Olha ao redor. A cidade já cheia. Mais um dia de trabalho. Gente
andando, correndo, comprando e jogando o lixo no chão. Gari, segue varrendo e juntando a deseducação das pessoas. Poucos olham para ele, o uniforme alaranjado, o carrinho de lixo, vassoura, pá. Está ali para manter a cidade limpa. Faz seu serviço e pensa. Os amigos dizem: “Pedro pensa demais”. Ele ri, não sabe muito bem o porquê, mas ri, para não perder a amizade dos seus iguais. Pobres que nem ele. Gente que nem ele. Chama-se João Pedro de Oliveira. Nome dos dois avôs. Lembra-se da mãe chamando Pedrinho e do pai chamando Joãozinho. Cada um pendendo para o pai que lhe pertencia. Nunca mostraram na sua frente, mas sempre acreditou que o seu nome, apesar de juntar as duas famílias era um ponto de discórdia entre a mãe o pai. Irmão não teve. Era estranho, as vizinhas tinham oito, dez, doze filhos. E ele sem irmãos. “A mulher complicou-se depois que pariu Joãozinho e ficou por isso mesmo”. Ouviu isso muitas vezes. O pai explicando a falta de mais filhos. O pai tinha necessidade continuada de explicar aquele filho único. Era quase uma afronta à sua macheza. “Pensando na morte da bezerra, João?” ouve o amigo perguntar em tom de piada. Sempre faz isso quando vê João Pedro encostado na vassoura, com os olhos distantes. “Nada, tava aqui pensando no pai e na mãe.” O amigo continua o serviço. Ele continua o serviço já embrenhando em outro pensamento. Saiu lá do cantão. Fundo do Paraná e veio pra essa cidade. Emprego de sobra, promessa muita. Logo se ajeita. Veio e ficou. Custou a se ajeitar. Não sabia fazer muita coisa, sem estudo, sem falar direito, sempre fazendo coisas temporárias, onde precisassem de força. Muito quieto sempre. Conseguiu vaga numa linha de produção. Não agüentou muito, às vezes ficava parado olhando as peças passar na sua frente e ele pensando no ritmo da vida. Chamaram sua atenção: “o senhor é um bom funcionário, seu João Pedro, mas é muito distraído, tem que ter mais atenção, caso contrário não vai conseguir vencer na vida”. Depois pegou de chapa numa transportadora. Era bom, andava pela cidade, via as moças. Mas complicava-se muito com mapas e notas e endereços. Nunca teve muita vocação para estudar e ler. Queria só pensar e olhar. Pudesse arranjar emprego disso, era bom. Certo dia olhou para um gari na rua. Ninguém por perto. Só ir varrendo, ajuntando as coisas, e olhando e pensando no mundo. Informou-se e conseguiu o emprego. Não era tão fácil quanto tinha imaginado, mas se ajeitou, se acostumou. Dez anos já. Conheceu Tânia, mulher direita, trabalhadora também. Quando começaram a namorar ficavam muito tempo sem se falar. Juntos e em silêncio. Uma vez ela pediu desculpas, disse que não falava muito, que preferia pensar mais do que falar. João olhou com ternura a mulher e a chamou para viver com ele na mesma hora. Quase sem pensar. Assim, a vida segue e João Pedro de Oliveira segue limpando a vida.