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Experimentações didáticas em

educação científica e matemática para


Crianças

Claudia Lage Rebello da Motta


Cristiano Alberto Muniz
Gilberto Lacerda Santos
Iara Regina Nocentini André Loyola
João Victor Pereira
Jorge Cássio Costa Nóbriga
Maria Fernanda Farah Cavaton
Monique Aparecida Voltarelli (organizadora)
Regina da Silva Pina Neves (organizadora)
Monique Aparecida Voltarelli
é professora adjunta da Faculdade
de Educação da Universidade de
Brasília e pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa Sociologia
da Infância e Educação Infantil
(GEPSI) na Universidade de São
Paulo. É formada em Pedagogia
pela Universidade Federal de
Uberlândia, tem mestrado em
Educação pela Universidade
Federal de São Carlos e doutorado
pela Universidade de São Paulo.
Realizou doutorado sanduíche sobre
o campo dos Estudos Sociais da
Infância na Espanha, na Universidad
Complutense de Madrid e foi
pesquisadora visitante na Faculdade
de Ciências Sociais, na Universidade
de Stirling- Escócia. Atuou como
professora de Educação Infantil nas
Redes Municipais de Uberlândia e
São Carlos no período de 2008 a
2018, quando também trabalhou
com formação de professores no
curso de Pedagogia UAB – UFSCar.
Atualmente é afiliada ao CI 17
- Sociología de la Infancia da
Federación Española de Sociología.
Experimentações didáticas em
educação científica e matemática para
Crianças
Claudia Lage Rebello da Motta
Cristiano Alberto Muniz
Gilberto Lacerda Santos
Iara Regina Nocentini André Loyola
João Victor Pereira
Jorge Cássio Costa Nóbriga
Maria Fernanda Farah Cavaton
Monique Aparecida Voltarelli (organizadora)
Regina da Silva Pina Neves (organizadora)
Copyright © 2019 by VIVA Editora

Projeto Gráfico
Maylena Clécia

Editoração eletrônica
Didier Max

Ilustrações
Maylena Clécia

Revisão
Débora Diersmann Silva Pereira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, Brasil)

Todos os direitos desta edição reservados à VIVA Editora


www.vivaeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de Acordo com ISBD

EXPERIMENTAÇÕES didáticas em educação científica e matemática para crianças pequenas /


Monique Aparecida Voltarelli, Regina da Silva Pina Neves (organizadoras) -- Brasília: Viva Editora,
2019.
191 p., il.: color.

ISBN 978-85-63520-19-7

1. Educação 2. Educação Básica 3. Processo de Aprendizagem 4. Pedagogia 5. Matemática
6. Ensino Infantil 7. Didática I. Monique Aparecida Voltarelli (Org.) II. Regina da Silva Pina
Neves (Org.) III. Claudia Lage Rebello da Motta IV. Cristiano Alberto Muniz. V. Gilberto Lacerda
Santos VI. Iara Regina Nocentini André Loyola VII. João Victor Pereira VIII. Jorge Cássio Costa
Nóbriga IX. Maria Fernanda Farah Cavaton
Experimentações didáticas em
educação científica e matemática para
Crianças

Claudia Lage Rebello da Motta


Cristiano Alberto Muniz
Gilberto Lacerda Santos
Iara Regina Nocentini André Loyola
João Victor Pereira
Jorge Cássio Costa Nóbriga
Maria Fernanda Farah Cavaton
Monique Aparecida Voltarelli (organizadora)
Regina da Silva Pina Neves (organizadora)

Brasília, 2019
Prefácio

Caro leitor,

O título deste livro Experimentações didáticas em educação científica e


matemática para crianças expressa, de início, a intenção das organiza-
doras em pôr em questão um conjunto de elementos que configuram
o interesse pela educação científica e matemática da escola de hoje.
Entretanto, a palavra-chave desse título é crianças, assim mesmo, no
plural. Pois, não se pode falar de uma criança no singular, genérica,
para a qual intencionalidades ditadas por diretrizes curriculares para
a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental
se impõem com força de prescrição e enquadramento, independente-
mente de suas histórias e contextos socioculturais. Podemos sim falar
de crianças singulares, que fazem a multiplicidade da infância, mul-
tiplicidade essa carregada de diferenças, de experiências de vida, de
fantasia, de pensamento, linguagens, criatividade, vontade de brincar,
enfim, falamos de crianças sendo crianças no seu direito à infância.
Na escola, esse modo de ser da infância estimula, desafia e ressignifi-
ca intencionalidades docentes. Quando as crianças são pequenas ou
mesmo quando já não são tão pequenas e frequentam os anos iniciais
da escolarização, a relação cuidadosa entre o que, na escola, se esta-
belece como direitos de aprendizagem dessas crianças e o seu próprio
direito à infância é o motor da ação pedagógica na escola. O direito
ao conhecimento não se separa do direito de ser criança, nem a este
se sobrepõe.

Há décadas a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças têm


sido objeto de interesse e preocupação dos educadores, dos pais e
da sociedade em geral, em nome de uma educação para todos e da
formação de cidadãos. Com a promulgação da Lei n. 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação) efetiva-se, de lá para cá, um processo de
institucionalização da obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos e de
alteração da duração de nove anos1 para o Ensino Fundamental, com
matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade e não mais a partir
dos sete anos. Com essa mudança, passou a coexistir no mesmo espaço
físico e temporal as lógicas da educação infantil e do ensino fundamental
(SANTOS, 2014). A implementação dessa mudança na escola requer,
portanto, uma gestão pedagógica atenta, para que se evite a antecipa-
ção do currículo da escola de oito na escola de nove anos, agravando e
perpetuando dificuldades com o ensino e aprendizagem, especialmente,
em matemática, herdadas da escola de oito anos.

Faz parte desse processo de institucionalização da educação para as


crianças a produção de diretrizes, de referenciais, parâmetros e bases
curriculares que, por um lado, fomenta o debate de ideias, fruto de es-
tudos e pesquisas que tomam o currículo e a infância como objetos. Por
outro lado, essa produção é utilizada como subsídio às práticas escolares
que tomam as crianças como sujeitos. Dessa dupla dimensão, conside-
ra-se que há avanço no campo das ideias pedagógicas relativas à edu-
cação das crianças e, ao mesmo tempo, não há, necessariamente, re-
novação de práticas escolares consagradas com alcance bem limitado.

Este livro reúne textos de um grupo de docentes pesquisadores/as com-


pondo um painel temático relativo ao ensino e aprendizagem de no-
ções de Ciências e Matemática voltado para crianças e que dão sentido
à expressão Experimentações didáticas, utilizada no título desta obra,
para se referirem a possibilidades interessantes, originais, entre muitas
outras, de trabalho com noções em dois domínios de conhecimento e
relevância reconhecida pelos autores/as e recorrentemente abordados
nos documentos curriculares oficiais.

1
Lei Federal n. 11.274/2006.
Tomando os/as professores/as das crianças como gestores/as impres-
cindíveis da sala de aula, os textos discorrem sobre um amplo espectro
de questões que se referem explícita ou tacitamente a: uma pedagogia
da infância; escola de nove anos; direitos de aprendizagem; impor-
tância de se trabalhar com essas noções nos anos iniciais da escola;
metodologias de ensino; tomadas de decisões para o andamento do
trabalho em sala de aulas, em laboratórios, mediados ou não por tec-
nologias de informação e comunicação, enfim, sobre a pertinência de
orientações curriculares para crianças da educação infantil e dos anos
iniciais do ensino fundamental.

