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A QUESTÃO DA VEDAÇÃO RELIGIOSA A ATIVIDADES

EDUCACIONAIS NOS DIAS DE SÁBADO: o caso na UEG.

Trata-se do caso de uma aluna da Universidade Estadual de


Goiás que por pertencer a Igreja Adventista do Sétimo Dia não freqüentou as
aulas que foram ministradas aos sábados, sendo pois reprovada por falta
em algumas disciplinas.
Creio que a questão principal a ser enfrentada, ao menos do
ponto de vista antropológico, é a relação entre o pertencimento a um grupo
religioso, com suas regras e valores particulares, e a participação na vida
cotidiana da sociedade brasileira, em outras palavras, refere-se aos conflitos
entre a liberdade religiosa e as demandas públicas. A questão se torna ainda
mais relevante por envolver uma religião minoritária e um Estado laico que
reconhece constitucionalmente a liberdade de crença e de culto.
A Constituição Federal de 1988 se, por um lado, explicitou a
independência do Estado face as religiões ou igrejas ao vedar à União, aos
Estados e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependências ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público” (CF, Art. 19, Inc. I), por
outro, traz em seu preâmbulo expressa referência a Deus, além de
estabelecer o ensino religioso como disciplina dos horários normais das
escolas públicas (CF, Art. 210, § 1º). Desnecessário dizer que a CF
assegurou a liberdade religiosa.
Essa dubiedade não é estranha aos Estados modernos: a
idéia de que a secularização dos Estados tem como pressuposto necessário a
privatização da vida religiosa obscurece o fato de que as religiões não foram
banidas para a esfera doméstica exclusivamente, mas permanecem na
esfera pública e, dessa forma, continuam a desempenhar um papel político

1
substancial1. Não por acaso é que, no Brasil, projetos como o que torna legal
o aborto ou a utilização de embriões humanos em pesquisas científicas são
obstados por pressão política de grupos religiosos.
Como resultado do processo histórico de sua formação social
e política, no qual a Igreja Católica exerceu importante influência, o Estado
brasileiro findou por reconhecer como próprios da nacionalidade brasileira
alguns valores, símbolos e datas provenientes da religião católica, a exemplo
do uso de crucifixos nas repartições públicas e os feriados nacionais de
Corpus Christi e de Nossa Senhora Aparecida.
As Igrejas evangélicas, por outro lado, começaram a se
estabelecer no Brasil a partir da segunda metade do século XIX com a
chegada dos imigrantes europeus e das missões protestantes americanas. O
crescimento das religiões protestantes até os anos setenta é constante, mas
lento; a partir dos anos oitenta verifica-se uma aceleração nesse
crescimento, principalmente em razão do surgimentos das igrejas ditas
neopentecostais:

“Os evangélicos, segundo o IBGE, eram apenas 2,6% da


população brasileira em 1940. Avançaram para 3,4% em
1950, 4% em 1960, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em
1991 e 15,4% em 2000, ano em que somavam 26.184.941 de
adeptos”2.

Verifica-se também que grupos religiosos protestantes,


embora numericamente significativos – ao menos em determinadas regiões –
tiveram pouca capacidade para influenciar o campo político brasileiro. Foi
somente a partir dos anos oitenta do século passado, com a
redemocratização do país e com o referido crescimento exponencial das

1
Sobre como as religiões interagem com o Estado e a esfera pública de modo geral no Brasil, ver
MONTERO, Paula. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil. Novos estudos - CEBRAP, mar. 2006,
no.74, p.47-65
2
Mariano, Ricardo. “Pentecostais e política no Brasil”. Disponível na página:
http://www.comciencia.br/reportagens/2005/05/13_impr.shtml

2
igrejas pentecostais, que os evangélicos passaram a ter uma postura mais
ativa na política brasileira, o que se reflete também nas demandas por
reconhecimento de seus símbolos, dogmas e interdições.

