai,
Sara, Quan, Vy, Michael e outros membros da famı́lia, mas ele passou
por eles e sentou-se ao lado de Esme.
— Por que você ... você deveria se sentar com a famı́lia. — Disse Esme
com uma carranca profunda.
Uma tigela de metal tocou, sinalizando que a cerimô nia estava
começando, e ele icou agradecido. Ele nã o sabia como se explicar. Ele
só precisava estar ao lado dela.
Um homem magro de ó culos, com tú nicas douradas e contas de
rosá rio budista lançou um discurso sobre perda e tempo curando todas
as feridas, e Khai se desligou das palavras. Ele nã o conseguia
respirar. Era como se algué m o tivesse apertando num abraço
invisı́vel. Ele puxou a gola da camisa, mas nã o usava gravata e os botõ es
superiores nã o estavam presos. Ele nã o deveria se sentir assim.
As câ meras piscavam de vez em quando, e os cinegra istas ilmavam o
discurso enquanto a multidã o ouvia com muita atençã o. Sua tia
convidou um monge famoso do sul da Califó rnia para o pagode, e foi
uma grande honra tê -lo falando sobre Andy. Khai, no entanto, desejou
que ele parasse. Toda vez que ouvia o nome de seu primo, essa
sensaçã o sufocante piorava.
Era como o casamento de Sara, exceto que seus olhos estavam
ardendo e sua pele formigando, como sangue voltando depois que a
circulaçã o foi cortada. Que porra estava acontecendo?
A tigela de metal tocou novamente, e inú meras vozes desa inadas
cantaram palavras incompreensı́veis. Incenso, canto, rostos sombrios,
Andy. Ele já havia experimentado tudo isso antes, mas desta vez foi
diferente. Ele teve tempo de absorver e processar. Muito tempo.
E agora as barreiras em sua mente caı́ram, inundando-o em
confusã o. O vazio dentro dele se expandiu. A sensaçã o de
saudade cresceu até dominá -lo. As memó rias de Andy inundaram sua
cabeça, uma infâ ncia juntos, a escola juntos, e aquela noite, quando ele
esperou e esperou Andy aparecer. E ele nunca apareceu. A garganta de
Khai deu um nó , seus pulmõ es doeram, sua pele icou vermelha.
Uma pequena mã o pressionou a manga da sua jaqueta e viajou pelo
braço para descansar sobre os nó s dos seus dedos. Ele apertou a mã o
de Esme com força, e ela olhou para ele como se ela entendesse. Mas
como ela poderia, quando ele mesmo nã o entendia?
— Vamos lá — ela sussurrou. — Vamos lá para fora.
Ele levantou-se, distraindo-se da frase do orador das celebridades, e
sua mã e apontou uma carranca desaprovadora para ele. Esme ignorou
todos e puxou sua mã o até que ele a seguiu até o lago de carpas do
pagode.
— Sente-se, Khai, você está mal. — Ela o direcionou para um banco de
pedra com vista para a á gua. Ele se sentou e ela afastou os cabelos da
testa pegajosa com dedos frios e macios. — Você precisa de á gua.
Quando ela tentou se afastar, ele passou os braços em volta da cintura
dela e a abraçou. — Nã o vá .
— Tudo bem. — Disse ela, e o puxou para que ele descansasse a
bochecha contra o seu peito. Os dedos dela alisaram seus cabelos e ao
longo de sua mandı́bula desalinhada.
Ele a respirou. Ela cheirava um pouco diferente do que costumava,
como se tivesse trocado o amaciante para a roupa, mas ele encontrou o
perfume feminino reconfortante por baixo de tudo. O cheiro dela. O
perfume de mulher, pele limpa e Esme.
As cinzas do incenso desapareceram lentamente de seus sentidos, e
ele deixou tudo escapar, exceto ela. O mal-estar retrocedeu. Ele podia
respirar novamente. As pessoas começaram a passar, algumas no inı́cio,
mas gradualmente mais. Ainda assim, ele nã o a deixou ir. Ele precisava
de seu toque, seu cheiro, as batidas constantes de seu coraçã o, ela.
— My — disse sua mã e, fazendo Esme endurecer contra ele. — Venha
me ajudar com... oh, nã o importa. Vou pedir a Quan que me ajude. — Os
passos de sua mã e rapidamente se afastaram.
Esme passou os dedos pelos seus cabelos antes de perguntar: —
Temos rolinhos de ovo aqui. Quer um pouco?
— Nã o estou com fome. — Seria algo catastró ico ir para longe dela
agora. Ele era como um animal ferido que encontrara uma tré gua da
dor de seus ferimentos. — A menos que você os queira?
Ela riu um pouco. — Nã o, eu já comi demais. — Ela passou os dedos
pela bochecha á spera de Khai.
Ele havia pensado que nunca teria isso novamente, entã o ele deixou
suas pá lpebras fecharem quando absorvia seu toque. Ela era melhor
que a luz do sol e o ar fresco.
O tempo passou, ele nã o sabia quanto, e sua mã e voltou e disse: —
Você s dois deveriam ir. Khai, leve a My até em casa para mim, ha?
— Cô , eu posso ajudar a limpar. — Esme se afastou dele, e ele
reprimiu um protesto. Ele queria agarrá -la pelos braços e envolvê -la de
volta como um cachecol. — Tê m muitos contê ineres e…
— Nã o, nã o, nã o, está tudo resolvido. As pessoas estã o saindo
agora. Vá para casa — sua mã e disse, acenando com desdé m para
eles. — Você vai levá -la, ha, Khai?
A boca de Esme se abriu como se ela quisesse falar, e ele rapidamente
disse: — Sim, eu vou.
— Bom, bom. — Sua mã e saiu apressada.
Ele se levantou do banco e respirou fundo. Sua cabeça pulsava, mas
ele nã o se sentia tã o bem há dias. — Vamos entã o.
