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ª Frequência
Introdução
O Direito serve de fundamento e critério para os nossos comportamentos,
uma vez que regula a sociedade ao determinar o que é lícito ou ilícito e quais os
comportamentos válidos ou inválidos. Deste modo, o Direito é um “dever ser”.
Perspetivas do Direito
Há várias respostas possíveis para o quid jus, dependendo da perspetiva a
partir da qual o problema é abordado.
Numa perspetiva epistemológica1, procura-se apenas descrever os quadros
e conceitos do Direito, o que resulta numa análise redutora.
Numa perspetiva sociológica, o direito é observado e analisado do ponto
de vista social.
Numa perspetiva filosófica, há uma mera reflexão metanormativa, sem
atender ao contexto histórico-concreto do Direito.
1
Epistemologia trata dos problemas filosóficos relacionados com o conhecimento científico.
2
Segundo o filosofo francês Lyotard, num litígio as partes invocam padrões comuns, enquanto num
diferendo invocam padrões comportamentais muito diferentes (por exemplo, culturas muito distintas).
3 Um dos sujeitos pode ser um ente público, mas surgirá fora do exercício de funções soberanas.
Intersubjetividade/bilateralidade atributiva:
As relações jurídicas pressupõem sempre uma teia de direitos e deveres,
que são correlatos uns dos outros. Assim, no Direito estabelecem-se sempre
relações bilaterais, sendo que a um direito corresponde sempre um dever; já a
moral pauta pela unilateralidade, já que a um dever moral não corresponde um
direito. Segundo Castanheira Neves, “o princípio da moral está nos deveres” e “o
princípio do Direito está simultaneamente nos direitos e nos deveres”.
Deste modo, segundo Kant, a moralidade garante a liberdade interna (uma
ação é moralmente livre se o sujeito agir por puro dever, ou seja, se,
internamente, considerar que deve cumprir esse dever) e o Direito garante a
liberdade externa (internamente, o sujeito não tem de aderir ao dever, mas deve
cumpri-lo externamente).
Exigibilidade e executabilidade:
Uma vez que as relações jurídicas são bilaterais, o sujeito que tem o
direito pode exigir o seu cumprimento e o sujeito que não cumpre o dever pode
ver os seus bens/o seu património serem executados. Deste modo, a moral
determina que se faça, mas cabe ao sujeito decidir fazer ou não; já o Direito
ordena e, simultaneamente, confere a outrem o poder de exigir que determinado
ato se cumpra. Trata-se, segundo Miguel Reale, do Direito subjetivo, que
corresponde à faculdade de exigir uma ação de outro sujeito.
Sancionabilidade/problema da sanção:
Juridicamente, a palavra “sanção” utiliza-se no sentido etimológico do
termo: tornar autêntico ou efetivo. Assim, o Direito torna-se efetivo na prática
através da sanção, que pode ser positiva (quando promete um bem – função
promocional do Direito) ou negativa (quando ameaça um mal – função repressiva
do Direito).
As sanções positivas potenciam a intersubjetividade social, podendo
traduzir-se, por exemplo, em benefícios fiscais, ou na atribuição de um direito, o
que mostra que o Direito pode criar novas realidades.
As sanções negativas constituem restrições e proibições que acrescentam
uma negatividade real à própria negatividade do ilícito.
Se… Então…
Hipótese/previsão Estatuição/injunção
O problema da coacção
As sanções negativas podem ser coativas, mas também podem ser não
coativas. Para além disso as sanções positivas também não são coativas. Assim, a
coação é apenas um dos meios-instrumentos que o Direito utiliza para se tornar
efetivo, um “recurso de última raça”, não podendo ser utilizada como nota
distintiva para o caracterizar.
Se a coação distinguisse o Direito, não estaríamos em condições de
afirmar que um Estado totalitário não é um Estado de Direito. Deste modo, o que
caracteriza o Direito é a sancionabilidade e não a coercitividade (coação efetiva)
ou a coercibilidade (coação virtual ou possível).
Surge, assim, o problema das relações direito/poder, sendo que, segundo
Bronze, um poder e tanto mais eficaz quanto menos usar a coação e mais recorrer
a adequada argumentação.
Sanções preventivas
Pretendem evitar que o dano se concretize ou minimizar as consequências
do dano já causado, por exemplo, através de uma providência cautelar.
A especificidade do ónus
O ónus jurídico é um encargo (e não um dever jurídico). O seu
cumprimento é voluntário, mas se o sujeito não o cumprir advêm consequências
negativas para a sua esfera jurídica. Assim, trata-se da necessidade de um sujeito
adotar um determinado comportamento para obter certas vantagens ou evitar
desvantagens. Por exemplo, o sujeito tem o ónus de contestar em tribunal (não
tem o dever de contestar, mas, se não o fizer, os factos invocados na ação
inicialmente imposta serão dados como provados).
