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SÃO PAULO
2007
CENTRO UNIVERSITÁRIO ÍTALO BRASILEIRO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA TOMISTA
1
O CONHECIMENTO DA ALMA SEPARADA DO CORPO
SÃO PAULO
2007
2
Dedicatória
3
Ridder, Guy Gabriel de (2007). Conhecimento da alma separada do corpo e, por
conseguinte de seus sentidos. Monografia, São Paulo, Brasil, Centro Universitário
Ítalo-Brasileiro.
RESUMO
4
Ridder, Guy Gabriel de (2007). Connaissances de l´âme séparée de son corps
et, par conséquent, dépourvue de ses sens. Monographie, São Paulo, Brésil,
Centre Universitaire Italo-Brésilien.
RESUME
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9
1.1 Pressupostos ...............................................................................................9
1.2 Problema ..................................................................................................... 9
1.3 Hipótese ...................................................................................................... 9
1.4 Objetivo ....................................................................................................... 9
1.5 Metodologia ................................................................................................. 10
4.1 Parece que a inteligência humana conhecerá sempre por imagens ............ 17
4.2 Funções e influências da alma separada ..................................................... 17
6
4.2.1 Funções ..................................................................................................... 18
4.2.2 Atividades sensitivas ................................................................................. 18
4.2.3 Atividades espirituais ................................................................................. 18
7
9.1 Com Deus .................................................................................................... 25
9.2 Com os anjos ................................................................................................25.
9.3 Com as demais almas separadas .................................................................26
9.4 Com os homens ............................................................................................26
9.4.1 Impossibilidade própria aparecer a outros ................................................ 26
9.4.2 Aparição contradiria plano Divino ............................................................. 27
9.5 Com as coisas materiais ...............................................................................29
8
O conhecimento da alma separada do corpo
1. INTRODUÇÃO
1
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002.
AQUINO, Tomás de. Suma contra os Gentios, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996
2
ROYO MARIN, O.P., Antonio. Teologia de la Salvación. Madri: BAC, 1965
9
Especialmente, temos em vista tornar acessível à inteligência, como pode a
alma, nestas condições extraordinárias tomar conhecimento das coisas, das
pessoas e do próprio Deus, já que não dispõe das condições normais com que foi
criada, para tanto.
1.5 METODOLOGIA
2. Desenvolvimento - Argumentação
A alma humana, diz São Tomás de Aquino em sua “Suma Teológica” (3) fica
impossibilitada de conhecer quando o sentido se torna impedido, e quando a
imaginação está perturbada, pois tudo que é interior ao homem se corrompe com a
morte. Assim, o conhecer também se corrompe. Pela morte, os sentidos e a
imaginação estão totalmente corrompidos. Assim, pareceria que depois da morte a
alma nada conhece.
3
Ia. Parte, Questão 89
10
Também não pode mais conhecer as coisas em espécies, nem as inatas, nem
as abstratas, pois não tem mais os sentidos através dos quais se abstrai.
4
Devemos entender aqui por natural o estado em que então passou a existir a alma, isto é, separada de seu corpo
e não como o estado naturalmente em que existe ao ser criada de pessoa humana corpo e alma unidos.,mas sim,
tratar-se-ia de uma graça infusa por Deus
5
Cf S, I, 89, 3
6
Do grego phantasma, que corresponde em algo a imaginação, fantasia. A palavra por certo é um tanto
imprópria, mas ela é usada em filosofia à guisa de outro conceito mais preciso.
11
corpo, convém-lhe o conhecimento totalmente inteligível (isto é, conforme ao
intelecto).
Nada opera senão na medida em que está em ato; o modo de agir de toda
coisa é uma conseqüência de seu modo de existir. Ora, a alma tem um modo de
existir diferente quando está unida ao corpo, e quando dele está separada, embora
sua natureza permaneça a mesma. Isso não quer dizer que sua união ao corpo seja
acidental, mas é em razão de sua natureza que ela está unida a um corpo.