— Você está melhor? Podemos esperar. — Ela disse.
— Sim, eu estou melhor. — Um pouco dolorido e machucado por
dentro, mas melhor. Praticamente do jeito que ele se sentia enquanto
estava doente por dias e sua febre inalmente cedeu. Exceto que ele
nunca teve febre.
Enquanto caminhavam para o carro, ele estava intensamente
consciente da distâ ncia respeitosa entre eles. Ela manteve os dedos
entrelaçados, e os ombros estavam tensos enquanto ela se concentrava
no caminho à frente. Apenas duas semanas atrá s, eles teriam dado as
mã os. Apenas duas semanas atrá s, ela estava apaixonada por ele.
Duas semanas eram su icientes para se desapaixonar por algué m?
Isso fazia dele um bastardo ganancioso, mas ele queria o amor dela.
Ele queria ser o “ú nico” dela, o destinatá rio de seus sorrisos, a razão de
seus sorrisos, sua droga. Ela era a dele.
Depois de tudo isso, icou claro que ele nã o estava gripado. Ele estava
passando por uma abstinê ncia, e era muito pior do que ele havia
imaginado originalmente. Ele tinha que encontrar uma maneira de
fazê -la icar.
Eles entraram no carro dele, e ele ligou a igniçã o e apoiou os dedos no
volante. — Onde você mora agora?
Ela olhou para as mã os irmemente entrelaçadas. — O pré dio que
aluga kitnets por mê s lá perto do restaurante.
Seu intestino torceu, e uma sensaçã o desagradá vel derramou sobre
sua pele. — Aquela nã o é uma parte muito boa da cidade.
— E boa o su iciente para mim.
Não era não.
Cerrando os dentes, ele deixou o pagode em San Jose e seguiu para a
casa dela pela 880N. Ele acelerou atravé s de um territó rio plano com
pré dios de escritó rios e armazé ns monó tonos e parou em um pequeno
complexo de apartamentos cinza escondido atrá s de um shopping em
ruı́nas. No caminho do carro para o apartamento dela, seus sapatos
trituraram vidro quebrado de uma garrafa de cerveja quebrada e eles
passaram por um carrinho de compras perdido de lado.
Ele apertou o botã o de trava do seu chaveiro, só por precauçã o, e
examinou a á rea em busca de garotos entediados que poderiam estar
interessados em pegar o carro ou cortar os pneus. Felizmente,
nenhum. Sua casa nã o era ó tima, mas pelo menos ele nã o precisava se
preocupar com vandalismo.
Quando ela parou em frente a uma porta no té rreo do pré dio, o
descontentamento dele aumentou. Não é seguro. Seria tã o difı́cil para
algué m invadir. Ela tinha muito cará ter, mas isso nã o era su iciente para
protegê -la contra algué m maior, mais forte e possivelmente armado. As
mã os dele começaram a suar com a ideia de um idiota invadir uma das
janelas dela e entrar para...
— Você quer entrar? — Ela perguntou, olhando por cima do ombro
para ele de dentro da porta aberta. — Você nã o parece bem.
Com seu aceno silencioso, ela abriu a porta e o deixou entrar. Era um
apartamento simples com carpete marrom, um saco de dormir no chã o
com uma pilha de livros ao lado, um armá rio quase vazio e uma
pequena cozinha de linó leo.
Ela o deixou por isso.
Ele odiava tudo sobre isso.
— Com sede? — Sem esperar que ele respondesse, ela correu para a
cozinha, encheu um copo descartá vel da torneira e trouxe para ele.
Ele bebeu a á gua, fazendo uma careta com o gosto, e devolveu o copo
para ela. Ela andou em direçã o à cozinha, claramente planejando jogar
o copo no lixo ou algo assim, e ele aproveitou a oportunidade para
segurá -la em seus braços, pressionando-a perto, o peito contra o
dele. Ela ofegou, e o copo de plá stico caiu esquecido no tapete feio.
— Casa comigo. — Ele disse.
Ela respirou fundo e seus olhos verdes procuraram o rosto dele. —
Por quê ?
Ele balançou sua cabeça. Ele nã o sabia como dizer isso. Parecia
demais. Ao mesmo tempo, nã o parecia su iciente. — Senti sua falta. —
Tanto que seu corpo havia quebrado. — Eu preciso saber que você está
segura e feliz. E eu quero você perto. Comigo.
As mã os dela se fecharam contra o peito dele, como izeram quando
ela estava lutando contra tocá -lo, e ele as cobriu com as dele e esfregou
seus dedos até que se desenrolassem.
— Volte comigo e case comigo.
— Khai… — Ela mordeu o lá bio.
Agindo por instinto e desespero, ele inclinou a cabeça e a beijou. Ela
amoleceu contra ele como sempre e pressionou-se mais perto, e seu
corpo endureceu em uma corrida eufó rica. A ideia selvagem passou por
sua mente de que se ele a beijasse e a tocasse direito, ele poderia
confundir seus sentidos a ponto de ela dizer sim por acidente. E porra,
ele a levaria a isso.
— Case comigo.
•••
•••
Na segunda–feira, Esme recebeu um e–mail da srta. Q dizendo que o
colé gio da comunidade tinha recebido seus resultados dos testes, e sua
aplicaçã o estava sendo analisada rapidamente por sua recomendaçã o.
Isso estava realmente acontecendo. Ela tinha uma chance de obter
uma educaçã o universitá ria e mudar sua vida para sempre. Tudo por
seus pró prios mé ritos. A esperança cresceu para proporçõ es
gigantescas, e esse sonho de ser algué m a possuı́a. Ela queria isso para
si e para seu bebê . Quã o maravilhoso seria mostrar a Jade do que ela
era capaz, dando exemplo.
