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MARXISMO
E EDUCAÇAO
ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA E MARXISTA DA EDUCAÇÃO
Tradução de
Waltensir Dutra
68381
ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO
636A
Título original .Marxism and Education
1980
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por
ZAHAR EDITORES S.A.
Caixa Postal 207, ZC-00, Rio
que se reservam a propriedade desta versão
Impresso no Brasil
índice
Agradecimentos 9
Introdução 11
Considerações teóricas, 12. Perspectivas sociológicas e educação, 14
PARTE I
ALGUNS ASPECTOS DA NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PARTE II -
MARXISMO E EDUCAÇÃO
Marx,
Teses sobre Feuerbach
Introdução
Este livro é uma introdução a alguns dos enfoques mais recentes sobre a
Sociologia da Educação. Tanta coisa aconteceu nos últimos dez anos que
a matéria transformou-se. É uma área empolgante. Houve uma sucessão
de perspectivas novas, que é necessário compreender e aprender a usar,
como o interacionismo simbólico, a etnometodologia e a fenomenologia
social. Durante o mesmo período houve uma explosão na teoria marxista.
Não só textos novos, mas teóricos,com novas interpretações do marxismo,
surgiram. A Parte I deste livro é uma análise da perspectiva "interpretati-
va", ou fenomenológica, tal como aplicada à educação. Depois de uma dis
cussão de seus pontos fortes e de suas debilidades, examino, na Parte II,
algumas abordagens marxistas. Centralizo a atenção nessas perspectivas
porque são maneiras importantes de compreender o mundo em que vive
mos. Não são simples modas, mas tradições em evolução, com inter-rela-
çÕes complexas que parecem antagónicas, coincidentes ou mutuamente
necessárias, para diferentes teóricos.
Procurei explorar essas relações não como um intelectual eclético,
desligado, mas a partir de uma determinada posição. Tenho um compro
misso com uma transformação radical da educação, e da maneira pela qual
trabalhamos e vivemos juntos. Poder-se-ia perguntar: Como um autor enga
jado pode ser um guia útil para as principais controvérsias na Sociologia d?
Educação? Mas creio que o engajamento não implica uma visão doutrinária
limitada, estática. O engajamento refere-se à manutenção de um princípio
moral e político, como a criação de um mundo mais aceitável— mas nossa
análise do mundo, a compreensão que dele temos, pode achar-se num esta
do de fluxo, e em evolução contínua.
O leitor talvez note, com surpresa, a ausência dos habituais títulos de
capítulo que aparecem nos manuais tradicionais. Não há capítulos intitula
dos "Educação e Mobilidade Social", ou "Formação Familiar, Valores e
Realizações". Parece-me que muitas dessas questões surgem neste livro,
mas apresentadas de forma incomum. Toda perspectiva tem seu vocabulá
rio, sua maneira de ver e dar um sentido ao mundo. A perspectiva fenome
nológica postula o exame das questões como se fossem "antropologica-
mente estranhas". Por isso, abordei muitos problemas formulando pergun-
12 marxismo e educação
Considerações Teóricas
Como este livro tem por temas algumas das principais controvérsias da ciên
cia social, um esquema dos principais argumentos talvez seja útil. O resumo
da argumentação, porém, leva inevitavelmente à abstração seca, e por isso
alguns leitores podem preferir passar diretamente ao primeiro capítulo, e
voltar a este sumário mais tarde. O principal argumento baseia-se na supo
sição de que é nossa tarefa modificar o mundo, torná-lo melhor, não apenas
menos inaceitável. 0 enfoque do livro não é, portanto, sobre a questão da
ordem social, mas da mudança social. Procurei basear minha discussão da
teoria sociológica sempre num mundo vivo — o da educação — que profes
sores, alunos e outros experienciam diariamente. Embora a discussão das
perspectivas sociológicas esteja interligada com as questões educacionais e
delas seja inseparável, para os objetivos deste livro esboçarei primeiro os
aspectos teóricos. 0 que pode parecer pouco claro neste resumo se tornará
mais compreensível nos capítulos que se seguem. De maneira geral, este
livro discute três modelos de ciência social: o positivista, o interpretativo
(ou fenomenológico) e o marxista. As principais controvérsias de que nos
ocupamos são as seguintes.
Uma atitude altamente crítica é adotada em relação à Sociologia
tradicional e seu enfoque positivista. Não trato dela diretamente em ne
nhum capítulo específico, mas a rejeito em todo o livro. O positivismo é
repudiado porque supõe que a realidade existe de maneira não-problemá
tica; ele ressalta o método "científico” e a medida estatística, e separa "fa
tos" de "valores”, "conhecimento” de "interesse”. Em suma, essa posição
pressupõe uma visão passiva do homem, e, como a sua ligação com o beha-
viorismo mostra, é determinista. Esse modo "científico” tornou-se domi
nante; foi criada uma hierarquia entre os que possuem esse conhecimento,
os peritos, e aqueles que dele não dispõem. Um número cada vez maior de
introdução 13
áreas de nossa vida estão sendo definidas como "problemas técnicos", dis
tantes do debate e da ação políticos, com a esperança de que os técnicos
os possam resolver. Essa visão da racionalidade (manipulativa ou instru
mental) leva àquilo que foi chamado de "visão tecnológica da política".
Uma das críticas mais vigorosas ao positivismo foi feita pelo modelo
interpretativo da ciência social, ou, mais especificamente, pela Sociologia
Fenomenológica. Fazemos uma exposição simpática dessa interpretação
e de sua crítica do empirismo e cientismo, sua ênfase na intencionalidade,
e da experiência que o ator tem do mundo. O modelo fenomenológico do
homem é explicado por uma discussão das opiniões de Sartre sobre a liber
dade humana. Parece-me que tal abordagem é adotada por muitos como
uma correção consciente de uma Sociologia tradicional que negava a im
portância da construção do significado pelo ator. Os fenomenologistas
afirmam que nossa consciência do mundo, nosso conhecimento dele, se
faz pela interpretação. Argumento então que o modelo fenomenológico
com sua ênfase na liberdade completa, e a capacidade que tem a consciên
cia de modificar o mundo, tem deficiências idealistas. Embora ressalte que
os homens agem em termos de suas interpretações de suas condições exter
nas, e de suas intenções para com elas, tem dificuldades em analisar os me
canismos particulares pelos quais uma determinada estrutura social impõe
limites aos seus membros. Não pode explicar como, ou por que, certas ca-
racterísticas repressivas da sociedade continuam a existir. Argumento, em
seguida, que a perspectiva fenomenológica tem outras inadequações. Ne
gligencia questões como a ideologia e a falsa consciência. Quer dizer, deixa
de examinar como a realidade pode ser mascarada de uma maneira impor
tante, em particular pelo obscurecimento ou racionalização de uma situa
ção. A Sociologia Fenomenológica, além disso, tem pouco a dizer sobre o
conflito estrutural numa sociedade, e nada sobre o entendimento dialético
da mudança histórica. Mas a debilidade fundamental desse modelo é que
sua teoria da consciência é insuficiente. Ressalta a desreificação mental, às
expensas de outros aspectos. Tende a ignorar as condições materiais de exis
tência que, embora socialmente produzidas, tornaram-se objetificadas e
não podem ser simplesmente "racionalizadas". Sugiro que a perspectiva
fenomenológica — porque sua base é o idealismo filosófico — estimula a
mudança através da maneira pela qual pensamos, em lugar de oferecer os
meios pelos quais podemos modificar aquilo que se está fazendo, A desrei
ficação teórica, uma possível consequência dessa perspectiva, não é bastan
te. Deve haver uma desreificação prática — uma derrubada real das relações
sociais através da praxis. Argumenta-se então que esse entendimento
pode ser proporcionado pela teoria marxista.
Depois de ter argumentado que a perspectiva fenomenológica pode
resultar numa desreificação teórica apenas, e não numa desreificação práti
ca, um terceiro modelo, o marxismo, é então proposto, superando e trans-
14 marxismo e educação
ideologia. Minhas críticas são dirigidas basicamente contra uma certa tradi
ção (que inclui Leavis, Eliot, Bantock, Cox e outros), que propaga um con
ceito elitista de cultura. Há elementos dessa tradição dentro da Sociologia,
também; refiro-me aos autores que ressaltam a "transmissão cultural" e a
"reprodução social" de maneira não-dialética. Há, porém, uma tradição al
ternativa de educação e cultura, como Raymond Williams observou, e que
procura mostrar a colocação histórica do conhecimento e seu caráter social.
Argumenta-se que as opiniões dos "filósofos liberais" levaram à reificação
e alienação e que isso tem implicações conservadoras. A educação não deve
ser para a "domesticação", mas para a libertação.
Argumento, então, que uma das principais realizações da "nova"
Sociologia é ter transferido a atenção do lar para a escola. Isso leva a um
capítulo em que são focalizados os estudos sobre sala de aula, no qual é
comentada a literatura existente sobre o assunto. Focalizo as maneiras
pelas quais os professores classificam, "rotulam" as crianças em categorias
hierárquicas, e sugiro que é a escola que cria o "fracasso".
Embora a posição fenomenológica tenha um enorme potencial des-
mistificador, há certos problemas que negligencia. Depois de um exame de
tais problemas, sugerimos que a transferência da atenção para o estudo
daquilo que é chamado de "conhecimento escolar", usando uma aborda
gem fenomenológica, significou que certos problemas tenderam a ser es
quecidos. A posição fenomenológica radical, adotada por alguns dos‘auto-
res, como Michael F.D. Young, Nell Keddie e Geoff Esland, em Knowledge
and Control, é considerada como um pouco limitada. Sugere-se que o tra
balho deles expressa tendências para o individualismo, o a-historicismo,
para uma tese de "construção social" ingenuamente idealista e um relativis-
mo cultural e epistemológico — problemas que surgem, todos, basicamente
de uma posição fenomenológica. Essas limitações podem ser exemplificadas,
creio, pelo argumento sobre a "privação cultural" e o debate sobre se as
práticas de outras culturas representam uma deficiência ou uma diferen
ça. Um estudo antropológico, como o realizado por Thomas Gladwin em
East is a Big Bird: Navigadon and Logic on Puluwat Atoll ("O Leste é um
Pássaro Grande: Navegação e Lógica no Atol de Puluwat"), 1970, embora
útil por nos levar a questionar nossas distinções e categorias educacionais,
também suscita muitos problemas. Em suma, muitas das críticas da priva
ção cultural foram insuficientemente críticas quanto à sua própria moldura
interpretativa (fenomenológica). O questionamento das suposições e o
poder da consciência de desreificar são fatores importantes, mas que não
são suficientes em si mesmos. Não podem transformar o status quo e a
coerção e opressão que experimentamos. Não obstante, a nova Sociologia
da Educação oferece uma crítica valiosa de uma visão exclusiva e hierárqui
ca do conhecimento e ressaltou, continuadamente, a opinião de que o
mundo dos alunos foi predefinido para eles. Nas seções seguintes, argu-
introdução 17
ALGUNS ASPECTOS DA
NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 1
E segue-se que devemos explorar como e por que certas categorias domi
nantes persistem, e seus possíveis elos com séries de interesses e grupos
ocupacionais. Devemos considerar também a influência das tradições de
uma elite centralizada que tem laços íntimos com os que detêm o poder
económico e político. Devemos notar, porém, que não nos referimos nem
a uma teoria mecanicista-determinista nem a uma teoria grosseira da cons
piração. É possível que certas teorias educacionais venham a ser aceitas
pelos professores que começam a agir à base dessas suposições. Algumas
delas tornam-se institucionalizadas e são em seguida usadas para legitimar
nossas práticas, que, num círculo vicioso, justificam as teorias. Uma de
nossas tarefas, portanto, é examinar nossas teorias e práticas educacionais
institucionalizadas e perguntar: Como é possível que os padrões acadêmicos
ocidentais sejam tratados como se fossem absolutos?
0 que Michael Young propõe é um enfoque da relação entre a estra
tificação social e a estratificação do conhecimento, isto é, o valor social
atribuído a diferentes áreas e tipos de conhecimento, Com isso, podemos
levantar questões sobre:
Então, como que para nos dar um exemplo, ele formula certas perguntas
sobre a organização e transmissão do conhecimento que tem um "alto
status" em nossa sociedade. Observa que tal conhecimento é transmitido às
crianças "mais capazes", habitualmente em grupos homogéneos, sendo em
seguida avaliado formalmente. Sugere que os currículos acadêmicos, o co
nhecimento de alto status, tende a ser "abstrato", a ter um elevado nível
de alfabetização, uma correlação mínima com atividades não-escolares e
uma ênfase sobre o desempenho individual. Essas dimensões são definições
sociais do valor educacional e persistem porque são as escolhas que concor
dam com os valores e crenças do grupo dominante num determinado mo
mento. Mas esses valores legitimam a organização existente do conheci
mento de tal modo que mesmo a discussão de alternativas em nossa socie
dade é, por muitas razões, difícil. Mas ele formula a pergunta: Não pode
ríamos modificar os critérios do conhecimento de alta classe, para que se
tornasse concreto e não abstrato, oral e não alfabetizado, relacionado e
não desligado, e comunal e não individual?