Convém, portanto à alma, segundo o modo de ser pelo qual está unida ao
corpo, um modo de conhecer pelo qual se volta para as representações imaginárias
dos corpos, que estão em órgãos corporais. Mas, quando, contudo, está separada
do corpo, convém-lhe o modo de conhecer pelo qual se volta para as coisas que são
totalmente inteligíveis, da mesma maneira que as outras substâncias separadas. Por
conseguinte, o modo de conhecer voltando-se para as representações imaginárias é
natural à alma, assim como estar unida a um corpo. Mas, ser separada do corpo
está além de sua natureza, da mesma forma que compreender sem se voltar para
as representações imaginárias. Se, portanto, está unida a um corpo é para existir e
agir conforme a esta sua natureza assim constituída.
12
Portanto, assevera São Tomás (7), para que as almas humanas pudessem ter
um conhecimento perfeito e direto das coisas foram constituídas de modo a se
unirem naturalmente aos corpos, e dessa forma terem das próprias coisas sensíveis
um conhecimento próprio, assim como, por exemplo, homens iletrados só podem ser
conduzidos ao saber com a ajuda de exemplos sensíveis.
7
Cf ST, I, 89, 1,1
8
Cfr. Roger Vernaux, Op. Cit., pp. 109 a 114
13
por conseguinte, a inteligência tem atos tais que excluam a participação direta de um
órgão, deve-se concluir legitimamente que ela é em si mesma inorgânica.
Não podemos tomar como ponto de partida a memória, que é uma faculdade
sensível, mas podemos tomar qualquer dos atos diretos do conhecimento
intelectual: o conceito, o juízo ou o raciocínio, o ato de reflexão ou ainda o fato de
que a inteligência pode conhecer todos os corpos. Este último argumento é o que
prefere São Tomás, embora seja o mais delicado.
3.4.2. Pela reflexão, a inteligência capta seu ato e a si mesma. Ora, um órgão
não pode voltar-se sobre si mesmo, pois está constituído de partes extensas, e duas
partes físicas não podem coincidir em virtude da impenetrabilidade da matéria.
Portanto, o ato de reflexão é espiritual e a inteligência que o exerce também o é (10).
Trata-se aqui, evidentemente, da reflexão propriamente dita pela qual um ser
volta-se sobre si mesmo e se conhece a si mesmo. No plano físico, a reflexão de um
raio de luz que encontra um espelho não é senão uma analogia longínqua da
verdadeira reflexão. No plano do conhecimento sensível, já se sabe que um sentido
não pode refletir: o olho vê as cores, mas não vê sua visão.
9
Cf SCG II, 50
10
Cf SCG II, 49 e 66
14
No plano intelectual a reflexão não consiste em examinar um problema,
refletir sobre qualquer coisa, o que vem a ser propriamente a cogitação. Mas
consiste em refletir sobre si, o que constitui um circuito completo.
11
Cf ST, I, 65,2
12
Cf De Anima, III, 7, 680-681
13
Cf ST, I, 75, 2
14
Cf De Anima, 680
15
mas apenas em relação às qualidades sensíveis, cada um deles é aberto para uma
qualidade determinada. Enquanto que a inteligência é aberta para todos os corpos.
3.5. Corolários:
15
Cf ST, I, 75, 2 e 3
16
que de si é inteligível, da mesma maneira que as substâncias separadas. Deus
infunde espécies na alma da mesma maneira que o faz com os anjos. A alma tem
parte nelas, embora de modo menos elevado. Por meio destas espécies a alma
conhece o que lhe convém de maneira direta e intuitiva. Este conhecimento
ultrapassa em qualidade e em segurança tudo que existe na terra, tanto por causa
da superioridade da luz divina, quanto por causa da ausência de possibilidade de
erro oriunda dos fantasmas da imaginação.
À guisa de ilustração, imaginemos alguém que, em virtude de acidente, perde
os olhos. Deixará imediatamente de enxergar. No entanto, a capacidade virtual de
poder ver, nele subsiste. E subsiste na alma, não no corpo, obviamente. Se por
algum prodígio da medicina, puder ser-lhe restaurada a vista, passará novamente a
enxergar, pois a potência virtual da vista reencontrará o elemento corporal que lhe
permite exercer-se, que são os olhos.
17
4.2.1 Funções que pode exercer.
A alma continua viva. A Igreja já condenou a hipótese da inconsciência da
alma após a morte (16).
