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Artigo 9:49-60, 2012

TERRÆ Rosangela Justen, Celso Dal Ré Carneiro

Trabalhos de campo na disciplina Geografia:


estudo de caso em Ponta Grossa, PR
Rosangela Justen-Zancanaro
CHALEC/Unidavi. Centro Univ. para Desenv. Alto Vale
do Itajaí.
rosangela@unidavi.edu.br
Celso Dal Ré Carneiro
Depto. Geociências Aplicadas ao Ensino, Instituto de
Geociências, Unicamp.
cedrec@ige unicamp.br

ABSTRACT Teaching methods based on field activities make a closer approximation between the studied object and
students. Fieldwork yelds an excellent learning environment, promotes group socialization and allows to consider both the
prior knowledge of the student and the local reality as well. A research on field activities in the Geography discipline of basic
education schools was developed. The research aimed to investigate whether or not fieldwork is done by teachers of public
and private schools of Ponta Grossa municipaty, PR. It has been found that more than 50% of the consulted geography
teachers apply field methodologies. Difficulties to carry out field activities were also identified: (a) lack of financial support
for students, (b) liabilities that a teacher must assume when taking a student out of the school environment, and (c) lack
of time for preparation. The research has largely confirmed the initial hypothesis: the participant teachers attribute a great
value for this didactic resource because they get good results from it. Even those who do not attach great importance to the
activities. Citation: Justen-Zancanaro R., Carneiro C.D.R. 2012. Trabalhos de campo na disciplina Geo-
grafia: estudo de caso em Ponta Grossa, PR. Terræ, 9(1-2):49-60. <http://www.ige.unicamp.br/terrae/>.

Keywords: Methodology of teaching, fieldwork, Geography teaching, Ponta-Grossa-PR, Geosciences.

RESUMO Métodos de ensino baseados em atividades de campo aproximam o objeto estudado do estudante, pois
o campo oferece ótimo ambiente, promove socialização e permite considerar tanto o conhecimento prévio do aluno como
a realidade que o envolve. O quadro, favorável, motivou pesquisa com professores de educação básica sobre atividades de
campo da disciplina Geografia em Ponta Grossa, PR. O questionário de pesquisa objetivou investigar a realização ou
não de trabalhos de campo em Geografia, envolvendo escolas públicas e particulares. Verificou-se que mais de 50% dos
professores de Geografia consultados aplicam metodologias de campo. Identificaram-se dificuldades que levam à não-
-realização, como: (a) aspectos de ordem financeira dos alunos, (b) responsabilidades do professor ao retirar o aluno do
ambiente escolar, e (c) falta de tempo para preparação. A pesquisa confirmou amplamente a hipótese inicial de que os
professores consultados valorizam tal recurso didático porque obtêm bons resultados. Mesmo aqueles que não as realizam
atribuem grande importância para tais atividades.

Palavras-chave: Metodologia de ensino, trabalhos de campo, Ensino de Geografia, Ponta Grossa, Geociências.

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INTRODUÇÃO sentativo de professores de educação básica no muni-


O ensino de Geografia tem passado por pro- cípio e que, dentro desse conjunto de participantes
fundas modificações. Muitas vezes a disciplina foi da pesquisa, a maior parte valorize os trabalhos de
concebida como mera descrição e retransmissão de campo como recurso didático, tanto em função das
dados e informações, cabendo aos alunos memo- respectivas experiências pessoais quanto pelo fato
rizá-las. No entanto, após reformulações dessa de que recolhem bons resultados da utilização de
ciência, questionou-se o papel da Geografia para a atividades de campo.
vida do aluno. Passaram a ser considerados também
o saber e a realidade que o envolve, aspectos que MATERIAIS E MÉTODOS
podem servir de ponto de partida e referência para
estudo do espaço geográfico. A Geografia é ainda A pesquisa foi edificada a partir da aplicação de
uma ciência caracterizada pela somatória de contri- questionário junto aos professores que ministram
buições multidisciplinares que permitem definir e a disciplina de Geografia em escolas públicas e pri-
caracterizar um lugar, possibilitando ao indivíduo vadas do município de Ponta Grossa, focando para
condições de compreender a paisagem que o cerca. o tema trabalhos de campo. Segundo Theodoro e
A ciência pode ser ativa no desenvolvimento Theodorson apud Fachin (2006):
de ações multi-integradoras, visando conservação,
“(...) o questionário é um modelo ou documento
recuperação ou preservação do ambiente. Os proces-
em que há uma série de questões, cujas respostas
sos que culminam na formação do saber geográfico devem ser preenchidas pessoalmente pelos infor-
podem ser equacionados e/ou solucionados de várias mantes, tendo como intuito, a coleta de informa-
formas. No ensino, são adotadas diferentes metodo- ções” (Theodoro e Theodorson apud Fachin 2006,
logias dentre as quais uma, de extrema importância p. 158).
para o ensino de Geografia, é representada pelas ati-
vidades de campo. O professor dessa ciência, por ser A opção por esse método deu-se por motivos
também um indagador do espaço construído pelas como: (1) número expressivo de escolas nas quais
sociedades, pode desempenhar papel fundamental deveria ser aplicado o questionário, (2) o pesqui-
ao auxiliar o aluno no processo de compreensão e sado pode responder às questões no momento que
questionamento da dinâmica espacial, por meio da achar conveniente e (3) o fato de as escolas serem
investigação do espaço de vivência. geograficamente dispersas no município. O ques-
A pesquisa aqui descrita teve o objetivo de tionário apresenta questões abertas e fechadas:
investigar a realização ou não
de trabalhos de campo em
Geografia, em estabelecimen-
tos de ensino público e parti-
cular, no ensino fundamental
e médio em Ponta Grossa
(PR) (Justen 2010). Foram
pesquisados (Justen e Carneiro
2009): os locais das saídas de
campo, motivos da escolha de
locais, realização de trabalhos
interdisciplinares e existência
de avaliações pós-trabalho de
campo. Para objetivar a clas-
sificação didática das saídas, o
estudo baseou-se na classifica-
ção proposta por Compiani e
Carneiro (1993).
A hipótese inicial para reali-
zação da pesquisa é a de que se
poderia atingir número repre- Figura 1. Localização do município de Ponta Grossa, PR