Numa seção mais adiante, em que afirmo que uma das características
importantes da "nova Sociologia da Educação" é seu uso dos estudos an
tropológicos, procuro mostrar, pelo exame de Gladwin e de outros etnó-
grafos, ser concebível a possibilidade de conceder uma igualdade destatt/s
24 a nova sociologia da educação
dem pela tradição oral. Cada viagem é planejada com antecipação e depen
de de um corpo específico de conhecimento, que é prático e útil. Ignoran
do os navios de passageiros á sua disposição, eles pilotam suas canoas sem
uma bússola, através de milhares de milhas, em pleno oceano Pacífico. Sua
navegação depende de aspectos do mar e do céu, baseando-se num sistema
de lógica tão complexo que os ocidentais não o podem reproduzir sem o
uso de instrumentos avançados. Assim, o que é aprendido como "prático"
em Puluwat, seria considerado como altamente "teórico","abstrato", num
de nossos colégios navais. Ironicamente, quando um navegador de Puluwat
é submetido a um de nossos "testes de inteligência", seu índice de realiza
ção mental parece baixo! Tais testes são em grande parte inadequados por
que violam os princípios que delineamos antes: que as pategorias não
devem ser impostas, a cognição se relaciona com o contexto cultural, e a
apreciação do fato de que as pessoas fazem bem o que é importante para
elas. Gladwin argumenta que os testes são, pelas mesmas razões, igualmen
te inadequados para os pobres, em nossa sociedade; assim como diferentes
sociedades têm diferentes estilos de pensar, a diferença em cognição entre
as crianças de classe média e as de classe operária, em nossas escolas, pode
estar no estilo de reflexão, nas estratégias. Comenta, então, a possibilidade
de que estabeleçamos uma falsa dicotomia em nossas escolas entre o pensa
mento abstrato e o concreto. 0 abstrato e o concreto podem coexistir inti-
mamente na mente prática do navegador e, digamos, de um motorista de
táxi urbano. Portanto, não precisamos associar sempre o pensamento de
classe média com a "abstração", e o pensamento de classe inferior com a
"concretitude". Devemos lembrar-nos aqui, talvez, que Robin Horton tam
bém lançou dúvida sobre a maioria das dicotomias gastas: orientado causal-
mente/orientado supranaturalmente, racional/místico, etc. Gladwin nos
lembra, além disso, que pensamento "abstrato" nem sempre deve ser rela
cionado com pensamento inovador. A navegação em Puluwat encerra abs
trações de alta ordem, mas dentro do sistema ali existente não há muita
margem nem necessidade de inovação. Nas sociedades modernas, o pen
samento abstrato e a solução inovadora de problemas estão ligados a uma
inteligência superior. Todas essas três qualidades são, com frequência,
atribuídas à "inteligência de classe média" e acredita-se que sejam defi
cientes no estilo "concreto" de pensar das pessoas de classe inferior, dota
das de educação precária. A navegação em Puluwat, embora inteligente e
"abstrata", não é inovadora. Para muitas pessoas não há necessidade de
inovações, mas isso não significa que elas não possam inovar, mas simples
mente que têm pouca prática no uso de heurística, recursos experimentais
para resolver problemas novos. A opinião de Gladwin é que, para obter quali
ficações, para sair-se bem na escola, pura fazer os testes de inteligência, é
necessário usar a heurística, e podemos estar sendo injustos para com as
crianças pobres que não véem a necessidade de heurística e ainda assim são
uso de estudos antropológicos 35
A Adoção de um Modelo
Fenomenológico do Homem
Fenomenologia e Positivismo
Para Sartre, não podemos duvidar de nossa consciência, pois duvidar seria
estar consciente. Ele nega totalmente a existência de uma mente incons
ciente. A consciência e a liberdade existem juntas. A essência do Homem
está na liberdade da sua existência, pela qual ele se escolhe, e com isso faz
de si o que é. Um homem é a sua vida. Quero sugerir que tal opinião do
ator — poderia ser chamada de "um modelo do homem" — parece ter sido
adotada, em proporções diferentes (implícita ou explicitamente) por alguns
sociólogos que trabalham com as novas abordagens na Sociologia da Edu
cação, e que argumentaram, em termos concisos, que aquilo que é aceito
sem discussão sobre o mundo é o produto da escolha humana, e que se
as "realidades" são produzidas socialmente, segue-se que podem ser trans
formadas - o mundo poderia ser modificado se o pudéssemos ver de ma
neira diferente. Quero sugerir que essa opinião se baseia num "modelo do
44 a nova sociologia da educação
Homem” que tem sua expressão mais clara na obra de Sartre, e acredito
ser importante estudar suas opiniões, pelas razões que se seguem. Se, em
certo sentido estamos todos interessados na "ordem” e no "controle",
interessados na maneira pela qual os problemas da coerção e limitação se
manifestam em todas as sociedades (seja através da consciência ou da "es
trutura social” reificada), então é importante saber o que os existencialis
tas têm a dizer sobre o problema da liberdade. Seu trabalho é uma descri
ção da interação entre o Homem e o mundo, e o problema da liberdade
lhes parece um problema prático. Eles querem que VOCÉ a experimente e
pratique. Segundo, pode-se ver na obra de Sartre a hostilidade para com a
"objetividade” da ciência. O cientista natural, ao aceitar o papel de obser
vador, descobre leis gerais. Assim, a singularidade do homem é enfraqueci
da, a subjetividade se torna mais difícil de realizar. Num certo sentido,
portanto, a causação é uma ilusão; o mundo das explicações e razões não é
o mundo da existência. Terceiro, muitos dos conceitos de Sartre têm para
lelos sociológicos, como, por exemplo, o de que a má fé está intimamente
relacionada com a reificação. Suas noções de tempo, a inter-relação do pas
sado e do futuro com o presente, suas opiniões dos motivos, são esclarece
doras para nós, em nossa tentativa de estudar o significado da interação hu
mana. Quarto, a obra posterior de Sartre suscita questões críticas sobre a
Fenomenologia e o marxismo; há diferenças inconciliáveis entre eles — po
dem eles ser integrados? Pode esse enxerto, no futuro, resolver os proble
mas gêmeos da imposição e do relativismo? Para mim, Sartre representa as
contradições e angústias de nossos tempos e, através de sua vida e obra, le
vanta questões sobre a nossa praxis, os tipos de ação a que nos podemos
dedicar. Esses temas serão discutidos no último capítulo, e vamos agora
voltar a nossa atenção para a obra de Sartre.
Os primeiros trabalhos de Sartre devem muito a Husserl, cujos escri
tos ele divulgou na França, e a Heidegger. Esses trabalhos relacionaram-se
principalmente com a imaginação e as emoções: para Sartre, a percepção e
a imaginação são dois modos de consciência. A capacidade do Homem de
imaginar coisas, de projetar o que não existe, está ligada ao conceito
de liberdade, a capacidade de escolher. Em outras palavras, a capacidade
do Homem de perceber o mundo e de agir sobre ele depende de sua liber
dade, e esta se expressa na sua capacidade de ver o que as coisas não são,
de imaginar possibilidades e de aceitar ou rejeitar o que imagina. Sartre
acredita que as emoções, como outros acontecimentos mentais, são inten
cionais. As emoções significam alguma coisa dirigida para algum objeto, e
só podem ser explicadas em termos desse objeto. A emoção é uma maneira
de apreender o mundo. "Quando não podemos ver nosso caminho, já não
podemos tolerar um mundo tão exigente e difícil. . . Todos os caminhos
estão fechados e não obstante devemos agir. Assim, tentamos modificar o
mundo e viver nele como se as relações entre as coisas não fossem governa-
modelo fenomenológico do homem 45
A diferença entre fazer coisas e fazer com que as coisas aconteçam é uma dife
rença evidente, que pode ser experimentada a todo momento Há certas coisas
que não podemos fazer fisicamente, embora es*ejamos livres para viver com
essas restrições, de uma maneira e não de outra . uma maneira de negar a li
berdade é considerar-se obrigado por determinados propósitos. Tenho o poder
inegável de escolher de que maneira vivo minhas circunstâncias — administrá-las
e mesmo reagir a elas, se assim desejar.
vos viram-se, com frequência, como parte de uma tradição que enfrenta a
ortodoxia institucionalizada do academicismo. Dentro da tradição inter-
pretativa, porém, há teóricos tão diferentes quanto Husserl, Heidegger,
Schutz, Berger e Luckmann, Mead, Merleau-Ponty ou Sartre. Não só há
muitas intepretações de cada autor, como também a maioria deles têm
fases ou períodos diferentes dentro de sua obra. Parece-me que a "Sociolo
gia interpretativa" é uma categoria tão ambígua que se torna inútil. Tam
bém não se pode falar da "Sociologia Fenomenológica", com utilidade,
porque essa expressão ampla disfarça diferenças reais. Não estou dizendo
que a "nova" Sociologia da Educação é eclética; em certo sentido, seu pro
jeto de modificação educacional permanece sempre coerente. Mas como a
tradição interpretativa inclui sob sua égide uma grande variedade de posi
ções, há inevitalmente muitas ambiguidades na "nova" Sociologia da Edu
cação. É uma ironia que, embora a nova abordagem tenha um propósito
político radical, a Fenomenologia tenha, com frequência, sido vista como
apolítica, e mesmo reacionária.6 Dentro da tradição interpretativa, porém,
estabeleceu-se uma distinção valiosa entre duas posições, que pode contri
buir para ilustrar isso.7 Embora tanto a posição "analítica" como a "pos-
sibilitária" estejam fundamentadas na Fenomenologia, suas diferenças são
muito acentuadas: diferentes concepções da realização da Sociologia e de
seu objetivo.
A posição analítica foi influenciada por Heidegger (e até certo ponto
por Wittgenstein), e é exemplificada na obra de Alan Blum e Peter McHugh.
Analistas como Blum e McHugh são muito críticos de todas as formas de
pensamento científico, positivismo. Não só rejeitam a versão popperiana
da ciência, mas também o modo de falar positivo representado pela Etno-
metodologia. Ambas as formas de positivismo estão comprometidas com
"a realidade". Mas Blum e McHugh não estão interessados nisso, e sim no
que a realidade mostra. Eles ressaltam a fala como uma evidência. A base
de sua obra é o reconhecimento de que aquilo que é falado é menos signi
ficativo do que o que a fala encobre. Como querem exemplificar a "aná
lise" e não a participação, não têm respeito pelo uso feito pelos partici
pantes. Em outras palavras, procuram ir. além das considerações sobre o
mundo mundano e as regras de "um jogo da linguagem", para chegar "à
forma devida" que torna possível a existência do jogo. Como escrevem
Blum e McHugh: "A análise é a preocupação não com qualquer coisa dita
ou escrita, mas com as bases do que é dito — os fundamentos daquilo que
torna possível, sensato, concebível, o que é dito."8 Consideram, então,
a comunidade possível (e as comunidades podem ser construídas nos tex
tos) a que pertencem os diferentes teóricos. Dessa maneira, poder-se-ia dizer
que estão lembrando aos sociólogos as tradições filosóficas com que tra
balham. Minha opinião é que essa forma de "sociologia reflexiva" está
muito absorvida pelo significado e natureza da "teorização" e nos proble-
modelo fenomenológico do homem 51
mas epistemológicos. Numa obra recente, eles mostram como reagiram con-
tinuadamente aos respectivos trabalhos, explorando as bases das formula
ções feitas. Como eles mesmos dizem, ao ser realizado, esse trabalho sempre
levanta para a análise um novo problema, ou seja, o problema de como
isso é possível. Esse trabalho parece-me não ter muita relação com a luta
por um mundo melhor. A "nova" Sociologia da Educação não tem simpa
tia por esse tipo de teorização apolítica. Ela é de opinião que é necessário
mais do que simplesmente "mostrar" a forma de vida, e que, se possível,
essa forma de vida deve ser questionada.
A outra ala do "movimento" interpretativo nas Ciências Sociais",
cujo interesse primordial é a educação, ressalta diferentes aspectos da So
ciologia Fenomenológica. Eles, os "possibilitários", ressaltam os modos, as
possibilidades, de transcender as realidades experimentadas na vida cotidia-
na. Autores sobre a educação, como Maxine Greene, foram particularmente
influenciados pelo existencialismo de Sartre e seu modelo do Homem.9 Os
principais temas de Maxine Greene são a autenticidade, a escolha, o vasto
potencial de mudança. Os novos sociólogos da educação citam seus escri
tos, com frequência.
Na terceira seção deste capítulo, sugiro que pode ser útil estudar o
conhecimento de uma perspectiva marxista. A partir desse ponto de vista,
é possível considerar a Filosofia da Educação corno uma ideologia que
apóia as hierarquias políticas e económicas existentes. Afirma que a
visão que os filósofos liberais têm da "educação como iniciação" legitima
uma série injusta de disposições sociais.
Ao dizer que elas têm uma parcialidade assimétrica, entendo que há uma
ênfase excessiva na forma pela qual os significados sociais são impostos às
crianças. Há um paralelo, no caso, entre esses filósofos e certos sociólogos
positivistas que também acreditam serem os significados os mesmos para
todos, partilhados universalmente. Quer dizer, tanto os filósofos liberais
como os sociólogos positivistas da educação não examinam de maneira sufi
ciente a construção do significado pelos alunos, e por outros.4 Os filósofos
liberais têm uma visão de "deficiência" dos alunos. Assim, o professor
dispõe de um corpo de conhecimentos a ser transmitido, e o aluno tem
um déficit até ter sido posto "em contato" com esse conhecimento; numa
palavra, iniciado. A isso se deu o nome de modelo "bancário" da educação.
A opinião ou definição do professor pode ser imposta a uma criança para
quem tem pouco significado. A imposição está no fato de que os filósofos
liberais têm uma noção predefinida da racionalidade. Significa que a teori
zação das crianças, operando com diferentes noções de lógica e racionalida
de, é com frequência negada. A noção kantiana do respeito às pessoas é
mencionada com frequência, mas a superioridade implícita do conheci
mento do professor não implica uma falta de respeito pelos outros modos
de teorização?
Quero agora comentar rapidamente a opinião que os filósofos libe
ras têm do conhecimento. Paul Hirst, em particular, argumentou que há
uma divisão do conhecimento em sete "formas". Ele pretende que essas
divisões não são arbitrárias, mas inevitáveis, e que portanto o pensamento
deve sujeitar-se a padrões impessoais. Escreveu que as formas de conheci
mento, Matemática, Ciências, conhecimento de outras mentes (História),
Religião, Filosofia, Ética e Artes têm as características seguintes. Cada
forma contém conceitos-chave que pertencem exclusivamente a ela. Se
gundo, cada forma de conhecimento tem uma estrutura lógica caracterís-
tica e os conceitos de uma forma não podem ser usados na discussão de
outra forma que tem seus próprios conceitos relevantes. Terceiro, cada
forma de conhecimento, com seus conceitos próprios, sua estrutura lógica
e suas técnicas particulares, tem expressões distintas, testáveis contra a
experiência. Cada forma pode ter tipos característicos de questões e as
expressões são testáveis pelos critérios particulares peculiares a essa forma?
Os filósofos liberais deixam de lado muitas das dificuldades relacionadas
com os procedimentos e testes de validade.
Há, por exemplo, a questão das diferentes interpretações dos fenô
menos e acontecimentos na História. Na Ética e Filosofia, não há muito
acordo quanto aos princípios sobre os quais basear a ação humana. Entre
os artistas, há desacordo sobre o que é ou não um objeto de arte. Há, além
disso, conflitos entre os praticantes sobre a natureza de sua própria disci
plina; nesses casos, os critérios da validade de uma perspectiva não podem ser
aplicados nem mesmo ao trabalho daqueles que têm uma perspectiva diferen-
rejeição da filosofia liberal da educaçao 57
Não está livre de valores, mas fundamentado nas ações e interesses dos
homens.
0 conhecimento pode ser descrito e explicado de maneiras diferen
tes por várias abordagens. Um durkheimiano, por exemplo, poderia ressal
tar a reprodução do conhecimento, e não a sua produção. Um fenomeno-
logista, por sua vez, poderia focalizar a maneira pela qual o conhecimento
é construído, e não por que se torna real de certas maneiras. Mas um dos
problemas com a abordagem fenomenológica é a sua injunção de aceitar
sempre o ponte de vista do ator, e a racionalidade de outros, em diferen
tes formas de vida. Isso pode criar muitas dificuldades, já que não é possí
vel saber que opinião está certa ou errada. Em que acreditamos, como agi
mos, se diferentes opiniões se contradizem? Se todas devem ser aceitas —
então enfrentamos o relativismo. Em outras palavras, o relativismo da So
ciologia da Educação fenomenologicamente inspirada pode não ter nenhu
ma maneira de criticar as diferentes variedades do conhecimento. Alguma
outra perspectiva — como a marxista — pode portanto ser necessária. Esses
problemas serão discutidos em detalhe no capítulo 6. No capítulo 7, argu
mentarei em favor da necessidade de uma integração da Fenomenologia e
do marxismo. Mas continuando com a análise, sugerimos um exame preli
minar de certos aspectos do conhecimento, de uma perspectiva marxista.