Os adventistas e a guarda do sábado

A Igreja Adventista é parte do se convencionou chamar, no


Brasil, de igrejas evangélicas. Contudo, é difícil localizá-la entre os
principais grupos que conformam o universo evangélico ou protestante. A
rigor, a Igreja Adventista não é uma igreja protestante histórica, i.e.,
originária da reforma protestante iniciada por Lutero. Em geral, também,
não se costuma classificá-la como pentecostal, segmento surgido do
“reavivamento” ocorrido nos Estados Unidos no início do século XX.
A Igreja Adventista teve origem nos Estados Unidos da
América, na segunda metade do século XIX, a partir dos remanescentes do
movimento adventista millerista3, que se dispersou em 1844 no episódio
conhecido como “grande desapontamento”. Segundo Oliveira Filho,

Os millenistas que chegaram, segundo algumas estimativas, a


cem mil pessoas, após o “grande desapontamento”, ficaram
reduzidos a alguns remanescentes dispersos, não chegando a
constituir propriamente congregações. Expulsos de suas igrejas
(Metodista, Batista, Metodista Episcopal etc.), apenas deram
passos no sentido de se organizarem, poucos destes grupos,
após 1851, orientados por uma “visão” de Ellen White do ano
anterior, com medidas ainda parcamente centralizadoras: a
concessão de credenciais a pregadores nas comunidades,
assinadas inicialmente por James White e Joseph Bates; a
diaconia instituída em Massachusetts, em 1854, de caráter
3
Trata-se de movimento originado das pregações de William Miller, fazendeiro e membro da Igreja
Batista Americana, que a partir de uma interpretação literal de trecho bíblicos anuncia a data de retorno de Jesus
Cristo à terra, sendo por essa razão denominados adventistas.

3
estritamente local; a realização de constantes campanhas
itinerantes de proselitismo montadas até em barracas, uma
organização mais sistemática sendo efetuada por J. N.
Andrews em Battle Creek numa comunidade que se tornaria
modelo a partir de 1859. O próprio nome Adventista do Sétimo
Dia somente foi adotado a partir de maio de 1861 [...] 4

Os fundadores da Igreja Adventista não rompem com o


milenarismo, antes o reforçam com o reconhecimento do “dom da profecia”
recebido pela Senhora Ellen White. Crêem que houve apenas um equívoco
quanto ao evento anunciado por William Miller: a data de 22 de outubro de
1844 não se referia ao retorno de Jesus Cristo, mas ao início do ministério
de Cristo no Santuário Celestial.
Com o desenvolvimento da Igreja e sua centralização, a
doutrina adventista se complexificou mantendo, contudo, uma visão
religiosa fundamentalista, i.e., enfatizando a interpretação literal dos textos
bíblicos e a crença no iminente retorno de Jesus Cristo à terra. Com efeito,
os adventistas têm se notabilizado pela defesa intransigente do dogma
criacionista e do caráter infalível das profecias.
Hoje, os adventistas organizam sua prática religiosa em torno
do que denominam “As 28 crenças fundamentais”, entre as quais se
encontra a que define o Sábado como dia consagrado a Deus:

20. O Sábado
O bondoso Criador, após os seis dias da Criação, descansou
no sétimo dia e instituiu o Sábado para todas as pessoas,
como memorial da Criação. O quarto mandamento da imutável
Lei de Deus requer a observância deste Sábado do sétimo dia
como dia de descanso, adoração e ministério, em harmonia

4
Oliveira Filho, José Jeremias de. Formação histórica do movimento adventista. Estud. av., São Paulo,
v. 18, n. 52, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142004000300012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 Set 2006.

4
com o ensino e prática de Jesus, o Senhor do Sábado. (Gên.
2:1-3; Êxo. 20:8-11; 31:12-17; Lucas 4:16; Heb. 4:1-11; Deut.
5:12-15; Isa. 56:5 e 6; 58:13 e 14; Lev. 23:32; Mar. 2:27 e 28). 5

Em uma cartilha intitulada Deveres Cívicos e Liberdade


Religiosa, produzida pelo Ministério dos Deveres e da Liberdade Religiosa,
da União Central Brasileira da Igreja Adventista do Sétimo Dia, entre outras
questões relacionadas ao modo como devem proceder os adeptos frente as
questões públicas e políticas, há um documento da Associação Geral, acerca
da observância do sábado, no qual se oferece diversos conselhos sobre como
o adventista deve se comportar aos sábados e, principalmente, como
adequar a guarda do sábado às obrigações extra-religiosas.
O documento enfatiza o caráter sagrado do sábado, de modo
que fica explícita a obrigação do crente em guardo esse dia para :

O sábado engloba toda a nossa relação com Deus. É uma


indicação dos atos de Deus em nosso favor no passado,
presente e futuro. O sábado protege a amizade do homem com
Deus e proporciona o tempo essencial para o desenvolvimento
dessa relação. O sábado esclarece o relacionamento entre Deus
e a família humana, pois aponta a Deus como Criador numa
época em que os seres humanos gostariam de usurpar a
posição de Deus no universo.

