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As Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) são síndromes que afetam o consumidor. Manifes-
tam-se com o desenvolvimento de sintomas clínicos gastrintestinais, relacionados com o perío-
do de incubação, quando causadas por agentes que desencadeiam doenças agudas. As doenças
crônicas também ocorrem, no caso de o agente ser cumulativo (o consumo reiterado se soma no
organismo, pois a excreção do agente é pobre ou não ocorre no consumidor) ou em decorrência
da doença aguda. Em alguns casos, o agente pode disseminar-se para outros órgãos.
Apesar de haver subnotificações de casos e de surtos de DTA no Brasil, a sua notificação está
prevista na legislação brasileira (artigo 2º da Portaria do Ministério da Saúde nº1461 de 22 de
dezembro de 1999, estabelece: “Todo e qualquer surto ou epidemia, assim como a ocorrência de
agravo inusitado, independente de constar na lista de doenças de notificação compulsória, deve
ser notificado, imediatamente, às Secretarias Municipal e Estadual de Saúde e à Fundação Nacio-
nal de Saúde/FUNASA.”)
O diagnóstico das DTA é uma atividade que tem por objetivo o esclarecimento de ocorrência de
natureza epidemiológica relacionada ao consumo de alimentos. É de interesse à saúde do con-
sumidor, para a implementação de medidas de controle dos agentes de agravo à saúde. Permite
identificar perigos de maior incidência e prevalência, fornecendo dados indispensáveis para a
elaboração de um plano de Análise de Perigos, Pontos Críticos de Controle e outras formas de
controle de perigos.
O diagnóstico das DTA depende da caracterização do agente através dos sintomas e período de
incubação e por análise laboratorial, assim como da associação com o consumo de uma mesma
refeição, o que caracteriza surtos fechados e nos quais os comensais têm relação entre si (locais
como residências, indústrias, escolas, associações, clubes, festas, creches, asilos etc.) ou envol-
ver consumidores que não partilharam da mesma refeição, mas que têm em comum a ingestão de
produto de distribuição ampla, que pode afetar pessoas sem relação entre si, de municípios,
estados e até países diferentes. Assim, para um dimensionamento total das doenças de origem
alimentar, é necessário dispor de sistema de notificação e de associação entre os casos.
Para caracterizar casos e surtos de DTA, é necessário que a população esteja informada sobre os
sintomas desta classe de ocorrência (diarréias brandas, episódios de vômito), pois comumente
são considerados pelo próprio afetado como “mal-estar passageiro” e não necessariamente as-
sociados ao consumo de alimentos. Sintomas graves, como diarréias severas, febre, incapacitações
físicas é que podem, em função da necessidade de atendimento médico e/ou hospitalar, sugerir
ao afetado ou seus contatos, uma “doença significativa” de origem alimentar. Os profissionais de
atendimento primário à saúde também devem estar alertados para estas ocorrências, com vistas
ao dimensionamento do problema e da investigação de suas causas.
É importante assinalar que a análise de produtos que não foram processados, como por exemplo
carnes cruas, não tem função diagnóstica do surto, mas pode ser indicativa da presença do
patógeno na matéria-prima utilizada, sendo útil para um possível rastreamento de origem de
contaminação do produto efetivamente consumido.
Quando o resultado da análise de alimentos é relacionada com o resultado das amostras biológi-
cas e ambientais, o diagnóstico é completo e os perigos de maior incidência e prevalência podem
ser adequadamente caracterizados.
As doenças alimentares também podem ser classificadas de acordo com o agente e os sintomas:
Doenças infecciosas
Causadas por agentes bacterianos, virais e parasitários que têm a capacidade de causar infec-
ções. São exemplos a Salmonella Typhi, os demais sorovares, Streptococcus do grupo A, vírus da
hepatite infecciosa, vírus entéricos humanos, Toxoplasma gondii, entre outros. As infecções
bacterianas podem desencadear sintomas que incluem a febre, que pode ser mais ou menos alta.
Alguns agentes, como a Escherichia coli O157:H7, o Vibrio cholerae 01 epidêmico e outros, podem
produzir toxina, durante a infecção.
Doenças tóxicas
São síndromes que têm como agente uma toxina ou uma substância química. A presença das
substâncias químicas tóxicas, como os pesticidas, pode ser conseqüência de uso indevido na produção
primária de vegetais e animais, conforme já assinalado. Outra classe de produtos tóxicos, igualmente
importante, é a de resíduos de drogas veterinárias, como medicamentos antiparasitários, antibióticos
e determinadas classes de hormônios não tolerados, por falha na aplicação e no cumprimento de
tempo de carência. Os contaminantes inorgânicos (metais pesados, como mercúrio, chumbo,
cádmio) podem estar presentes como conseqüência de seu uso na composição de alguns pesticidas
ou por despejo de dejetos industriais e de mineração no meio ambiente.