Isso nos permitirá estudar a influente "corrente principal" da Filosofia da
Educação, que é ensinada na Inglaterra como ideologia liberal.
Uma leitura de Marx pode proporcionar um modelo do Homem como
produtor; um filho da necessidade, que, para obter a satisfação de suas ne
cessidades, criou ferramentas e inventou o trabalho. Pelo seu trabalho, o
Homem controla a Natureza e dela se apossa, em parte. O trabalho, então,
modifica a natureza, externa e internamente, tornando-se também ele uma
necessidade. E, então, as necessidades se modificam à medida que o trabalho
as modifica pela produção de novos bens. O homem, portanto, está ligado
à Natureza, tem uma relação dialética com ela, transforma-a, apossa-se dela
tanto à sua volta como dentro de si mesmo. A existência social determina
a consciência. Nessa opinião, o conhecimento ou as idéias não estão nunca
livres dos interesses dos atores envolvidos em sua produção. Devemos lem
brar que Marx argumentou que "as idéias da classe dominante são, em cada
época, as idéias dominantes. . . elas regulam a produção e distribuição das
idéias de sua época".13 Mas de que maneiras as idéias da classe dominante
constituem ideologias? Quais as suas características componentes e a que
objetivo servem?
Para Marx, uma ideologia era uma explicação deformada, e essas ex
plicações tinham, em si mesmas, de ser explicadas (pelo modo de produ
ção). As ideologias tratam de segmentos da fraqueza humana e são por
vezes usadas para explicar e justificar ações inexplicáveis ou absurdas. A
importância das ideologias está no fato de serem modos de interpretação
64 a nova sociologia da educação
i
I
CAPITULO 5
Uma das questões mais persistentes na educação tem sido: por que fracas
sam as crianças de classe operária? A explicação dada habitualmente pela
Sociologia tradicional se fazia em termos de fatores antecedentes, tais co-
estudos de sala de aula 69
rada como uma relação recíproca. O aluno é um aprendiz ativo e tem a res
ponsabilidade de sua própria aprendizagem, de sua “criação do mundo”.
Essa visão fenomenológica do aluno também se expressa claramente nos
escritos de Paulo Freire. Os “novos" sociólogos da educação tiveram muita
coisa em comum com o trabalho de Freire, que contém elementos fenome-
nológicos e marxistas. Esse trabalho foi uma inspiração: “Toda prática edu
cacional implica uma posição teórica da parte do educador. Essa posição
implica uma interpretação do homem e de seu mundo." Considerar os alu
nos como recipientes vazios a serem cheios está errado, segundo Freire,
que sugere uma colaboração entre alunos e professores na construção do
mundo, em conjunto, numa relação de diálogo.
"Rotulação” e Negociação
Mas o conhecimento daquilo que os alunos são choca-se com a imagem dos
alunos que os mesmos professores têm, como educadores, já que deriva
de ume classificação cuja validade o educador nega. (No contexto do edu
cador parece haver maior preocupação não com as coisas como são, mas
como deveriam ser.)
senso comum possa ser uma base, um ponto de partida, como habitualmente
encerra muitas idéias fragmentárias e incoerentes, ele deve ser transcendido.
Alguns Problemas da
Sociologia Fenomenológica
Introdução
0 Problema do Mentalismo
Relativismo
(
/
•------
PARTE II
MARXISMO
E EDUCACÃO
>■
I.
............... -• i
í ^LiWCA
CAPITULO 8
Introdução ao Marxismo
Para Hegel não há, em ultimas análise, nenhuma distinção entre a mente e seu
objeto. Ambos têm um denominador comum, que Hegel chama de Razão
e que surge sob o disfarce do Espirito no mundo histórico. O espírito é ao
mesmo tempo subjetivo e objetivo, e suas "contradições internas" são solu
cionadas no processo dialético, pelo qual a potencialidade de todas as coisas se
desdobra num padrão de autotranscendência até atingir uma unidade superior.
pre. Aquilo que foi postulado filosoficamente em sua obra inicial foi veri
ficado empiricamente em O Capita!, usando os instrumentos da Economia
clássica. Um pré-requisito necessário para a abolição da alienação era a abo
lição do trabalho e do capital. Isso se realizaria pela praxis revolucionária,
a fusão do pensamento e ação, da teoria e prática, da filosofia e revolução,
pela causa da libertação humana. Para uma melhor compreensão de algu
mas das contradições e problemas relacionados com a teoria e prática, de
vemos examinar primeiro Aristóteles, Hegel e outros filósofos, antes de
vermos como Marx desenvolveu isso.
Alguns dos problemas relacionados com a teoria e prática já podem
ser vistos num trabalho tão antigo quanto a Metafísica de Aristóteles, onde
se estabelece uma distinção entre o conhecimento teórico e prático. A
theoria visa à verdade geral, é compreensiva, e busca conhecer e compreen
der o mundo tendo como único objetivo o próprio conhecimento. Quanto
mais esse tipo de conhecimento se relaciona com princípios e regras gerais,
mais é teórico. A praxis, por outro lado, é o conhecimento prático, é ins
trumental. Enquanto o conhecimento teórico visa ao universal, ao per
manente e eterno, o conhecimento prático é particular, aplicável e mo
mentâneo. Tanto a theoria como a praxis são diferentes modos de conheci
mento. Os dois conceitos são definidos como mutuamente exclusivos:
nenhum tipo de conhecimento pode, portanto, ser simultaneamente parti
cular e universal, aplicável e inaplicável. Usamos hoje a palavra "praxis"
para significar "a unidade da teoria e prática", mas isso, de um ponto de
vista rigorosamente aristotélico, não teria sentido. Corno, então, modifi
cou-se o significado do termo?
Foi Hegel quem começou a modificar o significado tradicional dos
termos. Ele acreditava que o objeto do pensamento, o universal e o eterno,
podia ser criado conscientemente pelo pensamento, e que o objeto da teo
ria podia ser modelado pela consciência humana. Isso se expressa, em par
te, na citação famosa: "O que é racional é prático, e o que é prático é
racional". Inevitavelmente, aqueles que davam ênfase à noção "o que é
prático é racional" justificavam a realidade existente e tiravam disso con
clusões politicamente conservadoras. Havia outros, porém, que ressaltavam
que "o que é racional é prático". Isso foi interpretado como significando
que tudo o que é racionalmente válido será, em última análise, realizado.
Isso pode ser considerado como um convite para que organizemos o mun
do de acordo com a Razão.
Entre os pensadores que ressaltaram essa interpretação, a ligação do
hegelianismo com alguma forma de noção de um futuro histórico, estava
um autor polonês chamado Cieszkowski. Ele é importante porque há muitas
semelhanças entre os seus pensamentos e os de Marx; ambos acreditavam
na praxis, a unidade da teoria com a prática, e achavam que a Filosofia
deve ser aplicada a serviço de uma sociedade futura. Além disso, partilha-
1
Alienação e Ensino
por Bertell Ollman de "a Filosofia das Relações Internas" e inclui o concei
to de dialética. Argumenta Ollman que as palavras de Marx pretendem
expressar uma concepção das coisas e de suas inter-relações.1 Contudo,
mesmo essas relações não são fixas, e sim variáveis. Marx concebeu a
sociedade relacionalmente. Isto é, capital, trabalho, valor, são vistos como
relações. As relações são internas a cada fator, e, quando uma delas se mo
difica, o próprio fator se modifica — sua aparência e/ou função modificou-
se o suficiente para que exija um novo conceito. Assim, Marx usa com fre
quência a mesma expressão para referir-se a coisas diferentes, e emprega
com frequência expressões diferentes para referir-se a mesma coisa.
Marx diz que para esse fator, nesse contexto, essa é a influência mais
digna de nota. Todo fator social tem o potencial de tomar os nomes de
outros, quando funciona como esses outros. Todo fator social está inter
namente relacionado com suas próprias formas passada e futura, bem
como as formas passada e futura dos fatores circundantes. Toda mudança
social é concebida como um vir-a-ser do que potencialmente é. Assim, a
denominação se liga a uma função, que por sua vez é concebida como den
tro de um todo relacional. Marx, portanto, tinha uma concepção relacional
da realidade, mas Hegel talvez seja quem melhor expresse essa concepção.
Para Hegel, a verdade é um todo e o que dizemos sobre determinadas coi
sas é a verdade parcial. Ele sugere que, através de suas inter-relações, as
coisas são mais do que parecem. Marx, é claro, jamais criticou o esquema
relacional em si, mas apenas como Hegel aplicou essa estrutura. Já disse
mos como, antes mesmo de Marx, os Jovens Hegelianos substituíram o Es
pírito do Mundo de Hegel, como sujeito, pelo Homem. Quando o Homem
se torna o sujeito, o indivíduo se torna o ator, em lugar de ser apenas um
observador passivo. Marx adotou, assim, os conceitos de Hegel e dotou-os
de um novo significado, eliminando seu conteúdo idealista.2 Incluído na
Filosofia de Relações Internas está o conceito da dialética, que vamos exa
minar agora.
por essa Filosofia das Relações Internas — poderia haver sentido em decla
rações como estas: "A teoria é força material”, ou "Religião, família. Es
tado, Direito, moral, ciência, arte etc. são apenas modos particulares de
produção".14
Devido ao predomínio do positivismo, essa Filosofia foi em grande
parte ignorada até recentemente. Com ela, podemos questionar Filosofias
cientísticas estreitas e arraigadas. A dialética, ao que me parece, é uma das
principais características da "Filosofia das Relações Internas". A dialética
é um modo alternativo de teorizar sobre as limitações que nos são impos
tas pela Lógica convencional. A opinião tradicional sustenta que A = A. A
não pode ser ao mesmo tempo não-A. A dialética não nega isso, mas acres
centa que nada é meramente idêntico a si mesmo e contido em si mesmo.
Nada concreto e real é meramente positivo. As coisas que são apenas posi
tivas, que são apenas o que são, são coisas abstratas e mortas. Todas as
coisas reais são parte do mundo da interação; tudo está em fluxo. A dialé
tica considera, portanto, as coisas como um processo de movimento e
como essencialmente inter-relacionadas. Acredita que todas as coisas con
cretas são contraditórias. Há contradições na realidade. Uma contradição
não é simples conflito acidental, mas essencial: é a oposição dentro de uma
unidade. O resultado de uma contradição concreta, pelo processo que Hegel
chamou de "aufgeben", é uma coisa nova.5
Agora que concluímos a exposição de uma maneira de entender Marx,
podemos continuar com um de nossos objetivos principais, que é examinar
as relações entre um marxismo fenomenológico e uma visão da educação,
a partir dessa perspectiva. Antes, porém, de voltarmos nossa atenção para
esses tópicos, vamos examinar certas questões relacionadas com a natureza
e a sociedade, e, em particular, com a concepção de Marx da natureza hu
mana. Quando as opiniões de Marx sobre as necessidades do Homem, seus
poderes, a natureza da atividade e trabalho humanos são compreendidas, e
é dada uma visão de um possível futuro, a alienação, em seu contexto edu
cacional, pode ser percebida e desafiada de modo mais adequado.
Marx sugeriu que estudemos primeiro a natureza humana em geral e
em seguida a natureza humana modificada em cada época histórica. Ele
começa pelo que é comum a todos os homens: poderes e necessidades.
Todo homem, por ser homem, possui certos poderes e necessidades. O po
der sugere potencial, a possibilidade de tornar-se mais do que já se é; a
necessidade refere-se ao desejo que se tem de alguma coisa, habitualmente
alguma coisa que não se pode ter no mesmo momento. Um poder é aquilo
que é usado e "atende" a uma necessidade. Conhecer qualquer poder é,
portanto, conhecer sua necessidade correspondente, e vice versa.
Marx também estabelece uma distinção entre os poderes e necessi
dades naturais e da espécie. Os poderes e necessidades naturais são aqueles
que o Homem tem em comum com tudo o que é vivo. Trabalho, alimenta-
alienação e ensino 123
Ressaltou-se que, para Marx, o trabalho tem o mais alto valor potencial e é
coercivo na sociedade existente, não devido à sua natureza, mas devido às
condições históricas nas quais é realizado. A alienação do trabalhador nos
meios de produção encontra expressão em todas as áreas de sua vida. As
mesmas concepções erróneas do lugar das criações do Homem podem ser
vistas em todas as esferas de atividade: classe, Estado, religião, família, éti
ca, arte, ciência, literatura, educação. Nesta seção, começarei com um es
boço do significado da alienação, em particular a separação entre o Homem
e a atividade. A análise de Marx é, em seguida, aplicada a certos aspectos
da educação, e a noção de desumanização é exemplificada pelo exame do
trabalho dos adversários da escola. Há, então, seções sobre "a escola
como fábrica", na qual os alunos e professores são vistos como trabalhado
res, e a noção do conhecimento como propriedade privada.7
A alienação pode ocorrer quando o Homem é separado de sua ativi
dade, de seus produtos, de seus semelhantes e de sua espécie. Resumindo:
o homem se faz a si mesmo pela ocupação, mas nas condições capitalistas
de produção ele se destrói no processo. 0 objeto lhe é negado, e na medi
da em que o objeto materializa a sua subjetividade o capitalismo priva o
sujeito de sua subjetividade e humanidade.8 Partes de seu ser são separadas
e sofrem uma transformação própria. Atingem uma vida independente, ad
quirem necessidades que o indivíduo é então forçado a satisfazer. O sujeito
é reduzido ao nível de objeto, que deve, porém, conservar certos aspectos
mínimos de sujeito, para que possa continuar a produzir. Ao mesmo tem
po, seu produto se torna primeiro uma mercadoria (na verdade, esse pro
cesso é por vezes chamado de "lógica geral da produção de mercadorias")
no mercado capitalista e, subseqúentemente, capital. Disso resulta a aliena
ção. O sujeito produtor original é reduzido ao nível de um objeto a ser
comprado e vendido no mercado de trabalho, como qualquer outra merca
doria. 0 objeto que ele produziu originariamente, ao se tornar capital,
transforma-se no sujeito abstraio. O capital funciona, portanto, como se
fosse um sujeito, alienando o trabalhador e o capitalista.
Em lugar de desenvolver o potencial inerente aos poderes do Homem,
o trabalho capitalista consome esses poderes sem reabastece los. Em mui
tos aspectos da educação, o potencial inerente aos indivíduos é negligen
ciado e a pessoa é considerada como uma mercadoria no mercado. Ou seja,
o "potencial" é considerado apenas em termos da utilidade para as "neces
sidades sociais", e, em lugar de ser desenvolvido, é explorado.