Na outra vida, antes da ressurreição a vida da alma é parecida com a do Anjo,
embora com diferenças. O anjo, por exemplo, se move “instantaneamente”; o
homem, não. O homem não pode seguir o vôo de seu pensamento, nem de sua
vontade, como o faz o espírito angélico. Algo disso, no entanto pode fazer. Por
concessão de Deus também.
16
Cf Denz.,1913
17
Cf ST, I,77,7 – 89,5 e Suplemento 70,I-2
18
Cf. ST, I,89-5-6
19
Cf. ST, I,88,I c e I,89,2; contra gent. III,42-46; De anima, a.16
20
Cf. ST, I,89,2
18
Conhece também aos anjos, no entanto, não por conhecê-los por alguma
espécie inteligível abstrata, pois que eles são superiores (mais “simples”). O
conhecimento que a alma tem dos anjos lhe advém, sim, do conhecimento de
semelhanças impressas na alma por Deus, acessíveis às almas separadas (21).
d) Em virtude das espécies inteligíveis infundidas naturalmente por Deus, têm
as almas separadas um conhecimento natural, embora imperfeito e geral, de todas
as coisas naturais. Isto traz um aumento enorme do que se poderia chamar das
ciências naturais da alma separada (22).
e) Em virtude destas mesmas espécies naturais infundidas por Deus, pode a
alma separada conhecer um enorme número de coisas. Não todas, mas aquelas
com as quais tiver determinado relacionamento, por algum modo, seja por ter delas
conhecimento anterior (ciência), por afeto (amigo, parente), seja por inclinação
natural (semelhança de vocação) etc. Tudo, por determinação divina ( 23).
f) O conjunto todo destes conhecimentos proporciona à alma separada, além
das idéias infundidas por Deus uma altíssima idéia de Deus enquanto Autor da
ordem natural, pois grande número de perfeições divinas reflete-se na própria
substância das almas separadas, além das demais coisas que conhece
naturalmente por infusão divina.
─ Todos estes conhecimentos dizem respeito tanto às almas dos justos,
quanto à dos precitos. Nenhum deles transcende a ordem puramente natural
(naquele estado), sendo algo que pede e exige psicologicamente o estado próprio
da separação. Para as almas boas será motivo de regozijo; para as outras, ocasiões
suplementares de tormentos e decepções.
21
Cf. ST, I,89,1,3; 2,2;3
22
Cf. ST, I,89,3,c e 4
23
Cf. ST, I,89,4; 57,2
24
Cf Epístolas, 53, al.103, citado na Suma Teológica 89, 5, 2
19
5.3. Dificuldade levantada por S. Tomás: se assim for, um homem não tão
bom poderá saber mais do que um mais virtuoso. Responde (25): Pode ser, assim
como poderá haver maus de estatura maiores que bons; mas, diz ele, isso quase
não tem importância, em comparação com as outras prerrogativas que os mais
virtuosos terão.
25
Cf ST, I, 89,6,2
26
Cf ST, I,89,8
27
Cf ST, I, 89,8,3
28
Cf ST, I, 89,8,3
29
Cf ST, I,89,8,3
20
Podem tomar conhecimento das coisas deste mundo por informações que
lhes cheguem seja pelos anjos, seja pelos demônios ou ainda por divina revelação,
especialmente por algum fato que lhes diga mais especialmente respeito
(conhecidos, familiares);
30
Cf Obra citada, item 137, 2ª.
31
Cf ST, III,52,2; 6,I
21
O Frei A. Royo Marin esclarece (32) ser necessário distinguir as almas que
saíram deste mundo em estado de graça e as que saíram em estado de pecado
mortal e ainda as que ficaram tão só com o pecado original.
32
Cf Obra citada, item 138, 3ª.
33
Cf De hominis beatitudinis, P. Santiago Ramírez, Madri, em “Teologia de la Salvación”, Op cit
34
Cf. ST. I-II,1,6
22
8.2. Quanto aos meios para alcançá-la: variam quase ao infinito, cada um
escolhendo os meios que lhe forem surgindo e lhe parecerem adequados.
No próprio momento da separação alma-corpo aquela se conserva imutável
no tocante ao fim escolhido, embora continue livre com relação aos meios.
35
Cf. ST, I,64,2; Suplemento, 98,I-2
23
inteligência e é levada imutavelmente rumo àquilo que esta lhe apresenta como
bem, do mesmo modo que esta adere imutavelmente à verdade.