Doenças nutricionais
Essas síndromes estão relacionadas com a ausência/deficiência de nutrientes no produto ali-
mentício ou com nutrientes não biodisponíveis e com alimentos direcionados a dietas de ema-
grecimento que não forneçam os nutrientes necessários, levando o consumidor a condição de
subnutrição, desnutrição ou síndromes relacionadas com falta de nutrientes, vitaminas, sais
minerais e outros.
Essa classificação, entretanto, pode ser questionada, pois pode mudar quando se consideram os
consumidores de maior risco e respectivas complicações de saúde, por ocorrência de doenças
extra-intestinais (meningites, pielonefrites, pneumonias etc.), assim como o desencadeamento
de doenças crônicas (doenças cardíacas, artrites, doenças circulatórias etc.) como decorrência
(complicação) da doença entérica de origem alimentar.
Apesar de não ter sido evidenciada a presença de toxina por bioensaio em camundongos, o
extrato das algas, enviado ao “Departament of Biological Sciences, Wright State University”, Dayton,
Ohio, Estados Unidos, aos cuidados do Prof. Wayne W. Carmichael, foi positivo para hepatotoxina
(dados não publicados).
As infecções virais são relativamente freqüentes, em especial nos meses quentes do ano. Apesar
de as parasitoses serem agentes de doenças freqüentes da população brasileira, o relato e a
associação com alimento não é comum; a exceção está relacionada com surto de Anisakis, pelo
consumo de tainha capturada na costa marítima do litoral sul do Estado de São Paulo.
Quanto aos agentes químicos, a escassez de informações em nosso meio não permite dimensionar
sua ocorrência; entretanto acidentes pelo consumo de metanol em bebidas alcoólicas já foram
relatados em vários estados, como São Paulo, Mato Grosso e Bahia. Relatos de reações adversas
pelo consumo de produtos com aditivos, em especial o sulfito em sucos de fruta concentrados,
ingeridos sem diluição, também já foram relatados em nosso meio. Acidentes com pesticidas
também ocorrem, principalmente relacionados com consumo de grãos e tubérculos destinados
ao plantio e em casos de acidentes domésticos.
Outro fator importante é a avaliação do custo econômico de saúde pública, para o atendimento
dos casos e do ônus individual e coletivo quando da ocorrência de DTA. O impacto não é restrito
ao número de afetados, mas também às complicações posteriores de saúde dos afetados e às
conseqüências econômicas.
Embora os dados das implicações econômicas não estejam disponíveis em nosso meio, existem
estimativas internacionais: nos Estados Unidos, segundo Todd, 1989, as bactérias são responsá-
veis por gastos de quase 7 bilhões de dólares, os vírus por cerca de 350 milhões, os parasitos por
625 milhões, as toxinas marinhas por 125 milhões e os agentes químicos por 33 milhões de
dólares. No que se refere a casos de diarréia infantil, Todd estimou, em 1978, o custo de 50
dólares por caso de doença nos países em desenvolvimento, com total de 50 milhões de dólares/
ano, incluindo os casos fatais. Já para a toxoplasmose congênita, decorrente da contaminação
da mulher grávida, o custo da manutenção da vida da criança afetada é estimado em 430 milhões
de dólares, nos Estados Unidos. Além destes gastos diretos com os afetados, subestimados ainda
em nível internacional, há que se considerar:
5) o custo social em caso de doenças crônicas que impossibilitam a produtividade familiar e dos
casos fatais, com as conseqüências óbvias de ônus familiar e social e a revisão/reformulação
tecnológica das indústrias envolvidas;
No passado, as formas de prevenção e controle eram exercidas sobretudo por restrições sociais e
religiosas, com regras para o consumo de alimentos, que incluía proibições de alguns alimentos
(carne de porco, ovos de pata, água não tratada, morango, determinados pescados como da
família Tetrodontidae (baiacu) e do tipo arabaiana (litoral norte do Brasil), em determinadas
épocas do ano etc.
O risco relativo de cada natureza de agentes de DTA, segundo dados internacionais, encontra-se
na Tabela 29.
Fonte: Trunswel et al., 1978, apud Varnam & Evans, 1991 (modificado).