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1. Questões abertas são as que permitem que o outubro/2008 a março/2009. O primeiro contato
pesquisado discorra espontaneamente sobre as foi feito pessoalmente com direção ou assessor
perguntas; é livre a deliberação e escolha das res- pedagógico de cada unidade escolar, sendo entre-
postas, sem quaisquer limitações e mediante uso de gue carta explicativa sobre a pesquisa, e após apro-
linguagem própria. As respostas a questões abertas ximadamente 15 dias o questionário era coletado.
ajudam a “detectar melhor a atitude e as opiniões Entretanto, das escolas selecionadas e visitadas para
do pesquisado, bem como sua motivação e signi- a pesquisa, duas não responderam, totalizando 95%
ficação” (Fachin 2006, p. 163). de devolutivas das pesquisas, o que corresponde a
2. Nas questões fechadas, o pesquisado atribui cada 46 professores envolvidos na pesquisa.
resposta de acordo com um conjunto de categorias
previamente elaboradas e que fazem parte da pró-
pria pergunta. As questões fechadas direcionam o
IMPORTÂNCIA E POTENCIAL DAS ATIVIDADES
pesquisado para alternativas existentes, devidamen- DE CAMPO
te estruturadas (Fachin 2006, p. 165). Trabalhos de campo, como recurso educacional
O questionário foi elaborado levando-se em e atividade destinada a facilitar a aprendizagem, pre-
consideração os objetivos pretendidos com o tra- cisam ser planejados de acordo com clara proposta
balho, sendo estruturado em três blocos: pedagógica. Ao se executar trabalhos de campo,
Na primeira parte do questionário, buscou-se é essencial a análise escalar dos ambientes, pois
a caracterização profissional de cada professor partindo de um estudo local (possibilitado pelas
envolvido na pesquisa. Para tanto, foram consi- atividades de campo), a percepção de contextos
deradas a formação acadêmica – graduação e pós- mais distantes acontece por meio de contextos
-graduação do entrevistado – e o tempo de atuação mais significativos: “o focar para a relação local/
no magistério. Pretendeu-se, com isso, detectar se a global aponta para a necessidade das metodologias
instituição, o ano de conclusão e o tempo de atuação de estudos do meio e trabalhos de campo” (Com-
no magistério são pontos relevantes e influentes piani 2007, p. 32).
quanto à realização ou não de atividades de campo Segundo Nidelcoff (1979), em sua obra a escola
em Geografia. e a compreensão da realidade, quando se estuda o
Na segunda parte, as questões referem-se meio, deve-se ver e analisar a realidade; fomentar
às metodologias utilizadas pelos professores de nas crianças uma atitude de curiosidade, observação
Geografia ao ministrarem suas aulas. Nessa eta- e crítica diante da realidade e iniciar as crianças no
pa do questionário investiga-se o procedimento estudo da geografia. Ainda para a autora:
dos professores que utilizam atividades de campo
como metodologia de ensino – incluindo frequên- “(...) a escola tem que ajudar a criança, para que, em
cia, locais escolhidos para desenvolver a atividade, seu processo de crescimento, ela vá compreendendo
preparação do trabalho de campo, classificação das a realidade que a cerca e nela vá se localizando lúcida
atividades, existência ou não de trabalhos interdis- e criativamente. Esse processo a inicia na realidade
ciplinares, interesse dos alunos e atividades desen- imediata, com o meio: aprende a VER no mesmo,
volvidas pós-atividade de campo. para em seguida estender seu olhar na direção dos
horizontes mais largos. O primeiro objetivo, por-
Em um terceiro momento, buscou-se conhe-
tanto, é este: aprender a ver e analisar a realidade.
cer, junto ao pesquisado, a importância que este
Outro objetivo é o de fomentar nas crianças uma
atribui aos trabalhos de campo, independentemente atitude de curiosidade, observação e crítica diante
de aplicar ou não tal metodologia como recurso no da realidade” (Nidelcoff 1979, p. 11).
processo de ensino-aprendizagem na disciplina de
Geografia. O campo é “cenário de geração, problemati-
A pesquisa foi realizada em trinta escolas do zação e crítica do conhecimento, onde o conflito
município, o que correspondeu a 32,96% do total entre o real e as ideias ocorre com toda a intensi-
existente, que apresentam ensino médio ou ensi- dade” (Compiani e Carneiro 1993, p.11). Neste
no fundamental com terceiro e quarto ciclos. As sentido o trabalho de campo pode possibilitar ao
escolas foram eleitas levando-se em consideração aluno construir um conhecimento próximo de
sua dispersão no município, tendo como intenção seu cotidiano; é também no campo que o aluno
a escolha de pelo menos uma escola de cada bairro. poderá questionar informações e conceitos vistos
O levantamento foi realizado entre os meses de em sala de aula e não compreendidos até então.

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Um estudo analítico das saídas de campo desen- alunos, visto que proporciona o contato direto
volvidas na disciplinas Ciência do Sistema Terra I com os objetos e os fenômenos concretos que
e II da Unicamp (Carneiro et al. 2008) considera o estão sendo estudados (Compiani 1991). Uma das
campo um componente essencial, porque estimula características que tornam as atividades de campo
o aluno a conquistar seu próprio aprendizado, seja essenciais é o fato de proporcionarem contato dire-
na forma individual ou coletiva. Ainda segundo os to com o meio, permitindo que o aluno conceba
autores, um dos objetivos didáticos das atividades o ambiente não fragmentado e a interação dos
de campo é estimular os alunos a exercitar o típico fenômenos, de modo a distinguir as relações que
raciocínio geológico. ali existem e se efetivam.

