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DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar (org.).

Desconstrução e ética- ecos de Jacques


Derrida. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004.

Anotações Alexandre Fernandes

antes , motivado pelas aporias em que se demora e se desdobra o seu pensamento. (39)

como diz o próprio Sócrates, “um anseio por saber”.

Trata-se, antes, de uma rigorosa indagação sobre o próprio pensamento, ou seja, sobre
aqueles argumentos que o sustentam em sua pretensão de se afirmar como
conhecimento de alguma coisa. (41)

Em termos desconstrucionistas, por mais nobre que possa ser este “nós”- ao qual cada
indivíduo deve ser devidamente restituído- ele não impede nunca a validade, a
necessidade, a pertinência e mesmo a urgência de se perguntar “nós quem?”, “quem diz
´nós`?”, “de que lugar se diz ´nós`?” (ou, ainda em outros termos, quem faz tal
restituição(dos indivíduos a um “nós”, das singularidades a uma generalidade)?, com
base em qual restituição é feita?, etc.) (43)

Esse “lugar” diz respeito a um plano aporético, dissimétrico, em que se configura toda e
qualquer universalidade.

- É tratado, por exemplo, em le monolinguisme de l´autre, no qual “lugar” de habitação


em uma língua que é a nossa, o “ali” onde fazemos uso da mesma, é determinado na
formulação de um paradoxo: “ter uma língua é não ter esta mesma língua”.(44)

Mais precisamente, trata-se de uma divisão entre a língua primeira, materna, originária,
reservatório de sentidos e conteúdos universais, e aquilo que, de um modo contingente,
singular, vem a se enxertar nessa língua primeira, sendo-lhe portanto, “estrangeiro”; ou
seja, a língua individual em que se depara, se acolhe ou se responde- pela vida da
memória e do esquecimento-, enfim, em que, de um modo ou de outro, se é responsável
em relação a primeira. (44-5)

originária é, antes, a condição de uma multiplicidade de “línguas de chegada”.

espectralidade( ver significado) (45)

(Todas as coisas são tão legíveis quanto inacessíveis). (48)

différance; que não é nenhuma diferença particular ou qualquer tipo privilegiado de


diferença, mas sim uma diferencialidade primeira em função da qual tudo o que se dá só
se dá, necessariamente, em um regime de diferenças (e, portanto, de relação com a
alteridade); por exemplo, no caso da nossa presente discussão, a lei(com minúsculo) só
se dá na relação (que é sempre relação de diferença) com seu relato e vice-versa; uma
“língua de chegada” só se dá na relação (que é sempre relação de diferença) com uma
“língua partida” e vice-versa; a universalidade do sentido só se dá na relação( que é
sempre relação de diferença) com a singularidade de sua apreensão e vice-versa; a lei só
se dá na relação( que é sempre relação de diferença) com a sua representação e vice-
versa, etc. (51)

Em outros termos, a dupla seção quer dizer que toda apropriação (do sentido de si
mesmo, da lei, de um acontecimento, etc.) só se dá como uma apropriação expropriada;
toda identidade só é possível com uma identidade já alienada, isso porque constituídas
no e pelo corte de uma relação à alteridade. (56)

A questão está em pensar a restituição mesma, questioná-la (o que ela é?; como se dá?),
e não apenas em limitar os nossos esforços por uma restituição que seja boa, fiel,
aprofundada, bem fundamentada, etc., o que, repetimos, é sempre necessário e
desejável. (57)

não apenas se deixe levar pelo ideal de restituição, mas que também problematize a
própria restituição, e que permaneça “ali”, na linha inencontrável desse corte que jamais
se fecha, no movimento irremediável oscilante dessa “dupla seção””, sem lugar, sem
origem ou telos determinado, toda essa discussão, enfim, se aplica igualmente às
questões relativas ao ideal, no âmbito do direito, de se fazer justiça no tratamento das
leis. (58)

O pensamento desconstrucionista é, antes, um pensamento conscientemente


desorientado, e só assim, segundo Derrida, verdadeiramente responsável. (63)

Derrida não apenas rejeita a noção metafísica sentido como ataca, igualmente, o
conceito de logos...

Embora tanto a desconstrução quanto a hermenêutica tenham superado o pressuposto


metafísico de um sentido sempre já determinado e imutável, os caminhos abertos por
ambas jamais se cruzariam. (67)

Em Derrida, por outro lado, leva a um destaque do irredutível equívoco e


indecidibilidade do sentido, e, mesmo aparentemente, a um questionamento do próprio
conceito de sentido. (68)

para Derrida o sentido, no que é constantemente desconstruído, dissemina-se.