Os dias seguintes passaram em uma né voa ansiosa, onde ela alternava
entre extrema con iança e profundo desespero. Ela encontrou as
informaçõ es de contato de um advogado de imigraçã o que poderia –
esperava – ajudá -la a trazer Jade e sua famı́lia aqui durante a duraçã o
de seus estudos, mas ela nã o ligou para ele. Só ligaria se tivesse a bolsa
de estudos.
Na quarta–feira, seu celular tocou no bolso de seu avental enquanto
ela estava pegando um pedido, e ela sabia que era um e–mail. Ela estava
ocupada demais para checar, mas o e–mail estava pesado no fundo de
sua mente enquanto ela trabalhava durante a correria da hora do
almoço. Enquanto ela dirigia os pedidos de volta para a cozinha, seu
sangue zumbia de emoçã o. Era uma bolsa de estudos completa, e ela
estava a caminho de ser Esme da Contabilidade de verdade e cuidar de
sua famı́lia sozinha. Enquanto ela carregava bandejas de comida para as
mesas, seu coraçã o caiu. Era uma rejeiçã o, e ela estava indo para casa
com pouco para mostrar pelo seu tempo aqui.
Ida e volta. Ida e volta.
Quando o ú ltimo cliente saiu, en iando uma gorjeta fantá stica de vinte
dó lares debaixo do copo de á gua vazio antes de piscar para ela, ela
estava nervosa. Em vez de puxar o telefone imediatamente, ela recolheu
os pratos das mesas e as limpou.
Com cada golpe de toalha molhada na mesa, ela se preparava para as
pró ximas notı́cias. Se fossem boas, ela ligaria para a mã e
imediatamente, agradeceria a Srta. Q e agendaria uma consulta com o
advogado de imigraçã o. Se fossem ruins, estava tudo bem. Havia bons
aspectos em sua vida em casa, e ela manteria os olhos abertos para
outras oportunidades.
Mas “Esmeralda Tran, estudante universitá ria” nã o tinha um toque
legal? Ela seria uma boa estudante universitá ria. Ela estudaria como
estudou esse verã o. Ela mereceria cada dó lar da bolsa estudantil e, mais
tarde, faria algo de si mesma.
Quando a ú ltima mesa estava limpa, ela tirou o telefone do avental,
sentou-se em sua cabine usual e digitou sua senha no telefone com
dedos trê mulos. Sua caixa de entrada continha um novo e-mail do
colé gio da comunidade com o tı́tulo de assunto — Em relaçã o a seu
pedido de bolsa de estudos. — A pré -visualizaçã o do texto dizia: —
Prezada Sra. Tran, seu pedido foi revisado exaustivamente por...
Isso era bom ou nã o? Poderia ir de qualquer maneira a partir daı́.
Seu coraçã o disparou, o sangue correu para sua cabeça e sua boca
icou seca. Ela estava com medo de abrir e ler mais. Talvez ela devia...
excluir o e-mail. Ela estaria no controle de seu fracasso, em vez dessas
pessoas que nã o a conheciam. Eles a julgavam com base em alguns
resultados dos testes e em alguns ensaios que ela escrevera em uma
tarde. Isso nã o era o su iciente para medir o valor de uma pessoa.
Ela limpou essa bobagem da cabeça e se repreendeu por ser uma
covarde. Ela tinha que olhar. Isso poderia ser tudo para ela, sua famı́lia e
sua garota. Depois de respirar fundo e enviar uma oraçã o ao cé u, Buda
e Jesus també m, abriu o e-mail.
Respeitosamente,
Faculdade Comunitária de Santa Clara
Ela respirou fundo. E continuou respirando fundo. Os olhos dela
embaçaram e o rosto queimava, e os pulmõ es ameaçavam
estourar. Quando ela expirou, ela perdeu mais do que o ar. Ela exalou
seus sonhos e suas esperanças, e seu corpo caiu sobre si mesmo.
Gotas caı́ram sobre a mesa recé m-lavada e ela as deixou cair. Ela foi
avaliada, considerada de pouco ou nenhum valor e descartada. Isso
continuava acontecendo com ela. De novo e de novo e de novo. E ela
estava tã o cansada agora. Tã o cansada.
Como você mudava sua vida quando estava presa assim? A histó ria
dela nã o a de inia. Suas origens nã o a de iniam. Pelo menos nã o
deveriam. Ela poderia ser mais, se tivesse uma chance.
Mas as pessoas nã o viam quem ela era por dentro. Eles nã o sabiam. E
ela nã o tinha como mostrá -los sem uma oportunidade.
Os sinos na porta tocaram e ela olhou para cima a tempo de ver Quan
caminhar até a mesa. Ele usava uma jaqueta de moto por cima de uma
camiseta de grife e jeans e dominava o restaurante com seu corpo
grande e grande presença.
Ele olhou para ela e seu rosto se enrugou de preocupaçã o. — Oh
inferno, o que há de errado? — Ele olhou para a cozinha. — Foi minha
mã e? Ela gritou com você ? Eu falo com ela. — Ele se dirigiu para lá e ela
se apressou a passar um braço sobre o rosto.
— Nã o, nã o, nã o foi Cô . — Ela respirou irregularmente e se
levantou. Empurrando um sorriso nos lá bios, ela perguntou: — Quer
alguma coisa? Agua? Café ? Coca Cola?
— Nã o, eu estou bem. Você deveria sentar. Você parece... — Ele
balançou a cabeça sem terminar, conduziu-a de volta para a cabine e
sentou-se em frente a ela. — O que aconteceu? — Quando ela nã o
respondeu imediatamente, ele perguntou: — Algo com Khai? Eu meio
que pensei que você s dois voltariam a se ver esta semana. Eu tive uma
conversa com ele.
Ela colocou um sorriso experiente nos lá bios e balançou a cabeça. —
Nã o, nã o estamos juntos. — Ela tocou as bordas de seu telefone com
mais precisã o -telefone de Khai, ela iria dar-lhe de volta antes de sair.