“No campo os alunos devem aprender mediante “(...) no ensino, o papel das atividades de campo está
participação ativa dos professores, cuja função é a de atrelado à proposta pedagógica da disciplina na qual
facilitadores da aprendizagem. As práticas de ensino as atividades se inserem e à concepção do professor
buscam desenvolver nos alunos a criatividade, a acerca do que é ensinar, do que é aprender e de seu
habilidade de observar e compreender os processos entendimento de como se processa o conhecimento”
naturais, a capacidade de analisar e integrar diferentes (Fantinel 2000, p.11).
tipos de informação e habilidades de pensamento
cíclico. Os estudantes e professores realizam con- Se o conhecimento é adquirido pelo aluno por
exões mentais para interpretar o registro gravado nas intermédio de informações repassadas pelo profes-
rochas.” (Carneiro et al. 2008, p. 131) sor e posteriormente memorizadas, o campo servirá
apenas de modelo do que já foi estudado em sala de
Em documento que defende práticas de campo aula, mera ilustração (Compiani e Carneiro 1993);
em cursos de graduação em Geologia, Carneiro nesse sentido, o papel do campo torna-se limitado.
(2008) salienta que “o campo é o local onde todos Entretanto, se na proposta pedagógica o ensino é
os cinco sentidos humanos são requeridos e parti- centrado no aluno, a ênfase volta-se para proces-
cipam da observação”. Esse fato faz de atividades de sos de aquisição do conhecimento pelo aluno; “a
campo imprescindíveis para estudo de fenômenos metodologia fundamenta-se no estágio cognitivo,
e conceitos que acontecem no espaço: interesse e ritmo de aprendizado do aluno, e não
em mecanismos de transmissão do saber pelo pro-
“(...) a visão, para olhar os detalhes do local visitado,
fessor aos alunos” (Fantinel 2000, p.11). O campo
suas cores e brilhos (...); a audição, para perceber a
passagem da água em um córrego, o ruído do vento assume papel relevante para aquisição do conheci-
na vegetação, o som de animais e pássaros (...) o mento. O aluno desenvolve seu próprio ritmo de
tato é não apenas para o geólogo perceber nas mãos aprendizagem para adquirir o conhecimento e deixa
a aspereza ou suavidade da aspereza de uma rocha, de ser receptor de informações; o aluno participa
mas, sobretudo para sentir a noção de ‘ambiente’ nat- ativamente da aprendizagem.
ural. O contato direto com a natureza proporciona Em cursos de Geografia, Scortegagna (2001)
desgaste físico, mas também a necessária sensação menciona que atividades de campo “são funda-
de frio-calor, úmido-seco. O olfato (...) precisamos mentais para colocar o estudante em contato com
dele para aproveitar tudo o que existe para ser notado o meio, e possibilitar sua percepção da inter-relação
no campo, desde o cheiro das rochas, os aromas da
entre os aspectos físicos e humanos” (Scortegagna
vegetação, o cheiro familiar da argila úmida, exalado
2001, p.17), pois levam o aluno a observar e tam-
pela ação de determinadas bactérias, os cheiros desa-
gradáveis de eventuais contaminações (...) o paladar,
bém a questionar seu espaço de vivência. O aluno
que acompanha as percepções olfativas, ou pode produz seu próprio conhecimento e pode agir e ser
entrar diretamente na apreciação dos materiais que um agente transformador do meio. Poderá, ainda,
examinamos, como sedimentos argilosos, os sais de compreender as relações que existem entre aspectos
evaporitos e outros materiais; estes últimos fazem físicos e humanos no espaço, até perceber que o
parte do mesmo aprendizado, porque a prudência espaço está em constante movimento, é dinâmico,
nos ensina a testá-los, todos, com grande cautela. não-estático, nem fragmentado.
Essa é talvez a mais difícil habilidade a ser adquirida De acordo com Corrêa (1996), o campo é um
no campo” (Carneiro 2008). meio onde o geógrafo aprende a ver, analisar e refle-
tir sobre o infindável movimento de transformação
O campo é também excelente “ambiente de que o homem realiza no espaço, é no campo que o
ensino”, que pode auxiliar na aprendizagem dos

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aluno/pesquisador poderá perceber todo o dinamis- aprendizado, se mostram indiferentes ao proces-