Recomendo fortemente a leitura, discussão e análise reflexiva dos textos


que compõem esta obra. Pode-se considerar que os diferentes auto-
res trazem elementos importantes da produção recente nas áreas de
Educação Matemática e Educação em Ciências, com possibilidades de
inspirar práticas escolares que considerem as crianças como sujeitos
que interagem entre si e com o mundo, dotados/as de experiências, de
ideias, curiosidades e interesses.

Que você tenha, como eu tive, uma ótima leitura!

Vinício de Macedo Santos

Faculdade de Educação da USP

Referência
SANTOS, V. de M. Ensino de Matemática na escola de nove anos: dúvidas,
dívidas e desafios. São Paulo: Cengage Learning, 2014.
Sumário

Capítulo 1.....................................................................12
As crianças pequenas e os processos de aprendizagens: contri-
buições da pegagogia da infância
Monique Aparecida Voltarelli

Capítulo 2.......................................................................42
Toda criança aprende as matemáticas: cada criança é um ser
matemático
Cristiano Alberto Muniz

Capítulo 3........................................................................94
Educação Científica, Tecnológica e Matemática: um estudo junto a
estudantes do Programa Infantojuvenil da Universidade de Brasília
Regina da Silva Pina Neves

Capítulo 4...................................................................118
Alguns exemplos de atividades matemáticas na plataforma
GeoGebra para estudantes dos anos iniciais
Jorge Cássio Costa Nóbriga
João Victor Pereira

Capítulo 5......................................................................142
A aprendizagem de conceitos científicos por crianças pequenas
mediada por um software lúdico-educativo
Maria Fernanda Farah Cavaton
Gilberto Lacerda Santos

Capítulo 6......................................................................170
Observar, comparar e pensar fora da caixinha: o despertar do
pensamento científico
Claudia Lage Rebello da Motta
Iara Regina Nocentini André Loyola
Capítulo 1

As crianças pequenas e os processos


de aprendizagens: contribuições da
pedagogia da infância

Monique Aparecida Voltarelli


Faculdade de Educação, Departamento de Métodos e Técnicas -
Universidade de Brasília - UnB
moniquevoltarelli@yahoo.com.br

“Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde cada um estudas-


se com todo o gosto e vontade o que traz na cabeça e não o que está
escrito nos manuais.”
Mário Quintana – Baú de Espantos

Assim como o poeta, o pedagogo e educador italiano Loris Malaguzzi


nos relembra a importância de seguirmos as crianças e não os planos
e manuais, pois as crianças, nas suas diferenças e diversidades, são
completas e capazes de sentir, pensar, emocionar-se, imaginar, pesqui-
sar, inventar, criar, etc., elas são agentes sociais e produtoras de cultura.

As crianças pequenas solicitam aos educadores uma pedagogia sus-


tentada nas relações, nas interações e em práticas educativas intencio-
nalmente voltadas para suas experiências cotidianas e seus processos
de aprendizagem no espaço coletivo, diferentemente de uma inten-
cionalidade pedagógica voltada para resultados individualizados nas
diferentes áreas do conhecimento (FARIA, 2005).

Conforme pontuam Quinteiro e Carvalho (2007), é necessário co-


nhecer a criança que está no aluno com base na análise de suas

13
representações sociais, buscando ouvi-la a respeito de como pensa
o mundo e a escola. A concepção de escolarização como algo sério,
formal e disciplinador não deixa espaço para o livre, o inesperado e o
transformador. Antes de pensar no brincar como eixo para o trabalho
com as crianças, faz-se necessário repensar o sentido das práticas
pedagógicas presentes nas instituições escolares, bem como intro-
duzir os direitos da criança de participar, brincar e aprender como
conteúdos formativos que devem ser ensinados também na escola
(QUINTEIRO; CARMINATI, 2012).

Os estudos sobre a infância vêm valorizando a singularidade das crian-


ças e seus modos próprios de ser e pôr-se no mundo, o que as difere
dos adultos. Kramer (2006) destaca que as crianças, em suas formas
próprias de expressão, socialização, com suas especificidades e diver-
sidades, é requisito fundamental para a concepção de criança como
produtora e reprodutora de culturas. Já Faria (1999, p. 196) sublinha
que os desafios da educação em geral e da criança pequena, em par-
ticular, estão em como garantir que a criança seja criança, “construa
conhecimentos e a cultura infantil, e aprenda outros conhecimentos, de
outras culturas, preparando-se para continuar criando (sem esconder
seu lado criança) como aluno, como adulto, em um mundo de diversi-
dade, antagonismos e contradições.”

Assim, a dimensão que os conhecimentos assumem na educação dos


pequenos coloca-se numa relação extremamente vinculada aos pro-
cessos gerais de constituição da criança: a expressão, o afeto, a socia-
lização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia, o imaginário,
a ludicidade. Nesse sentido, pensar nos processos de construção do
conhecimento das crianças remete a compreendê-las como seres hu-
manos concretos e reais, que pertencem a diversos contextos sociais,
culturais, geográficos que são constitutivos de suas infâncias. Esse en-
tendimento tem exigido dos profissionais da educação que conheçam

14
CAPÍTULO 1

as crianças, e as formas como se relacionam com o mundo, conside-


rando suas diversas linguagens1 e formas de expressão.

As crianças são sujeitos sociais e históricos marcados pelas condi-


ções e contradições das sociedades em que estão inseridas. Elas não
se resumem ao que se tornarão (quando forem adultas), pois já são
sujeitos de direitos, cidadãs, atores sociais, que devem ser respeitadas
em suas particularidades e especificidades.

A imaginação, a fantasia, a criação, o lúdico, a brincadeira são formas


de experimentar a cultura, nesse sentido, as crianças produzem cultura
e nela são produzidas, sendo que esse modo de compreendê-las busca
valorizar seus pontos de vista. Sendo assim, para favorecer as brinca-
deiras, as criações e produções culturais das crianças, as instituições es-
colares precisam oferecer condições que garantam o tempo e o espaço
para vivenciar experiências que enriqueçam e ampliem o repertório
cultural dos pequenos.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil


(DCNEI) (BRASIL, 2013), a criança deve ser o centro do planejamento
curricular, tendo na interação e nas brincadeiras elementos principais
para seu desenvolvimento e aprendizagem, de forma a considerar as

relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabe-


lecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e con-
textos culturais nos quais se insere. Nessas condições ela faz amizades,
brinca com água ou terra, faz-de-conta, deseja, aprende, observa,
conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo
e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo cultura. O conheci-
mento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o nas-
cimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse

1
Linguagem é compreendida em um sentido amplo para “compartilhar sentidos e comunicar significados, ou
seja, de leitura, de interpretação, de expressão e de produção de significados simbólicos e não no sentido res-
trito de linguagem verbal, oral ou escrita.” (BARBOSA, 2009, p. 85).

15
processo volta-se para conhecer o mundo material e social, amplian-
do gradativamente o campo de sua curiosidade e inquietações, me-
diada pelas orientações, materiais, espaços e tempos que organizam
as situações de aprendizagem e pelas explicações e significados a que
ela tem acesso. (BRASIL, 2013, p. 86).

As crianças pertencem a uma classe social e são partes de grupos,


de comunidades, sendo que suas brincadeiras expressam esse per-
tencimento. O reconhecimento da diversidade cultural, das desigual-
dades econômicas, dos costumes implica práticas educacionais que
garantam o direito das crianças à brincadeira, ao conhecimento, ao
cuidado, ao afeto e a interações saudáveis (ROCHA, 2007).