— Ele nã o ligou para você ou algo assim? — Quan perguntou.
Ela a inou os lá bios. — Nã o. — Ela teria atendido se ele tivesse? Ela
sabia que ele nã o iria lhe dizer o que queria ouvir, mas també m nã o
pô de deixar de se preocupar com ele. A cerimô nia no domingo o abalou
de uma maneira que ela nunca tinha visto antes. — Como ele está ?
Quan esticou a cabeça de um lado para o outro e esfregou a parte de
trá s do pescoço tatuado. — Essa é a grande questã o, nã o é ? Ningué m
sabe. Acho que ele nã o sabe.
Ela nã o sabia o que dizer sobre isso, entã o olhou para o telefone.
— Por que as lá grimas? — Ele perguntou, soando tã o gentil que ela
quase começou a chorar novamente.
— Algumas notı́cias. Eu sabia que eram ruins, mas tinha esperança de
qualquer maneira, e entã o... — Ela encolheu os ombros.
— Notı́cias sobre o que?
— Bolsa de estudos, para ir para a faculdade aqui. Eu nã o consegui. —
Ela tentou o má ximo que pô de para manter seu tom leve e uniforme,
mas sua voz tremeu no inal de qualquer maneira.
— Esse era o seu plano? Conseguir uma bolsa e visto de estudante? —
Ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça e colou um sorriso determinado no rosto,
preparando-se para o caso de ele rir dela como as pessoas da faculdade
comunitá ria provavelmente tinham.
— Khai ama você , você sabe. — Disse Quan.
Ela icou rı́gida como se um raio a tivesse atingido, e seu coraçã o
pulou uma batida, duas batidas. — Ele te disse isso?
— Nã o — ele disse com uma torçã o dos lá bios. — Ele nã o me disse
isso. Bem, nã o com palavras. Mas eu sei. Você sabe que ele é autista,
certo?
Aquela palavra. Ela se lembrava de ter ouvido antes. — Sim, ele me
disse.
Ele procurou o rosto dela. — Você sabe o que isso signi ica?
Ela mexeu no telefone desconfortavelmente. Para ser sincera, ela nã o
tinha pensado muito nisso. — Eu pensei que talvez -o toque. Existe uma
maneira de fazer isso.
— Isso faz parte, mas há mais. A mente dele é diferente – nã o, nã o é
uma doença. A maneira como ele pensa e també m a maneira como
processa emoçõ es nã o é como a maioria das pessoas. — Isso a fez
parar. Sim, ele era diferente, mas suas diferenças nã o eram obstá culos
insuperá veis. Pelo menos, ela nã o sentia que eram. Para ela, Khai era
apenas Khai, e ela o aceitou do jeito que ele era.
A coisa que ela ainda nã o tinha sido capaz de aceitar era o fato de que
ele nã o a amava, que ele nã o aceitou ela.
Como se ele pudesse ler sua mente, Quan disse: — Khai ama você . Ele
apenas nã o descobriu ainda.
Ela teve di iculdade em acreditar nisso. O amor nã o era
complicado. Você sentia ou nã o. Nã o havia nada para - descobrir -.
O olhar de Quan se tornou penetrante e ele perguntou: — Você quer
descobrir de uma vez por todas se ele a ama? Eu sei como.
Seu orgulho disse a ela para dizer nã o, ela tinha lhe dado chances
su icientes. Mas seu coraçã o tinha que saber. Sentindo-se vulnerá vel,
ela disse: — Sim, como?
Ele a olhou diretamente nos olhos e disse: — Se nã o der certo, você
acabará casada comigo. Disposta a jogar?
CAPÍTULO VINTE E SEIS
Khai olhou para o Convite Eletrônico em seu celular, aturdido. Ele tinha
que estar sonhando – nã o, nã o sonhando, tendo um pesadelo. Isso nã o
poderia ser real.
•••
Amanhã seria o grande dia, e Khai nã o tinha ligado ou tentado ver
Esme sequer uma vez.
Se ele estava disposto a deixá -la se casar com seu irmã o, ele nã o devia
estar com ciú mes.
Quan estava errado.
No momento em que ela pensou nele, Quan entrou no
restaurante. Seu peito se contraiu quando viu a grande capa de terno
jogada por cima do ombro dele.
Ela podia adivinhar o que era aquilo, e isso fez suas palmas suarem.
Ele colocou sobre a mesa e apontou um sorriso torto para ela. — Vy
pediu isso emprestado para você .
Esme limpou as mã os no avental. Depois de olhar para ele para
con irmar que estava tudo bem, ela pegou o zı́per e puxou-o para baixo.
Pedaços acolchoados de pano saı́am da capa e ela ofegou e cobriu a
boca. Era o vestido de Vera Wang de dez mil dó lares de Sara.
Quan riu com a reaçã o dela. — Acontece que reservar locais de
casamento de ú ltima hora é muito louco. Você meio que tem que pegar
o que pode conseguir, e o que eu consegui foi o City Hall de Sã o
Francisco – o casal que a reservou teve um rompimento maciço e
cancelou ontem. Você vai querer se vestir bem.
— E um bom lugar?
— Sim, muito bom. — Disse Quan com outra risada.
Ela afastou as mã os do vestido e limpou as palmas das mã os sobre o
avental novamente. Ela sabia que ele mencionara se casar com ela se
Khai nã o descobrisse seus sentimentos, mas nã o podia ter sido
sincero. Por que ele iria querer casar com ela? Ele nã o sabia nada sobre
ela.
Enrugando seus lá bios, ela fechou a bolsa novamente. — Você deve
cancelar o casamento e devolvê -lo à Sara. Anh Khai nã o me ligou. Nã o
desperdice seu dinheiro.