Em outra parte, discorre sobre como o crente pode contornar


as dificuldades ocasionadas pela observância do sábado:

Exames no sábado. Os adventistas do sétimo dia que


enfrentam o caso de exames aos sábados em escolas não-
adventistas, ou que prestam exames para receber autorização

5
As 28 crenças fundamentais. Disponível no portal da Igreja Adventista do Sétimo Dia na internet:
http://www.dsa.org.br/crencas.asp

5
por parte dos conselhos profissionais para o exercício da
profissão, encontram problemas especiais. Ao lidarem com
essas situações, recomenda-se que façam arranjos com a
administração para poderem prestar os exames em horas que
não sejam do sábado. A Igreja deve incentivar os membros
quanto à cuidadosa observância do sábado e, sempre que
possível, interceder junto às autoridades competentes para que
possibilitem a reverência para com o dia de Deus e o acesso
aos exames.
[...]
Trabalho Essencial e de Emergência. A fim de exaltar a
santidade do sábado, os adventistas do sétimo dia devem
fazer escolhas sábias na questão do emprego, guiados por
uma consciência iluminada pelo Espírito Santo. A experiência
tem demonstrado que há riscos na escolha de vocações que
não permitam a adoração do Criador no sábado, livre de
envolvimento com trabalho secular. Isso significa que evitarão
tipos de emprego que, embora essenciais para o funcionamento
de uma sociedade tecnologicamente avançada, possam
oferecer problemas quanto à observância do sábado.

Vê-se pois o grau de importância que tem a guarda do sábado


no sistema de crenças dos adventistas do sétimo dia, o que finda por criar
problemas em relação às atividades seculares, principalmente no estudo e
no trabalho, tratados no referido documento. Embora, a mensagem tenha
sempre um tom conciliador e de respeito às decisões individuais quanto à
necessidade de desenvolver certas atividades no dia de sábado, deixa claro
que a observância desse dia é condição fundamental para o reconhecimento
do membro da igreja.
Ocorre, então, que muitos adventistas vêem-se privados de
serviços públicos ou prejudicados em seus interesses na esfera pública em
razão de não poderem participar de aulas, provas ou outras atividades

6
realizadas aos sábados. Do outro lado, o Estado escusa-se de adotar
soluções alternativas que permitam aos cidadãos dessa crença religiosa ter
acesso igualitário aos bens e serviços públicos sob o argumento de sua
neutralidade religiosa (laicidade).

Laicidade e Diferenças

Creio que aqui voltamos à questão central da reclamação da


Sra. Maria do Rosário Cardoso de Brito Silva: por que a Universidade do
Estado de Goiás não pode oferecer alternativas às aulas e exames realizados
aos sábados para seus alunos adventistas?
A UEG como instituição pública é laica, mas seus professores,
funcionários e alunos não. A secularidade da UEG não é suficiente para
propiciar um tratamento igualitário entre seus alunos de diferentes religiões,
pois a laicidade do Estado, compreendida como simples neutralidade sobre
os aspectos religiosos pode obscurecer preferências e padrões de
determinado pensamento religioso hegemônico. Desse modo, ainda que
formalmente a Universidade não mantenha vínculos com a Igreja Católica,
suas normas e práticas acabam por beneficiar os adeptos dessa religião em
detrimento daqueles que professam outras crenças.
Como dito anteriormente, a laicização do Estado brasileiro
não afrontou os princípios e valores fundamentais da Igreja Católica, à qual,
ainda hoje, a maior parte dos brasileiros deve sua formação religiosa. Com
efeito, na separação republicana entre Estado e Igreja Católica no Brasil, os
privilégios desta não se esvaíram completamente, como afirma Emerson
Giumbelli: "em nosso regime de 'separação' pululavam os vínculos,
compromissos, contatos, cumplicidades entre autoridades e aparatos estatais
e representantes e instituições católicas"6. Ainda hoje é fácil perceber o grau
de reconhecimento das autoridades políticas à Igreja Católica, seja na

6
Emerson Giumbelli apud Mariano, Ricardo. Secularização do Estado, Liberdades e Pluralismo
Religioso”. Disponível na internet: http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/ricardo_mariano.htm.