Importante dizer que é na singularidade e não na padronização de


comportamentos e ações que as crianças, em suas interações com o
mundo sociocultural e natural, vão elaborando e construindo os seus
conhecimentos (CORSINO, 2007). Esse pressuposto destaca a impor-
tância da observação e do olhar atento para as crianças nos pro-
cessos de significação e interação, o que permitirá conhecer os seus
interesses, os saberes que estão sendo apropriados por elas, assim
como os elementos culturais do grupo social em que estão imersas.
A partir daí sugere-se o desenvolvimento de atividades pedagógicas
que tenham as crianças como foco, não apenas na educação infantil,
mas também em todas as demais etapas da educação básica.

Rosemberg (1976) questionava o adultocentrismo como invisibilizador


das crianças, colocando-as como receptoras do ensinamento adulto.
Superar o adultocentrismo, oferecer oportunidades de participação e
colaborar para a valorização das culturas infantis se tornam outros
desafios para não institucionalizar, escolarizar e padronizar o ensino
para as crianças. O que os pequenos necessitam é justamente de um
trabalho que rompa com essas práticas institucionais tradicionais, que

16
CAPÍTULO 1

olhe e promova a escuta sensível para compreender que a linguagem


está além do que é dito e ensinado, que os corpos e o movimento
produzem significados de acordo com as experiências relacionadas
ao universo sociocultural e que não devem ser silenciadas nas escolas
(ABRAMOWICZ; MORUZZI, 2010).

Conhecer as crianças implica tempo, observação, sensibilidade, as-


sim como o desenvolvimento de práticas que articulem o que elas
já sabem com as diferentes áreas do conhecimento. Além disso, de-
manda dos profissionais da educação a elaboração de propostas pe-
dagógicas flexíveis, abertas ao novo e ao imprevisível, pois ouvir as
crianças demanda considerar suas falas, seus pontos de vistas, inte-
resses, percepções, curiosidades e produções para promover, confor-
me pontua Benjamin (1986), saltos de conhecimentos e saberes, não
apenas sobre os elementos da proposta curricular, mas também do
mundo social, físico e natural.

Para isso, o exercício e a prática da escuta das crianças possibilita per-


seguir a compreensão de seus modos de sentir, pensar, fazer, pergun-
tar, desejar, planejar, sendo também uma maneira de se aproximar
de suas perspectivas, das situações conflitantes, das cooperações, das
interferências e das alegrias provocadas quando um grupo de crian-
ças se encontra (OSTETTO, 2000, 2008). A observação e o registro
dos processos de aprendizagem das crianças significam notar o sen-
tido das suas ações, tendo em vista planejar o cotidiano não somente
para elas, mas que seja elaborado com elas (WARSCHAUER, 1993).

Assim, a organização do trabalho pedagógico da escola, enquanto


tarefa dos professores, coordenadores, supervisores, diretores, dentre
outros, deve pautar-se pelas especificidades, potencialidades, sabe-
res, limites para a cidadania, autonomia para aprender e vivenciar
diversas experiências que contribuam para a formação das crianças
17
(OLIVEIRA, 1999). A forma como cada escola percebe e concebe as
potencialidades e necessidades das crianças reflete diretamente na or-
ganização do trabalho escolar.

As autoras Corsino (2007) e Nery (2007) propõem que as linguagens


verbais, artísticas, científicas, sejam articuladoras das práticas multidis-
ciplinares, por meio da expressão corporal, gráfica e plástica, oral, e
registros escritos, tendo como grande potencializador e articulador de
linguagens o trabalho com projetos. Nessa perspectiva, Kramer, Nunes
e Carvalho (2011) propõem a organização do trabalho docente em
três dimensões, que constituem a cultura humana, e que são denomi-
nadas por Bakhtin (2003) de conhecimento, arte e agir estético; por
Vygotsky (2009) de conhecimentos científicos, artísticos e espontâneos
ou vivenciais; e por Benjamin (1986), de dimensões epistemológicas,
estéticas e ética do conhecimento. Garantir a formação dos professores
e gestores que atuam com as crianças na educação infantil e no ensino
fundamental, considerando essas dimensões, coloca-se como grande
desafio, segundo a autora.

Mediar essas relações é uma tarefa desafiadora para as instituições


escolares, assim como a escolha dos conteúdos, temas, propostas
metodológicas que se aproximem das crianças, pois conforme res-
salta Corsino (2007, p. 59), entender como as crianças aprendem
implica “entendermos que o conhecimento é uma construção cole-
tiva e é na troca dos sentidos construídos, no diálogo e na valoriza-
ção das diferentes vozes que circulam nos espaços de interação que
a aprendizagem vai se dando.” Além disso, demanda considerar o
brincar como componente desse processo (FARIA, 2005), compreen-
dido como um modo de ser, estar e aprender o mundo, levando em
conta a função humanizadora da cultura e sua contribuição para a
formação das crianças.

18
CAPÍTULO 1

A Pedagogia da Infância

“Os gregos diziam que a maravilha é o início do saber e quando para-


mos de maravilhar-nos, corremos o risco de parar de saber.”
Ernst H. Gombrich

De acordo com Nascimento (2016), uma nova concepção de infância


se forma a partir de três movimentos durante a segunda metade do sé-
culo XX, os quais contribuíram para a compreensão das crianças como
sujeitos de direitos e atores sociais.

O primeiro movimento refere-se à legislação internacional e nacional


(Constituição Federal de 1988; Convenção dos Direitos das Crianças,
1989; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, 1996), que institui os direitos das crianças
e as reconhece como sujeitos; o segundo relaciona-se à repercussão
da pedagogia das relações praticadas e difundidas pelas instituições
de educação infantil do norte da Itália (MALAGUZZI, 1999; RINALDI,
1999, 2007); e o terceiro envolve a constituição do campo científico
da Sociologia da Infância em países da Europa e dos Estados Unidos
(CORSARO, 1979; JENKS, 1982; QVORTRUP, 1987).

Pautada na Convenção dos Direitos das Crianças (1989), a pedagogia


da infância considera a criança como um sujeito de direitos – a provisão,
a proteção e a participação social –, e reconhece que a criança tem direi-
to: de ser consultada e ouvida; de ter acesso à informação, à liberdade
de expressão e de opinião; de tomar decisões em seu benefício; e de seu
ponto de vista ser considerado. Assim, colocou-se como essencial para
as instituições educativas garantir os direitos das crianças, considerando
-as agentes de suas aprendizagens, além de considerar a sua participa-
ção nas decisões relativas ao processo educativo, retirando-as do lugar
de espera de participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007).

19
Em texto precursor por uma pedagogia da infância, Eloisa Rocha, em
2001, esclarece que enquanto a escola tem como sujeito o aluno e
como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, por inter-
médio da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações
educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como
sujeito a criança de 0 a 5 anos de idade. A partir dessa consideração,
estabelece-se um marco diferenciador das instituições educativas, ten-
do em vista a função que lhes é atribuída no contexto social, sem definir
uma diferenciação hierárquica ou qualitativa entre as etapas de ensino.

Nessa direção, Cerisara (2004) aponta que o uso do termo educar


no contexto da educação infantil é mais apropriado do que o termo
ensinar, por ter um caráter mais amplo que o segundo, porque, em
geral, refere-se mais diretamente ao processo ensino-aprendizagem
no contexto escolar.

As contribuições do pedagogo italiano Danilo Russo (2007, 2008,


2009) apontam para o entendimento de que professor na educação
infantil não ensina, nem dá aulas, mas, com intencionalidade edu-
cativa planeja, organiza e coloca à disposição das crianças tempos,
espaços e materiais para que favoreçam provocações à imaginação
e desafios ao raciocínio, dando asas à curiosidade, proporcionando
espanto, descoberta, maravilhamento e todas as formas de expressão
nas mais diferentes intensidades (MALAGUZZI, 1999).