― Nã o posso. Eu já paguei pela prefeitura, e sua famı́lia está a
caminho, lembra? — Seus olhos brilhavam quando ele mostrou um
sorriso inteligente para ela, distraindo-a da faı́sca de alegria
desesperada que surgiu quando ela pensou em ver sua garota depois de
tanto tempo. — Alé m disso, se você parecer feliz porque eu estou
mimando você , ele icará ainda mais ciumento.
— Mais? — Um gosto ruim encheu sua boca. Ficou claro que ele nã o
estava com ciú mes nenhum.
Quan se aproximou e inclinou a cabeça enquanto a olhava. — Ele é
morre de ciú mes de você . Você sabe disso, certo?
Ela olhou para ele sem responder.
— Eu fui sincero quando disse que me casaria com você — disse
Quan. — Seria apenas uma coisa temporá ria, de qualquer maneira. Eu
farei o meu trabalho, e você fará o seu. Quartos separados. Podemos nos
divorciar quando chegar a hora.
— Mas… —Ela balançou a cabeça em confusã o. — Por que me ajudar?
Um sorriso triste se estendeu sobre seus lá bios. — Porque eu sou o
irmã o mais velho dele, e eu preciso fazer as coisas funcionarem. —
Entã o seu sorriso se aqueceu e alcançou seus olhos. — E eu gosto de
você e quero ver você conseguir. E uma coisa pequena para eu fazer,
mas signi ica muito para você , certo?
A respiraçã o escapou dela, e tudo o que ela pô de dizer foi: — Sim.
— Era tudo para ela.
Ele empurrou o vestido de volta para ela. — Realmente, nã o é um
grande problema para mim, e minha mã e adora ter você ajudando no
restaurante. Nã o vejo nenhuma desvantagem nisso.
Tensã o acumulada dentro. Ela tinha que contar para ele. Ele merecia
saber. Ela olhou para a bolsa, sem saber se deveria puxá -la para mais
perto ou afastá -la. Dependia de como ele reagisse ao que ela ia dizer.
— Eu tenho uma garotinha. Jade. Ela está em casa. No Vietnã . Khai… —
Ela mordeu o lá bio e passou o dedo pelo zı́per. — Ele nã o sabe sobre
ela.
Quando um longo momento de silê ncio passou, ela espiou e
encontrou Quan sorrindo para ela. Ela nã o viu julgamento nos olhos
dele. — Eu gosto de crianças.
— Você gosta? — Ela disse, respirando fundo.
— Claro.
— S-Será que Khai gosta?
Ele pensou por um segundo antes de dizer: — Eu acho que ele
gostaria da sua criança.
— Você ainda quer se casar? — Ela se fez perguntar. O suor embaçava
sua pele, mas ela continuou: — Quero que ela venha morar comigo,
conosco. E a minha má e ngoai.
— Sim — ele disse com uma risada. — Vamos fazer isso. Quanto mais
melhor, certo? Na verdade, nã o importa muito para mim. Eu mal ico em
casa.
Sua garganta engasgou e ela limpou a umidade dos olhos com as
costas do braço enquanto seu corpo enfraquecia de alı́vio. — Entã o
estou feliz e grata por me casar com você . Mas nã o precisamos de um
bom casamento. — Honestamente, ela queria um casamento barato. Ela
devia a Quan pelo resto da vida e nã o queria adicionar um casamento
caro à sua conta.
Ele balançou a cabeça para ela. — Eu posso ver que você está se
preocupando. Nã o se preocupe.
— Mas...
— Está tudo muito bem, Esme. — E desta vez, havia uma ponta dura
em seu tom e expressã o.
Ela assentiu. — Ok, nã o vou me preocupar. — Mas isso era mentira.
Casar com Quan era a soluçã o para todos os seus problemas. Depois
que se casasse com ele, ela poderia se inscrever nas escolas como
residente legal e trabalhar para pagar sua mensalidade. Ela nã o
precisaria de uma bolsa para seguir seu novo sonho.
Mas uma grande parte dela ainda esperava que Khai interviesse, e
temia que ele nã o o izesse. Seu futuro, mesmo que empoderado, nã o
era perfeito, a menos que ele estivesse nele. E nã o como seu cunhado.
CAPÍTULO VINTE E SETE
O ponteiro dos minutos no reló gio marcava o seis. 10:30 e ainda nada
de Khai.
Esme abraçou as mã os sobre o estô mago e olhou para seu re lexo
novamente. A noiva no espelho parecia so isticada e bonita – um
vestido da Vera Wang de dez mil dó lares faria isso com qualquer uma –
e pá lida como a morte.
Khai nã o iria parar o casamento. Ela teria que se casar com o irmã o
dele.
Ela disse a si mesma mil vezes que ele nã o viria, e ainda assim, a
realidade ainda a esmagava como uma montanha. Lá grimas ameaçaram
derramar e estragar sua maquiagem, e ela rapidamente as limpou. Ela
disse a si mesma para ser feliz. Qualquer outra garota do Vietnã diria
que isso foi um sonho tornado realidade. Marido bonito, vestido de
grife, no City Hall, buquê s de lores extravagantes, toneladas de
convidados e, alé m de tudo isso, ela e sua famı́lia poderiam icar. Eles
teriam aquela nova vida brilhante que di icilmente ousariam
esperar. Ela poderia seguir seus sonhos e ser um modelo adequado
para sua ilha.
Mas era o marido bonito errado. Quan era ó timo, mas ele nã o
era Khai. Ele nã o se apressou em vê -la no consultó rio mé dico ou a
carregou para o carro depois. Ele nã o a beijou como se ela fosse
tudo. Ele nã o reservou seus melhores sorrisos apenas para ela.