O esforço organizado da sociedade tem demonstrado que os gastos para a prevenção das Doen-
ças são menores que os relacionados com a recuperação ou cura. A avaliação do custo/benefício
dos programas de prevenção devem considerar a economia nacional. No que se refere a agravos
da saúde, deve-se levar em conta uma série de gastos (Tabela 30)
Geral Específicos
Morte Não calculável
Tratamento médico Medicamentos
Hospitalização
Tratamento de seqüelas
Pagamentos Suplemento necessário
Manutenção de dependentes
Produtividade Perda
Exportação Perda de mercados
Perda de força turística
Imagem prejudicada
Prevenção Custo da infraestrutura
Custo do controle de produção
Custo da pesquisa
Surtos e epidemias Valor da perda de alimentos
Custo da investigação
Custo da recuperação da imagem
Treinamento/retreinamento
Enfermidades graves e agudas - intoxicação botulínica, intoxicação por PSP (toxina paralisante
dos moluscos), infecção por V. vulnificus, infecção por E. coli O157:H7, infecção por V. cholerae
O139, infecção por S. Typhi (febre tifóide), infecção por L. monocytogenes em imunossuprimidos
ou imunocomprometidos, infecção por C. perfringens, produtor de toxina necrosante dos intesti-
nos, enterovírus, enteroparasitos etc.
Enfermidades moderadamente graves - infecção por Salmonella sp, toxinfecção por V. cholerae
01, infecção por V. parahaemolyticus, infecção por Aeromonas hydrophila etc.
Os agentes de DTA de maior prevalência, em nível nacional e internacional, são: Salmonella sp,
enterotoxina estafilocócica, B. cereus, C. perfringens. Na situação epidêmica de cólera a ocorrên-
cia de V. cholerae O1 e provavelmente O139 fica aumentada. A ocorrência das parasitoses intestinais
é relativamente alta, porém o estudo epidemiológico não é sistemático, apesar de que a grande
maioria dos mesmos tem veiculação alimentar. O mesmo ocorre com as infecções por vírus
entéricos.
C ONCENTRAÇÃO
Além da ocorrência, é um dado muito importante o número de células viáveis de patógenos ou a
quantidade de toxina presente, pois os agentes de DTA têm uma concentração mínima, que é
capaz de ultrapassar as barreiras de proteção natural de cada classe de consumidor.
Além dessas características importantes para os perigos mais significativos, outros dados são de
interesse, como os fatores que interferem com a multiplicação, morte e sobrevivência dos agen-
tes de DTA; habitat natural ou distribuição do agente; condições de multiplicação e produção de
toxinas; formas de controle; aplicação do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de
Controle (APPCC), ou avaliação por check list usados na inspeção e fiscalização da aplicação das
Práticas de Higiene; certificação laboratorial das medidas preventivas adotadas; previsão do
comportamento do agente no meio ambiente e nos produtos alimentícios, para fins de decisão
de destino de produtos etc.
• Sintomas alérgicos (ardência facial, petéquias) - Exemplos: para período de incubação menos
de 1h, com os sintomas: dor de cabeça, tontura, náusea, vômito, gosto picante, queimação na
garganta, inchaço e manchas vermelhas (petéquias) no rosto, dores no estômago e ardência
na pele, o agente pode ser a histamina; menos de 1h, com os sintomas: dormência ao redor
da boca, comichão, dor de cabeça, tontura e náusea, o agente pode ser o glutamato monosódico.
Para essa categoria não consta nenhum agente microbiano.
Feto L. monocytogenes
Esses exemplos (Tabela 31 ) não incluem o vírus da hepatite infecciosa e a toxina de determinadas
algas de água doce (que podem afetar o fígado), cisticerco (cérebro), toxina botulínica (termi-
nação nervosa no músculo), toxina paralisante dos moluscos (PSP) em nível muscular e outros.
O envolvimento gastrintestinal não está especificado, por já ter sido descrito. Cabe citar o
Helicobacter pylori como agente de úlcera estomacal.
Artrites Y. enterocolitica
Campylobacter sp
Salmonella sp
Shigella sp
E. coli patogênica
S. aureus
Autoimune/tireóide Y. enterocolitica
Essas tabelas permitem avaliar os agentes de DTA e suas complicações, e a repercussão das mes-
mas na saúde coletiva. Não só pelas DTA, mas pelo geral das doenças relacionadas com o consu-
mo de alimentos, justifica-se a priorização dos recursos da saúde na sua investigação e controle.
• DTA - Síndrome originada pela ingestão de alimento (incluída água) que contenha agentes
etiológicos em quantidade suficiente para desencadear os sintomas nos afetados. Pode ser
considerada como uma infecção quando o agente específico infeccioso é uma toxina; toxi-
infecção quando o agente específico é ao mesmo tempo infeccioso e toxinogênico e intoxicação
quando o agente é uma substância química.