Se considerarmos, portanto, a alma separada antes de sua adesão, pode ela
fixar-se livremente sobre determinado objeto ou que lhe for contrário (exceção feita
quando se tratar de objetos desejados naturalmente como a felicidade). Mas, após
esta adesão, ela se fixa definitivamente sobre o objeto de sua escolha. É com base
nesta assertiva que se costuma dizer que o livre arbítrio do homem, enquanto ele
estiver na terra é capaz de fixar-se sobre objetos opostos tanto antes da escolha
como após ela. Enquanto que o livre arbítrio do homem após sua morte é capaz tão
somente de fixar-se sobre objetos opostos antes da escolha e não após ela.
É com plena liberdade que nossa vontade se fixa sobre determinado objeto e
não muda mais. Ela não quer mais voltar atrás em sua escolha, por causa do
conhecimento perfeito que a orienta e que não pode mais, em vista de sua
perfeição, variar com o correr do tempo. Se a vontade humana varia em suas
escolhas enquanto está submissa às condições da terra, é por causa do modo de
conhecimento de nossa inteligência que está ligado aos sentidos, que é progressiva
e aberta de modo instável às escolhas contrárias.
Quando a alma escolhe separar-se de Deus, ela o faz em função de um certo
bem que lhe parece suficientemente absoluto para poder relativizar o mal das penas
do inferno. Este bem consiste na exaltação de si mesmo. Uma determinação tal da
inteligência apresenta-se suficientemente lúcida e madura para não variar no
inferno, donde a obstinação dos condenados e a eternidade do inferno.
Ressalta o Cardeal Louis Billot (36) − expoente da teologia especulativa − que,
para os réprobos, esta escolha significa não aquilo a que apeteciam
desordenadamente na terra, mas ao eu, a si, ao ego, por cima de absolutamente
qualquer coisa (37). Convém lembrar também a este respeito, da tese dos “Dois
amores” de Santo Agostinho: a Deus e a si, exclusivamente. O resultado da escolha
final é fruto da bondade ou da malícia da vontade de cada um.
36
Diocese de Metz, França, 1846-1931
37
In « La Providence de Dieu » , in Op cit “Teologia de la Salvación”
24
Tanto para os bem-aventurados, como para os condenados a possibilidade
de escolha dos meios continua aberta, desde que dentro da linha (imutável) que
escolheram livremente antes de morrer.
9.2. Com os anjos – por locução intelectual à maneira angélica, por uma
espécie de irradiação ou transmissão direta do pensamento, por intuição (39).
O anjo sendo de uma natureza intelectual superiora à da alma separada
concebe pensamentos de uma inteligibilidade superiora à alma separada, que esta
não pode apanhar em vista de sua fraqueza. Assim, aparentemente se poderia
pensar que não pode haver comunicação entre os anjos e as almas separadas.
Entretanto, a linguagem exterior que comunicamos por meio da voz somente
nos é necessária em vista de nosso corpo. É a razão pela qual não convém nem aos
anjos, nem às almas separadas, que só conhecem a linguagem interior. Ora, esta
linguagem não consiste somente a falar consigo mesmo através da formação de
38
Cf. ST, II-II,13,4,2.
39
Cf. ST, I,89,2 a 2
25
conceitos, mas também em ordenar – através da vontade para os anjos e da
sensibilidade para os homens – este conceito em vista de poder transmití-lo a
outros. Ou seja, é tão somente por metáfora que se usa o termo de linguagem dos
puros espíritos para significar o poder que têm de manifestar seu pensamento.
40
Cf. ST, I,89,2
41
Cf. obra citada na bibliografia
26
poder de seu espírito. Assim é que podem aparecer aos homens plasmando
“corpos” modelados por eles. O caso narrado no livro de Tobias (42) é bem ilustrativo
desta hipótese. Com efeito, disse o anjo que lhe apareceu: “Parecia-vos que eu
comia e bebia convosco, mas o meu alimento é um manjar invisível, e minha bebida
não pode ser vista pelos homens”. Da mesma forma podem os anjos influenciar os
homens, seja agindo sobre sua imaginação, seja movendo de fora sua faculdade
motora, o que pode ser comprovado, com os anjos decaídos, por exemplo, nos
casos de possessão demoníaca.