Sem Khai, esse casamento parecia uma farsa, mas ela iria continuar
com isso de qualquer maneira. Ela contou tudo a Quan, desvendou seus
segredos e falhas, e ele ainda queria que ela tivesse essa
oportunidade. O governo nã o se importava com ela, nem as escolas,
nem as organizaçõ es de bolsas de estudo, mas essa pessoa sim, e à s
vezes uma pessoa podia fazer um mundo de diferença. Ela faria tudo ao
seu alcance para garantir que ele nã o se arrependesse de ajudá -la. Ela
faria a diferença neste mundo.
Ela aprumou os ombros e ergueu o queixo, sentindo a determinaçã o
queimar profundamente. Ela nã o era impressionante de nenhuma
maneira que você pudesse ver ou medir, mas ela tinha esse
fogo. Ela sentia isso. Esse era o valor dela. Ela lutaria por seus entes
queridos. E ela lutaria por si mesma. Porque ela importava. O fogo
dentro dela importava. Poderia alcançar e realizar. As pessoas podiam
menosprezá -la, mas ela estava caminhando com a maior integridade
possı́vel, com opçõ es limitadas. A mulher no espelho usava um vestido
de noiva e salto alto, mas seus olhos brilhavam com a con iança e o
impulso de um guerreiro.
Se isso nã o era elegante, ela nã o sabia o que era.
— Má.
Esme se afastou do espelho quando um pequeno corpo se lançou
sobre ela. Braços em volta da cintura, e seu coraçã o explodiu com
incandescê ncia. Ela levantou a garota e a abraçou com força, apertando
as bochechas como sempre fazia, e esse enorme amor loresceu dentro
dela. Cheiro de bebê , pele macia, corpo pequeno – bem, nã o tã o
pequeno agora.
— Aqui está a minha garota.
O rostinho aconchegou-se perto, e por cima do ombro de sua garota,
Esme viu sua mã e e avó entrarem no quarto.
Elas tinham acabado de chegar do Vietnã no dia anterior e deviam
estar cansadas e sofrendo com o fuso-horá rio, mas as duas vestiram
suas roupas mais extravagantes e estavam sorrindo de orelha a orelha
com entusiasmo. A mã e dela estava até usando maquiagem. Esme
nunca a tinha visto tã o bonita e, de repente, icou feliz por Quan ter
decidido ter um casamento tã o extravagante. Os casamentos eram tanto
para as famı́lias quanto para os noivos, talvez mais.
— Solte sua mã e. Você vai estragar o vestido dela. — Disse a mã e
enquanto pedia a Jade que descesse. Entã o ela abraçou Esme com força,
e Esme nã o pô de deixar de sentir o cheiro suave de molho de peixe nas
roupas e cabelos de sua mã e e sorrir. Esme tinha que estar meio
americanizada agora se conseguiu detectar esse perfume. Ela nã o se
importava, no entanto.
Sua mã e se afastou e suspirou com orgulho maternal enquanto olhava
para Esme em seu vestido. — Garota, você está sublimemente bonita.
— Realmente linda. — Sua avó a abraçou brevemente, uma
demonstraçã o extraordiná ria de afeto, já que as geraçõ es mais antigas
geralmente nã o se abraçavam, e Esme sentiu o cheiro de mais molho de
peixe. Em vez de se preocupar em sair do quarto, ela respirou
profundamente. Isso a lembrou de casa. Ela era uma garota do interior,
a inal. Suas origens nã o a de iniam, mas faziam parte dela. Ela se
recusava a ter vergonha delas.
— Má parece uma fada. — Jade disse com reverê ncia antes de sua
testa se enrugar. — Câ u Quan vai ser meu pai depois disto?
Esme suspirou e roçou os dedos sobre a bochecha macia da garota. —
Eu nã o sei. Talvez. Mas nã o tenha muitas esperanças, ok? Câ u Quan está
apenas se casando comigo para nos ajudar. Nã o é um casamento de
verdade. Você entende?
A expressã o de Jade icou solene. — Entendo.
— Este lugar é bom demais para nã o ser um casamento de verdade —
insistiu a mã e, olhando para os elegantes mó veis e molduras da
coroa. — Tã o limpo, tã o grande, ar condicionado. Ele tem boas
intençõ es, My.
Esme nã o tinha energia para explicar, entã o ela suspirou e levantou os
ombros. As quatro se acomodaram nos sofá s, Jade bem ao lado de sua
mã e, e acompanharam as fofocas de casa enquanto os minutos
passavam no reló gio.
Esme icava mais ansiosa a cada segundo que passava até inalmente
abraçar Jade e fechar os olhos, distraı́da demais para se concentrar nas
conversas.
Uma batida soou, e Quan abriu a porta, entrou e fechou a porta atrá s
de si. Ele acenou para sua avó e sua mã e e piscou para Jade antes de se
concentrar em Esme, parecendo perigosamente bonito em seu terno e
tatuagens. Talvez ele també m parecesse um pouco atordoado. Esme
nunca pareceu tã o impressionante, e ela sabia disso.
Recuperando-se, ele disse: — Está na hora. — Ele encolheu os ombros
para ajustar o paletó . — Ele nã o está aqui, entã o vamos fazer isso.
— Você tem certeza? — Esme perguntou.
— Absoluta. Você tem?
Esme se levantou, arrumou a saia, respirou fundo e assentiu.
— Sim. Obrigada. Por tudo.
Seus olhos encontraram os dela e enrugaram nas bordas enquanto ele
sorria. — Claro. — Ele abriu a porta e levou Esme e sua famı́lia para o
corredor, onde um homem mais velho de terno esperava com um
elaborado buquê de rosas brancas nas mã os. — Esse é meu tio. Ele vai
levá -la até o corredor.
O homem sorriu e inclinou a cabeça para todos, murmurando
cumprimentos educados.
— Nã o, eu vou acompanhá -la — disse a mã e antes de agarrar a mã o
de Esme e apertar. — Sou mã e e pai dela desde que ela era pequena. Eu
deveria fazer isso.