mo do espaço. As relações que ocorrem no espaço, so” (Fantinel 2000, p.65). As atividades de campo
atualmente, são rápidas e dinâmicas. Nem sempre poderão desenvolver no aluno habilidades e capa-
o livro didático, ou o discurso do professor, con- cidades importantes para uma formação integral.
segue transpor analogias ou demonstrações claras Não só isto, mas também poderá ser desenvolvida
e didáticas para explicar os fenômenos. Uma saída no aluno motivação para que este enriqueça suas
de campo possibilita visualizar os fatos e, ao mes- discussões teóricas, colocando sua opinião e tirando
mo tempo, superar a mera visualização, porque ali suas dúvidas de forma mais livre. Dessa forma, os
podem ser utilizados os cinco sentidos. alunos podem organizar relações com o real, com
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacio- a paisagem que os cerca e que faz parte de seu coti-
nais: diano. Pela possibilidade de contato direto com o
meio e com o objeto estudado, o trabalho de campo
“Os estudos de paisagens urbanas e rurais, com facilita o aprendizado, pois desencadeia o processo
toda a sua problemática, podem em grande parte de conhecimento e reconstrução de conceitos. O
ser desvendados pela observação direta dessas paisa- campo influencia também a compreensão de fatores
gens. Uma excursão a um sítio ou a alguma fazenda
sócio-ambientais intrínsecos à transformação do
garantirá um contato direto com o solo, a vegetação
espaço pelo homem.
e as formas de organização da produção (...). Nesse
sentido, pela natureza do seu objeto de estudo, a Outra contribuição de trabalhos de campo,
Geografia está aberta a uma infinidade de recursos segundo Lestinge e Sorrentino (2008), é o fato de
para a motivação do aluno. Aliás, o trabalho com as práticas conectarem o indivíduo ao meio em que
projetos permite tanto o aprofundamento de deter- ele que ele vive, ao meio natural, aumentando o
minadas temáticas, conforme as realidades de cada sentimento de pertencimento à vida e ao mundo.
lugar, como maior flexibilidade no planejamento do Na vida urbana, em geral há um distanciamento do
professor.” (Brasil 2001) ser humano do meio natural: dos rios, das terras, dos
vales, das montanhas, do prazer causado por uma
Uma outra oportunidade oferecida pela rea- brisa ou do medo provocado por fenômenos naturais.
lização das atividades de campo é o fato de pos- Compiani (2007) enfatiza a importância das escalas
sibilitarem socialização maior do grupo inteiro. como estratégia de aproximação e apreensão do real:
O campo é lugar e momento ideal para reforçar
laços afetivos, não somente com a Natureza, mas “O uso de trabalhos de campo por professor e alu-
também entre os membros do grupo (Berger et al. nos pode orientar o questionamento sobre velhas
1998, p.74). Como o ambiente é diferente da sala disciplinas, aperfeiçoando novas linhas teóricas na
de aula, isso pode aumentar a socialização entre os tentativa de entendimento mais amplo das relações
alunos, pois a rotina da sala é quebrada, possibi- entre local/global e entre disciplinas escolares cientí-
litando maior integração do grupo. Atividades de ficas e a transversalidade (entendida como educação
não disciplinar, conforme defendida por Gallo 2000)
campo podem estreitar relações dos alunos entre si
é um olhar, até então quase inexistente no ensino de
e também com os professores. São atividades que
ciências, para a categoria geocientífica ‘lugar’ como
se estendem muito além da ajuda na assimilação lócus de ligação com o todo, uma interação sutil da
e compreensão de conteúdos específicos; podem particularidade e da generalização. É um olhar para o
influir na modificação de atitudes e na formação da ambiente, que entrou em pauta para todas as ciências
personalidade (Tomita 1999). O campo induz os a partir da crise sócio-ambiental, antiga na história
alunos a praticar atitudes que mais tarde podem ser da humanidade, mas inescapável de ser enfrentada
úteis na vida social e também profissional. neste novo milênio”. (Compiani 2007, p.31)
Na execução dos trabalhos de campo, o pro-
fessor necessita ser um elo de motivação para O contato direto com a realidade, com o obje-
despertar o interesse dos alunos, questionando e to de estudo, é uma ação pedagógica com grande
aguçando a curiosidade, de forma que os alunos potencial, a ser encarada como um prolongamento
sintam a importância e a necessidade da meto- das aulas. Outra significativa contribuição que as
dologia, essencial na aquisição do conhecimento atividades de campo oferecem, ao serem utilizadas,
geográfico. O campo permite que o aluno desen- é o fato de as atividades focarem para a questão da
volva “maior interesse, colaboração e integração, relação local/global:
inclusive naqueles que, em outro contexto de

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“O trabalho de campo pode ser utilizado, no ensino, na qual o aluno é o centro do processo.
como estratégia em que todas as coisas podem tomar Saídas de campo treinadoras objetivam treinar
parte de um processo maior: o efeito holográfico. habilidades, geralmente com o uso de instrumentos
A idéia é enfrentar a dominante fragmentação do e aparatos científicos e requer conhecimentos pré-
conhecimento, que bloqueia os mecanismos de vios dos alunos. A sequência de atividades é deter-
análise de problemas reais ao não facilitar a relação de
minada pelo professor e o aluno deve realizá-las.
conceitos, procedimentos e de atitudes, trabalhados
Essa categoria é ao mesmo tempo formativa e
em diferentes disciplinas do currículo.” (Compiani
2007, p.32)
informativa.
A atividade ilustrativa é centrada no professor;
serve para reforçar ou mostrar os conteúdos estuda-
dos em sala, sendo considerada a mais tradicional de
PAPÉIS DIDÁTICOS DAS ATIVIDADES DE CAMPO todas, reafirmando o conhecimento como produto
Muitos professores, ao utilizarem atividades de acabado. Os alunos são expectadores, devendo o
campo em suas aulas, o fazem somente para exem- professor definir o ritmo das atividades e indicar o
plificar conteúdos e conceitos vistos ou trabalhados quê deve ser observado no campo.
em sala de aula, não atentando para outras possibi- Nas atividades indutivas o professor conduz
lidades que as atividades oferecem. É inadequado os alunos, ou faz com que estes sigam um roteiro
dizer que tal postura seja errada ou inválida, mas é pré-determinado; os alunos devem resolver um
relevante admitir outras formas de se trabalhar con- problema dado; o ensino é dirigido e semi-dirigido,
teúdos e conceitos quando se realizam atividades centralizando as atividades desenvolvidas pelos
de campo. Nos casos de professores que as usam alunos, mas os alunos avançam na direção que o
somente como exemplificação, parece válido supor professor desejar.
que desconheçam outros modos de utilização. Atividades investigativas possibilitam ao aluno a
Há várias formas de desenvolver uma atividade resolução de problemas no campo e a elaboração
de campo, dependendo do objetivo que o professor de hipóteses para serem pesquisadas. Nesse caso, o
deseja alcançar com o trabalho. O aluno não preci- aluno é o centro e decide os passos para sua investi-
sa ser mero espectador, pode ser um sujeito ativo, gação. O professor esclarece as dúvidas dos alunos
investigando e indagando o porquê dos fenômenos. e os orienta. Esta saída valoriza o conhecimento
Algumas classificações de trabalhos de campo defi- prévio dos alunos.
nem papéis didáticos das saídas de campo, que são Scortegagna (2001) complementa a proposta
definidas por Compiani e Carneiro (1993), como: de classificação de saídas de campo, ao introduzir
as saídas de campo autônomas, nas quais o aluno vai
“(...) funções que determinada atividade assume den- ao campo sem a presença do professor, trazendo
tro do processo de ensino-aprendizagem, decididas suas anotações, amostras e imagens para serem
de maneira deliberada ou não, que exercem algum trabalhadas em sala de aula.
significado para o alcance dos objetivos didáticos”
(Compiani e Carneiro 1993, p.90).
RESULTADOS
Os parâmetros utilizados pelos autores para
classificação são: objetivos didáticos pretendidos,
visão de ensino presente, emprego/questionamento Perfil dos professores
dos modelos científicos existentes, método de ensi- Na primeira parte do questionário, buscou-se
no e relação docente-aluno e, ainda, a lógica predo- caracterizar o grupo de professores envolvidos,
minante no processo de aprendizagem. A associação levando-se em consideração a graduação, a insti-
entre dois ou mais os parâmetros permite classificar tuição, o ano de conclusão, o tempo de atuação no
as saídas de acordo com seu papel didático em: magistério, a existência ou não de curso de pós-
motivadoras, treinadoras, indutivas, investigativas -graduação. As informações têm importância para
e ilustrativas (Compiani e Carneiro 1993). averiguar se o grau de estudos do professor, o tempo
Atividades motivadoras pretendem despertar o de magistério ou o ano de conclusão são condições
interesse e a curiosidade dos alunos para determi- que influenciam na realização ou não de práticas de
nado problema, valorizando a vivência que o aluno campo. Os resultados obtidos foram:
já possui do meio. É uma aprendizagem formativa • Todos os professores entrevistados são