Marx não escreveu diretamente sobre a educação, preferindo analisar
a Economia Política. Se quisermos compreender o que ocorre em nossas
salas de aula através de uma análise marxista, teremos o problema de usar o
que consideramos como seu método, seu esquema conceptual, ou então
alienaçao e ensino 125
procurar formular novos conceitos para estudar esse campo. Tendo esco
lhido a primeira possibilidade, nossa discussão do ensino e alienação não
pode ser mais do que uma "tradução”. Ao tomar o pequeno capítulo in
titulado "Trabalhos Alienados", nos Manuscritos Económicos e Filosóficos
de 1844, sobre as relações básicas de alienação, e ao tentar aplicar tais rela
ções à educação, talvez não estejamos indo além de uma analogia. Esta
seção sobre o ensino e a alienação se baseia, em grande parte, na aceitação
de duas proposições: primeiro, a opinião de Marx sobre a relação entre o
Homem e a Natureza. Na seção anterior, nos referimos a uma das idéias
básicas do materialismo dialético, a opinião de que o Homem tem possibi
lidades que só se podem realizar através de seu trabalho. Além disso, ele
possui consciência, e é consciente de si mesmo como membro de uma espé
cie. Segundo, a exposição que se segue supõe também que uma Filosofia
das Relações Internas é um modo de pensar útil. Tal Filosofia sugere que
tomemos como unidade básica da realidade não uma coisa, mas uma Rela
ção. Isso significa, como Ollman deixa claro, que quando falamos de Re
lações, buscamos explicações relacionais, e não causais; não recuamos na
história para postular causas primeiras e cadeias de sequência, mas conside
ramos os acontecimentos históricos como relações temporais com laços
dialéticos. Devemos lembrar que Marx considerava "religião, família, Esta
do, moral, ciência, arte, etc." como determinados modos de produção. Um
modo de produção, segundo Marx, "não deve ser considerado simplesmen
te como a reprodução da existência física dos indivíduos. F antes uma for
ma definida de atividade desses indivíduos, uma forma definida de expres
sar sua vida, um modo de vida definido, de sua parte".9 Para Marx, isso sig
nifica uma expressão da alienação das relações sociais dentro e através do
capitalismo. Pode-se argumentar que, como expressão da produção aliena
da, a educação é tratada como coisa. F transformada num fetiche e a ela
são atribuídos poderes habitualmente dados ao homem. A educação torna-
se assim reificada, quer dizer, passa a ser considerada como um poder
sobre e acima do homem, e, portanto, fora de qualquer possibilidade de
modificação.
Esse mesmo processo alienante ocorre em todas as áreas do conheci
mento e da vida. Podemos citar como exemplo a ciência e o seu ensino.
Os cientistas produzem mercadorias através de seu trabalho especializado.
Mas, em lugar de desenvolver a ciência para alcançar objetivos humanistas,
a ciência e seus produtos são hoje separados do sujeito, o cientista que pro
duz. Pode-se dizer que a ciência perdeu seu objetivo, e em lugar de conti
nuar como um meio, passou a ser o seu próprio critério. Tendo perdido de
vista seu sujeito, a ciência tornou-se ciência burguesa.10
Não só os cientistas, mas todos os homens, inevitavelmente, se obje-
tificam através do trabalho, mas o que é tão destrutivo no processo de alie
nação é que os trabalhadores não têm controle sobre o que é feito de seus
126 marxismo e educação
Não é meu objetivo fazer aqui uma crítica de lllich, mas como ele é
frequentemente apresentado como um guru educacional, devo dizer que
também ele pode ser acusado de opiniões filosoficamente idealistas que
poucas possibilidades tém de ser realizadas na prática, lllich acredita que a
mudança social fundamental deve começar com uma modificação de cons
ciência em nós mesmos. Em outras palavras, ele sugere que esses problemas
devem ser atacados num nível individual, e não político; e nada diz sobre
o poder. Como a institucionalização dos valores ocorre não através da coer
ção externa, mas através da manipulação psíquica, o mesmo acontece no
ato psicológico da vontade individual: cada indivíduo é responsável pela
sua própria desmistificação. Já argumentei, de forma coerente, que tal po
sição, a ênfase na desreificação mental, embora vital, em si mesma nada
modifica. (O que talvez explique a sua popularidade entre certos educa
dores.) Ela é, de certo modo, uma rejeição da ação política. Que utilidade
há em simplesmente acabar com a manipulação, mas manter as instituições
económicas básicas do capitalismo?’2 É o que lllich parece desejar, mas
nessa sociedade a educação e a igualdade são coerentemente sacrificadas
em favor da acumulação do capital. A educação não-alienada talvez só pos
sa ser resultado das transformações revolucionárias das instituições básicas
e da consciência. Apesar dessas críticas, lllich ainda diz alguma coisa de im
portante. Ele nosjembra que tudo deve ser questionado. Observa o fato,
mas sem usar um vocabulário marxista, de que os alunos se alienaram do
conhecimento e que este representa para eles algo de hostil e estranho.
Ele nos leva a formular perguntas como: Deve a educação ser compulsória?
O que devemos, então, fazer em relação ao currículo? Com que frequência
examinamos e criticamos nossas práticas institucionalizadas? Voltamos
sempre á mesma pergunta: Que formas de ação social podemos empreender
para superar a alienação?
cidade de ver sua atividade vital como um objeto de sua vontade e cons
ciência, mas que sua vida se havia tornado urn “meio para a vida", e não a
vida em si. É possível que com o trabalho dos alunos e professores as
escolas adquiram status, como, por exemplo, o índice de aprovações nos
vestibulares, e a capacidade de atrair certo tipo de estudantes e pessoal. O
status pode, portanto, ser visto como uma forma de lucro.
No trabalho alienado, o produto do Homem “existe fora dele, inde
pendentemente, como alguma coisa alheia a ele e que se torna um poder
em si mesmo, que o enfrenta". Se pensarmos no produto como "conheci
mento", poderemos ver a força do argumento de Maxine Green de que a
tradição predominante dos “filósofos liberais' apresenta formas de conhe
cimento como “existentes objetivamente, externas ao conhecedor — que
ali estão para serem descobertas, dominadas, aprendidas". O produto do
trabalhador — nesse caso, o conhecimento — é com frequência estranho
aos estudantes, que não o podem usar; é com frequência demasiado limita
do, especializado, não-relacionado, abstrato. O aluno não tem controle
sobre o que ele faz, ou o que é feito do produto. O “conhecimento"
cresce em poder na medida em que os alunos gastam o que dele dispõem, e
até adquire qualidades, devidamente modificadas, que o estudante perde.
Os alunos podem perder confiança e se considerarem como simples "apên
dices" de seus produtos; assim, gradualmente, o “conhecimento" começa a
controlar os produtores.
A propriedade privada é a expressão material do trabalho alienado.
Em suma, do ponto de vista de uma Filosofia das Relações Internas, a
propriedade privada significa aquilo que o capitalismo faz. Basil Bernstein
sugeriu que, no contexto educacional, “capital" pode ser considerado co
mo capital cultural, e que a visão predominante do conhecimento em nossa
sociedade é como se fosse “propriedade privada". Escreve ele: “As crianças
e alunos são socializados desde cedo nesse conceito de conhecimento como
propriedade privada. São estimulados a trabalhar como indivíduos isolados,
com os braços em torno de seu trabalho.“,s
Ma.rx estabelece uma distinção entre o “valor de troca" e o "valor de
uso", que mais adiante usarei para especular sobre aspectos do conheci
mento. Ele considerava o valor de troca como a razão pela qual um produ
to é trocado por outros, isto é, sua capacidade ou poder comercial de rela
cionar-se com outros produtos à base de um tempo de trabalho realizado.
O valor de troca corresponde ao aspecto quantitativo do trabalho. Em con
traste, o valor de uso não é simplesmente o valor pelo qual um artigo é
usado, mas uma relação específica entre o trabalhador e sua atividade,
entre o produto e outros homens. Uma mercadoria é um valor de uso
porque tem o poder de satisfazer certa necessidade humana. Os valores de
uso, portanto, correspondem ao aspecto qualitativo do trabalho. Ora,
assim como na sociedade capitalista artigos como canhões, ou objetos
130 marxismo c educação
Fatos Atuais:
O Primado do Modo de Produção
Há vários fatos novos significativos que estão influindo nas atuais concep
ções sobre a natureza e o papel da Sociologia da Educação, e que devemos
examinar. No final do capítulo anterior, mencionei algumas das limitações
do marxismo idealista (ou hegeliano). Passo agora, portanto, à discussão
dos fatores, não desenvolvida por Ollman, como ideologia, história e Eco
nomia Política. São esses os conceitos em termos dos quais os problemas
estão sendo agora formulados. Perguntas como: Quais as relações entre
educação e ideologia? Como o sistema capitalista usa a educação para re
produzir-se? De que maneira o Estado intervém no processo educacional?
Como é usado o poder do Estado para estimular o desenvolvimento do
capitalismo e para assegurá-lo?
Para descrever esses fatos atuais, dividi este capítulo em três seções
distintas. Pretendo, na primeira, estabelecer um contraste com o marxismo
"humanista" discutido até agora. Para isso, faço uma breve introdução ao
teórico francês Louis Althusser, e focalizo sua contribuição para nossa
compreensão da educação e ideologia.
Na segunda seção, examino a importância de alguns historiadores e
economistas políticos americanos que se ocuparam da educação. O tema
da primeira seção — de que as suposições do sistema educacional são ideo
lógicas — é continuado de forma mais concreta. Althusser e os teóricos
americanos têm isso em comum: acreditam que a economia é determinan
te, e se preocupam com os mecanismos pelos quais a sociedade se reproduz.
Eles acham que, para existir, toda formação social deve reproduzir as for
ças produtivas e as relações de produção existentes. As teses de reprodução
de Samuel Bowles e Herbert Gintis são apresentadas rapidamente na se
gunda seção, já que faço uma análise mais extensa de suas opiniões no ca
pítulo 11. Meu argumento neste capítulo é simples: para compreender
perfeitamente as questões educacionais, devemos conhecer primeiro as
formas pelas quais elas se relacionam com o modo de produção. terceira
seção, portanto, é uma discussão do capitalismo monopolista contemporâ-
136 marxismo e educação
neo. Isso nos proporciona uma base materialista para uma subsequente
análise crítica da educação e da Economia Política, e do ensino escolar na
sociedade capitalista.
social, e não obstante cada qual possui uma autonomia relativa. Isso signi
fica que a unidade do todo é uma unidade de um complexo de "instâncias"
em fases desiguais de desenvolvimento, umas em relação às outras. Não
há, portanto, apenas uma contradição, entre o capital e o trabalho; na tota
lidade estrutural, há a possibilidade de uma multiplicidade de contradições
que podem relacionar-se mutuamente de maneiras complexas. Uma vanta
gem dessa concepção do todo, como uma unidade complexa necessaria
mente relacionada por instâncias relativamente autónomas, é afastar qual
quer forma de reducionismo.
Aithusser fala de suas opiniões sobre a relação entre a totalidade
social e a educação em seu ensaio "Ideologia e os Aparelhos Ideológicos do
Estado"? Para ele, o todo social consiste na base (infra-estrutura) e na su
perestrutura. A base económica é uma unidade das forças de produção e
das relações de produção. A superestrutura tem dois níveis, ou "instân
cias", a lei e o Estado. O aparelho repressivo do Estado inclui, por exemplo,
a polícia, os tribunais, as prisões, o Chefe de Estado, o Governo e a admi
nistração. Há uma distinção entre o poder estatal e o aparelho estatal; o
objetivo da luta de classes, do proletariado, é tomar o poder estatal e subs
tituí-lo por um aparelho proletário. Em última análise, seu objetivo é des
truir o poder do Estado e todas as suas manifestações.
Mas há um segundo nível, ou instância, da superestrutura no qual há
muitos aparelhos ideológicos estatais, o religioso, o jurídico, o ético, o
político - e o educacional. A relação entre a superestrutura e a base (infra-
estrutura) é de ação recíproca, tendo a primeira uma relativa autonomia
em relação à segunda. Essa conceptualização permite muitas combinações
sutis a partir da ação recíproca acima. Além disso, uma das suas implicações
é que temos de passar de nosso modo convencional de pensar sobre uma
causa como uma coisa, uma entidade distinta e identificável, para o seu
tratamento como uma relação.
Segundo Gramsci, Aithusser diz que nenhuma classe pode exercer o
poder estatal sem exercer também a hegemonia sobre os aparelhos ideoló
gicos estatais (AlE) e dentro desses aparelhos. Há, portanto, estruturas cujo
papel específico é mistificar o funcionamento das formações sociais através
de ideologias (uma ideologia é uma representação imaginária da realidade,
a forma mistificada na qual os homens estabelecem a relação com o mun
do). A existência de ideologias, porém, é material: elas expressam sempre
posições de classe. Isso porque uma ideologia existe sempre num aparelho
e suas práticas. A educação é um desses aparelhos. Ele sugere que, para
existir, toda formação social deve reproduzir as forças produtivas e as rela
ções de produção existentes. Portanto, são usadas as ideologias — contri
buindo, todas elas, para o mesmo resultado: a reprodução das relações de
produção. Ele afirma que a educação reproduz as relações capitalistas de
exploração. Na época medieval, o AlE predominante era a Igreja, mas agora
138 marxisino e educaçao
foram homens como Thorndike, Terman e Goddard, apoiados pela riqueza em
presarial, que convenceram com êxito os professores, administradores e juntas
de escolas leigas a classificar e padronizar o currículo escolar, com um sistema
diferenciado, baseado na capacidade e valores da sociedade lil>eral corporativa.
A estrutura dessa sociedade fundamentava-se, portanto, na suposta meritocra
cia, uma meritocracia de classe média branca e profissionais orientados para a
administração.
dessa forma, controlada não pelos produtores, mas pelos donos e represen
tantes do capital. Como as máquinas já podem ser numericamente contro
ladas, não cabem ao trabalhador as decisões e julgamentos; ele precisa saber
menos. A automação apressou esse processo, que significa que (para a
maioria das pessoas) não há necessidade de conhecimento ou treinamento.
Uma consequência disso é que os trabalhadores são hoje muito menos
capazes de operar suas próprias indústrias do que no passado. Perderam o
controle de seu próprio trabalho. O controle está hoje não com o trabalha
dor, mas com a máquina controlada pela administração. Como o objetivo
de toda firma é a expansão do capital, há uma pressão no sentido de maior
produtividade, mas cada avanço diminui o número de trabalhadores real
mente produtivos. É um erro, porém, reificar ou fetichizar a máquina — ela
é um problema de relações sociais. É o capital que utiliza a máquina para
separar o controle da execução.
Vou resumir os principais pontos de minha exposição, até agora:
1. Há uma separação entre a conceptualização e o trabalho, e uma
crescente divisão do trabalho dentro da própria administração.