Herda-se sempre um segredo - que diz: “Leia-me, alguma vez serás capaz?” (74)

A noção gadameriana de tradição aproxima-se da ideia de comemoração, isto é, da


entrada em cena de uma memória coletiva capaz de reunir em si mesma a história, a
linguagem comum, o encontro, o simbólico, os jogos humanos, o sentido de
pertencimento. (75)

Isso porque uma das respostas mais imediatas que nos ocorre revela o direito como uma
construção humana, uma estratégia de controle e denominação, de domesticação de
corpos e mentes, uma parte de superestrutura que ideologicamente mantém o status
quo... (79)
uma violência de certo modo legitimada, justificada por uma determinada causa, origem
ou fim que são se reconhece como violento. (81)

Nesse sentido, as normas do direito positivo poderiam possibilitar comunidades


extremamente artificiais, não mais baseadas em laços étnicos, religiosos ou raciais, mas
em princípios universalizáveis que garantem associações de membros livres e iguais.
(83)

Dworkin entende o direito com um ideal de integridade, ou seja, um conjunto de


significações, regras abstratas e gerais intrínsecas ao texto e que devem ser
permanentemente expostas à crítica. (84)

O direito é que, como um enunciado performativo, instaura a própria possibilidade do


domínio. (87)

Interpretação subjetiva – interpretação objetiva (ver significado)

. A aplicação da lei é sempre, e desde já, uma tradução. Assim, ficamos com a questão:
a autoridade é do texto ou do intérprete? Como comenta Homi Bhabha, “a distinção
comum, usual, entre a letra e o espírito da lei põe a nu a própria alteridade da lei; a
ambígua área cinzenta entre a justiça e o procedimento judicial é, literalmente, um
conflito de juízo” (91)

Esse trabalho marginal entre a existência e a não-existência do conceito(sentido)


procura relacionar e suspender as oposições em questão.

A desconstrução é um jogo duplo, fiel e violento de inversão e deslocamento, de dentro


e de fora, que busca mostrar aquilo que o texto reprimiu, ou seja, a genealogia estrutural
de seus conceitos. (94)

Assim, a desconstrução acontece, já vinha acontecendo antes mesmo do sucesso


acadêmico da noção derridiana de desconstrução. O texto se autodesconstrói. O
trabalho de desconstrucionista está em revelar ou acelerar tal processo, no limite entre a
procura de um sentido essencial e a denúncia radical dessa procura. (95)

Como lembra caputo, “tudo o que podemos fazer é tentar ir aonde não se pode ir,
prosseguir num multiplicar de interpretações que devem mudar com as areias
movediças da situação, e enfrentar as correntes repentinas e inconstantes das mutáveis
circunstâncias históricas. Toda interpretação ocorre em uma condição de
indecibilidade”. (97)

desconstrutibilidade, isto é, da necessária e constante desconstrução do discurso


jurídico, do questionamento de suas decisões e, em última análise, do questionamento
de sua própria legitimidade. (100)

Há um lugar para a desconstrução de seus textos? Sim e não. Sim porque, desde o
momento em que há decisão, verifica-se também a obsessão da indecibilidade. Não,
porque a perspectiva analisada já comporta a desconstrução em seu seio. (102)
Sua apropriação é questionadora e equivocante, pois pretende provocar instabilidade em
toda situação que permaneça mais estável, cristalizada. (131)

Lidando com horizontes dissimétricos, heterogêneos, tal posicionamento permite um


exercício de pensamento que não só não recalque, mas exponha sua contextualização,
suas condições de possibilidade, barrando a busca e a tentação, inerente a todo discurso,
de se erigir em regra absoluta. (132)

Nesse sentido, a implicação ética mais radical do pensamento derridiano que se abre
para o impossível seria a de dar acolhida às questões que possibilitam a emergência de
temas éticos, jurídicos e políticos e que devem portanto ser pensadas para além das
clausuras discursivas que impedem, segundo Derrida, o exercício plenamente libertador
do pensamento. (133)

Tarefa da desconstrução, que não pretende resolver as tensões, aporia, com que o
pensamento sempre se defronta, mas, bem ao contrário, vê na intensificação e
acolhimento da tensão a chance de abertura para o inesperado, para o desarmamento de
posturas sacralizadas que orientam e determinam o pensar. (134)

No entanto, o que de fato ocorre é que essa relação excede a compreensão, nos
ultrapassa, posto que, para Lévinas, o rosto do outro é um rosto sem face, intematizável
e que traz estampado em sua face o chamado de Deus. A essa relação Lévinas dá o
nome de santidade, como um substituto para o termo grego ética em oposição ao que
ele chama de sagrado.