A pedagogia da infância compreende, portanto, a apropriação cultural


e os processos de aprendizagem como fruto da relação social (BAR-
BOSA, 2010), compartilhada de significados coletivos, que propõem
ações pedagógicas pautadas nas interações, brincadeiras, ludicidade,
linguagens, de forma que estejam vinculadas aos conhecimentos das
artes, da cultura, da ciência e da tecnologia, conforme previsto nas
DCNEI em 2009.

20
CAPÍTULO 1

A ação pedagógica com os pequenos

A ação pedagógica refere-se a um ato educativo intencional, resul-


tado do pensamento, do planejamento, das problematizações, dos
debates e das avaliações, explicitando as escolhas pedagógicas da
instituição e de seus profissionais, configurando uma pedagogia
(BARBOSA, 2006).

A pedagogia também é definida na consideração dos modos de edu-


car articulados entre saberes, fazeres, pensares, sentires, os quais in-
dicam o caminho a ser traçado com as crianças (ROSSETTI-FERREIRA
et al., 2009). Entretanto, Barbosa (2009) nos lembra de dois aspectos
fundamentais, que nem sempre estão explícitos nas proposições edu-
cativas: primeiramente, o fato de que nem todas as ações, por mais
intencionais que sejam, podem, efetivamente, garantir a aprendiza-
gem simultânea em todas as crianças e, em segundo lugar, a clara
evidência de que nem todas as aprendizagens acontecem somente
porque houve uma intencionalidade pedagógica.

Para realizar um trabalho direcionado aos pequenos, as autoras Bon-


dioli e Mantovani (1998) sugerem a didática do fazer, a qual envolve
bases de experiências bem-sucedidas, de forma a garantir apren-
dizados significativos e contextualizados. Segundo as autoras, três
elementos importantes precisam ser considerados: a ludicidade, a
continuidade e a significatividade das experiências, os quais podem
incentivar nas crianças a exploração e a transformação do ambiente.

O primeiro elemento é a ludicidade, justamente pelo fato de valorizar


a singularidade da infância, a fim de favorecer a liberdade para os
processos de descobertas dos pequenos, instigando a ato criativo, o
prazer em aprender e a combinação entre fantasia e realidade por
meio de jogos e brincadeiras.

21
O brincar para as crianças é uma das formas para compreender o
mundo ao seu redor, constituindo-se como uma atividade humana
criadora, na qual “imaginação, fantasia e realidade interagem na
produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de
ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações
sociais com outros sujeitos, crianças e adultos.” (BORBA, 2007, p. 35).

Corsaro (2011) pontua que as crianças não apenas reproduzem e re-


presentam o mundo por meio das brincadeiras, mas também o rein-
terpretam de forma ativa e criativa, inovando e produzindo novos sig-
nificados, saberes e práticas. Assim, o brincar propicia o diálogo com
referenciais socioculturais das crianças para construção e partilha de
significados entre os pares e também com os adultos.

Nesse sentido, cabe mencionar que o brincar

é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhe-


cimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos
valores e da sociabilidade. E que esses conhecimentos se tecem nas
narrativas do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base para muitas
aprendizagens e situações em que são necessários o distanciamento
da realidade cotidiana, o pensar sobre o mundo e o interpretá-lo de
novas formas, bem como o desenvolvimento conjunto de ações coor-
denadas em torno de um fio condutor comum. (BORBA, 2007, p. 39).

Na didática do fazer, a ludicidade, a brincadeira e a fantasia co-


locam-se como essenciais para os processos de desenvolvimento e
aprendizagem, contribuindo para articulações, rupturas, construções
de saberes e potencializando novas possibilidades de apropriação de
conhecimentos.

O segundo elemento dessa didática refere-se à continuidade de experi-


ências, a qual envolve atividades integradas, partindo do que a criança já
sabe fazer, produzindo por meio de intervenções educacionais potenciais

22
CAPÍTULO 1

de desenvolvimento. Convidar as crianças a explorarem o mundo, to-


cando, manipulando, de forma a abranger os diversos sentidos, são
pressupostos para a didática do fazer, articulando saberes adquiridos
com novos conhecimentos, construindo sentidos e aprofundando as
explorações e atividades com as crianças.

As autoras pontuam que

a criança pequena tem, portanto, uma forte exigência de continui-


dade. A essa necessidade pode-se responder pelo menos de duas
maneiras: estabelecendo hábitos, isto é, momentos reconhecíveis
pela sua identidade e repetitividade, ou ainda favorecendo um con-
tinuum experimental, ou seja, prestando atenção às possibilidades
intrínsecas a cada experiência, de demonstrar-se passível de amplia-
ção, generalização, enriquecimento e aprofundamento. (BONDIOLI;
MANTOVANI, 1998, p. 32).

Assim, por meio de atividades lúdicas, contínuas e integradas, temos


a composição do terceiro elemento, que é a significatividade. Ao fa-
vorecer a integração de saberes, das experiências, implica observar e
contribuir para a construção de significados que as crianças elaboram
em cada situação, a fim de que os saberes se consolidem e se reforcem
com a mediação docente.

A ludicidade e a continuidade das experiências das crianças propiciam


um espaço para a produção de significados “pessoais, seja pelo prazer
do já vivido característico na atividade lúdica, seja por germinar algo
que está embrionário na criança na continuidade de suas experiências.
A produção de significado é vista como experiência do sujeito e não
como transmissão.” (FOCHI, 2015, p. 227).

Outra perspectiva é apontada por Nigris (2014), quando se refere à


didática das maravilhas, na qual os professores dedicam esforços para
romper com a didática transmissiva tradicional e entender a partir da

23
observação das crianças: i) as direções que elas decidem focar suas
energias; ii) os seus desejos e curiosidades para o conhecimento; iii)
o fascínio e os olhares que as surpreendem com os acontecimentos
diários, os quais não se limitam ao ambiente escolar. Segundo a
autora, a todo o momento e em todo lugar evidenciam-se opor-
tunidades de experiências de aprendizagem e toda criança pode
ser considerada “uma cientista na descoberta das leis da natureza.”
(NIGRIS, 2014, p. 139).

Inspirada nas obras de Dewey, Nigris (2014) pontua que a didática


com as crianças pequenas se dirige no sentido de alimentar a admi-
ração pelo novo, que desperte nas crianças o desejo de conhecer, de
compreender a relação de estar no mundo, explorando as diversas
experiências, de forma intencional e planejada, para despertar o senso
de maravilha nas crianças.

Considerar a arte e as ciências, a imaginação e o pensamento, a ob-


servação e a reflexão com as crianças pequenas, de forma que elas
participem, investiguem, questionem, e construam saberes demanda
por ações educativas que potencializem a atividade criadora das crian-
ças e a experimentação.

Nesse sentido, De Vecchi e Carmona Magnaldi (1999, p. 32) assina-


lam que as “crianças não descobrem nada se tudo estiver limpo, e elas
também não descobrem nada se tudo estiver em ordem, tudo pré-es-
truturado”, pois as crianças aprendem a partir de seus erros, levantan-
do hipóteses e elaborando caminhos diferentes para alcançar as res-
postas desejadas. Para isso, as autoras propõem que adultos e crianças
sejam parceiros na construção do saber, que estejam envolvidos em
um processo comum para construir significações e entendimentos de
mundo por meio da atividade de pesquisa e experiências concretas de
produção individual e coletiva nas instituições escolares.