Finalmente, o homem – o mais fraco dos espíritos – só conhece as realidades
de modo progressivo, por meio das sensações através das quais abstrai o inteligível.
Seu conhecimento parte, pois, daquilo que é singular. Também, pela sua natureza,
só é levado a mover um único corpo, que é o seu. É-lhe impossível, por sua própria
vontade imprimir auto-movimento a outra coisa senão seu próprio corpo.
42
Cf Tb 12, 19
27
Após a entrada da alma na visão beatífica, entretanto, dá-se uma situação
totalmente diferente. Pela contemplação de Deus os justos vêem tudo que desejam
em Deus, mas podem também se dirigir aonde queiram. Possuem esta liberdade,
porque sua vontade está inteiramente em conformidade com a de Deus. Se
tomarem alguma iniciativa somente será também por vontade de Deus, pois que sua
vontade só faz uma com a Dele.
“Os mortos assim podem aparecer, por exemplo, aos vivos, desta ou daquela
maneira. Quando se dá, é por especial disposição de Deus, que quer que as almas
dos mortos intervenham nas coisas dos vivos”. Serão milagres divinos. Ou, ainda,
pela ação de anjos bons ou maus, mesmo sem o próprio conhecimento dos mortos,
da mesma maneira, que quando certos vivos “aparecem” sem o saber a outros
vivos, no sono, como sustenta Santo Agostinho (43).
“Depois da morte a alma vai ao céu, ao purgatório ou ao inferno. Se estiver no
céu, pode aparecer e pôr-se em relação com os vivos quando queira, conformando-
se às leis gerais da Providência. Se estiver no purgatório ou no inferno, não poderá
fazê-lo, sem permissão especial de Deus, que a concede, talvez, para solicitar
nossos sufrágios ou para inspirar o temor de seus castigos” (44).
A comunicação destas almas pode ser, além da aparição propriamente dita,
por inspiração, pressentimento, moções internas etc. Também é certo que estes
espíritos sabem qual o modo de poderem agir sobre nossa fantasia, paixões e
emoções (45).
Determinados fatos estranhos ocorridos em nossa vida só encontram
explicação nesse relacionamento. Por exemplo: certa idéia que impressiona nossa
inteligência durante uma conversa; um bom conselho; uma sábia inspiração, tudo
isto pode ser fruto da atuação de uma alma que deseja nos fazer bem. Ou ainda
grandes perigos que evitamos por uma ação totalmente imprevisível: a morte nos
rondou e acabamos escapando naquele momento! (46).
As almas podem, todavia ainda pôr-se em contato conosco através de
rumores, sons, vozes, gemidos etc., além da própria aparição com corpo semelhante
ao que tinham em vida (não é o mesmo que tenha ressuscitado). Mas, como
poderão as almas assumir e aparecerem com um corpo? São Tomás responde que
43
Cf. ST, I,89,8,2
44
Cf. ST Suplemento, 69,3
45
Cf Card Lepicier, De angelis, I,1 in Teologia de la Salvación, F. Antonio Royo Marin, Op cit
46
Cf J.A. Chollet, I nostri difunti, appende, in Teologia de la Salvación, F. Antonio Royo Marin, Op cit
28
podem tomar parte de matéria, do mesmo modo que os anjos formam um corpo
tomado de elementos materiais, com permissão do poder divino, para plasmar um
corpo que pretendam assumir (47). Assim como grandes artistas podem formar
reproduções esplendorosas, também as almas dos justos podem fazer o mesmo,
conclui o Frei Antonio Royo Marin (48).
Em síntese, pode acontecer que certos defuntos apareçam aos homens, mas
estas aparições não são devidas às capacidades de suas potências naturais.
Poderão ser provocadas pelo ministério dos anjos, que as ordenam ao bem do
homem. Assim será, por exemplo, a miséria de uma alma do inferno que lembrará –
por determinação divina, pois que aquele seu estado não a levaria nunca a ajudar
alguém, pelo contrário – a algum tíbio na terra, a gravidade extrema do pecado
mortal; a aflição de uma alma do purgatório que aparece será evidentemente um
convite a oferecer-lhe nossas orações. Quanto aos santos do paraíso, podem eles
aparecer à vontade, pois que foram sobrelevados pelo poder de Deus que pode
torná-los mais poderosos que os próprios anjos. Sua aparição será sempre uma
ocasião para manifestar aos homens a possibilidade próxima de seu auxílio.