Em segundo lugar, com a posição e o deslocamento que Lévinas opera do sagrado rumo
ao santo, ele visa também o apontamento de que a sua ética situa-se para além do
religioso, das instituições morais teológicas, e caminha próxima a uma noção de
religiosidade absoluta, aberta e não institucional. (168)

O eu precisa ser destruído de sua pretensa e falsa soberania para que, por meio da
vulnerabilidade, ele aprenda a dizer adeus a este seu mundo tautológico, enclausurado e
imutável. (170)

Para Lévinas, a intersubjetividade assimétrica é o lugar de uma transcendência em que o


sujeito, conservando sua estrutura de sujeito, tem a possibilidade de não retornar fatalmente a si
mesmo, de ser fecundo e, dizendo-o antecipadamente: de ter um filho. (173)

“o outro, enquanto outro, não é somente um alterego. Ele é o que eu não sou: ele é o
fraco enquanto eu sou o forte; é o pobre, é a viúva e o órfão”, ou então que esse outro “é
o estrangeiro, o inimigo, o poderoso”, o que, além de apontar a assimetria inicial do
espaço intersubjetivo e de definir a relação com o outro como acolhimento hospitaleiro,
vai também definir o pensamento ético de Lévinas, situando-o numa espécie de
interseção entre ética e política. (175)

não é o desejo de compreender o ser das coisas, mas sim a relação fundamental com o
outro, visto que relação, para Lévinas, é linguagem.
discurso , ultrapassa o cognoscível e abarca o indizível, o impensável, o impossível e
tudo aquilo que escapa a qualquer tematização. O simples mostrar-se do outro me
coloca em questão, e isso caracteriza o que Lévinas chama de ensino. O infinito é
ensinado ao Eu pelo rosto do outro. (180)

discurso é a relação com o rosto do outro, impulsionado pelo desejo do infinito. (181)

tal humanismo funda-se não no sujeito, mas no outro. É na deposição do mesmo de seu
lugar privilegiado e na devoção ao todo-outro que se inaugura o humanismo do outro
homem, nessa condição do eu como refém da própria linguagem- o que significa dizer,
em última instância, na condição do eu como refém de seu próprio desejo de
transcendência, infinitamente refém do outro. (185)

“justiça para além do direito”, “fé para além da religião” e “ética para além da
moralidade”...

O sentido da obra é o outro: a obra, como filho, é algo que vai de mim para o mundo, é
algo que, de tão meu, não me pertence. (189)

pois tem como parâmetro não o ser, e sim os entes, não a existência, mas os existentes.
(191)

Por isso, esse novo saber deve, a todo custo, afastar-se de qualquer restrição ao mero
“gozo teórico” ou “enclausuramento formal” e responder ao apelo humano que o mundo
a ele endereça.

Consequentemente, para além de uma filosofia pragmática, o pensamento deve edificar


sua estrutura sistêmica a partir dessa contaminação pela alteridade; deve, na assunção de
sua culpa como modelo de pensamento que por séculos esmagou, calou e tentou
aniquilar as diferenças, nessa culpa, em suas mãos sujas de sengue, encontrar a razão
para entendê-las a quem pede; e deve, para aquém e além da culpa, destampar seus
ouvidos para que se possa ouvir a voz daqueles que chamam e abrir seus olhos para que
se veja o rosto do outro. (192)

O que Heidegger chama interpretação implica algum grau de violência em relação ao


texto lido.

uma leitura absolutamente respeitosa não seria sequer capaz de abrir o livro, já que ela
seria tão respeitosa que não seria sequer capaz de tocá-lo.(196)

o significante sempre se relaciona com outro significante numa estrutura referencial


indefinida que Derrida chama de “renvoi”. Então, em vez de ter um significante
relacionando-se a um significado, tem-se um significante relacionado a um outro
significante que se relaciona a um outro significante de modo multidirecional: todos os
significantes relacionam-se de múltiplas formas a outros significantes em um sistema.
Agora, se levarmos a sério esta concepção, o que seria a interpretação? Ela já não pode
ser mais algo que tem a ver com diferentes significantes tentando pinçar um mesmo
significado, porque eles não têm mais um significado. A interpretação diz respeito,
agora, à adição de significantes aos outros significantes produzidos pelo texto, e que são
adicionados de uma tal forma que eles, os significantes, se posicionam em torno deles
mesmos e dos significantes do texto numa forma determinada. (198)

É preciso que haja algum momento na leitura que seja mais do que uma repetição de um
texto, que seja efetivamente a ocorrência de uma alteridade...