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graduados em Geografia. h) utilização de material de apoio.


• Com relação à instituição de formação, 2. Não-realização de atividades de campo: essa
somente três professores entrevistados não categoria possibilita averiguar junto aos 19 profes-
fizeram seu curso de graduação da Univer- sores entrevistados que não promovem atividades
sidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG. de campo, quais motivos para não-realização dessas
• O ano de conclusão do curso de graduação atividades na disciplina de Geografia.
varia de 1973 a 2006, portanto, um inter- 3. Importância atribuída às atividades de
valo de 33 anos. A diferença é significativa, campo: independentemente do fato de o professor
visto que não concentra a pesquisa em um realizar ou não atividades de campo, esse indicador
determinado período de formação dos considera a relevância que ele confere às atividades
professores, mas envolve amplo intervalo como metodologia de ensino-aprendizagem, na
temporal. disciplina Geografia. Para tanto, foram considera-
• Para caracterização do grupo de professores dos três aspectos:
adotou-se o tempo de atuação no magis- a) aprendizagem efetivada com trabalhos de campo,
tério, que varia de três anos a 23 anos de b) dificuldades para realização de trabalhos de
dedicação. A informação permite verificar campo,
que muitos professores passaram pela fase c) influência que a realização ou não de trabalhos
de adaptação, possuindo proposta de traba- de campo desenvolvidos no curso de graduação
lho consolidada na carreira do magistério. exerceu na opção ou não de realizá-los.
• Outro aspecto verificado no que diz res-
peito à formação do docente é sobre a exis- Indicador de Avaliação 1 - Realização de atividades
tência ou não de curso de pós-graduação. de campo
O contato com novos temas, abordagens
e pesquisas, após a graduação, permite
um aperfeiçoamento que nem sempre é Nesse indicador estão manifestadas as respostas
alcançado com estudos individuais. Dos 46 dos professores que realizam atividades de campo
docentes que responderam ao questioná- como metodologia em suas aulas, incluídos nesse
rio, três concluíram mestrado, 27 cursaram grupo 27 professores, totalizando 58,6% dos pes-
pós-graduação e 16 possuem graduação em quisados.
Geografia – Licenciatura. Ao buscar fundamentos para tal verificação,
atenta-se para o fato de esses professores terem
participado de saídas de campo ao longo de seus
Indicadores de Avaliação respectivos cursos de graduação. Verificou-se que
Foram elaborados três indicadores de avaliação, a grande maioria dos professores (93%) concluiu
visando identificar padrões, convergentes ou não, cursos na UEPG. Dos 27 professores que utilizam
que os professores adotam ao executar ou não tra- trabalhos de campo em Geografia, 26 afirmam que a
balhos de campo e a importância que os docentes participação em atividades de campo durante a gra-
atribuem a essas atividades, independente de as duação foi decisiva na opção de realizar a atividade
realizá-las ou não, descritos abaixo: em sua carreira docente. A informação é importante
1. Realização de atividades de campo: esse pois evidencia que atividades de campo durante o
indicador leva em conta os procedimentos adota- curso de graduação influenciam a opção por esse
dos pelos 27 professores entrevistados que realizam método de ensino pelos futuros professores.
atividades de campo. Para tanto, busca-se compre- Outro ponto analisado no indicador sobre
ender como esta atividade é desenvolvida pelos professores que realizam trabalhos de campo foi
professores de Geografia, considerando: a frequência com que as atividades de campo são
a) frequência das saídas, realizadas: verifica-se que grande parte dos pro-
b) locais das saídas, fessores entrevistados respeita certa frequência das
c) preparação dos alunos para o campo, saídas de campo, como parte do cronograma dos
d) trabalhos interdisciplinares, planos de aula. Em escolas públicas, mais de 35%
e) classificação didática das saídas, dos professores realizam as atividades uma vez por
f) interesse dos alunos, bimestre, 24% as realizam uma vez por semestre, e
g) atividade de avaliação pós-campo, 18% saem a campo com os alunos uma vez por ano.