• Surto de DTA - Episódio no qual uma ou mais pessoas apresentam sintomas clínicos semelhantes
depois de ingerirem alimentos de mesma origem e procedência.
• Caso de DTA - Uma pessoa afetada depois do consumo de alimentos. Um surto de DTA pode
envolver um número variável de casos.
• Sintomas clínicos - Sintomas (alterações) que o(s) afetado(s) apresenta(m) e que são
considerados anormais. O quadro clínico do surto é dado de grande importância para
caracterizar o agente. Cada tipo de agente apresenta sintomas específicos, como conseqüência
da sua forma de ação sobre o(s) órgão(s) afetado(s) do comensal. Em investigação de surto,
devem ser considerados todos os sintomas apresentados. A freqüência, em porcentagem, é
calculada e os sintomas que aparecem em maior porcentagem são considerados como
característicos do surto em questão.
• Taxa de ataque - É o cálculo através de comensais afetados e não afetados, que consumiram/
não consumiram o(s) alimento(s), para avaliar a taxa de ataque por alimento/refeição
incriminada.
• Agente provável - Considerando os dados obtidos pela entrevista dos comensais, é o agente
que mais se adapta ao período de incubação, sintomas clínicos e alimento veiculador.
• Fatores que contribuem com os surtos - São as falhas detectadas quando do estabelecimento
do histórico do produto. Esses fatores quase nunca são únicos, mas sempre ocorrem em cadeia,
como por exemplo, preparo com muita antecedência e manutenção em condições de temperatura
inadequada.
Essas definições permitem estabelecer formas de elucidação de DTA: notificação de surtos, con-
firmação de surtos, entrevista dos comensais para obter dados sobre a doença, o provável agen-
te e o alimento veiculador e o histórico do alimento, para correção/prevenção de surtos.
1
Doentes
2
Não doentes
A refeição suspeita é o almoço do dia 11, uma vez que a diferença de percentual de doentes (taxa
de ataque) entre os que consumiram e não consumiram uma mesma refeição é a maior dentre as
refeições consideradas (42,2 - 5,8 = 36,4).
O alimento veiculador é a carne (86,1% de doentes dentre os que comeram e 4,4% de doentes
entre os que não comeram, sendo esta a maior diferença de taxa de ataque, ou seja, 81,7 %).
Conforme descrito na Tabela 35 os sintomas prevalentes são diarréia, dores abdominais e náusea.
0-1 hora 1 -
1-3 horas 2 3
3-5 horas 8 11
5-7 horas 11 22
7-9 horas 15 37
9-11 horas 3 40
O histórico de preparo do alimento é igualmente importante para avaliar a falha possível. Nesse
caso hipotético, o histórico do preparo da carne revelou: cocção de carne no dia 10, em panela
de pressão. Após cocção, a carne foi mantida na panela tampada até o dia 11, pela manhã,
quando então foi retirada e fatiada sobre superfície previamente higienizada. Após fatiamento,
foi colocada em bandejas e coberta com molho de tomate preparado imediatamente antes. Não
sofreu reaquecimento após adição do molho. Foi mantida a mais ou menos 450 C até consumo,
por cerca de duas horas e meia. As falhas que se identificam são: preparo com antecedência,
manutenção à temperatura ambiente, reaquecimento insuficiente e manutenção à temperatura
insuficiente do alimento pronto para o consumo até o momento de servir.
• Os fatores que contribuem com os surtos de DTA são variáveis. Na Tabela 37 encontram-se
descritos os principais fatores contribuintes associados a surtos de DTA (dados do Paraná de
1978 a 1999).
Tabela 37- Fatores contribuintes para os surtos de DTA no Paraná, de 1978 a 1999
FATORES CONTRIBUINTES %
Fonte:Price,1997
Alimento cozido mantido por longos períodos em anaerobiose Toxina botulínica, Clostridium perfringens
AGENTES TOTAL
Salomonella sp.
Toxina vegetal
C. perfringens
Shigella spp.
V. cholerae
Químicos
S. aureus
B. cereus
Outros
E. coli
ALIMENTOS Nº %
FONTE: ISEP/SESA/CSA
NOTAS: “Preparações mistas” incluem matérias-primas de origem animal e vegetal (ex: maionese, panqueca, bolo, farofa).
“Diversos” incluem alimentos pertencentes a outros grupos (ex: tubérculos, refrescos, outros).
a) Confirmados – laboratorialmente.
b) Suspeitos – epidemiologicamente.
c) Indeterminados – não foi possível estabelecer o alimento nem laboratorialmente e nem epidemiologicamente.