2. A aplicação de métodos modernos de administração e tecnologia
mecânica aumentou a produtividade da mão-de-obra, mas isso também
levou a uma redução na procura de mão-de-obra.
3. Os principais aspectos do capitalismo monopolista são o cresci
mento da administração científica e o uso sistemático da ciência. A rápida
acumulação de capital levou a uma transferência importante: uma pequena
proporção de tarefas técnicas, intimamente ligadas à administração, e uma
maior proporção de tarefas de baixo nível técnico, rotinizadas, ou não qua
lificadas. Quais as forças sociais em ação? Primeiro, como a "firma" é uma
forma pessoal limitadora, o proprietário individual dá lugar à empresa. Há
uma concentração e centralização do capital e as funções da administração
crescem rapidamente, tal como as divisões de comercialização e vendas.
As empresas provocam a procura de seus produtos fabricando clientes,
cujas "necessidades" estão condicionadas á produção. Os próprios produ
tos são planejados para se tornarem obsoletos e serem substituídos. Poderí
amos dizer que as empresas são hoje tão grandes que seu planejamento "in
terno" é, na realidade, um planejamento social; elas tomam as decisões
principais, os Governos simplesmente preenchem os espaços vazios.
O centro da vida social, da produção e consumo, foi outrora a famí
lia, mas nos últimos cem anos o capital colocou-se entre a família e a fa
zenda. Hoje, tudo é processado e há uma busca de novos serviços e merca
dorias. Nesse processo, as relações humanas são substituídas pelas relações
de mercado. O capitalismo transforma toda a sociedade num mercado gi
gantesco. Tudo tem de ser comprado — mas só no mercado. Gradualmente,
as alternativas são destruídas, somos envolvidos por uma teia de merca
dorias. A institucionalização aumenta, bem como o emprego no setor de
o primado do modo de produção 147
Concluí o capítulo anterior com uma tentativa de isolar algumas das carac-
terísticas destacadas das opiniões de Braverman mais relevantes para meus
objetivos aqui — o entendimento da relação entre educação, Economia e
política. Foi conveniente ter examinado a brilhante análise de Braverman
sobre as relações sociais capitalistas antes de voltar a atenção para a Econo
mia Política da educação, pois esta última tarefa pressupõe, sob muitos
aspectos, um conhecimento de seus principais temas: as formas pelas quais
o capitalismo contemporâneo se desenvolveu, as importantes tendências
históricas, como a expansão do capital, e modificações na divisão do traba
lho. Vamos ver agora como tais modificações se relacionaram com o siste
ma educacional, e analisar as maneiras pelas quais essas forças, externas ao
sistema escolar, influíram em suas operações.
Certos economistas políticos, como Samuel Bowles e Herbert Gintis,
argumentaram que o ensino escolar tinha, no passado, uma missão esclare
cedora e igualadora, mas hoje se considera que ele encerra características
cada vez mais não-igualitárias e repressivas. Há uma crescente consciência,
entre os radicais, de que o sistema educacional reflete as contradições cada
vez maiores de nossa sociedade. Todas as tentativas de reforma fracassaram.
Quanto às escolas, seu papel é hoje o de reproduzir o sistema de classe e
ampliar o modo de produção capitalista. Essa opinião encontra sua expres
são mais clara e coerente no livro de Bowles e Gintis, Schooling in Capita-
list America — sob muitos aspectos, um trabalho ousado e corajoso. Em
lugar de tentar uma análise ampla da educação, Economia e política, limi
tarei a discussão às questões levantadas diretamente pela sua obra polêmica,
que teve considerável impacto na Sociologia da Educação na Grã-Bretanha.1
Passo agora ao exame detalhado de seu argumento.
Bowles e Gintis dizem que, segundo reformadores liberais como John De-
wey e a opinião da "escola democrática", o sistema educacional deve ter
150 marxismo c educação
gualdade económica que tem origem, fora do sistema escolar, nas relações
sociais da economia capitalista. A educação é parte da produção e reprodu
ção da estrutura de classes. Quer dizer, um sistema escolar mais igualitário
não criará uma sociedade mais igual. O que muitos reformadores, como os
partidários da escola livre, não fazem é colocar as escolas em seu contexto
social e económico. Eles não compreendem a base de classe da repressão
educacional, e não têm uma estratégia viável para combatê-la. Bowles e
Gintis argumentam que a reforma igualitária da escola deve ser explicita-
mente política; que somente "uma politização explícita do movimento de
escolas livres, o apoio a uma democracia dos trabalhadores, participante e
igualitária, e uma estratégia de aliança com todos os grupos oprimidos po
dem, na realidade, constituir uma base dinâmica para a libertação das eco-
las".5
Bowles e Gintis fazem uma contundente crítica das idéias de lllich
sobre o ensino.6 0 principal argumento deles é que o programa de lllich
é um "desvio" em relação às complexas exigências políticas dç recons
trução revolucionária. As escolas são tão importantes para a reprodu
ção da sociedade capitalista que só desmoronarão sob os mais fortes ata
ques políticos. Na opinião desses autores, as escolas não podem nem de
vem ser eliminadas. As relações sociais de educação é que devem ser modi
ficadas, de modo que, em lugar de perpetuar o sistema capitalista, as esco
las se dediquem à promoção do desenvolvimento pessoal e da igualdade
social. Dentro do atual sistema económico, as escolas têm de reproduzir a
força de trabalho e legitimar a desigualdade, e não podem, portanto, reali
zar aquelas outras funções. Dizem eles: "O capitalismo é um sistema irra
cional, que se opõe a um maior progresso social. Ele deve ser substituído."7
Mais adiante, ao expressar a idéia de que a violência, por si só, não consti
tui uma base estável ao exercício do poder, eles citam Rousseau: "O ho
mem mais forte não é nunca bastante forte para ser sempre o senhor, a
menos que transforme seu poder em direito e a obediência em dever.” Foi
Antonio Gramsci quem ressaltou essa idéia, a noção de que a dominação
de classe é exercida tanto pelo "consenso” popular na sociedade civil como
pela coerção física pelo aparelho estatal, especialmente nos países capita
listas adiantados, onde a educação, os meios de comunicação, o Direito e
a cultura de massa assumem novos papéis. Crenças, valores, tradições cultu
rais funcionam em nível de massa para perpetuar a ordem existente — é
esse o significado da "hegemonia ideológica” — e isso implica a tarefa,
para os socialistas, de criar uma "visão do mundo anti-hegemõnica”. Não
há, em Bowles e Gintis, nenhuma referência ao conceito mais original de
Gramsci.9 Mas isso não é um caso isolado: em todo o seu trabalho, eles se
referem a idéias que poderiam ter sido aprofundadas e enriquecidas pelo
uso do pensamento marxista europeu do século XX. Mas qual a razão dessa
limitação? Ela me parece consequência de um certo deslocamento em seu
trabalho, proveniente do fato de que, embora tenham uma posição marxis
ta, sua visão da sociedade é funcional-estruturalista, derivada de Durkheim
e Parsons. Isso tem várias consequências. Parece-me constituir uma justifi
cação lógica para sua epistemologia, que é o positivismo, para sua metodo
logia, que é o empirismo, e para a sua ontologia, que é o determinismo.
Essas características dominam seu trabalho. Essa interpretação também dá
um sentido aos seus temas dominantes: a correspondência entre as relações
sociais da escola e as relações sociais do trabalho, e a tese de reprodução,
que também se seguem do deslocamento em seu trabalho.
O positivismo de sua abordagem pode ser visto nos métodos empíri
cos que adotam; usam uma barragem de estudos para fazer estatisticamen
te as suas demonstrações. Mas o método, em si, é aceito como se não en
cerrasse problemas. O método estatístico é tratado como uma série de pro
cedimentos isentos de valor, neutros, que podem usar como uma ferramen
ta. Eles não consideram o fato de que as estatísticas, como qualquer outra
teoria, encerram princípios implícitos de ordenação. Os juízos e interpreta
ções teóricos são necessários para dar sentido aos dados. E não compreen
dem, de forma adequada, que as interpretações são feitas principalmente
pelo recurso a um "senso comum” e valores implícitos. Bowles e Gintis
não questionam nunca sua metodologia estatística. Mas eu gostaria de ar
gumentar que a Matemática pode não ser adequada à compreensão da
característica principal do significado social do mundo. E claro que Bowles
e Gintis tratam de algumas questões sérias, como as seguintes: 1. Apresen
tam-nos "dados estatísticos maciços" para mostrar que ”a educação nos
Estados Unidos é desigual, as possibilidades de se ter muita, ou pouca, ins
trução, dependem substancialmente da raça, e do nível económico dos
156 marxismo e educação
Bowles e Gintis ressaltam que o ensino produz uma força de trabalho con
trolável e fragmentada. Ela é habitualmente fragmentada, mas, como mui
tos professores das escolas urbanas argumentam, não é totalmente contro
lável. 0 mesmo se aplica às muitas lutas da classe operária. Mas como os
autores dizem a certa altura, "a adaptação entre o ensino e o trabalho, des
crita nos capítulos anteriores, é, num certo sentido, demasiado clara".32
Não será seu argumento, de que há uma correspondência "direta" entre as
relações sociais do ensino escolar e trabalho, demasiado simples? Em seu
capítulo sobre as origens da educação pública em massa, eles fazem uma
observação reveladora, de que "nenhuma relação muito simples, ou meca-
nicista, entre a estrutura económica e o desenvolvimento educacional se
harmonizará com as evidências históricas... fatores políticos intervieram
entre as estruturas económicas e os resultados educacionais, de maneiras
complexas e por vezes evidentemente contraditórias".33 Eu diria que nos
capítulos teóricos supõe-se uma noção direta e simples de correspondência
entre as relações sociais da vida económica (ou trabalho) e as relações so
ciais do ensino escolar, e que a análise é simplista em comparação com a
rica complexidade dos fatores inter-relacionados nos capítulos históricos.
Além disso, sua tese da reprodução das relações sociais através da repro
dução da consciência é demasiado mecanicista; eles dizem, por exemplo:
"Diferentes níveis de educação levam os trabalhadores a diferentes níveis
dentro da estrutura ocupacional."34 E argumentam que nas escolas fre
quentadas por alunos de diferentes classes sociais há diferentes padrões de
socialização. Os autores podem estar certos em geral — mas seria possível
contra-argumentar que há muitas escolas primárias progressistas, por exem
plo, que dão ênfase à internalizaçao de normas, e não à obediência às re
gras e à supervisão rigorosa, como seria de esperar de acordo com a tese
dos autores. Em certas escolas, pelo menos, é difícil ensinar a docilidade.
Em suma, não estou perfeitamente convencido de que o sistema educacio
nal apenas produz diretamente alunos a serem encaixados no sistema. Bowles
e Gintis esquecem a heterogeneidade da educação e tendem a concebê-la
como uma categoria monolítica.
CAPITULO 1 2
Sumário e Conclusões
Por que é este capítulo, o último, tão difícil de ser escrito? Parece-me que
um dos problemas de se fazer um sumário é que o autor se esforça em
dizer ao leitor (retrospectivamente) que o texto deveria ter sido lido "dessa"
maneira. Uma conclusão é difícil por motivos semelhantes — todos os as
pectos contraditórios devem ser conciliados, para dar uma impressão de
"coerência" e de um todo a algo que está, essencialmente, inacabado. Mas
devo tentar — ainda que seja apenas para ver qual a conclusão.
Vou começar com um sumário. Na primeira parte do livro apresentei
uma exposição da "nova" Sociologia da Educação fenomenológica e pro
curei retratar um pouco do entusiasmo intelectual que ela provocou.
Poder-se-ia dizer que as suposições dominantes nas décadas de 1950 e
1960 eram que a educação era um "bem" social e que deveria haver um
uso eficiente dos recursos humanos. Confiava-se que a ênfase na eficiência
levaria a um aumento no investimento, e disso esperavam-se benefícios.
Era a teoria do "capital humano", na qual o trabalhador representava o
capital, em seu corpo e trabalho. Os principais fundadores da Sociologia
da Educação na Grã-Bretanha devem ser vistos nesse contexto. Alguns dos
sociólogos da educação "tradicionais", como Halsey, Floud e Douglas
preocupavam-se, é claro, com igualdade de oportunidade e com justiça,
mas sua ênfase na oportunidade educacional para todos estava relacionada
com essa teoria do crescimento económico. Concebiam a educação como
um meio para se chegar à mobilidade social. Mas, se hoje vemos a mobili
dade social como uma ideologia, quais as suposições subjacentes às suas
opiniões? Esses sociólogos da educação viam o "sucesso" da classe operária
em termos de mobilidade social ascendente.1 A eliminação das classifica
ções e a adoção de métodos abrangentes eram meios estratégicos para
aumentar a igualdade de oportunidade, mas não questionavam o status
quo. Que a sociedade deveria basear-se na propriedade privada e na divi
são do trabalho, continuava sendo um pressuposto indubitável, razão
pela qual eu os chamaria de reformistas.2 Não é de surpreender que a estru
tura de classes não se tenha transformado. Podemos ver, agora, mais clara-
166 marxismo e cducaçao
Conclusão
Alguns leitores poderão achar que as duas partes deste livro representam
uma ruptura, ou uma separação; que os pontos de vista fenomenológico
e marxista sobre a educação são completamente diferentes e, portanto,
incomensuráveis. Mas essa reorientação não me parece um rompimento,
e sim uma continuidade — como uma parte diferente da mesma viagem. A
vida muda, e a maneira de vermos o mundo muda com ela. Afinal de con
tas, as diferenças entre uma Fenomenologia marxista e um marxismo feno
menológico, ou humanista, são difíceis de definir. Para mim, há muitas
semelhanças nas duas perspectivas. Argumentei, por todo este livro, que
em nossa sociedade há as divisões seguintes: há uma divisão entre os cha
mados "especialistas" e os leigos. Na seção sobre o trabalho eu disse que
há uma divisão entre a concepção (o papel da administração) e a execução
(o papel do trabalho), que é o taylorismo. Há também divisões rígidas
entre os assuntos, e entre as artes e as ciências. Nessas, e em outras divisões,
um elemento é sempre colocado mais alto do que o outro, e com isso as
hierarquias passam a existir. O "especialista", o trabalhador mental, o admi
nistrador, goza de deferência. O capitalismo promove e estimula essa seg
mentação e fragmentação.