A concorrência no espaço
Ocorre quando se regista a plurilocalização das partes da controvérsia
jurídica, sendo necessária a conexão de diversas ordens jurídicas nacionais. Os
critérios secundários que auxiliam na resolução deste problema são as normas do
Direito Internacional Privado.
Deste modo, para Hart as regras secundárias têm várias vantagens sociais:
certeza e confiabilidade (regras de reconhecimento); flexibilidade na capacidade
de mudança (regras de mudança-transformação); e eficácia (regras de decisão-
julgamento).
Já para Teubner, as regras secundárias permitem passar de um direito
socialmente difuso para um direito parcialmente autónomo, i.e., distinguir o
sistema jurídico das restantes relações entre indivíduos.
Dificuldades e perguntas
Após o estudo das funções primária e secundária do Direito, surge a
seguinte questão:
Porque é que a analítica até agora ensaiada se mostra insuficiente,
nos planos objetivo e normativo, se quisermos compreender o projeto-
procura que prático-culturalmente distingue o Direito?
A Pólis Grega
O Direito autonomizou-se na pólis grega enquanto sentido e especulação
filosófica, iniciando-se aí uma discussão acerca da ideia de justiça enquanto
harmonia do cosmos que se manteve ao longo do projeto do Direito até hoje,
surgindo o Direito natural partindo do holismo1 metafísico-ético-político grego.
Uma vez que os valores provinham do Direito natural, tratavam-se de
pressupostos, seres definitivos, perfeitos e indisponíveis. Deste modo, o homem
era como um zoon politikon (“animal político”) que participava numa
comunidade indisponível.
A Civitas Romana
Foi na civitas romana que o Direito se autonomizou enquanto dimensão da
prática, já que os romanos tomaram consciência da exigência de respostas
específicas para problemas concretos. Deste modo, tornou-se relevante o papel
da iurisprudentia, sendo que os jurisconsultos consideravam que, sustentados
pela auctoritas e pela articulação de virtudes morais e intelectuais, não
constituíam o Direito, que se encontrava na natureza das coisas, mas apenas o
revelavam, descobrindo a ordem materialmente pressuposta na experiência
ontológica de cada caso, sendo que o pensamento jurídico se centrava na
comparação de casos análogos. Assim, a resposta do Direito às controvérsias
jurídicas respeitava as exigências de sentido presentes na ordem natural (Direito
natural), que eram indisponíveis.
1
Segundo o holismo, as propriedades de um sistema não podem ser apenas explicadas pela soma dos seus
componentes.
2
Ver páginas 6 e 7.
O jusracionalismo
O direito natural moderno converteu-se num jusracionalismo, que
começou nos finais do século XVI e inícios do séxulo XVII e foi até ao século
XIX. Este contrapunha o direito ideal enquanto sistema normativo-crítico ao
direito real ou histórico-social e político, o direito positivo. Assim, passou-se de
um sistema jurídico que compreendia vários níveis de normatividade, a natural
(fundamentante) e a positiva (concretizadora), para dois sistemas distintos
constitutivamente.
Os sistemas jurídicos passaram, então, a ser racionalmente construídos,
considerando-se que existia uma relação entre todos os direitos e deveres,
podendo, através de uma cadeia ininterrupta de raciocínios, deduzir-se uns dos
outros. Tal levou a uma conceção normativista do Direito3, pelo que a
codificação assumiu grande relevância no contexto moderno-iluminista,
procurando-se ainda um poder político que realizasse o jusracionalismo.
Castanheira Neves afirma que o jusracionalismo não se tratava de
verdadeiro Direito, já que, para o ser, não basta a essência racional e a
3
Ver página 7.
4
Ver páginas 3 e 7.
A Conceção Normativista
Na época moderno-iluminista, surgiu uma conceção normativista do
Direito7, i.e., este passou a ser compreendido como um sistema autónomo de
normas cujo conteúdo era racionalmente determinado em abstrato e só depois
aplicado na prática. Assim, o Direito existia nas normas, independentemente da
sua realização concreta. Assim, o Direito tem de ser positivo, através da
legislação sistemática nos códigos.
Os códigos jusracionalistas não se limitaram a especificar, ordenar,
melhorar ou reformar o direito já vigente, mas constituíram um direito novo que
determinou a «planificação global da sociedade». Destacam-se o Código
Prussiano e o Código civil Austríaco no despotismo iluminado, assim como os
códigos napoleónicos pós-revolucionários.
5
Ver páginas 3 e 6.
6
Fenomenologia é o estudo da essência dos fenómenos.
7
Ver página 5.
8
Adventício: que vem depois, que não é natural.
A Escola Histórica
Primeiramente, surgiu a Escola Histórica do Direito, na qual se destacou
Savigny. Esta surgiu de modo a combater o positivismo exegético que defendia o
legalismo e, portanto, a codificação, mas acabou por propiciar a emergência do
positivismo jurídico.