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Tabela 1. Locais escolhidos pelos professores para realização de visitas de campo no município de Ponta Grossa, PR
Escola Escola
Local das saídas Motivo da escolha do local
pública particular
Relevo, rochas, educação ambiental 7 2
Parque Estadual de Vila Velha
e isenção da taxa de entrada
Buraco do padre e Furnas Relevo e hidrografia 4 1
Relevo, hidrografia, urbanização e 3 2
Arroios próximos da escola
sem custo de transporte
Cavernas: Olhos d’água e Andorinhas Relacionado ao conteúdo 3 4

Canyon Guartelá Relacionado ao conteúdo 3 1


Curitiba, Paranaguá, Foz do Iguaçu e Lapa Relevo, clima, vegetação, hidrografia 5 2
e aspectos históricos
Fórum de Ponta Grossa Noções de cidadania 1 0
Batalhão da Infantaria Brasileira Cartografia 1 1
Observatório Astronômico Conteúdo da 5 série 2 0
Indústrias Relacionado ao conteúdo 0 1
Depende do conteúdo 0 5
Não respondeu   2 1

Nas escolas particulares, o resultado foi que 45% néis e relatórios.


dos professores realizam atividades de campo uma
vez por ano, 35% as realizam uma vez por semes- Indicador de avaliação 2 – Não-realização de
tre, e apenas 8% as realizam uma vez por bimestre. atividades de campo
Os locais onde são realizadas as saídas de cam-
Dos 46 professores pesquisados, 19 docentes
po vão desde locais próximos das escolas (Tab. 1),
não realizam atividades de campo, o que corres-
até áreas distantes mais de 500 km, como a cidade
ponde a 41%. Nesse indicador nota-se distinção
de Foz do Iguaçu. Os temas principais das ativi-
significativa nas respostas dos professores das
dades são principalmente conteúdos relaciona-
escolas da rede pública em relação aos da rede
dos a Geografia Física, como relevo, hidrografia,
particular. Os docentes da rede pública de ensino
vegetação.
apontam como um dos maiores impedimentos
A partir das respostas dos 27 professores que
para não-execução das atividades a falta de recur-
realizam trabalhos de campo, verificou-se que o
so financeiro dos alunos, oito professores citaram
contato com o objeto de estudo nunca é feito a
a indisponibilidade financeira dos alunos, para
partir do campo; os alunos sempre vão a campo
aquisição do transporte, visto que nem sempre
sabendo o conteúdo a ser observado in loco; o
é possível adquirir transporte gratuito junto à
procedimento foi verificado tanto na rede pública
prefeitura municipal da cidade. Já nas escolas da
quanto na rede particular. Dos 27 professores, dois
rede particular, a falta de tempo do professor é
não utilizam material de apoio ao realizar saídas
apontada como o maior desafio a ser superado
de campo. Todos os demais usam algum tipo de
para a execução de trabalhos de campo.
material que auxilie na execução dos trabalhos de
Professores da rede particular e também da rede
campo. São materiais variados: mapas, cartas, bús-
pública registram a responsabilidade sobre o aluno
solas, textos e outros.
como um fator para não-realização de trabalhos
Todos os docentes que realizam atividades de
de campo; sete professores apontaram tal respon­
campo declararam o interesse acentuado dos alu-
sabilidade como fator impeditivo.
nos pela metodologia. Muitas vezes os docentes, ao
expor problemas relacionados com sua profissão,
reclamam do alto grau de desinteresse e desmoti- Indicador de avaliação 3 – Avaliação da importância
vação dos alunos. Constata-se que a preocupação das atividades de campo
inexiste quando se realizam atividades de campo. Nesse indicador foram consideradas as respos-
Somente um professor não realiza atividades avalia- tas dos 46 professores que responderam ao questio-
tivas após o trabalho de campo, os demais o fazem, nário, sem levar em conta o fato de se realizar ou
sendo citadas: avaliações, seminários, debates, pai- não trabalhos de campo. As questões visam avaliar

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TERRÆ 9:49-60, 2012 Rosangela Justen, Celso Dal Ré Carneiro

se o professor considera importante ou não a meto- DISCUSSÃO


dologia no processo de ensino-aprendizagem e a
concepção do professor sobre os papéis didáticos Atualmente, os docentes precisam transpor inú-
que as atividades de campo assumem no apren- meros percalços para exercer sua profissão de forma
dizado da Geografia. Perante inúmeras possibili- plena, sendo um deles o desinteresse proeminente
dades metodológicas apontadas pelos professores dos alunos. Para tanto, é importante que os profes-
entrevistados quanto a importância na realização sores estejam atentos e acessíveis a novas metodo-
de práticas de campo, as respostas foram agrupadas logias de ensino, que sejam eficientes e compro-
em cinco categorias principais, destacadas pelos metidas com o processo de ensino-aprendizagem.
educadores em suas respostas; há professores que No processo de construção do conhecimento
mencionaram mais de uma possibilidade. geográfico, há necessidade de formas novas de
• Possibilidade 1 – Alia teoria e prática pensar e fazer para revalorizar o espaço de vivência,
Verificar em campo de forma prática o conteúdo que possa contribuir na educação do aluno cidadão,
concebido em aula foi apontado por vinte e um visto que há casos em que esse processo está centra-
professores como um grande aliado ao realizar do no discurso oral do professor e em aulas exclu-
trabalhos de campos nas aulas de geografia. sivamente expositivas. Entende-se que, rompendo
• Possibilidade 2 – Favorece a observação, os muros da sala de aula, por meio de trabalhos de
o contato com o meio, com o objeto a campo, o ensino de geografia poderá contribuir para
ser estudado ou investigado distintas leituras de reflexão do espaço. O ambiente
Segundo dezessete docentes, o fato de a escolar tem sido local que investiga pouco, quando
metodologia proporcionar a observação do meio nada, o conhecimento extra-escolar, distanciando o
ancorado no conhecimento científico, visto que conhecimento científico do cotidiano dos alunos.
muitas vezes a visita é realizada no local de vivência A realização de práticas que enfoquem o local e
dos alunos, faz toda a diferença na construção do o lugar de vivência pode possibilitar que o aluno
conhecimento. perceba a inter-relação entre aspectos físicos e
• Possibilidade 3 – Desenvolve motivação humanos, tão comumente questionados no saber
para o aprendizado dos alunos geográfico.
O fato de o ambiente de campo ser diferente Levando-se em consideração o Indicador refe-
da sala de aula faz com que os alunos sintam-se rente à realização de atividades de campo, constatou-se
mais motivados a questionar e participar, segun- predomínio de trabalhos com enfoque temático para
do relatos de treze docentes, há alunos que, no Geografia Física. A verificação pode ser reflexo tam-
contexto da sala, não participam, e quando vão a bém das atividades desenvolvidas pelos professores
campo, sentem-se mais libertos para questionar, nos cursos de graduação, visto que a maioria das
mesmo porque em campo há possibilidade de o atividades desenvolvidas foi voltada para conteúdos
aluno utilizar os cinco sentidos, fato praticamente dessa área da Geografia. Entretanto, pode-se admi-
nulo em sala de aula. tir que a situação natural privilegiada da região onde
• Possibilidade 4 – Aumenta cooperação Ponta Grossa está localizada, os Campos Gerais,
entre as partes envolvidas favorece e execução das atividades. Locais como:
Ainda para alguns professores, outra contribui- Parque Estadual de Vila Velha, Buraco do Padre,
ção das saídas de campo é o fato de possibilitarem Furnas, Canyon Guartelá, cavernas e arroios pró-
a socialização maior do grupo como um todo: o ximos da escola são locais muito visitados a fim de
campo é o local para reforçar laços afetivos com o promover trabalhos didáticos pelos professores de
meio natural e entre os membros do grupo. Geografia. É considerada uma região singular em
• Possibilidade 5 – A visualização é essen- termos geológicos e possui atrativos relacionados
cial para a aprendizagem ao seu patrimônio natural.
Doze professores salientam que parte conside-
rável da compreensão do conhecimento geográfico “Não por acaso diversas instituições de ensino,
paranaenses ou não, elegeram-na como laboratório
passa pelo olhar, sendo intrínseca dessa ciência a
prático para atividades diversas nas Geociências.
observação da paisagem. Para esses docentes, o fato
Uma avaliação mais atenta dos roteiros dos trabalhos
de o aluno visualizar alguns conceitos geográficos de campo dos cursos de Geologia do país revela que,
(principalmente físicos), facilita o entendimento no mínimo, 50% dos geólogos brasileiros tiveram sua
desses. formação construída a partir do estudo de exemplos