24
CAPÍTULO 1

As crianças são verdadeiras pesquisadoras, afirma Rinaldi (2016), ao


pontuar que elas não apenas perguntam “por que”, mas são capazes
de buscar soluções e respostas satisfatórias aos seus questionamentos,
de criar suas próprias teorias e percepções sobre as coisas e a vida,
sendo que “nessa capacidade infantil de desenvolver teorias, podemos
observar a liberdade de coletar elementos de ideias e montá-los de
maneira original. Nesta busca por respostas na infância, vemos as raí-
zes de uma atitude filosófica.” (RINALDI, 2016, p. 241).

A autora destaca ainda a importância de se considerar a participa-


ção das crianças em todo o processo investigativo, pois enquanto
agentes sociais capazes de significar suas experiências, de expres-
sarem e comunicarem, por meio de diversas linguagens, suas ideias
e observações acerca do mundo, as crianças produzem teorias e
compartilham os significados elaborados e construídos em suas pes-
quisas. O que exprime, portanto, que a ação docente deve se voltar
ao estímulo da postura científica nas crianças, ao invés de lhes dar
respostas prontas e superficiais.

Nessa perspectiva, também cabe mencionar a proposta dos campos


de experiência educativa, inspirada na pedagogia italiana (FINCO;
BARBOSA; FARIA, 2015), que tem possibilitado uma programação
pedagógica que valorize a cultura construída pela criança nas suas
diferenças, ouvindo-a, compreendendo-a, no intuito de garantir-lhe o
direito de ser criança. A organização do trabalho pedagógico centra-
do nas experiências, além de valorizar as vivências e os saberes das
crianças, permite que a escola da infância possa ter flexibilidade e
autonomia para construir um projeto próprio, criativo, a respeito das
indicações do currículo.

O trabalho com os campos de experiência consiste, portanto, no fazer


e no agir das crianças de forma a compreender a construção curricular

25
relacionada ao contexto educativo, estimulando a criança a dar signifi-
cado, reorganizar e representar a própria experiência (FOCHI, 2015).

Cabe mencionar uma fala de Larrosa (2002), quanto evidencia que a


“experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”,
e pensar o contexto educacional deve-se remeter à grandeza das pos-
sibilidades a serem ofertadas às crianças. Benjamin (1986) coloca que
a pobreza de experiências para os seres humanos faz com que ele se
contente com pouco, construa com pouco e, assim, ao ofertar experi-
ências empobrecidas estamos educando para a subalternidade e não
para a emancipação (FARIA, 2004; TRISTÃO, 2004).

Nessa direção, as autoras Contrerás e Lara (2010) afirmam que a ex-


periência é o que nos leva à necessidade de repensar, de voltar para
as ideias anteriores sobre as coisas, justamente, por mostrar a insufi-
ciência ou insatisfação com o modo anterior de pensar, e ao refletir
a respeito das vivências experienciadas e daquilo que nos provoca,
localiza-se um caminho para investigação. Essa reflexão significa, para
os docentes, a busca por modos de investigar, estudar e compreender
as dimensões do processo educativo, promovendo a possibilidade de
construir uma pedagogia atualizada, contemporânea e em conformi-
dade com as demandas e reivindicações feitas pelas crianças.

A partir disso, diversos autores (MALAGUZZI, 1999; RINALDI, 2012;


EDWARDS et al., 2016) têm apontado à necessidade de uma peda-
gogia da escuta e de uma pedagogia relacional que estejam atentas
aos pontos de vista das crianças, bem como promovam interações no
contexto educativo em todos os processos de aprendizagem. Barbosa
(2009) também sugere que a proposta para a organização do traba-
lho docente esteja fundamentada no desenvolvimento da criança, nas
relações escola e família, nas relações entre crianças, no papel do edu-
cador e nas relações criança-adulto.

26
CAPÍTULO 1

A respeito das relações, acredita-se na importância das interações en-


tre as crianças e seus pares, pois elas permitem o desenvolvimento de
formas mais complexas de agir, de conhecer e simbolizar o mundo, de
se relacionar com as pessoas e de perceber as suas próprias necessi-
dades. Além disso, os relacionamentos contribuem para engajá-las na
tomada de decisões, em fazer sugestões, em responder e questionar
ideias e auxiliam na resolução de conflitos e discussões.

De acordo com Malaguzzi (1999), os relacionamentos e as aprendiza-


gens coincidem dentro de um processo ativo da educação, de modo
que professores e crianças estejam conectados, cooperando uns com
os outros, trocando saberes, reconhecendo fragilidades e potencialida-
des nas falas das crianças, a fim de partilhar projetos comprometidos
com a construção e reelaboração do conhecimento.

No que se refere ao papel do educador e relações criança-adulto, o


processo de construção do conhecimento ocorre à medida que o edu-
cador busca favorecer o desenvolvimento da criança, incentivando sua
atividade frente a problemas que fazem parte de seus interesses e ne-
cessidades, promovendo situações que incentivem a curiosidade, pos-
sibilitando a troca de informações entre os pequenos e permitindo o
aprendizado das fontes de acesso que levam ao conhecimento.

É por meio de interação com a criança que o educador vai descobrir em


que momentos a sua intervenção será realmente fundamental no processo
de construção do conhecimento. À medida que, na sua ação, o professor
vai decidindo, executando, registrando, revendo, sistematizando, também
vai sendo realizada a avaliação do seu fazer pedagógico e da aprendi-
zagem e do desenvolvimento das crianças (OSTETTO, 2000). Destaca-se,
também, a importância do afeto e relações de confiança entre crianças e
adultos, bem como o respeito mútuo e cooperação, como elementos im-
portantes para o trabalho a ser desenvolvido com os pequenos.

27
A intervenção dos professores no trabalho com os pequenos se ca-
racteriza por uma participação indireta e uma atenção e observação
constantes (RINALDI, 1999, 2012). É preciso, então, organizar a escola
para que as crianças possam ter tempo para viver a infância. Essa
intervenção se faz por intermédio da criação e da transformação das
condições de tempo e espaço, da seleção de materiais, da proposição
de situações que provoquem o desejo e a necessidade de aprender. O
olhar atento docente, os gestos delicados, as palavras escolhidas, a
oferta de ideias e materiais, garante às crianças a segurança necessá-
ria para ir além do conhecido e experimentar o novo, ampliando suas
vivências de aprendizagem (BARBOSA, 2009).

A vida cotidiana de um grupo de crianças em determinado lugar é sem-


pre mais rica do que aquilo que possa ser previamente pensado ou pla-
nejado, pois a convivência cotidiana implica a existência do inesperado
(BRASIL, 2009). Contudo, não podemos esquecer que é a intencionali-
dade pedagógica que define o trabalho docente e ela somente é con-
quistada mediante uma formação profissional sólida, um olhar sensível e
atento, assim como disposição em oferecer às crianças oportunidades de
conhecerem aquilo de mais instigante e importante que o mundo apre-
senta à nossa sensibilidade e racionalidade, por meio de situações que
as desafiem e, ao mesmo tempo, aconcheguem (FARIA, 1999).

As crianças pequenas e a educação científica e matemática

Nota-se que grandes avanços no âmbito jurídico-legal vêm ocorren-


do, especialmente, após a Constituição de 1988, no que se refere aos
direitos e ações pedagógicas com as crianças pequenas. O Estatuto
da Criança e do Adolescente, de 1990; a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, de 1996; o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil, de 1998; as DCNEI, de 2009, são alguns
documentos que consagram tais avanços. Destacam-se, entre estes, as

28
CAPÍTULO 1

DCNEI e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2018, como


importantes e atuais referenciais curriculares para a área.