7
disposição para receber suas demandas, seja para participar de seus
eventos. É possível, também, notar como é dado certo caráter oficial a
determinadas cerimônias católicas, como missas festivas ou solenes 7.
Dessa forma, a UEG, como órgão do Estado, também
participa dessa “preferência” pela Igreja Católica respeitando, por exemplo,
os feriados religiosos católicos (Paixão de Cristo, Corpus Christi, Nossa
Senhora Aparecida, Finados, Natal e Sant'Ana – este último feriado
municipal em devoção à padroeira da cidade de Anápolis, sede da UEG),
cedendo seus espaços para atividades da capelania universitária católica ou
promovendo eventos do Centro de Estudos de História da Igreja na América
Latina-CEHILA, instituição com fortes vínculos com a Igreja Católica.
Afirmar essa “preferência” não significa considerá-la espúria
ou ilegítima, mas apenas destacar que a efetivação do princípio da laicidade
do estado necessita algo mais que a neutralidade estatal, exige respeito e
reconhecimento da diversidade religiosa de sua população. No caso em tela,
o respeito e o reconhecimento poderiam se consubstanciar justamente na
busca de alternativas às práticas acadêmicas que se contrapõe a
determinadas crenças, desde que tais soluções não impliquem prejuízo
àqueles que não professam a mesma fé.
Cumpre registrar que esses problemas – decorrentes do
choque entre a laicidade do Estado e restrições religiosas – não ocorrem
somente com os adeptos da Igreja Adventista do Sétimo Dia: na semana
passada, por exemplo, a Confederação Israelita do Brasil solicitou ao
Tribunal Superior Eleitoral que os judeus não fossem chamados a trabalhar
como mesários nas próximas eleições, tendo em vista o início do Yom Kippur
(dia sagrado do Perdão), mas o TSE decidiu que os juízes eleitorais
decidirão casa a caso sobre a dispensa de mesários de religião judaica.

7
É comum, em Brasília, que grupamentos militares (como os Dragões da Independência, batedores e
bandas de músicas) participarem de cerimônias católicas.

8
Comparação: véu islâmico nas escolas públicas francesas

Creio que a questão do uso de véus (shador) por estudantes


muçulmanas na França, pode ajudar-nos a pensar na difícil relação entre
Estado e religiões, assim como as possíveis soluções desse problema. Em
2003, duas estudantes convertidas ao islamismo foram impedidas de
freqüentar a escola por usarem véus sobre suas cabeças, como é costume
dos adeptos dessa religião8. Esse caso acabou por suscitar a elaboração de
um relatório de intelectuais franceses sobre a laicidade do Estado (Rapport
Stasi) e a aprovação de uma lei proibindo o uso de símbolos religiosos
ostensivos nas escolas públicas.
Em interessante artigo no qual analisa o referido relatório
Stasi e o livro de Seyla Benhabib, a antropóloga Céli Regina Jardim Pinto
aponta para a confusão entre a laicidade e neutralidade do Estado com a
neutralidade dos cidadãos. Para ela, seguindo a exposição de Benhabib, a
análise do caso do uso do véu revela as contradições e possibilidades do
encontro entre culturas, pois “se por um lado, o uso do véu indica uma
submissão das mulheres, por outro, lhes possibilita entrar em contato com
uma cultura laica e com outras culturas o que trará mais possibilidade de
colocar em xeque suas condições, o que não aconteceria se fossem afastadas
do convívio público e condenadas a freqüentar escolas religiosas ou
simplesmente permanecerem na clausura doméstica”9.
Céli Regina cita ainda um trecho do livro de Seyla Habib, no
qual discorre sobre o primeiro incidente envolvendo estudantes
muçulmanas proibidas de freqüentar escolas públicas usando véu:

Ironicamente, usaram a liberdade dada a elas pela sociedade


francesa e pelas tradições políticas francesas, que não é

8
Esse não foi o primeiro caso de proibição do véu em escolas públicas, em 1989 outro caso envolvendo
três meninas muçulmanas gerou grande polêmica nos meios de comunicação e na sociedade francesa em geral.
No entanto, foi em 2003 que o problema foi alçado a tema fundamental
9
Pinto, Céli Regina Jardim. Quem tem direito ao "uso do véu"?: (uma contribuição para pensar a questão
brasileira). Cad. Pagu., Campinas, n. 26, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0104-83332006000100015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 Set 2006.