10. PRECAUÇÃO:
47
Cf ST, I,51,2 e 3
48
Cf “Teologia de la Salvación”, No. 145
49
Cf ST Suplemento, 70, 3
29
povo” (Lev, 20,6). Da mesma forma, a Igreja tem renovado constantemente esta
condenação.
A razão deste interdito está em que aquele que se dedica a tais práticas
acaba chegando irredutivelmente – em vista do fascínio e da atração provocados
pela transmissão de conhecimentos por parte de espíritos – a perder a fé em Deus,
para se consagrar tão somente ao culto dos “deuses” do além, que é o significado
atribuído à ação de fornicar no trecho acima citado do Levítico (50).
Por outro lado, é certo que os espíritos que se manifestam aos espíritas que
os invocam não fazem parte dos anjos bons, pois que estes, obviamente, seguem
em tud‟o a Deus, inclusive no que está escrito na Escritura e nas recomendações da
Igreja, que proíbem estas práticas.
Tais aparições de espíritos só poderão sê-lo de mortos que estão
incapacitados, por natureza, de tais fenômenos e que só podem realizá-los pela
força dos anjos – espíritos superiores, ou diretamente de Deus. Mas, note-se bem,
no que diz respeito aos que aparecem porque são “invocados” abusivamente, só
poderá tratar-se de anjos rebeldes, isto é, de demônios que não hesitam em
disfarçar-se tomando a aparência de pessoas mortas para melhor prejudicarem os
homens.
Com efeito, seu poder sobre os homens é circunscrito ao da tentação, que
consiste em inclinar nossos pendores sensíveis para ações más. No Espiritismo, o
poder de tais aparições visa atingir diretamente a inteligência do homem, que
compreende um campo ilimitado de atuação, de conhecimento.
11. CONCLUSÃO
50
Ver especialmente Arnaud Dumouch, obra citada.
30
Como vimos acima, São Tomás, o príncipe dos filósofos, demonstra que é
possível à alma continuar a conhecer – embora segundo certas condições que não
possui enquanto dura sua peregrinação terrena – estando neste estado
intermediário. Intermediário, convém lembrá-lo, pois que após a ressurreição final,
cada pessoa humana recobrará seu corpo, através do qual voltará a conhecer pelos
seus sentidos, como o fazia na terra, glorificados estes embora pelo estado
sobrenatural em que estiverem.
Neste estado intermediário, o Divino Criador – conforme demonstra São
Tomás, e um de seus fiéis comentaristas o Frei Antonio Royo Marin – supre a
ausência dos sentidos com outras formas de conhecimento, que, para nós na terra,
não são possíveis.
Como demonstramos neste trabalho, tais são a visão beatífica de Deus, a
locução intelectual com os puros espíritos, o conhecimento por semelhanças
impressas por Deus, o relacionamento com outras almas separadas, as aparições
autorizadas por Deus com o mundo terreno.
Não podemos, aliás, deixar de reconhecer que impossível seria que Deus não
permitisse às almas separadas de seus corpos continuarem a conhecer, pois que,
embora a morte seja fruto do pecado original, o destino eterno de cada um não pode
passar por um processo – embora provisório – como que de “amnésia” ou
inconsciência, teses condenadas, como afirmamos, pela Igreja. Deus não seria a
própria Bondade se nos submetesse a igual condição, que mais bem seria um
rebaixamento na ordem ontológica. Mesmo porque, todas as almas na eternidade já
foram julgadas e parte delas favoravelmente, com direito ao pleno conhecimento da
Causa das causas. Não teria sentido privar almas justas – que já deram provas,
portanto, de seu amor para com o Criador – do conhecimento d´Ele, enquanto não
ressuscitassem seus corpos.
É o que pretendíamos demonstrar e levar ao conhecimento dos estudiosos no
assunto, ou simplesmente apaixonados pela temática, para ajudar futuras pesquisas
e trabalhos, e também para servir em geral de algum auxílio com vistas a
proporcionar uma vida espiritual mais intensa, que reverta numa dedicação vigorosa
e dinâmica à Nova Evangelização, e, ipso facto, aos interesses da Igreja em geral.
31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abreviações e citações:
32