Quan sorriu surpreso. — Está bem entã o. Bá c informará quando for a
hora de entrar. Vejo você lá . — Ele acenou para ela uma vez e conduziu
sua avó e Jade para o local da cerimô nia, deixando Esme e sua mã e lá no
corredor com o tio.
Ela respirou fundo e deu um sorriso tenso para a mã e e o tio de Quan
enquanto lutava contra uma crescente sensaçã o de pâ nico. Ela estava
fazendo a coisa certa; ela sabia disso. Mas seu coraçã o nã o se
importava. Ele queria o que queria, e isso nã o era Quan ou um
casamento falso. Seu coraçã o queria Khai, para sempre.
Passos altos ecoaram pelo corredor de má rmore e, por um segundo,
suas esperanças aumentaram. Talvez ele tivesse vindo depois de tudo.
Mas os passos desapareceram antes que algué m aparecesse, e as
esperanças de Esme despencaram novamente.
Um violoncelo começou a tocar em algum lugar distante, e o tio de
Quan disse: — Por aqui.
Ele entregou o buquê a Esme, e suas mã os icaram dormentes. Um
alto silê ncio encheu sua cabeça.
Já era tempo.
Sua mã e abraçou-a, sorriu com incentivo e a guiou a seguir o tio de
Quan. O edifı́cio ecoou quando sapatos de salto alto clicaram sobre o
má rmore, clique-clique, clique-clique, clique-clique. Eles entraram na
rotunda, onde a cerimô nia aconteceria no pé da maior escada que ela já
vira. Um teto abobadado cor de mar im arqueava acima com
intrincadas obras de arte de anjos – ou talvez pessoas nuas. De
qualquer maneira, eles deviam estar com frio.
Fileiras e ileiras de convidados, lores, violoncelista, um noivo bonito
esperando por ela no altar. Deveria tê -la feito feliz. Isso nã o aconteceu.
Ela apertou o buquê com mais força, ergueu o queixo e se preparou
para andar pelo corredor central entre os convidados sentados.
— Senhor, você nã o pode entrar aqui. Há um casamento
acontecendo. Senhor...
Uma comoçã o atrá s dela a fez girar enquanto seu coraçã o cantava
com antecipaçã o.
Mas nã o era Khai.
Era um homem mais velho, um homem de aparê ncia familiar, mesmo
tendo certeza de que nunca o conhecera antes.
Altura mé dia, um pouco de barriga, calças cá qui, uma camisa de botã o
azul claro e um casaco esportivo azul marinho. Cabelo curto que era
mais sal do que pimenta. E olhos que poderiam ter qualquer cor a essa
distâ ncia. Se ela estava sendo honesta, eles pareciam marrons.
Seu coraçã o parou de bater.
Ele tinha mã os de motorista de caminhã o?
— E você ? — Ele perguntou, mas nã o estava olhando para Esme. —
Linh?
A mã e de Esme ofegou e cobriu a boca.
O homem deu um passo à frente, seus movimentos lentos como se
estivesse em transe. — Recebi o correio de voz mais estranho
ontem. Algué m procurando um Phil que conheceu uma Linh no Vietnã
vinte e quatro anos atrá s. Ele disse que a ilha de Phil se casaria hoje no
City Hall de Sã o Francisco e que ela precisava do pai.
Ele procurou o rosto de Esme antes de se concentrar no lado dela
novamente, e sua mã e agarrou o braço de Esme como se fosse a ú nica
coisa que a mantinha na posiçã o vertical.
— Nã o sabia ao certo. Eu pensei que as chances eram baixas. Eu vim
de qualquer maneira — disse o homem quando se aproximou, ainda a
dois metros de distâ ncia, um metro, e o tom verde-claro de seus olhos
tirou o ar de Esme. — Peguei o primeiro voo vindo da cidade de Nova
York.
— Você mora em Nova York? — Sua mã e perguntou, usando o ú nico
inglê s que Esme já a ouviu falar.
— Sozinho, moro sozinho em Nova York. — Ele pigarreou antes de
continuar. — Voltei. Por você . Eu procurei por você em todos os
lugares. Você nã o estava em lugar nenhum. Mas agora, acho que sei o
porquê . Ela é — seu olhar voltou para Esme — minha?
Sua mã e empurrou Esme até que ela se aproximou dele, e Esme disse:
— Schumacher? Esse é o seu nome? Phil Schumacher?
Rugas confusas escureceram sua testa. — Phil Schuma... nã o, eu nã o
sou um Schumacher. Meu nome é Gleaves. Gleaves Philander. Eu fui Phil
até me tornar Gleaves — ele disse com um sorriso de desculpas antes
que seus olhos se arregalassem de horror. — E por isso que você nã o
conseguiu me encontrar? Tudo que você sabia era Phil. Você estava
procurando um Philip.
— Querem adiar o casamento e conversar sobre isso em algum lugar
em particular? — Quan perguntou enquanto caminhava pelo corredor
em direçã o ao seu pequeno grupo.
Antes que algué m pudesse responder, houve outra comoçã o atrá s
deles.
— Senhor, há um casamento...
— Estou aqui para o casamento. — Disse uma voz familiar, e
Khai invadiu a sala, parecendo desordenado, com os cabelos em todas
as direçõ es e o peito ondulando como se ele tivesse corrido até aqui. Ele
deu uma olhada em Esme e seus olhos icaram sonhadores.
— Você está atrasado. — Disse Quan.
Sem desviar os olhos de Esme, Khai disse: — Peguei trâ nsito, mas me
ajudou o fato de vir de moto até aqui. Eu dei a volta nos carros parados.
— Já estava na hora. — Disse Quan.
Mas Khai nã o notou seu irmã o. Ele estava olhando para Esme como
costumava fazer, com total atençã o. — Me desculpe, estou atrasado –
em andar de moto e vir aqui.