9
diferente da instrução pública livre e compulsória para todas
as crianças em solo francês, para justapor um aspecto de sua
identidade privada na esfera pública. Assim agindo,
problematizaram a escola tanto quanto seus lares: já não
tratam a escola como o espaço neutro da aculturação francesa,
mas manifestam abertamente suas diferenças culturais e
religiosas. Usaram o simbólico do lar na esfera pública,
retendo a modéstia requerida delas pelo Islã, cobrindo suas
cabeças; ao mesmo tempo que saíram de casa para
transformarem-se em atores públicos no espaço público civil,
do qual elas desafiam a condição em que se encontram. 10

Vê-se que para essas autoras a escola pública é um lugar de


contato e enfrentamento entre diferentes visões de mundo, sendo portanto o
espaço privilegiado para a construção de diálogos e do reconhecimento das
diferenças. Destarte, criticam a solução encontrada pela Comissão Stasi e
pela Assembléia Nacional Francesa de proibir o uso de símbolos religiosos
ostensivos nas escolas públicas que, para elas, acabam por impedir a
interação de culturas e religiões e confunde a laicidade do Estado com uma
pressuposta laicidade do cidadão. Céli Regina critica fortemente a proposta
do relatório Stasi de criação de escolas muçulmanas como solução para o
uso do veú por estudantes islâmicas, afirmando que, nesse caso, a escola
confessional deixa de ser uma opção para ser a única possibilidade de
educação e dessa forma, nada contribuindo para a integração de minorias
culturais e religiosas.
Ao argumento de que as jovens muçulmanas são obrigadas,
pro razões sexistas, a usar o véu, a autora sustenta a posição de Seyla
Benhabib:

Concordo plenamente com Benhabib que a única forma de agir


com justiça com estas mulheres é permitir que elas sejam
10
Apud Pinto (tradução livre)

10
expostas ao espaço público, laico, diferenciado. Que elas
estejam em locais públicos, e a escola laica francesa é um
desses locais privilegiados, onde possam expressar-se e ouvir
posições distintas das suas. Aí reside a possibilidade da
retirada do véu a seu favor. Possivelmente, neste cenário,
muitas mulheres retirariam o véu, outras tantas não. Mas esta
é a única forma igualitária de tratar todos os cidadãos.

Conclusão

A questão da guarda do sábado pelos adeptos da Igreja


Adventista do Sétimo Dia, coloca o conflito entre a laicidade do Estado, um
importante princípio republicano, e as lealdades religiosas dos cidadãos. No
caso em apreço, a Universidade do Estado de Goiás não atendeu às
reivindicações de uma estudante adventista – de alternativas às atividades
realizadas aos sábados – e, dessa forma, impossibilitou que a referida
estudante pudesse concluir seu curso, sendo reprovada por faltas nas
disciplinas e atividades realizadas nesse dia de devoção religiosa.
A atitude da Universidade do Estado de Goiás de buscar
aplicar seu regimento de maneira indistinta a todos os seus alunos, embora
louvável do ponto de vista da defesa da laicidade do Estado, revela a
ausência de reconhecimento da pluralidade cultural e religiosa de seu corpo
discente (e talvez, docente). Como dito anteriormente, a laicidade do Estado
não pode significar o desconhecimento e exclusão dos cidadãos que
professam alguma crença. Claro que tal reconhecimento não pode se dar em
detrimento do direito da coletividade, mas solicitar atividades alternativas
àquelas realizadas aos sábados não afrontam, em princípio, os direitos
coletivos.
Do mesmo modo que a proibição do uso do véu nas escolas
públicas francesas pode ter como resultado o confinamento das jovens
muçulmanas em ambientes pouco abertos a interação com outros grupos

11
culturais e religiosos, o desconhecimento da diversidade religiosa no Brasil
em nada contribui para a formação de uma cultura de tolerância religiosa e
de acordo com o ideal de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos como afirmado no preâmbulo de nossa Constituição Federal.

Jorge Bruno Souza

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