Quero lembrar agora, rapidamente, algumas das semelhanças. A luta
para superar a distância entre os especialistas e os leigos, os intelectuais e
as massas, as formas mental e física de atividade, é um aspecto tanto da
abordagem fenomenológica como da marxista. A "nova" Sociologia da
Educação opôs-se ao elitismo e quis derrubar as hierarquias. Falta a essa
abordagem fenomenológica uma análise adequada do problema; um ponto
de vista marxista, porém, oferece um método, através do conceito da divi
são do trabalho. Mencionei o igualitarismo da "nova" Sociologia e, como
expressão dele, a crença de que todos os seres humanos são teóricos. Essa
idéia de que somos todos filósofos e intelectuais é também uma noção
marxista, exposta, por exemplo, na obra de Gramsci. Falei, da mesma for
ma, sobre a coerção, mas não será isso um termo menos preciso para alie
nação? E, ainda uma vez, em ambas as perspectivas o conceito de desreifi-
cação é essencial. A transformação da consciência é vital no marxismo,
também, sendo parte inseparável da modificação estrutural. A necessidade
de desreificação prática tornou-me mais cônscio da importância da praxis.
Acredito ser possível combater a divisão do trabalho em nossa vida coti-
diana. Tendo consciência dessas "separações", como entre o trabalho men-
sumário e conclusões 171
Estas notas são incomuns pelo fato de terem sido feitas para serem lidas.
Encerram sugestões para novas leituras, cuidadosamente organizadas. As
notas bibliográficas foram preparadas como um guia para os leitores que
desejam estudar outros textos, simultaneamente com este. Se for organi
zado um grupo de discussão, poder-se-á planejar seu curso baseado nessas
leituras.
2. A opinião de que outras culturas não são necessariamente deficientes, mas dife
rentes, é expressa claramente em Nell Keddie (org.), Tinker Tailor... The Myth
of Cultural Deprivation, Penguin, 1973. Os estudos antropológicos, como os do
livro acima, foram usados pelos "novos" sociólogos da educação para criticara
opinião predominante de privação cultural. Segundo essa opinião, em suma,
havia alguma coisa errada com as crianças da classe operária (a visão da Patolo
gia Social) e elas deveriam aprender a falar o inglês padrão e o código elaborado,
e ser iniciadas na cultura "principal". Para o estudo do debate da privação cultu
ral, são essenciais: Nell Keddie, Sorting Them Out, Social Differentiation //,
Unit 10, Open University Press, 1972. Em A. Cashdan et al. (orgs.), Language in
Education, Routledge & Kegan Paul, 1972, há os seguintes artigos importantes:
S. Baratz e J. Baratz, "Early Childhood Intervention: the Social Science Base of
Institutional Racism"; W. Labov, "The Logic of Non-Standard English"; B.
Bernstein, "Education Cannot Compensate for Society". Em B.R. Cosin et al.
(org.), Schoo! and Society, 2? ed., Houtledge & Kegan Paul, 1977, ver os
artigos: R.V. Dumont e M L. Wax, "Cherokee School Society and the Inter-
cultural Classroom", e A. Platt, "The Rise of the Child-Saving Movement".
3. Thomas Gladwin, East is a Big Bírd. Navigation and Logic on Puluwat AtoU,
Harvard University Press, 1970. Sobre psicólogos como Bruner, Guilford, Hobb e
Piaget, e seu trabalho sobre inteligência e processos intelectuais. Gladwin comen
ta: "O trabalho deles chama imediatamente a atenção do antropólogo como rela
cionado com a cultura. O ponto de partida deles é nossa lógica simbólica fami
liar e o pensamento abstrato relacional. Eles não têm à sua frente uma gama de
outras abordagens básicas possíveis do pensamento, aprendizagem e solução de
problema. . . Os antropólogos defendem decididamente a igualdade de todos os
homens...” Ver T. Gladwin, "Culture and Logical Process”, em N. Keddie
(org.), Tinker, Tailor. . , p. 119. Na minha opinião, esse trabalho demonstra que
ao formular perguntas de outras culturas por vezes nos capacitamos a formular
novas questões sobre nossa própria sociedade
4. O trabalho de Robin Horton questiona o de Lévy-Bruhl, que acreditava que cul
tura primitiva implicava pensamento primitivo Horton afirma haver considerá
vel semelhança entre os padrões de pensamento de povos africanos e ocidentais.
Ele acha que todas as pessoas tentam compreender seu mundo constituindo
teorias explicativas, e que há analogias entre os sistemas tradicionais africanos de
crenças e as chamadas convicções científicas ocidentais. Em ambos, há uma bus
ca de unidade sob a aparente diversidade Ambas as teorias colocam os aconte
cimentos num contexto causal mais amplo do que o proporcionado pelo senso
comum. Por exemplo, na ausência de antibióticos, etc. na África os esforços dos
curandeiros tradicionais para remediar as perturbações que provocam tensões na
vida social dos pacientes eram muito relevantes No Ocidente, o sucesso da teo
ria dos germes impediu-nos de explorar cabalmente as proporções da enfermi
dade psicossomática. Ver Robin Horton, "African Traditional Thought and
Western Science", em Michael Young (org ), Knowledge and Control, Collier-
Macmillan, 1971. Esse trabalho está incluído também em R Wilson (org.)
Rationality, Basil Blackwell, 1970, e ê discutido nele por Lukes, Beattie e outros.
5. Harold Conklin, "Hanunoo Colour Categories", em Dell Hymes (org ), Language
in Culture and Society, Harper & Row, 1964 Charles Frake, "The Diagnosis of i
Disease Among the Subanun", encontra-se em N Keddie (org ), Tinker Tailor.
6 Um estudo bem conhecido sobre o assunto ê o de H. Garfinkel, "Passing and
the managed achievement of sex status in an intersexed' person", em Studies
in Ethnomethodology, Prentice-Hall, 1967. Trata de urna pessoa que era reco I
nhecida por todos como um rapaz, e que aos 1 7 anos resolveu tornar-se mulher.
notas 175
"Agnes" teve de aprender a agir e sentir como uma mulher. Como tinha órgãos
genitais masculinos, não podia realizar o que dela esperavam os homens, e, não
obstante, apresentava-se como uma mulher sexualmente atraente. Ela se empe
nhava constantemente em “passar" por mulher, e tinha de seguir padrões de
comportamento, aparência, habilidades e sentimentos, ao mesmo tempo que
aprendia quais eram esses padrões. O estudo é um exame das relações entre roti
na, confiança e racionalidade, e Garfinkel argumenta que Agnes era uma meto-
dologista prática: “ela estava autoconscientemente equipada para ensinar aos
normais como eles provocam a sexualidade em situações banais como algo
óbvio, familiar, reconhecível, natural" (ibid., p. 180).
7. Routledge & Kegan Paul, 1958. O principal adversário do relativismo de Winch é
Ernest Gellner. Em Bryan Wilson (org.), Rationality, é interessante ler o "Un-
derstanding a Primitive Society", de Winch, seguido de "Concepts andSociety,
de Gellner Discuto essa questão com mais detalhes no capítulo 6. Apenas uns
poucos aspectos selecionados da Antropologia, importantes para a Sociologia
"interpretativa" da educação, foram discutidos acima. As referências seguintes
permitirão aos estudantes tomar conhecimento de correntes que não pude
mencionar Ver, por exemplo, Mary Douglas, Purity and Danger, Penguin,
1970. Em Natural Symbols, Penguin, 1 973, pp. 41 -58, ela aplica a abordagem de
Bernstein à análise do ritual. Ver também C.R. Badcock, LéviStrauss, Structu
ralism and Sociological Theory, Hutchinson, 1975; Michael Lane. Structuralism,
A Reader, Cape, 1970, Míriam Glucksmann. "The Structuralism of Lévi-Straus
and Althusser", em John Rex (org.), Approaches to Sociology, Routledge &
Kegan Paul, 1974
The Jargon of Authenticity, Routledge & Kegan Paul, 1973, é uma crítica do
existencialismo alemão.
7. Ver Geoff Whitty, "Sociology and the Problem of Radical Educational Change”,
em Michael Flude e John Ahier (orgs.), EducabiHty, Schoo/s and Ideology,
Croom Helm, 1974, p. 115.
8. On the Beginning of Social Inquiry, Routledge &Kegan Paul, 1974, p. 2.
9. Ver, por exemplo, Maxine Greene, Teacheras Stranger: Educational Philosophy
for the Modern Age, Wadsworth, 1973, p. 149
10. Recentemente, Zygmunt Bauman argumentou que o programa fenomenológico,
se observado escrupulosamente, não pode gerar nenhuma Sociologia. "A crítica
da Sociologia, atualmente empreendida ostensivamente sob os auspícios da Fe
nomenologia, emana, na realidade fatual. de uma fonte diferente — a Filosofia
existencialista... O motivo básico da Filosofia existencialista é proporciona
do pela busca da natureza autêntica, indeformada, do homem, e não pelo co
nhecimento indeformado que o homem pode adquirir (Towards a Criticai So
ciology, Routledge & Kegan Paul, 1976, pp. 2-53). Isso confirma minha opinião
sobre a importância de Sartre. Para um estudo da sua obra, e de sua relevância
para a Sociologia contemporânea, ver lan Craib, Existentialism and Sociology,
Cambridge University Press, 1976.
1. R.S. Peters, Ethics and Education, Allen & Unwin, 1966, P.H. Hirst e R.S
Peters, The Logic of Education, Routledge & Kegan Paul, 1970; Paul H. Hirst,
Knowledge and the Curriculurn, Routledge & Kegan Paul, 1974. Na coletânea
de trabalhos de Hirst, ver o comentário sobre Philip H. Phenix, Realms of Mea
ning (McGraw-Hill, 1964), pp, 54-68 Embora Hirst faça críticas a Phenix,
Maxine Greene o coloca ao lado dele e de Peters na mesma tradição "anglo-ame-
ricana".
2. R.S. Peter, "Education as Initiation", em R.D. Archambault (org.). Philosophi
ca! Analysis and Education, Routledge &Kegan Paul, 1965, p. 110.
3. Paul H. Hirst, "Liberal Education and the Nature of Knowledge”, em R.D Ar
chambault (org.), op. cit., p. 125.
4. Sobre a opinião de que a socialização deve ser compreendida como um proces
so de interação que envolve a criança como um participante ativo, ver Hans P.
Dreitzel (org.), Childhood and Socialization, Recent Sociology, n9 5, Collier-
Macmillan, 1973, especialmente os trabalhos de Robert Mackay, "Concep-
tions of Children and Models", e John O'Neill, "Embodiment and Child Deve-
lopment".
5. Paul H. Hirst, "Liberal Education and the Nature of Knowledge", pp. 128-31.
6. Richard Pring, "Knowledge out of Control", em Education for Teaching, n9
89, outono de 1972, pp. 19-28.
Essa é a principal tese de Hanna Pitkin, Wittgenstein and Justice, University of
Califórnia Press, 1972.
8. Algumas dessas críticas são discutidas mais detalhadamente em David Adelstein,
"The Philosophy of Education, or the Wisdom and Wit of R.S. Peters", em
Trevor Pateman (org ), Counter Course, Penguin, 1972, Keith Paton, The Great
Brain Robbery, Silverdale
9. Admito a dificuldade de sustentar essa posição sobre as hierarquias e valores.
Há, de um lado, a aceitação de um relativismo fenomenológico que recomenda
a rejeição de distinções hierárquicas, e contudo vivernos num mundo em que
notas 177
1. é o que diz, por exemplo, John Seeley. "The Making and Taking of Problems:
Towards an Ethical Stance", em Jack D. Douglas (org.), The Relevance of
Sociology, Appleton-Century-Crofts, 1970.
2. Ver, por exemplo, Jerome Manis e Bernard Meltzer (orgs.), Symbohc Inte-
raction, Allyn & Bacon, 1972, especialmente os ensaios de Becker, Blumer,
Goffman e Garfinkel; HowardS. Becker, Sociological Work, Allen Lane, 1971.
3. Alfred Schutz, The Phenomenology of the Social World, Heinemann, 1972;
Schutz e Thomas Luckmann, The Structures of the Life World, Heinemann, 1974.
4 Para uma introdução útil, ver Roger Dale, "Phenomenological Perspectives and
the Sociology of the School", em Michael Flude e John Ahier (orgs ), Educabt-
lity, Schools and Ideology, Croom Helm, 1974.
5. "Social Class Variations in the Teacher-Pupil Relationship", em B R. Cosin et
al. (orgs.), School and Society, Routledge & Kegan Paul, 1977 Ver também
nesse livro, Robert Dumont e Murray Wax, "Cherokee School Society and the
Intercultural Classroom".
6. "Student Social Class and Teacher Expectations: the Self-Fulfilling Prophecy m
Ghetto Education", Harvard Educational Review, 40, 1970, pp.4 1 1 51
7. Routledge & Kegan Paul, 1967; ver também Collin Lacey, Hightown Grammar:
the School as a Social System, Manchester University Press, 1970.
178 notas
8. Sobre rotulações ver Howard Becker, "On Labeling Outsiders", em Earl Rubing-
ton e Martin Weinberg (orgs.), Deviance: the Interactionist Perspective, Macmi
llan, l968;Edwin Schur, Labeling Deviant Behavior, Harper&Row, 1971.
9. Sobre a crescente burocratização, ver A.V. Cicourel e J. Kitsuse, "The Social Or-
ganization of the High School and Deviant Adolescent Careers", em School and
Society, 2? ed. p. 114.
10. Aaron V. Cicourel e John Kitsuse, The Educational Decision-Makers, Bobbs-
Merril, p. 147.
11. "Delinquents in Schools: a Test for the Legitimacy of Authority", em School
and Society. 2? ed., p. 34. Uma discussão útil de Werthman encontra-se em Da-
vid Hargreaves, S.K. Hester e F J. Mellor, Deviance in Classrooms,Routlege &
Kegan Paul, 1975, p. 19.
12. Douglas Barnes et al., "Language in the Secondary Classroom", em Language.
the Learner and the School, Penguin, 1969
13. Para uma excelente discussão dessas questões, ver Maurice Roche, Phenomenolo-
gy, Language and the Social Sciences, Routledge & Kegan Paul, 1973, pp. 227-35.
14. Ver Carol Warren e John Johnson, "A Critique of Labeling Theory from the
Phenomenological Perspective", em Robert Scott e Jack D. Douglas (orgs.),
Theoretical Perspectives on Deviance, Basic Books, 1972.
15. Nell Keddie, "Classroom Knowledge", em Michael F.D. Young (org.), Knowle-
dge and Control, Collier-Macmillan, 1971.
16. Ibid., p. 155.
Ibid., p. 148.
18. Routledge & Kegan Paul, 1975.
19. Ibid., p. 227.
20. A pesquisa etnográfica sobre a interação social nas escolas está florescendo,
atualmente; ver Martyn Hammersley e Peter Woods (orgs.), The Process of
Schooling: A Sociological Reader, Routledge & Kegan Paul, 1976.
21. Para uma opinião contrária, ver Bill Williamson, "Continuities and Discontinui-
ties in the Sociology of Education", em M Flude e J Ahier (orgs.), op. cit.,
p 10.
22. Um exemplo de uma (possível) dificuldade é a "triangulação indefinida". A.V.
Cicourel usa essa expressão para sugerir "que todo procedimento que parece
encerrar evidência, portanto pretender a um nível de adequação, pode ser sub
metido ao mesmo tipo de análise que por sua vez produzirá outra disposição
indefinida de novas particularidades, ou uma nova disposição de particularidades
anteriormente estabelecidas em explicações 'autorizadas', 'finais', 'formais'
{Cognitive Sociology, Penguin, 1973, p 124).