Inicialmente, a EH defendia que o Direito não resultava da racionalização
da vontade geral, mas sim da manifestação do “espírito do povo” ao longo dos
tempos, que o legislador deveria interpretar. Ora, sendo a história cultural
diferente de povo para povo, o Direito não poderia resultar meramente da
racionalidade universal. Assim, Savigny defendia que o Direito resultava da
conjugação do elemento político, que vincula o Direito aos costumes de cada
comunidade-povo, com o elemento técnico, segundo o qual o Direito vai
evoluindo através do exercício da “ciência do Direito”.
O Cientismo Positivista
O cientismo reduz qualquer validade cultural ao esquema das disciplinas
empírico-analíticas, considerando que a ciência é o domínio da experiência de
um objeto. Assim, considerava-se que a única objetividade é a das ciências
empíricas, ou seja, a objetividade teorética. Ora, o Direito foi influenciado por
esta valorização da ciência, tornando-se num objeto do pensamento jurídico.
Assim, passou a considerar-se que o Direito era criado pelo poder legislativo e ao
pensamento jurídico cabia apenas conhecê-lo, de modo a auxiliar o juiz na
interpretação e aplicação das leis. Surgiu, então, um dualismo metodológico,
distinguindo-se a técnica (interpretação e aplicação da lei) da teoria da ciência do
direito, o que levou à afirmação tanto da intenção prática do Direito como da
intenção teorética do discurso decisório.
Deste modo, o cientismo positivista acabou por hipertrofiar os discursos e
os tipos de racionalidade (pressuposição axiomática, método indutivo e
raciocínios lógico-dedutivos).
9
Teleologia: estudo dos fins.
Coordenada Funcional
Até ao século XVIII o Direito e o pensamento jurídico identificavam-se,
entendendo-se que um jurista a fazer doutrina estava a refletir acerca do Direito,
pelo que a sua atividade tinha as mesmas funções intenções prático-normativas
que o próprio Direito.
Coordenada Epistemológico-Metodológica
De acordo com o positivismo legalista, a ciência do Direito tinha como
objetivo uma construção meramente conceitual resultante de elementos do
sistema jurídico – trata-se da sua coordenada epistemológica. No entanto, acresce
que esta coordenada era também metodológica, uma vez que o Direito era
aplicado formalmente através do raciocínio lógico-dedutivo, estando as leis
construídas previamente em abstrato.
Assim, para o positivismo legalista apenas importava ter um
conhecimento exegético da lei, através da mobilização de regras da hermenêutica
filológica tradicional, de modo a conceitualizar o conteúdo histórico-
concretamente contingente das normas.
A Crítica Metodológica
Com a autonomização progressiva de uma interpretação normativo-
teleológica10, alguns juristas começaram a chamara a atenção para o fosso entre o
que era a aplicação do Direito através do silogismo subsuntivo e, portanto, do
método lógico-dedutivo, e a sua verdadeira aplicação na prática. Para solucionar
uma controvérsia não bastam as regras lógico-formais, porque o difícil é a
obtenção das premissas e não a sua articulação. Para além disso, não faz sentido
10
Teleologia: estudo dos fins.
As Transformações Culturais
Surgiu uma nova visão da ciência que abriu portas a novas racionalidades,
pondo-se em causa a ideia de que todos os domínios da prática são explicados
pela razão lógico-dedutiva.
Assim, surgiu também uma nova conceção do homem, em quatro planos
distintos:
Homo socialis da racionalidade estratégica, que a crise do Estado
Providência transformou em homo economicus;
Homo ludens das guerras e jogos de linguagens, fragmentado em
diferenças e diferendos:
Homo humanus da compaixão, responsabilidade e hospitalidade.
Sujeito prático-hermenêutico que dá conta da sua finitude e se
compromete com a transfinitude dos valores comunitários.
Cumprimento do Contrato
O individualismo formalista do contexto positivista e a compreensão de
que o domínio dos negócios jurídicos é de autodeterminação das vontades, mas
também de auto-responsabilização, levava a que houvesse uma exigência do
rigoroso cumprimento dos contratos, consubstanciada na fórmula pacta sunt
servanda, consagrada no art. 406.º/1 do C.C., que tinha como consequências a
pontualidade, a irrevogabilidade dos vínculos e a intangibilidade do conteúdo dos
contratos. Assim, só era possível a transformação ou extinção do contrato por
mútuo acordo das partes.
No entanto, esta visão pode levar a situações ruinosas causadas por
situações imprevisíveis. P.e., A realiza um contrato de promessa de compra e
venda de modo a adquirir um prédio para demolir, no entanto, entre este e o
contrato definitivo, surge uma lei que decreta que, por se tratar de um património
com elevado valor histórico, o prédio não pode ser demolido. À luz do
pensamento positivista, tal acontecimento não teria relevância par ao direito, não
sendo possível a desvinculação ou alteração do contrato.
11
Art. 487.º/2 do C.C..