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Trabalhos de campo na disciplina geografia:estudo de caso em ponta grossa -PR TERRÆ 9:49-60, 2012

da região (geomorfologia, paleontologia, estratigra- Todos os 27 professores que promovem tra-


fia, ambientes de sedimentação etc.). Certamente balhos de campo, quando questionados sobre
esse número se ampliará para quase 100% se for interdisciplinaridade nas atividades que promovem,
levado em conta que são raros os livros didáticos afirmam que a saída tem esse foco e que, na maioria
nacionais de Geologia Geral, ou de disciplinas espe-
dos casos, professores de outras áreas acompanham
cíficas, que não citem feições de relevo, fósseis ou
as atividades em campo. Segundo Fazenda (2002) o
unidades geológicas definidas na região” (Guimarães
et al. 2009, p.6).
pensar interdisciplinar parte do pressuposto de que
nenhuma forma de conhecimento é exaustiva em
Por isso a região é tão importante, sendo con- si, mas tenta o diálogo com outras fontes do saber,
siderada até mesmo como um “laboratório didáti- deixando-se irrigar por elas, até mesmo porque
co” ao ar livre, atraindo estudantes, pesquisadores nenhuma ciência é passível de existir por si só, sem
e turistas do país inteiro e de fora dele também. necessitar de sabedorias advindas de outras áreas
Ao se analisar a classificação didática das saídas do conhecimento.
de campo realizadas pelos professores, fica clara a Ao analisar a resposta dos professores sobre
opção dos professores em realizar trabalhos de cam- interdisciplinaridade em trabalhos de campo,
po que exercem papel de ilustrar o conteúdo que já verifica-se que os mesmos não buscam um enfoque
foi visto anteriormente em sala de aula. Para Com- interdisciplinar, mas sim multidisciplinar, que é
piani e Carneiro (1993) “nessa visão, aprende-se definido como “conjunto de disciplinas justapostas
Ciência informando-se sobre seu repertório. Por- sem nenhuma cooperação entre elas” (Pombo 2006,
tanto, a tendência é reafirmar o conhecimento p. 6). Fica claro, pelas respostas do professores, que
como produto acabado e inquestionável”; esse tipo outros docentes, de diferentes áreas, acompanham
de saída ocorre principalmente no final da discipli- as saídas, mas não é declarada a existência de algum
na ou do conteúdo estudado. Entretanto, número projeto coletivo que estruture e direcione o trabalho
considerável dos professores entrevistados gostaria realizado com os alunos.
de desenvolver atividades de campo treinadoras Verificou-se predominância de uma abordagem
com seus alunos, que possibilitam a operação de tradicional de ensino dos professores, visto que
aparelhos e aparatos científicos. São excursões que todos realizam atividades de campo após o conteúdo
visam principalmente o aprendizado sequencial ser trabalhado em sala. O professor informa e
de habilidades, em graus crescentes (Compiani e conduz os discentes, exclusivamente, em função
Carneiro 1993). de objetivos que lhe coube formular. De acordo
Ao realizar atividades de campo, é importan- com o modelo e visão de ensino, esse tipo de saí-
te que o professor promova trabalho avaliativo da de campo se caracteriza principalmente como
para que haja sistematização das informações por ilustrativa (Compiani e Carneiro 1993). Existem,
parte dos alunos, e também para que o professor entretanto, professores que partem do princípio de
mensure se os objetivos propostos com o tra- que é importante estudar o local de vivência dos
balho de campo foram alcançados. Além disso, alunos para que, a partir do estudo da escala local,
caso o professor não realize nenhuma atividade os alunos possam compreender escalas maiores.
ou trabalho avaliativo, a saída pode ter viés mais Evidencia-se aqui a possibilidade de fazer com
turístico que didático. As atividades avaliativas que os professores tenham não só a visão de que o
pós-saídas são importantes também para verifi- campo serve de ilustração, mas fazer com que os
cação da metodologia empregada pelo professor, mesmos conheçam outras possibilidades de tra-
“servindo de direcionamento para seu trabalho, na balho de campo, visto que é grande o numero de
medida em que permite a reformulação de suas professores que utilizam a metodologia.
estratégias diante de possíveis constatações nega-
tivas” (Archela e Calvente 2008, p.154). Segun- CONCLUSÕES
do Brusi et al. (2011), as atividades de avaliação
propostas antes, durante e após as atividades de Todos os professores consultados na pesquisa
campo deve promover um processo de aprendi- que realizam atividades de campo acentuam o gran-
zagem construtiva e significativo para o aluno e de interesse dos alunos por esse tipo de atividade
deve ser compatível com a metodologia proposta e valorizam a aprendizagem efetiva que obtêm.
da atividade de campo. Dentre os professores que não realizam atividades,
constatam-se dificuldades sobretudo de ordem