1. Para uma discussão desses problemas teóricos e metodológicos ver, por exem
plo, D. Emmet e A. Maclntyre (orgs.), Sociological Theory and Philosophical
Analysis, Macmillan, 1970, especialmente os trabalhos de Schutz e Gellner;
Alan Ryan, The Philosophy of the Social Sciences, Macmillan, 1970; Aaron V.
Cicourel, Method and Measurement in Sociology, Free Press, 1964; Paul Filmer
et al, New Directions in Sociological Theory, Collier-Macmillan, 1972, especial
mente capítulo 5, sobre Teoria, Metodologia e Conceptualização.
2. Bryan Wilson (org.), Rationahty, Basil Blackwell, 1970, tem excelentes traba
lhos sobre o assunto
3. Para uma análise estimulante da ideologia e linguagem, ver Trevor Pateman,
Language, Truth and Politics (publicado por Jean Stround e Trevor Pateman,
notas 179
7. KarI Marx, Economic and Philosophic Manuscripts of 1844 (Dirk Struik, org.),
Lawrence & Wishart, 1973.
8. Para uma discussão desses assuntos, ver John Bartholomew, "Sustaining Hierarchy
through Teaching and Research", em M. Flude e J. Ahier (orgs.), EducabUity,
Schools and Ideology, Croom Helm, 1974. Bartholomew argumenta que é uma
caracteristica da pesquisa e do ensino não serem organizados de modo que seus
"sujeitos" não tenham uma oportunidade de indagar sobre a relevância do que
está sendo feito a eles.
8. Introdução ao Marxismo
1. Dawe diz que há duas Sociologias: a dos sistemas sociais se ocupa da ordem; essa
doutrina sustenta que os indivíduos não podem criar e manter a ordem, e por
tanto para que a sociedade exista é necessário a coerção. A sociedade deve defi
nir os significados sociais de seus membros para esses mesmos membros. A coer
ção torna-se total através da internalização, e a sociedade é autogeradora e auto-
mantenedora. A Sociologia da ação social ocupa-se do problema de como os
seres humanos podem reconquistar o controle sobre as instituições essencial
mente feitas pelo homem e as situações históricas. A ênfase recai sobre o homem,
que só compreende todo o seu potencial quando livre da pressão externa. Nessa
interpretação, o sistema social não é ontológica e metodologicamente anterior
aos participantes; a sociedade é a criação de seus membros. Para esse argumento,
de que a Sociologia desenvolveu-se à base do conflito entre ordem e controle, ver
Alan Dawe, "The Two Sociologies", em K. Thompson e J Tunstall (orgs.),
Sociological Perspectives, Penguin, 1971. Os que desejarem estudar a abordagem
da "ordem" poderão examinar com proveito os seguintes textos: R.A. Nisbet,
The Sociological Tradition, Heinemann, 1966; A. Giddens, Emile Durkheim:
Selected Writings, Cambridge University Press, 1972; A. Giddens, Capitalism and
Modern Social Theory, uma análise dos escritos de Marx, Durkheim e Max Weber,
Cambridge University Press, 1971; S. Lukes, Emite Durkheim, Penguin, 1973.
2. Ideology and the Development of Sociological Theory, Prentice-Hall, 1968,
pp. 83-108
3. Hcgel negava a realidade daquilo que os sentidos percebiam. Ele acreditava que
os sentidos realmente percebem alguma coisa — mas que é apenas a aparência,
não a realidade. Por isso, ele concluiu que somente os conceitos lógicos elabora
dos pela mente têm qualquer realidade. Isso tornou-se "A Mente", fora e inde
pendente da cabeça de qualquer pessoa. Ela então governava o desenvolvimento
do mundo e se desdobrava gradualmente através dos séculos. Hegel reuniu, de
maneira sistemática, uma história da dialética de muitas partes do mundo e
desenvolveu seu próprio sistema de Lógica segundo princípios dialéticos. O pri
meiro problema é o de perceber uma coisa que está em movimento. A dialética,
portanto, tem movimentos, e isso se refere àquilo que, num sistema, seria cha
mado de elemento ou fator. Outro problema é compreender o todo: pois este
tem de mover-se da superfície para a essência. Na superfície, há a aparência de
repouso e harmonia, de unidade unilateral imediata. Sob a superfície, há um
processo de conflito, de contradição violenta. Num certo ponto, há uma inver
são abrupta, como um salto, ou derrubada, em que o anterior é negado, a con
tradição subjacente é suspensa e o todo é transformado no seu oposto, com
identidades e contradições de uma ordem diferente e num nível superior. Esse
método — como apreender os todos como contradições — foi a maior das lições
que Marx aprendeu de Hegel. Marx, naturalmente, criticou o método de Hegel, e
"arrancou a concha mística da essência radical", mas utilizou a mesma estrutura
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182 notas
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notas 183
13. A Filosofia idealista, em sua forma kantiana, mostrou que o mundo da experiên
cia, proporcionado intuitivamente, não era algo final, mas o resultado das ativi
dades criadora e unificadora do sujeito. No pensamento alemão, a tendência
idealista continuou de Kant a Hegel, surgindo depois Feuerbach, cujo materia
lismo era a antítese abstrata do idealismo absoluto de Hegel. A principal obje
ção de Marx a Feuerbach e aos materialistas anteriores era que viam a Natureza
como um dado fixo, e o conhecimento como o espelho que a refletia. Marx ar
gumentou que a consciência não era um dado fixo, que momentos de conheci
mentos se modificam à medida que os homens entram em novas relações produ
tivas entre si e com a natureza física. O domínio prático da Natureza é a base do
desenvolvimento da capacidade de pensamento. A consciência, portanto, é uma
coisa que brota da história, e está sujeita à modificação histórica A relação entre
o homem e a natureza não é fixa nem teórica, mas prática e transformadora. As
sim, o rígido dualismo de idealismo e materialismo pode ser superado pelo con
ceito da prática. A vida social é essencialmente prática. O pensamento isolado
da prática, o pensamento que não é dirigido para a realização de tarefas práticas,
é simplesmente caprichoso — ou escolástico. A solução das contradições teóricas
só é possível através de meios práticos.
14 Engels era um materialista rigoroso, acreditando que "tudo o que é material é
real, e tudo o que é real é material” Ele deu ênfase ao fato de serem as Ciências
Naturais uma expressão, o instrumento, do progresso das forças de produção,
e acreditava que podia formular leis dialéticas fundamentais — coisa que, signifi
cativamente, Marx não procurou fazer. Numa interpretação muito favorável a
Engels, Bertell Ollman discute essas leis, a transformação da quantidade em qua
lidade, a penetração mútua de pólos opostos, o desenvolvimento através da con
tradição Ver seu Alienation, Cambridge University Press, 1971, pp. 52-61.
Engels parece-me não-dialético e positivista pelas razões que se seguem. Ele não
considerava o Homem e a Natureza como unidos principalmente pela prática his
tórica, e sim que o Homem só apareceu como produto da evolução. O Homem
era um reflexo passivo dos processos da Natureza, não uma força produtiva
Enquanto Marx via a Natureza e a história como interligadas, Engels acreditava
que o método da dialética materialista tinha duas áreas diferentes de aplicação.
(De maneira semelhante, uma distinção rígida foi estabelecida entre o materialis
mo dialético e o histórico, por Stalin, que insistia em que o primeiro se relacio
nava apenas com a Natureza, e o segundo apenas com a sociedade ) Na versão
de Engels, os momentos de dialética separam-se assim da situação histórica con
creta. Eles se reduzem às três "leis fundamentais” hipostatizadas, acima mencio
nadas Para Marx, porém, a relação entre Homem e Natureza é dialética; os ho
mens são sujeitos conscientes, que agem e transformam a natureza. Os homens
modificam sua própria natureza, à medida que vão progressivamente privando a
Natureza de sua estranheza e externalidade, à medida que medeiam a Natureza
através de si mesmos e fazem com que ela trabalhe para seus objetivos.
9. Alienação e Ensino
Hegel, mas rejeitou seu sistema. Ou, mais precisamente, criticou Hegel, e separou
a concha mística e o núcleo racional, utilizando, porém, a mesma estrutura bási
ca da argumentação. Por exemplo, Hegel começa sua Lógica com a abstração
mais geral, a mais elementar realidade, o "ser” puro indeterminado, e em segui
da mostra que ele é idêntico (com seu oposto) ao "nada" Marx na Introdução ao
Grundrisse, procede da mesma forma; começa com a produção material numa
sociedade e depois prossegue para o oposto, consumo, sem o qual a produção
não pode ser concebida. Ver Marx, Grundrisse. Penguin, 1973. p. 32.
3. Pensar racionalmente é outra maneira de conceber a categoria da totalidade, a
noção de que as partes ou elementos só podem ter significado em termos do
todo. É difícil pensar racionalmente porque uma totalidade não está nunca imó
vel, mas em constante estado de tensão, entre as partes e o todo, a estrutura e
a consciência, a economia e a cultura. Também devem ser considerados os efei
tos do crescimento da divisão do trabalho (ment '). Muito se precisa fazer nessa
área. Ollman discute as objeções levantadas pelos seus críticos no Apêndice ao
seu livro, pp. 256-62.
4. Karl Marx, Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, Lawrence & Wishart.
1973, p. 136.
5. Mesmo entre os marxistas há considerável debate sobre a natureza da dialética.
Ver, por exemplo, Radical Phitosophy, 14, verão de 1976, com artigos de Richard
Norman e Sean Sayers, e uma bibliografia sobre a dialética. Ver também Ollman,
op. cit., pp. 52-69.
6. "Sou social porque sou ativo como homem. Não só o material de minha ativida
de me é dado como um produto social (como até mesmo a linguagem na qual o
pensador é ativo): minha própria existência é atividade social, e portanto aquilo
que faço de mim mesmo o faço para a sociedade e com a consciência de mim
mesmo como ser social. . . Acima de tudo, devemos evitar postular ‘ Sociedade
como uma abstração em relação ao indivíduo. O indivíduo é o ser social." (Ver
Marx, Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, p. 137.)
Marx foi capaz de desenvolver suas categorias da Economia a partir da proprie
dade privada e do trabalho alienado: ver Economic and Philosophic Manuscripts
of 1844... O breve capítulo de 14 páginas, "Trabalho Alienado", é a base da
maioria dos escritos sobre a alienação. Outros ensaios importantes são sobre a
propriedade privada e o poder do dinheiro, havendo uma crítica da "Fenomeno-
logia" de Hegel. Marx argumenta que para Hegel a mente é a verdadeira essência
do Homem (que a religião, riqueza, etc., são apenas entidades espirituais). Se,
para Hegel, o Homem é a mente, então a alienação é alienação da autoconsciên
cia. Hegel não se afasta nunca, assim, de seu mundo de idéias. Na opinião de
Marx, Hegel só reconheceu o trabalho abstrato, o trabalho do pensamento e do
conhecimento. A alienação de Hegel só é transcendida no processo mental e ele
não vê que a transcendência deve ter suas raízes na prática humana. Marx, assim,
colocou o trabalho e a alienação no mundo real no qual vivemos, e tornou o
conceito abstrato historicamente concreto.
8 A diferença básica entre objetificação e alienação é a seguinte: objetificação é
o processo pelo qual uma vontade humana é transferida por uma atividade hu
mana para um material, resultando num objeto que encerra essa vontade e essa
atividade. Esse processo ocorre em todas as épocas e formas de sociedade. Aliena
ção. porém, refere-se ao modo específico de objetificação no qual o trabalhador
assalariado opera dentro da sociedade capitalista apenas, quando ele não tem
consciência de si mesmo e de seus atos. O termo não deve ser subjetificado ou
psicologizado. Não é um estado ou condição da mente, mas uma relação do pro
priedade. Ver o trabalho de Martin Nicolaus, em Paul Walton e Stuart Hall (orgs.),
notas 185
Situating Marx, Chaucer Pub. Co., 1972. Esse livro é uma valiosa introdução a
um estudo do G rundrisse, de Marx.
9. "Assim como os indivíduos expressam sua vida, assim também são. O que eles
são, portanto, coincide com a sua produção, com o que produzem e como pro
duzem." (The German Ideology, C.J. Arthur, org., Lawrence & Wishart, 1970.)
10. Esses temas são discutidos em dois livros de Hilary e Steven Rose (orgs.), The
Radicalisation of Science, Macmillan, 1976,e The Political Economy of Science,
Macmillan, 1976 Ver também Alfred Sohn-Rethel, "Science as Alienated
Conscrousness", em Radical Science Journal, n9s 2/3, 1975. Nesse contexto, a
obra dos Teóricos Críticos da Escola de Frankfurt é importante. As críticas das
ideologias como racionalidade instrumental e tecnicismo que reforçam uma cul
tura positivista podem ser encontradas nos trabalhos de Jurgen Habermas; ver o
ensaio "Technology and Science in Ideology", em Toward a Rationa! Society,
Heinemann, 1971, e "On Theory and Praxis in our Scientific Civilization", em
Theory and Practice, Heinemann, 1974.
11. Ivan lllich, DeschooHng Society, Penguin, 1973, especialmente capítulo 3;
Everett Reimer, School is Dead, Penguin, 1971, N. Postman e C. Weingartner,
Teaching as a Subversive Activity, Penguin, 1971. Uma coletânea útil é lan
Lister (org.), DeschooHng: A Reader, Cambridge University Press, 1974, que
contém extensa bibliografia. Para uma crítica dessas idéias, de uma perspectiva
marxista, ver o trabalho, nesse volume, de Herbert Gintis, "Towards a Political
Economy of Education", pp. 24-33.
12 Gintis faz essa observação. Ele considera a análise de lllich (mas não a sua descri
ção) como simplista, e seu programa como um desvio das complexas exigên
cias políticas da reconstrução revolucionária. Argumenta que a principal função
do ensino escolar não é necessariamente a reprodução das relações sociais de
consumo, mas, através do "currículo oculto", a reprodução das relações sociais
de produção. O sistema de educação se empenha em proporcionar uma força de
trabalho devidamente socializada e estratificada, lllich glorifica a empresa em
pequena escala, as instituições humanas "não-ad'tivas”, a libertação "individual",
mas tudo isso se baseia numa afirmação de um modelo "taissezJaire" do capita
lismo. Ele aceita as instituições económicas básicas que estruturam o poder de
decisão e, em última análise, rejeita a ação política. Gintis considera as opiniões
de lllich como uma afirmação de uma concepção individualista utilitária da hu
manidade. Sua sugestão é que devemos primeiro compreender as instituições
económicas básicas e sua operação, a maneira pela qual produzem os resultados
da alienação do trabalho, da comunidade fragmentada, da destruição do ambien
te, do fetichismo das mercadorias, e outras formas culturais alheadas, e em se
guida examinar como poderíamos superá-las através da ação política. A praxis
é, na realidade, uma de minhas principais preocupações neste livro — com fre
quência, a prática se torna uma espécie de apêndice externo à teoria. Mas a ques
tão que enfrentamos é a seguinte: Se os homens devem provar a verdade de seu
pensamento na prática, na praxis, quais serão os controles necessários? Talvez a
verdade ou falsidade de uma determinada teoria se estabeleça não dentro do
pensamento conceptual, mas da experiência. Esse critério da prática — que certa
mente não é uma forma de pragmatismo — não pode nunca confirmar ou refutar
qualquer idéia humana, totalmente. Esses problemas serão discutidos nos capí
tulos que se seguem.