A disseminação traduz uma tentativa de pensar um modelo não convergente de


pluralidade. Assim, em vez de pensar, por exemplo ( e esta seria a suspeita em relação à
hermenêutica), que a pluralidade indubitável de um texto encontra-se, de alguma forma,
orientada para um momento da compreensão, totalização, acordo, qualquer que seja a
inflexão particular em que ela se dá, a disseminação sugere um modelo de divergência,
ou mesmo, eu ousaria dizer (e podemos voltar a isto mais tarde), um tipo de dispersão.

A disseminação é também uma dispersão que não se subordina a uma convergência ou a


um ponto de chegada.

Então, embora Derrida use bastante o termo “interpretação”, às vezes ele suspeita
explicitamente desse termo porque, no meu entender, tal conceito pode muito
facilmente retornar àquele modelo convergente de uma orientação em direção a uma
verdadeira compreensão, a uma compreensão completa ou final... (202)

E é verdade que Derrida, em todos os níveis de seu pensamento, coloca a totalidade sob
suspeita.

que todo ser-no-mundo encontra-se já envolvido na interpretação, e que interpretação


não é necessariamente interpretação linguística. (203)

Derrida levantaria aqui sérias suspeitas simplesmente porque o povo, supostamente


identificado e talvez em referência à sua língua nacional, é não apenas indistinto nas
bordas em que ele se esfuma com outros povos, mas também porque, desde o início, ele
é atravessado por essa mesma heterogeneidade. A identidade em geral tem de ser
pensada em termos de relações e diferenças.

O pensamento desconstrucionista aqui sustenta que nunca houve o puro, em primeiro


lugar; a visão metafísica da origem é que esta, a origem, é um ponto de partida puro, a
partir do qual seguem ou deveriam várias outras coisas menos puras.

A visão desconstrucionista sustenta que não existe um tal ponto puro de origem; trata-
se sempre de uma fantasia retrospectiva, uma retrojeção, se preferir, a partir de uma
posição que já uma posição de impureza, de contaminação, de complicação, e assim por
diante. Isso seria exemplarmente verdadeiro no caso do pensamento nacionalista ou a
fortiori racista. (209)

O que a desconstrução tem a dizer sobre isso é que nós nos encontramos sempre já no
meio, que é plural e confuso e desorganizado até um certo ponto...
Portanto, a pergunta “quem somos nós” não é uma má pergunta, exceto se ela exigir
uma só resposta.

vamos nos liberar em direção aquilo que somos. Em outras palavras, à pluralidade que
nós já sempre somos. (210)

Mas a ideia, ainda assim, fornece um ponto de chegada ideal segundo o qual um
progresso pode ser feito e medido. Acho que tudo o que Derrida faz é um
questionamento dessa estrutura extremamente predominante e tentadora.

O sujeito é um conceito elaborado para neutralizar a força irruptiva dos eventos.

(o sujeito) ocupa uma determinada condição em uma economia. (222)

eu digo no ensaio politiques que uma maneira de se compreender a desconstrução é que


ela torna políticas...

a psicanálise é de uma absoluta importância no pensamento de Derrida. (224)

Derrida diz que a psicanálise e a linguística são dois lugares em que se pode encontrar
uma abertura para fora de clausura metafísica. (225)

Isso significa que quando herdo, no sentido de Derrida, não esqueço o outro, nem o
preservo como um tipo de objeto mumificado.

Essa é uma maneira de fazer um luto digno de seu nome. (230)

democracia é um nome estranho para um regime... (242)

a promessa de uma autêntica democracia que nunca se concretiza no que chamamos


democracia. (244)

este direito internacional é basicamente um direito europeu, na tradição da Europa e do


direito, mas, também, porque esses Estados-nação mais poderosos fazem lei, isto é, eles
comandam, de fato, a ordem internacional. (245)

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