Ela balançou a cabeça. Depois de ver a foto do primo dele ao lado da
motocicleta, tudo se encaixou. — Nã o precisa se desculpar. Eu entendo.
Khai engoliu em seco e deu um passo na direçã o dela, esticou os
dedos para fora, relaxou-os, os estendeu novamente. — O casamento já
acabou? Havia algo que eu precisava dizer.
— Nã o, nã o acabou. — As mã os de Esme tremiam, entã o ela as
apertou em seu buquê . Ele estava aqui. Ele veio. Ele tinha algo
importante a dizer.
Sua esperança cresceu tanto que ela nã o sabia como seu corpo a
segurava.
Seus ombros caı́ram de alı́vio antes que ele notasse o outro
perturbador de casamentos ao lado dele. — Quem é você ?
O homem – muito possivelmente o pai dela – procurou por palavras
por um momento antes de dizer: — Sou Gleaves.
Khai assentiu como se tudo estivesse perfeitamente normal. — Você
deve ser o Phil certo, entã o. Que bom que você conseguiu.
— Você foi quem deixou a mensagem de voz. — Disse Gleaves.
— Você nunca me ligou de volta.
— Eu pulei no pró ximo aviã o que vi.
— Isso é bom… — O que Khai teria dito a seguir foi interrompido
quando Jade correu pelo corredor e agarrou as saias de Esme.
— Ele é o Câ u Khai. — Disse Jade.
O queixo de Khai caiu, e ele olhou para Jade. — Uma mini Esme.
O coraçã o de Esme bateu forte quando ela olhou de Khai para Gleaves
e de volta. Os dois homens pareciam estupefatos. — O nome dela é
Jade. Ela é minha.
Jade se aconchegou mais perto.
Os olhos de Khai encontraram os dela. — Você nunca me contou.
— Cô Nga disse que você nã o queria uma famı́lia, e eu estava com
medo, e... — Ela mordeu o lá bio. Ela nã o tinha mais argumentos do que
isso.
O que ele veio aqui para dizer? Essa notı́cia mudava as coisas?
Ela levantou o queixo. Se ele pensava que ela era impetuosa por ter
uma bebê tã o nova, ele nã o a merecia e nem a Jade.
Ele a surpreendeu agachando-se, observando Jade, e estendendo a
mã o como se fossem conhecidos reunidos para negó cios.
Jade olhou para Esme por um segundo antes de se aproximar
de Khai. Depois de olhar para ele por um longo tempo, ela apertou a
mã o dele como uma pequena adulta.
Nem disseram uma ú nica palavra, mas Esme teve a sensaçã o de que
eles se entendiam perfeitamente.
Quando Khai se endireitou, ele olhou em volta, olhando Gleaves, Jade,
Quan e, inalmente, a mã e de Esme. Inclinando a cabeça para ela, ele
disse: — Chào, Cô .
A mã e dela estreitou os olhos para ele. — Que coisa importante você
tem a dizer? Temos muitas pessoas aqui esperando o inı́cio do
casamento.
Naquele momento, Esme icou terrivelmente consciente da atençã o
focada neles, centenas de olhos curiosos. — Má , vamos a algum lugar
privado. Ele pode dizer isso lá e...
— Nã o, aqui, onde todos podem ver. — sua mã e exigiu com uma voz
de aço, enfrentando-o apesar da gigantesca lacuna em seus nı́veis de
riqueza e educaçã o. — Minha ilha foi boa com você e você partiu o
coraçã o dela. O que você tem a dizer?
Ele se encolheu e deixou o olhar percorrer a multidã o, e Esme sabia
que ele odiava a atençã o deles tanto quanto ela. Eventualmente, no
entanto, ele se concentrou nela novamente, deu um passo à frente e
falou.
— Anh yêu em.
Ela respirou silenciosamente e cobriu a boca, chocada demais para
falar, para fazer qualquer coisa. Mesmo nos seus sonhos mais loucos,
ele dizia a ela que a amava em inglê s.
Ele deu outro passo em sua direçã o, e outro, até que estavam a um
mero braço de distâ ncia. Olhando para ela como se ela fosse tudo, ele
disse: — Eu amo você . Eu disse a mim mesmo que nã o. Porque tinha
medo de perder algué m de novo e duvidava de mim mesmo, e queria
apenas o melhor para você . Mas o sentimento icou grande demais para
negar. Meu coraçã o funciona de uma maneira diferente, mas é seu. Você
é a ú nica pra mim.
Ele apontou para Gleaves e Quan, e os dois homens se endireitaram.
— Você tem opçõ es agora. Você nã o precisa se casar se nã o
quiser. Agora que encontramos seu pai, sua papelada será fá cil – bem
mais fá cil. Mas se você quiser se casar… — Ele respirou fundo e caiu
sobre um joelho. — Case comigo. E nã o apenas por trê s anos, mas para
sempre. — Ele bateu nos bolsos e fez uma careta. — Esqueci seu anel,
mas juro que comprei um. E legal. Você provavelmente pode cortar
janelas com ele se… — Ele limpou a garganta e olhou para ela com
suavidade. —Você quer se casar comigo? Se você ainda me amar?
Seu coraçã o se encheu e encheu e encheu até seus olhos embaçarem
com lá grimas. — Eu vou sempre amar você .
— Isso é um sim? — Ele perguntou.
Ela entregou o buquê para sua mã e e o levantou. — Eu nã o preciso,
mas sim, vou me casar com você .
Seu maior sorriso se estendeu por seu rosto, com covinhas e, diante
de todos os convidados do casamento, ele a puxou para perto e a beijou
como se fosse a primeira vez. Lá bios contra lá bios, coraçõ es derretendo
juntos, nenhuma distâ ncia entre eles, nem mesmo o comprimento de
um braço.
EPILOGO
O FIM