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t

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

143 V ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA


REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO
*02867399*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 991.09.044984-4, da Comarca de Osasco, em
que é apelante ALEXANDRE LUÍS RAPADO SOARES sendo
apelado BANCO BRADESCO S/A.

ACORDAM, em 37 a Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores EDUARDO SIQUEIRA (P esidente) e TASSO
DUARTE DE MELO.

São P

MAC CtyACKEN
ELATOR'

11
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO N ° : 6195
APEL.N": 7.404.222-7
COMARCA: OSASCO
APTES. : ALEXANDRE LUÍS RAPADO SOARES
APDO. : BANCO BRADESCO S/A

DECLARATORIA - NOTA PROMISSÓRIA EMITIDA


POR FORÇA DE CONTRATO BANCÁRIO
IMPOSSIBILIDADE - RELAÇÃO DE CONSUMO -
CLÁUSULA MANDATO - OFENSA AO ART. 51, IV
e VIII DO CDC e ART. 388, II e PARÁGRAFO
ÚNICO DO CPC. A cláusula contratual que
permite a emissão da nota promissória em
favor de instituição financeira
caracteriza-se como abusiva, porque
viola o princípio da boa-fé, consagrado
no art. 51, IV, do CDC, caracterizando,
também, cláusula mandato que, em regra,
não é permitida pelo mesmo Diploma
Legal. Recurso provido.

Irresignado com o teor da r.


sentença proferida às fls. 40/42 dos autos que julgou
improcedente a presente ação, insurge-se o autor, ora
apelante, alegando, em síntese, a nulidade de nota
promissória emitida com base em cláusula-mandato contida em
contrato bancário, que há contrariedade a dispositivo legal
do Código de Defesa do Consumidor e a Súmula 60 do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, que não há/ prova do
descumprimento de obrigação, que /a verbar^nonorária foi

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osas<(p_^yólò n° 6JSra/Pedro


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fixada de forma excessiva e, por fim, pleiteia o provimento


do recurso para que seja declarada nula a nota promissória
emitida em decorrência de cláusula-mandato.

Em contrarrazões, o Banco apelado


pede que ao recurso seja negado provimento (fls. 53/56).

É o relatório.

O recurso merece provimento.

De plano, deve ser registrado que


restou incontroverso o fato de que houve a emissão de nota
promissória em razão de relação contratual bancária firmada
entre os demandantes, mais especificamente como asseverado
pelo Banco apelado, no bojo de sua contestação, às fls. 28
dos autos, em virtude de contrato de abertura de conta-
corrente.

No caso específico dos autos, a


emissão de Nota Promissória para cobrança dos valores
referentes ao contrato bancário não se mostra devida,
devendo a r. sentença recorrida ser reformada, pois a
emissão do referido título decorre de cláusula mandato.

Na verdade, para casos como o dos


autos, a instituição financeira impõe,, de forma unilateral e
visando apenas os seus interesses, várias fôrmas de cobrança

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco«^oto n° 6J05 - Pedro


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de eventual saldo devedor e, para tanto, confere, também, um


mandatário às devedoras, que, indubitavelmente, quando da
celebração da referida avença, não tinham outra escolha, a
não ser a concretização do negócio.

Deve ser destacada a ilegalidade


da postura adotada pelo Banco apelado ao emitir nota
promissória em branco quando da celebração de respectiva
operação bancária, uma vez que o título de crédito é emitido
para garantia da avença e para eventual cobrança de saldo
devedor.

Deve ser destacado, ainda, que a


finalidade da nota promissória nada mais é que a cobrança de
saldo devedor apurado unilateralmente pelo Banco apelado,
sendo assim, tais regramentos contratuais são de natureza
puramente potestiva, ao passo que deixa apenas a uma das
partes a produção dos efeitos do negócio jurídico.

Tais ditames contratuais têm por


objetivo atribuir, única e exclusivamente, a instituição
financeira vantagens exageradas em relação ao consumidor.
Ademais, trata-se, também, da famigerada cláusula mandato,
na qual o devedor outorgou poderes ao credor efu a terceiros
vinculados a este último, para assumir obrigações cambiais,
no exclusivo interesse da instituirão financeira.

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca dejefsasco - Voto n° 6195 - Pedro


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Deve ser registrado que, tratando-


se o mandato de um contrato baseado na confiança, ou seja,
intuito personae, não é possível admitir a validade,
legalidade e legitimidade de cláusula contratual obrigando o
contratante a outorgar poderes a terceira pessoa ou ao Banco
apelado, para o fim de permitir o preenchimento de nota
promissória subscrita em branco, como evidente condição para
a concretização do negócio jurídico, bem como para garantir
o cumprimento do contrato.

A inserção de cláusula mandato em


contrato regido pelo Código de Defesa do Consumidor, como in
casu, é prática de que deve ser considerada como nula, pois
tal cláusula nada mais visa que atribuir vantagens ao
fornecedor de produtos ou serviços em detrimento ao
consumidor, pois, além de ferir os ditames legais e
princípios que regem a relação de consumo, conforme acima
mencionado, criam uma desproporção na relação jurídica
existente (art. 51, inciso IV do CDC).