13. Marx escreve que a necessidade de dinheiro é a verdadeira necessidade produzida
pelo sistema económico. Devemos tornar vendável, isto é, útil, tudo o que te
mos. é o uso que determina o valor de uma coisa.. . é o dinheiro, que surge
como um meio, que constitui o verdadeiro poder. Da mesma forma, as necessi
dades de qualificações, de certificados, podem ser vistas como a necessidade pro-
186 notas
duzida pelo moderno sistema de educação. Ver os ensaios de Marx, "O Signifi
cado das Necessidades Humanas” e "O poder do Dinheiro na Sociedade Burgue
sa”, nos Manuscritos Económicos e Filosóficos. ..
14. Algumas das características do processo de avaliação educacional, as notas (es
colares), são mencionadas em Howard Becker et a!., Making the Grade, Wiley,
1968, A. Ciccourel e J. Kitsuse, The Educational Decision-Makers, Bobbs-Mer-
rill, 1963; Nell Keddie, "Classroom Knowledge”, em Michael F.S. Yong, (org.),
Knowledge and Control, Collier-Macmillan, 1971. Keddie observa (p. 114):
"Como os alunos que são categorizados em termos de capacidade, o conheci
mento é categorizado em termos de sua suposta natureza hierárquica.” Uma
consequência disso é a maneira pela qual categorias de análise são oferecidas ou
negadas aos alunos.
15. Basil Bernstein, "On the Classification and Framing of Educational Knowledge”,
em M.F.D. Young (org.), Knowledge and Control. também em Bernstein, Class,
Codes and Control, vol. 1, 2? ed„ Routledge & Kegan Paul, 1974, p. 213. Ele
comenta que até mesmo o ritmo do conhecimento, a taxa de aprendizado espe
rada, se baseia na classe, pois está relacionado com a socialização da classe mé
dia. O ritmo do conhecimento lembra a noção de Marx de que toda Economia é
a Economia da época. Sua teoria do valor-trabalho define o valor como tempo
de trabalho socialmente necessário. As mercadorias têm valores porque absor
vem o tempo produtivo da sociedade. Para um estudo importante sobre a priva
ção cultural, ver Bernstein, "Education Cannot Compensate for Society”, em
B.R. Cosin et al. (orgs.), School and Society, 2? ed., Routledge & Kegan Paul,
1977, p. 65
16. Um trabalho considerável sobre as origens do "movimento de testes" foi reali
zado pelos historiadores americanos. Edgar Gumbert e Joel Spring, por exemplo,
argumentaram que o desenvolvimento dos testes de Ql foi socialmente ten
dencioso desde o inicio, tanto em termos da maneira pela qual eram validados
como em termos dos pressupostos que o seu elaborador tinha da sociedade. A me
dição da inteligência refletia os valores sociais dos testadores. As premissas fun
damentais do movimento eram que todos os homens não nasciam iguais, nem
era possível torná-los iguais. Seguia-se que somente os mais inteligentes deveriam
governar. A democracia passava, assim, a ser redefinida como a forma de organi
zação que permitia liberdade a homens de capacidade para atingir o poder. O
movimento dos testes, portanto, baseava-se no pressuposto fatalista de que pouco
se poderia fazer através da educação para erradicar as barreiras sociais e raciais.
A educação podia, porém, contribuir para tornar eficiente a máquina social —
podia classificar as crianças segundo suas futuras posições sociais. O fato de que
a classificação constituía um paralelo das linhas de classe e raça não preocupou
os elaboradores de testes. Edward Thorndike e Lewis Terman tinham essas idéias
elitistas, a concepção de inteligência (como a capacidade de resolver problemas
tecnológicos e científicos) desses dois psicólogos se enquadrava muito bem no
modelo da "sociedade eficiente". A "inteligência” era considerada como a capa
cidade de funcionar dentro de formas corporativas modernas de atividade, como
o exército, a fábrica e a escola (ver Gumbert e Spring, The Super-school and the
Superstate: American Education in the Twentieth Century, Wiley, 1974). Além
de analisar as suposições do movimento de testes, e como o processo de classifi
cação e canalização dos estudantes para um papel social específico numa socie
dade "eficiente” tornou-se um dos principais objetivos sociais da escola, os au
tores discutem também a juventude e o papel custodiai da escola, e as variáveis
necessidades do capitalismo empresarial A crítica mais ampla á hereditariedade
do Ql é de Leon Kamin, The Science and Politcs of IQ, Pengum, 1977. Mas não
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notas 187
Louis A Lthusser, For Marx, Penguin, 1 969, p. 35. (Edição brasileira A Favor de
Marx, 2? ed., Rio, Zahar, 1979]; Althusser e Etienne Balibar, Reading Capital,
New Left Books, 1970, p. 17. [Edição brasileira, Ler O Capital, Rio, Zahar,
19791
2. Louis Althusser, Lenin and Philosophy and Other Essays, New Left Books,
1 971. Também em B.R. Cosin (org.), Education: Structure and Society, Penguin,
1972.
3 Para Althusser, o papel que os indivfduos humanos desempenham na história
como indivíduos é o de materializações do processo, não como seus sujeitos.
Isso não significa que ele negue o papel da organização ou atividade política.
Althusser ressalta que não existe o indivfduo como tal, mas que cada modo de
produção cria seu próprio modo de individualidade. Para a ligação desse concei
to da história como um processo sem sujeito e a teoria da ideologia, ver Alex
Callinicos, Althusser's Marxism, Pluto Press, 1976, p. 66.
4 "A Filosofia liberal pragmática de Dewey e Hook operou dentro de uma estru
tura burocrática e, com efeito, transformou todas as questões morais num pro
blema tático de sobrevivência. O pragmatismo, como Filosofia, estava admiravel
mente adequado para facilitar um Estado burocrático crescente. . . O liberalismo
pragmático americano, quando livre de sua ética humanitária limitadora e redu
zido a um operacionismo frio e duro, aproximou-se perigosamente de uma pers-
pectativa fascista do pensamento e da ação" (Clarence Karier, Shaping the
American Educational State, Free Press, 1975, pp. 82-3).
5. C.J. Karier, P. Violas e J. Spring, Roots of Crisis, Rand McNally, 1973, p. 99.
6. Ibid , p. 123.
7 Ibid , p. 4.
8. Ibid., p. 5.
9. Routledge & Kegan Paul, 1976.
10 O livro de Braverman é uma destacada contribuição para uma área muito esque
cida: o processo de trabalho. Ele observa: "Não há um trabalho continuado na
tradição marxista sobre o modo de produção capitalista à maneira pela qual
Marx o tratou no primeiro volume de O Capital" (Labour and Monopoly Capi
tal, Monthly Review Press, 1974, p. 9). (Ed. bras.: Trabalho e Capita! Monopo
lista, 2? ed., Zahar, 1980.]
11. Scientific Management, Nova York e Londres, 1947.
12. Braverman, op. cit., p. 439. Outros livros úteis sobre o trabalho são: Huw
Beynon, Working for Ford, Penguin, 1973; The Labour Process ano Class Stra-
tegies, Conference of Socialist Economists Pamphlet no. 1; André Gortz (org.),
Essays on the Division of Labour, Harvester Press, 1976. Um ensaio de Gortz,
"Technical Intelligence and the Capitalist Division of Labour" encontra-se em
Michael F.D Young e Geoff Whitty (orgs.) Society, State and Schoohng,
Falmer Press, 1977.
188 notas
Capitalism, New Left Books, 1975. [Ed. bras : As Classes Sociais no Capitalismo
de Hoje, Zahar, 2? ed., 1 978. ]
5. Estou pensando em Althusser, que sugere que toda sociedade está constituída de
níveis, grupos de práticas. A infra-estrutura, ou base económica, consiste nos
meios de produção, nas forças produtivas e nas relações de produção. A supe
restrutura consiste no Estado e suas instituições (os aparelhos repressivo e ideo
lógico do Estado) e na ideologia. A superestrutura tem "relativa autonomia”
em sua relação com a base, e age reciprocamente sobre ela. Não há apenas uma
contradição (entre trabalho e capital); na totalidade estrutural há a possibilida
de de uma multiplicidade de contradições que se podem relacionar mutuamente
de maneiras complexas. Uma situação como a da Revolução de 1917, portanto,
depende de uma acunjulação de contradições. O enfoque é afastado da econo
mia como o único ponto de contradição, pois há muitas outras contradições in
ternas em níveis particulares da formação social. Para introduções simpáticas
ao projeto de Althusser, ver Robin Blackburn e Gareth Stedman Jones, "Louis
Althusser and the Struggle for Marxism", em Dick Howard e Karl Klare (orgs.),
The Unknown Dimension, Basic Books, 1972, que contém excelentes estudos
sobre os marxistas europeus, desde Lénin. Ver também Goran Therborn, Science,
Class and Society, New Left Books, 1976, pp. 50-60.
6. Um dos problemas, ao estudarmos idéias, é: Como impedir o estudo da ideologia
(que pode ser uma crítica do idealismo) de se tornar ele mesmo um idealis
mo? No momento, não há uma teoria plenamente satisfatória da ideologia. Al
thusser, por exemplo, formulou uma nova teoria da ideologia. Ele a consi
dera como uma série de representações ilusórias da realidade, que expressam
a relação imaginária dos homens com as suas condições de existência, e ine
rentes à sua experiência imediata. A ideologia é o meio inconsciente da expe
riência vivida, um meio vivido de ilusão, é permanente e imutável porque sua
função, em todas as sociedades humanas, é unir as pessoas. A ideologia, o con
junto de falsas crenças e erros, constitui os indivíduos como "sujeitos” da so
ciedade, de modo a assegurar-lhes sua sujeição real à ordem social, como seus su
portes cegos. Em todo período da história, a ideologia adapta as pessoas às posi
ções objetivas que lhes são atribuídas pelo "modo de produção" dominante.
Porque dá uma coesão social vital, "o materialismo histórico não pode conceber
que mesmo uma sociedade comunista pudesse jamais passar sem ideologia"
(L. Althusser, For Marx, Penguin, 1969, p. 232). Em que proporções essa abor
dagem althusseriana da ideologia está em oposição conceptual com a noção
marxista, mais familiar? Ver P.Q. Hirst, Problems and Advances in the Theory
of Ideology, Communist University of Cambridge Pamphlet, 1975, P.Q. Hirst,
”Althusser's Tfteory of Ideology", Economy and Society, 5 (4), novembro de
1976. Parece que Barry Hindess e Paul Q. Hirst rejeitam agora a análise de classe.
Eles argumentam que os fenômenos económicos, políticos e culturais são com
pletamente autónomos, que as relações entre eles são contingentes e não passí
veis de análise de classe. Para leituras críticas de vários teóricos importantes da
ideologia, como Lukács, Gramsci, Althusser e Poulantzas, ver On Ideology,
Working Papers in Cultural Studies, n9 10, 1977. [Ed. bras. Da Ideologia,
Zahar, 1980.]
7. O anti humanista teórico mais conhecido (e que nada tem a ver com o humani-
tarismo) é Althusser. Suas contribuições, muito significativas, sofreram pesadas
críticas, como, por exemplo, em Perry Anderson, Considerations on Western
Marxism, New Left Books, 1977. Textos críticos de Norman Geras e André
Glucksman estão incluídos em Western Marxism: a Critica! Reader, New Left
Books, 1977. Ver também Michael Erben e Dennis Gleeson, "Education as Re-
notas 191
production", em Michael F.D. Young e Geoff Whitty (orgs.), Society, State and
Schooling, Falmer Press, 1977. Devemos notar que Althusser é rigorosamente
crítico de sua própria obra — como se vê pelos Essays in Self-Criticism, New
Left Books, 1976.
8. Ver, por exemplo, Alfred Sohn-Rethel, "Mental and Manual Labour in Marxism",
em Paul Walton e Stuart Hall (orgs.), Situating Marx, Chaucher Pub. Co., 1972;
"Intellectual and Manual Labour", em Radica! Phitosophy, 6, inverno de 1973.
9. Precisamos saber mais sobre como as sociedades capitalistas se reproduzem.
Num livro curto como este, tive de ser seletivo e omitir teóricos importantes da
reprodução social como Bernstein e Bourdieu. Ver, por exemplo, o trabalho
"Class and Pedagogies' Visible and Invisible", em Basil Bernstein, Ctass, Codes
and Control, vol. 3, Routledge & Kegan Paul, 1975; Pierre Bourdieu e Jean-
Claude Passeron, Reproduction: In Education, Society and Cu/ture, Sage Publi-
cations, 1977. Outro livro que trata de como as formações sociais tendem a se
reproduzir, de diferentes modos de dominação, e de uma teoria do poder sim
bólico, é Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice, Cambridge University
Press, 1977 Um ensaio de Bourdieu sobre o poder simbólico foi incluído em
Denis Gleeson (org), Identity and Structure: /ssues in the Sociology of Educa
tion, Nafferton Books, Nafferton, Driffield, 1977.
10. Segundo Bowles e Gintis, o sistema educacional reflete a economia. Enquanto
eles acreditam numa teoria de correspondência, que resulta num reducionismo
grosseiro, eu argumento que há uma certa autonomia entre os agentes do capi
tal e as exigências do mercado de trabalho. O que precisamos saber é: quais são,
precisamente, as articulações entre a família, o ensino escolar a indústria e o
Estado? Quero sugerir que é necessário focalizar os aspectos da teoria marxista
que não são desenvolvidos no trabalho de Bowles e Gintis. Há uma necessidade
de teorização nas "regiões" da ideologia, reprodução, classe e Estado.
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MADAN SARUP, atualmente professor de so
ciologia no Goldsmith's College da Universi
dade de Londres, lecionou artes durante 12
anos numa escola secundária, e em seguida
foi professor, durante três anos, em escolas
de crianças e adolescentes. Comprometido
com uma transformação radical da educação,
o autor ressalva que esse comprometimento
não implica uma visão doutrinária, estática,
tratando-se, ao contrário, de um engajamen
to amplo com um princípio moral e político
como a criação de um mundo mais aceitável,
que pode achar-se num estado de fluxo e em
evolução contínua.
ZAHAR EDITORES
a cultura a serviço do progresbc
RIO DE JANEIRO