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TERRÆ 9:49-60, 2012 Rosangela Justen, Celso Dal Ré Carneiro

financeira, mas também foram mencionadas falta ambiental com os alunos. Na dimensão cognitiva,
de tempo, planejamento e também a grande res- se um trabalho de campo é bem executado, poderá
ponsabilidade que o professor assume ao levar os construir no aluno a concepção cidadã, fazendo-o
alunos para fora do ambiente escolar. interessado na sua região e se comprometendo com
Dois motivos principais estimulam profes- sua proteção e desenvolvimento. Atualmente são
sores que lecionam a disciplina de Geografia no comuns as referências a temas como “desenvolvi-
município de Ponta Grossa a utilizar atividades mento sustentável”, “patrimônio natural” “edu-
de campo como metodologia. Primeiro, é preciso cação ambiental”, que precisam ser estudados e
reconhecer o fato significativo de terem sido reali- debatidos na escola. Nos três temas, dentre outros,
zadas atividades de campo regulares nos respectivos o campo pode desempenhar papel fundamental, ao
cursos de graduação, porque todos os entrevistados, colocar o aluno/cidadão no contato com o meio,
exceto um, formaram-se na UEPG; ao se analisar entendendo as relações complexas que se estabele-
as respostas dos docentes para a última pergunta cem e sendo capaz de intervir na realidade.
do questionário, a qual investiga se foram desenvol- Espera-se que o resultado da pesquisa estimule
vidas atividades de campo no curso de gradução e se estas professores que ainda não se interessam por esse tipo
influenciaram a utilização da metodologia em sala de aula, de atividade e, para aqueles que já as utilizam, sirva
todas as respostas foram afirmativas. A segunda de referência, ao indicar várias facetas de usos simi-
evidência que induz o desenvolvimento de inú- lares, praticados por número considerável de colegas.
meros trabalhos de campo no município de Ponta
Grossa e arredores é o fato de a região apresentar
muitos atrativos relacionados a patrimônio natural Agradecimentos
(geológico, geomorfológico), não só para o ensino Agradecemos a todos os professores que parti-
superior como também no ensino básico. ciparam da pesquisa, contribuindo de forma efetiva
Os professores que realizam atividades de com suas experiências relacionadas às atividades
campo preocupam-se com novas metodologias de de campo na disciplina de Geografia e ao Prof. Dr.
ensino, buscam conquistar o interesse dos alunos Pedro Wagner Gonçalves, por sugestões e oportuna
e estão atentos à importância que o conhecimento revisão do manuscrito.
do local pode trazer para a vida do aluno. Merece
destaque e deve ser divulgada a quantidade consi- Referências
derável de professores que realizam atividades de Archela R.S., Calvente M.C.M.H. orgs. 2008. Ensino
campo em Geografia e que acreditam na impor- de geografia: tecnologias digitais e outras técnicas
tância da metodologia no processo de contrução passo a passo. Londrina: EDUEL. v. 1, 163p.
do conhecimento. Aponta-se aqui o extraordinário Berger D.G., Correa V.R., Silva Z.Z. 1999. O trabalho
papel desempenhado pelos professores do curso de de campo: relato de experiência. VIII ENDIPE. 08
Geografia na UEPG para que atividades de campo maio de 1999.
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. 2001.
sejam frequentes no município. Parâmetros Curriculares, Terceiro e Quarto
Os resultados da pesquisa salientam outras Ciclos do Ensino Fundamental: temas transversais.
possibilidades que podem ser exploradas pelos Brasília: MEC, Secretaria de Educação
docentes, admitindo novas formas de utilização. Fundamental.
Um professor que utiliza o campo como forma Brusi D., Zamorano M., Casellas R.M., Bach J. 2011.
de ilustrar um conteúdo, ou ainda com um roteiro Reflexiones sobre el diseño por competencias en el
pré-determinado, sabe o resultado que os alunos trabajo de campo en Geología. Rev. de la Enseñanza
chegarão. Iniciar um conteúdo ou um assunto no de las Ciencias de la Tierra, 19(1):04-14.
Carneiro C.D.R. 2008. Os gastos com aulas de campo do
campo é outra forma de realizar atividade de campo,
Curso de Geologia da UFPR. Aulas de campo em
que pode despertar ainda mais o interesse dos alu- cursos de graduação de Geologia: o que são e para
nos para determinado problema, além de valorizar que servem? Campinas: IG-Unicamp. (inédito).
a vivência e o conhecimento que o aluno possui Carneiro C.D.R., Gonçalves P.W., Negrão O.B.M.,
do meio. Toro e Morcillo (2011) abordam ativi- Cunha C.A.L. 2008. Docência e trabalhos de campo
dades de campo no ensino secundário da Espanha nas disciplinas Ciência do Sistema Terra I e II da
Unicamp. Rev. Bras. Geoc., 38(1):130-142. (março
e Dinamarca; revelam que as atividades de campo
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Trabalhos de campo na disciplina geografia:estudo de caso em ponta grossa -PR TERRÆ 9:49-60, 2012

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