O Egrégio Superior Tribunal de


Justiça já pacificou o entendimento de que *B nula a
obrigação cambial assumida por procurador do mutuário
vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.".

Pelo princípio da boa-fé/òbjetiva,


o contrato deve ser considerado com um meio de instrumento
de cooperação entre as partes contratanbés^ranto que, estas

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - Voto t/6195 - Pedro


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chegam a um consenso quando da celebração do pacto. A


existência de cláusula que outorga vantagens a uma das
partes em detrimento à outra, afronta totalmente tal
princípio, afastando sua característica de mutualismo de
o b r i g a ç õ e s e d i r e i t o s . Nesse s e n t i d o :

«O CDC exige a boa-fé dos contratantes,


porque vê o contrato não como síntese de
interesses contrapostos, mas como
instrumento de cooperação entre as
partes, que se devem comportar com
lealdade. Tanto exige a boa-fé como
cláusula geral - assim reputada existente
em todo contrato de consumo -, que o art.
51, IV, estabelece serem nulas as
1
cláusulas incompatíveis com ela".

O princípio do equilíbrio
contratual ou da i g u a l d a d e dos c o n t r a t a n t e s na r e l a ç ã o de
consumo e s t a b e l e c e q u e o c o n t r a t o n ã o pode impor benefícios
ao fornecedor do p r o d u t o ou serviço sem o u t o r g a r iguais
v a n t a g e n s a o c o n s u m i d o r , ou s e j a , n a r e l a ç ã o c o n t r a t u a l , uma
p a r t e n ã o pode p o s s u i r p r e r r o g a t i v a t o t a l m e n t e e x c e s s i v a em
d e t r i m e n t o à o u t r a . Nesse s e n t i d o :

«De acordo com o princípio, o contrato


não pode estabelecer prerrogativas ao
fornecedor, sem /fixar iguais vantagens ao

1
Código de Defesa do Consumidor Anotado - José Alberto Quadros de Carvalho alíva - Edjjffra Saraiva - 2001 - São Paulo - pág.
13.

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - VatÉTn0 6195 - Pedro


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consumidor. Decorre que uma parte, na


relação jurídica de consumo, não pode
obter vantagem manifestamente excessiva
em detrimento da outra, sendo sancionada
de nulidade a cláusula que, em desfavor
do consumidor, estabeleça obrigações
iníquas, abusivas, que o coloquem em
desvantagem exagerada (art. 51, TV)".2

Ademais, conforme já dito,


referida cláusula-mandato ofende o princípio do equilíbrio
contratual ou da igualdade da relação de consumo, que nada
mais é que um desdobramento do princípio da igualdade regido
na esfera constitucional, pois, na verdade, deve ser
esclarecido que referido princípio, em específico nas
relações de consumo, não visa a equiparação absoluta entre
as partes, mas sim, que deva existir cláusulas mútuas que
outorguem obrigações e direitos às partes, não sendo elas
desproporcionais entre si, isto é, que uma não atribua uma
vantagem a uma das partes sem que em contrapartida seja
atribuída à outra um direito que possa eqüivaler à obrigação
existente.

Nesse sentido, a orientação


jurisprudencial é a seguinte, a saber:

"PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO -


NEGATIVA DE? PROyXÍÍÈMfo - AGRAVO

2
ldem, obra citada, pág. 13. yy

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - Vç*W 6195 - Pedro


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REGIMENTAL - CONTRATO BANCÁRIO - NOTA


PROMISSÓRIA - EMISSÃO EM BRANCO
VIOLAÇÃO AO ART. 51, IV, CDC - SÚMULA
60/STJ - LETRA DE CÂMBIO - SAQUE -
NULIDADE - DESPROVIMENTO. 1 - No que diz
respeito à validade da nota promissória
emitida em branco, a orientação desta
Corte é no sentido de que a cláusula
contratual que permite a emissão da nota
promissória em favor do banco/embargado,
caracteriza-se como abusiva, porque
violadora do princípio da boa-fé,
consagrado no art. 51, inciso IV do
Código de Defesa do Consumidor.
Precedente (REsp 511.450/RS). 2
Igualmente, é nula a cláusula contratual
em que o devedor autoriza o credor a
sacar, para cobrança, título de crédito
representativo de qualquer quantia em
atraso. Isto porque tal cláusula não se
coaduna com o contrato de mandato, que
pressupõe a inexistência de conflitos
entre mandante e mandatário. Precedentes
(REsp 504. 036/RS e AgRg Ag 562. 705/RS) . 3
- Agravo regimental desprovido".3

Além de que, o artigo 51, inciso


VIII do Código de Defesa do Consumidor deixa claro, de forma
objetiva, que são nulas de pleno direito as ciausulas
contratuais que imponham representaAte pará7>concluir ou

3
STJ - AgRg no Ag 511675/DF - DJ 17.10.2005 p. 297.

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - Vptó n° 6195 - Pedro


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realizar outro negócio jurídico pelo consumidor, como in


casu.