Segundo Oliveira (2010), as novas concepções acerca do desenvolvi-


mento da cognição e da linguagem modificam a maneira como as pro-
postas pedagógicas para a área eram pensadas. As DCNEI (BRASIL,
2009) apontam, dentre outras contribuições, elementos para o traba-
lho com as crianças, de forma a respeitar e valorizar o modo como as
crianças vivenciam o mundo, como constroem conhecimentos, expres-
sam-se e manifestam seus desejos de modo singular e peculiar.

O documento (BRASIL, 2009, p. 86) sublinha a necessidade das pro-


postas pedagógicas articularem “as experiências e os saberes das
crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cul-
tural, artístico, científico e tecnológico”, de maneira a considerar as
relações sociais que as crianças estabelecem com os professores, com
outras crianças e comunidade em atividades intencionalmente planeja-
das e articuladas com o projeto pedagógico das instituições.

Em relação ao conhecimento das ciências naturais e matemáticas,


o documento demarca que as atividades com as crianças devem
contribuir na elaboração de conhecimentos sobre a natureza, meio
ambiente, conservação e preservação, exploração e “uso de conhe-
cimentos matemáticos na apreciação das características básicas do
conceito de número, medida e forma, assim como a habilidade de
se orientar no tempo e no espaço” (BRASIL, 2009, p. 94), além da
oportunidade de aprender a usar computadores e outros recursos
tecnológicos e midiáticos.

Cabe mencionar que a apropriação dos conhecimentos sobre o mundo


natural demanda por uma ação pedagógica pautada na exploração,
investigação, pesquisa, descobertas sobre os elementos da natureza

29
e relações matemáticas de forma que elabore uma educação científi-
ca baseada na manipulação, observação, registros, comparações em
situações de brincadeiras , para que as crianças possam se apropriar
dos conhecimentos historicamente construídos no campo das ciências.
Além de considerar práticas educativas que incentivem a curiosidade, a
exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação, que es-
tejam pautadas nas relações, interações e práticas voltadas para expe-
riências concretas e significativas às crianças, considerando o trabalho
integrado com suas diferentes linguagens (BRASIL, 2009).

Sobre esse aspecto, Barbosa (2009) destaca a importância da ludici-


dade, da cultura de pares, das trocas e construção do conhecimento
entre as crianças, enquanto brincam, interagem e ampliam saberes so-
bre elas mesmas e sobre o mundo. Nesse aspecto, a dimensão lúdica
se torna essencial para o processo de apropriação de conhecimentos
matemáticos e científicos, tendo na brincadeira elementos para se lidar
com situações físicas, naturais, etc.

No que diz respeito à BNCC, as propostas de trabalho com as crianças


estruturam-se em campos de experiências, considerando as interações
e as brincadeiras (já previstas pelas DCNEI) como articuladoras dos
processos de aprendizagem. O trabalho educativo com as crianças pe-
quenas demanda trabalho integrado com os conhecimentos, seja por
meio de projetos coletivos para estudos de aspectos do meio social,
natural, cultural e tecnológico.

Dentre os elementos citados pelo documento para compor os campos


de experiência, encontra-se o item “espaços, tempos, quantidades, re-
lações e transformações”, que aborda a importância de trabalhar os
diversos fenômenos naturais e socioculturais de forma que as crianças
possam investigar, explorar e levantar hipóteses, consultar fontes de
informações e procurar por respostas de suas indagações. Por meio da

30
CAPÍTULO 1

pesquisa, as crianças têm a oportunidade de ampliar seus conhecimen-


tos de diversas áreas.

Segundo o documento, nas diversas experiências as crianças se depa-


ram com os conhecimentos matemáticos “contagem, ordenação, rela-
ções entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e
de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas
geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais
e ordinais etc.” (BRASIL, 2018, p. 38), que instigam sua curiosidade e
precisam ser considerados para que elas possam aprender a usar os
conhecimentos dessa área em seu cotidiano.

Destaca-se que a aprendizagem dos conhecimentos científicos e ma-


temáticos pressupõe o trabalho conceitual trabalhado cotidianamente
com as crianças nas mais variadas situações, para que não seja fruto
de memorização e imitação, mas sim na tomada de conhecimento dos
conceitos trabalhados com as crianças, no intuito de que possam signi-
ficar saberes de forma processual, intencional, instigando e provocan-
do, por meio de desafios e questionamentos, novas oportunidades de
aprendizagens.

Oliveira (2012) acentua que as atividades trabalhadas com as crianças


devem estar integradas em suas rotinas e voltadas para o desenvolvi-
mento e aprendizagem das crianças em situações integradas ao con-
junto de experiências.

Considerando que as crianças são socializadas nas diversas relações


sociais que estabelecem com o meio em que estão inseridas, nas experi-
ências que vivenciam, no contato com os meios de comunicação social e
midiático, suas aprendizagens têm se deparado com a pluralidade de vi-
vências, as quais influenciam na construção de saberes, ampliando pos-
sibilidades à educação matemática e científica para com os pequenos.

31
Nesse sentido, esta obra foi organizada no conjunto de seis textos em
torno das experimentações didáticas em educação científica e matemá-
tica com as crianças pequenas.

Neste primeiro capítulo buscou-se apresentar uma breve contribuição


da pedagogia da infância para as formas de aprendizagem das crian-
ças pequenas. Considerando-as como atores sociais e sujeitos ativos
nos processos de construção do conhecimento, aponta-se à necessida-
de de pedagogias descolonizadoras que favoreçam e valorizem suas
formas de se relacionar e apreender o mundo.

A dimensão da aprendizagem matemática das crianças, presente no


segundo texto, é de grande relevância para as discussões propos-
tas na obra, compreendendo as crianças como “seres matemáticos”
ativos, criativos e críticos. De autoria do professor Cristiano Alberto
Muniz, o capítulo desconstrói a aquisição de saberes matemáticos
enquanto dom inato e reafirma a necessidade de oportunizar expe-
riências de qualidade que promovam o potencial de aprendizagem
das crianças. De acordo com o autor, o ser matemático refere-se à
singularidade das crianças, enquanto sujeitos histórico-sociais, ca-
bendo ao educador participar e propiciar a construção dos conceitos
e procedimentos dessa área que favoreçam o entendimento de co-
nhecimentos matemáticos pelas crianças. Por meio da apresentação
de um estudo de caso, o autor nos convida a uma compreensão mais
ampla e aprofundada das constituições subjetivas da aprendizagem
da matemática com um grupo de crianças em situação de risco social
no interior de Goiás.

O terceiro capítulo é de autoria da professora Regina Pina, sobre a


educação científica, tecnológica e matemática, baseado em um traba-
lho desenvolvido na Universidade de Brasília, DF, intitulado “Programa
Infantojuvenil”. O programa, de caráter interdisciplinar, tem realizado

32
CAPÍTULO 1

atividades lúdicas focalizadas no potencial criativo e posicionamento


crítico das crianças, a fim de construir relações mais positivas e inves-
tigativas no âmbito das ciências, tecnologia e matemática por meio de
Estações de Conhecimento. A autora traz alguns exemplos de ativida-
des e experiências significativas que foram desenvolvidas no programa,
ressaltando a importância de ações pedagógicas que incentivem as
descobertas por parte das crianças. Destaca, ainda, que o trabalho
com os pequenos pautado na colaboração, na partilha e na comunica-
ção pode contribuir com a formação de jovens investigadores.

A partir do diálogo sobre os aportes das Tecnologias Digitais de In-


formação, Comunicação e Expressão no processo de aprendizagem e
ensino da Matemática, o quarto capítulo, de autoria de Jorge Cássio
Costa Nóbriga e João Victor Pereira, traz contribuições de atividades
preparadas na plataforma GeoGebra para o trabalho com crianças de
até 10 anos. O texto apresenta alguns exemplos de exercícios e ativi-
dades da plataforma para as crianças nos anos iniciais do ensino fun-
damental, os quais foram embasados nas competências e habilidades
propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A construção do conhecimento das crianças pequenas mediado por


um software lúdico-educativo, de autoria de Maria Fernanda Farah
Cavaton e Gilberto Lacerda Santos compõe o quarto capítulo. Os
autores partem da perspectiva da educação criativa, da pedagogia
dialógica e do uso das Tecnologias de Informação, Comunicação e
Expressão (TICE) para discorrer a respeito da construção de concei-
tos científicos com as crianças pequenas. Valorizando a singularida-
de da infância e ressaltando a importância das brincadeiras para o
processo de aprendizagem das crianças, o texto descreve uma rica
experiência realizada no laboratório de informática da Faculdade
de Educação da Universidade de Brasília, DF. Esta foi desenvolvida
por uma professora e quatro crianças em uma relação educativa

33
no manuseio do jogo – O Dado de Contos –, o qual foi utilizado
como instrumento de construção de conhecimentos e de promoção
de comportamentos criativos.

O sexto texto da obra é de autoria de Claudia Lage Rebello da Motta


e Iara Regina Nocentini André Loyola. Trata-se do despertar do pensa-
mento científico nas crianças, ressaltando o prazer e o senso de ma-
ravilhamento diante das novas descobertas. Tendo como referência o
grande pesquisador Charles Darwin, as autoras realçam a importân-
cia de saberes e habilidades científicas a serem desenvolvidas com as
crianças. Ao considerar o potencial cientista dos pequenos, o trabalho
pautado na inovação, na curiosidade, pesquisas, erros e aprendiza-
gens, experimentações, entre outras ações relacionadas aos processos
científicos, tende a favorecer o desenvolvimento do pensamento lógico-
dedutivo e o senso crítico. Além de recuperar elementos importantes
da metodologia científica, o texto coloca em relevo o diálogo entre a
aprendizagem, as ciências e as crianças pequenas.

A explicitação de pontos de partida teóricos, juntamente com a apre-


sentação de atividades e ações educativas, travadas com as crianças
e descritas no decorrer da obra, fornece material para inspiração e
encaminhamentos de práticas pedagógicas na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental.

Compreender que as crianças pensam, organizam suas reflexões, de


forma sofisticada e complexa, bem como tomá-las como ponto de parti-
da para o desenvolvimento do trabalho pedagógico implica considerar
que elas aprendem o mundo pelos sentidos, movimento, explorações,
brincadeiras, afetos, prazeres, pela poesia, artes, linguagens, música
e matemática. De acordo com Kuhlmann Júnior (1999), a brincadeira
para as crianças é uma forma de linguagem, assim como a linguagem
também é uma maneira de brincar.

34
CAPÍTULO 1

Os processos de aprendizagem das crianças pequenas envolvem, por-


tanto, relacionamentos e interações, vinculados aos seus contextos so-
ciais e culturais. Demandam, também, ações pedagógicas provenien-
tes das curiosidades e interesses do grupo, considerando as hipóteses e
as soluções encontradas pelas crianças, mediadas pela ação docente,
que vai construindo com os pequenos a produção de significados e
sentidos para suas descobertas.

Os diferentes capítulos que constituem esta publicação referem-se a


contribuições para a educação científica e matemática que buscaram
dialogar sobre experiências com as crianças de forma a valorizar as
suas potencialidades, enquanto sujeitos ativos e competentes.

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41
Capítulo 2

Toda criança aprende as matemáticas:


cada criança é um ser matemático

Cristiano Alberto Muniz


Faculdade de Educação, Departamento de Métodos e
Técnicas - Universidade de Brasília - UnB
cristianoamuniz@gmail.com

Introdução

Nosso pressuposto fundamental enquanto matemático, educador, pes-


quisador em Educação Matemática, formador e proponente de polí-
ticas públicas é que cada criança, jovem ou adulto, dentro e fora da
escola, possui em sua constituição ontológica plenas capacidades para
aprender matemática, assim como plenas condições de desenvolvi-
mento humano num processo tanto rico quanto complexo, no qual,
as matemáticas e suas aprendizagens se constituem em importantes
ferramentas culturais e psicológicas. Nessa perspectiva, vemos cada
educando sob nossa responsabilidade escolar, enquanto “ser matemá-
tico”, de forma ativa, criativa e crítica, produzir processos subjetivos
associados à construção de significados aos conceitos e procedimentos
matemáticos, por mais que culturalmente a matemática seja, sobretudo
no interior da escola, considerada área de conhecimento exata e pura.
Assim, se há aprendizagem matemática, esse pressuposto fundamental
assume que a aprendizagem varia de um sujeito para outro, pois essas
aprendizagens estão fortemente determinadas pelos complexos pro-
cessos de subjetivação de cada um sobre como se aprende.
Assim, a categoria “ser matemático” é proposta a partir da posição
epistemológica de que a aprendizagem matemática escolar não deve
se constituir na assimilação mecânica de procedimentos operatórios,
como prevalece hoje em nossas escolas. A epistemologia da aprendiza-
gem matemática que sustenta o conceito de “ser matemático” (MUNIZ,
2001) considera o sujeito que aprende como efetivamente produtor de
conhecimentos e saberes matemáticos, dentro ou fora da escola, em
situação de sucesso ou de fracasso escolar (ou seja, mesmo no con-
texto de fracasso, há aprendizagens). Essa perspectiva epistemológica
reconhece que a aprendizagem e a construção de saberes matemáticos
não são lineares, tampouco isentas de erros. Os caminhos tortuosos,
as aparentes involuções e os erros na busca de matematização podem
dar acesso ao educador, assim como ao pesquisador, à compreensão
dos complexos processos (conceitualização, construção e validação de
procedimentos, desenvolvimento da linguagem e registros, argumenta-
ção e prova) que determinam a aprendizagem matemática, não sendo
válida, portanto, nessa perspectiva, a postura de validar uma produção
de um ser matemático como certa ou errada, enquanto verdade mate-
mática. Afinal, o que nos interessa são a estruturação (mesmo que esta
seja sempre parcial) e a compreensão (o que requer um esforço inter-
pretativo) da construção de conceitos matemáticos (conceitualização) e
de procedimentos resolutivos, mesmo que incompletos, sem valor para
generalização, ou ainda que matematicamente errados, mas de alto
valor para a formação dos pensamentos do ser matemático em início
de constituição.

A categoria “ser matemático” é proposta (MUNIZ, 2001, p. 12) na


perspectiva de diferentes categorias de seres cognoscentes para além
do campo da Matemática: cada criança, jovem ou adulto, nos mais
diferentes níveis de desenvolvimento e diversos contextos culturais,
podem ser vistos como seres esportistas, seres literatos, seres musi-
cais, seres artísticos, seres políticos, seres amorosos, seres científicos,

44
CAPÍTULO 2

seres esotéricos, dentre muitas outras possibilidades. A capacidade


de todos para a realização de aprendizagens, de produção de modus
de aprender e gerar saberes e conhecimentos, de comunicar e validar
suas produções e verdades, nos mais diferentes campos do conheci-
mento humano e, em especial, na matemática, é um dos fundamen-
tos na proposição dessa categoria para nossos estudos e investiga-
ções no campo da Educação Matemática.