Assim, como bem preleciona o


Ilustre Magistrado Jorge Alberto Quadros de Carvalho e
Silva, in, Código de Defesa do Consumidor Anotado, Editora
S a r a i v a , São Paulo, 2 001, às páginas 180:

"Tratando-se o mandato de um contrato


baseado na confiança, intui tu personae,
não é de se esperar a validade e a
legitimidade de cláusulas obrigando o
consumidor a outorgar poderes a terceira
pessoa, em conflito de interesses, para
assinar um título de crédito ou um
instrumento de confissão de dívida, em
seu nome".

Deve ser destacado ainda, que o


referido título de crédito foi sacados em benefício
exclusivo do Banco apelado, criando, como dito, vantagens
desproporcionais ao mesmo, o que, gera a sua invalidade.
Nesse sentido:

n
No que diz respeito à validade das notas
promissórias emitidas em branco, a
orientação desta Corte ê no sentido de
que a cláusula contratual que permite a
emissão da sota. promissória Sem. favor do
banco, caracteriza-se j^como abusiva.

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - Voto n° 6185 - Pedro


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porque violadora do princípio da boa-fé,


consagrado no art. 51, inciso IV do
Código de Defesa do Consumidor.
Precedentes (AgRg Ag 511.675/DF, REsp
511.450/RS). - Agravo regimental
desprovido"'. *

"COMERCIAL. EMISSÃO DE CAMBIAL. A


instituição financeira não pode exigir do
correntista a emissão de nota promissória
em branco para garantia de contrato de
abertura de crédito. Recurso especial
conhecido e provido. "*

Ademais, em específico, no que


concerne à emissão de Nota Promissória em branco deve ser
r e s s a l t a d o que além da expressa afronta ao Diploma
Consumerista, o referido documento, qual seja, a nota
promissória não é digna de fé, conforme estabelece o a r t i g o
388, i n c i s o I I do Código de Processo C i v i l .

Dispõe o Diploma Adjetivo Civil


que cessa a fé do documento p a r t i c u l a r , quando assinado em
branco, que for abusivamente preenchido. A abusividade do
preenchimento c a r a c t e r i z a , na espécie, pelo fato de a
inserção de valores estarem a cabo, único e exclusivo, do
credor, no caso, o Banco apelado que, verificando de acordo
com seu u n i l a t e r a l entendimento*, promovia, como de fato

4
AgRg no REsp 817530 / RS - DJ 08.05.2006 p. 237
5
STJ - REsp 511450/RS - 3" Turma - Rei. Min. Ari Pargendler - DJ 29/03/206», p. 233

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de/Osasco - Voto n° 6195 - Pedro


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promoveu, o preenchimento do valor que, da mesma forma,


unilateralmente, apurou.

Corrobora o quanto acima


explicitado, os ditames do parágrafo do artigo 388 do Código
de Processo Civil, abaixo transcrito:

"Parágrafo único. Dar-se-â abuso quando


aquele, que recebeu o documento assinado,
com texto não escrito no todo ou parte, o
formar ou o completar, por si ou por meio
de ou trem, violando o pacto feito com o
signatário".

Assim, verifica-se que a nota


promissória foi arbitrariamente preenchida pelo Banco
apelado e, sendo impugnado, como efetivamente ocorreu, cessa
a sua fé, bem como a sua legitimidade se não comprovada a
sua legalidade, o que não restou demonstrado, já que o
recorrido, apenas buscou comprovar a legalidade do título,
em razão de cláusula contratual, que, como dito, é puramente
potestativa e nula de pleno direito e não por outros meios,
mesmo porque, em razão da existência de relação de consumo,
sua era a prova (art. 6°, VIII do CDC) . Nesse diapasão, a
doutrina apresente a seguinte orientação, a saber:

"Impugnado o documento, ceséa a sua fé,


até se demonstre, pelos/aaeios ordinários
de prova (testemunHap, documentos), a

Apelação n° 7.404.222-7 - Comarca de Osasco - Votóín6195 - Pedro


SíiPl TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO sy\
y
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procedência ou a improcedência da
impugnação".6

Desta forma, em razão do quanto


acima lançado, a nota promissória discutida nos autos é nula
e conseqüentemente inexigível, devendo, também, tais efeitos
incidirem sobre o protesto tirado em desfavor do apelante.

tí\ exposto, nos termos acima


lançados, dá-se provimento iursD, invertendo-se o ônus
da sucumbência.

Robertlo Mac Craçksn


lelator \|

6
Comentários ao Código de Processo Civil - Moacyr Amaral do Santos - Volume IV - Artigos 332 a 475 - Editora Forense -
Rio/São Paulo -1972 - pág. 235.

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