Os processos de aprender e de produzir saberes matemáticos não


são muito diferentes dos demais campos do conhecimento humano:
pressupomos, em nossos trabalhos investigativos, de formação e de
definição curricular, que cada criança, cada jovem ou cada adulto
são capazes de aprendizagem significativa da matemática desde que,
ao longo da vida, tenham oportunidades de realizar experiências de
qualidade que favoreçam o desenvolvimento desse potencial para o
aprender e o pleno desenvolvimento, opondo-nos, assim, desde o
início, à ideia de dom inato para o trato com os números, funções,
probabilidades, medidas, Álgebras e Geometria. A constituição do
ser matemático repousa no potencial que todos temos para a apren-
dizagem matemática, social e culturalmente constituída, assim como
nas vivências e experiências socioculturais e reflexivas que favoreçam
o desenvolvimento dessas aprendizagens. Ser matemático, ambien-
te, situações, desafios, motivações, emoções, representações sociais
e crença em si são elementos integrativos e de mútua relação na sua
constituição e desenvolvimento.

Assumimos que a aprendizagem é de sentido plural, ou seja, mesmo


se tratando de Matemática, no campo das Ciências Exatas não há
processo único, nem universal na construção dos modos de apren-
der a matemática, ou seja, de construção conceitual e procedimental
matemáticos. Portanto, o ser matemático é assumido como ser único
e não universal, uma vez que os processos de aprender e conhecer

45
dependem tanto da história de cada um, de como cada sujeito se per-
cebe no processo de aprender matemática, quanto de dar respostas
ao seu meio socioeducativo.

Teoricamente, o ser matemático é aquele que aprende, que desenvol-


ve processos cognitivos, esquemas mentais próprios para superação
de dificuldades, de enfrentamento de desafios, que produz processos
resolutivos para situações-problema matemáticas, que acredita em
sua própria capacidade de gerar novos procedimentos para situações
inéditas. Mesmo que tais processos matemáticos, geridos pelo sujeito
para resolver problemas, tenham validade apenas local, sem valor
geral ou científico, esses processos podem revelar capacidades cogni-
tivas articuladas à construção de conceitos e procedimentos. Em aná-
lises microgenéticas, podemos explicitar os esquemas mentais (VERG-
NAUD, 2009) que dão sustentação à estruturação do pensamento
matemático presente na atividade matemática da criança ou jovem,
desvelando conceitos, hipóteses, procedimentos, lógicas próprias do
indivíduo que busca elaborar uma solução de uma situação dada,
assim como as estratégias e valores de sua validação.

A negação da existência ontológica de um ser matemático em cada


um que aprende e se desenvolve é característica de contextos educa-
cionais em que os conceitos de certo e errado das produções mate-
máticas de crianças e jovens estão colocados de forma equivocada.
No contexto da aprendizagem matemática, na busca da contribuição
do desenvolvimento das capacidades matemáticas, mais importante
que julgar uma produção estritamente como certa ou errada, seja em
relação a seu valor prático, seja científico, deveria o educador pautar
sua ação pedagógica pela valorização dos processos de aprendiza-
gem que requerem a busca da compreensão dos processos.

Assim sendo, na perspectiva da categoria de ser matemático, o edu-


cador matemático (aquele que promove mediação ou intervém nos
46
CAPÍTULO 2

processos de aprendizagem matemática) não deve se limitar, no iní-


cio da aprendizagem de novos conceitos-procedimentos, a julgar a
validade dos processos de produção matemática em face do conhe-
cimento científico universalmente sistematizado. Cabe ao educador e
ao professor mergulhar num esforço de interpretação das lógicas ine-
rentes às produções matemáticas daquele que está em processo de
aprendizagem, num importante deslocamento epistemológico: não
julgar a produção da criança apoiado nos algoritmos matemáticos
ortodoxos, medindo o quanto a produção da criança se aproxima ou
se distancia das verdades matemáticas postas como imutáveis. De-
veria cada educador buscar compreender e participar da construção
dos conceitos e procedimentos que, no desenvolvimento daquele que
aprende, revelam-se instáveis, provisórios, não validados, com vera-
cidade e validade apenas locais e circunstanciais. Captar, compreen-
der, valorizar, socializar e institucionalizar os caminhos, descaminhos,
atalhos, retrocessos, antagonismos, provisoriedade, recursividade.
Esse foi o objetivo nosso (MUNIZ, 2009) ao analisar os processos
de produção de registros matemáticos de crianças consideradas em
situação de dificuldade pela escola. Das produções matemáticas, em
ação, daquele que aprende são formas de considerar que cada crian-
ça e cada jovem, na realização de tarefas matemáticas, são seres
matemáticos em plena mobilização de saberes construídos ao longo
de suas histórias sociocognitivas-emocionais e sociais, tendo sempre
a cada novo desafio, de rever conceitos e procedimentos, fazendo
evoluir seus conhecimentos para dar conta de novas e mais desafian-
tes situações-problema.

Este capítulo se ocupará de apresentar a história de uma menina em


processo de alfabetização que tem uma vida caracterizada pela su-
peração do fenômeno da exclusão-negação, o que acaba por fazer
com que uma menina no interior do estado de Goiás, desenvolva
uma capacidade de matematização não reconhecida pelo sistema
47
escolar, mas que por meio da investigação fundamentada na Episte-
mologia Qualitativa, de Fernando González Rey (2014), pudemos ter
uma compreensão tanto mais ampla quanto profunda das constitui-
ções subjetivas da aprendizagem matemática. Este estudo de caso é
um dentre um grupo de 11 crianças, entre 6 e 11 anos, em situação
de risco social no interior de Goiás.

Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais (TCC) para


um novo olhar para aprendizagem diversa da matemática

Contribuições da TCC do psicólogo cognitivista, didata e matemático


francês, Gérard Vergnaud (1994), despertam para um novo olhar às
produções matemáticas das crianças: lógicas e verdades localmen-
te validadas. Se assumirmos que, no processo da aprendizagem, as
construções de saberes matemáticos são apenas localmente valida-
dos, isso acaba por nos revelar o quanto é medíocre a escola que se
limita a atribuir à produção matemática escolar somente “certo” ou
“errado”, perdendo a oportunidade de compreender, individualmen-
te, os processos de atribuição de significados em relação àquele que
está a aprender.

A ideia de esquema proposta por Piaget e resgatada por Vergnaud


(1998) pode trazer importantes contribuições, tanto para o professor
quanto para o pesquisador, na melhor e mais profunda compreen-
são dos conhecimentos mobilizados pelo sujeito em ação cognitiva
numa situação-problema. A complexa rede de conceitos mobilizada
na atividade cognitiva, o papel que cada conceito desempenha na
determinação de procedimentos, os significados atribuídos a cada es-
tratégia resolutiva e o poder de autorregulação da atividade realizada
pelo aluno devem ser temas inevitáveis das ciências da educação. A
revelação, o reconhecimento, a análise e a valorização dos esquemas
que sustentam as estratégias de ação cognitiva do ser matemático

48
CAPÍTULO 2

podem trazer nova luz à postura pedagógica do professor, pois é por


meio deles que podemos compreender melhor os conhecimentos em
ação, as potencialidades, as incompletudes, os desvios e os atalhos,
as ressignificações, os erros e os obstáculos quase sempre presen-
tes nas produções matemáticas em sala de aula. Entretanto, consi-
derar os esquemas subjacentes nas produções requer, quase sempre,
um trabalho criterioso de interpretação por parte do educador ou
do pesquisador, interpretação que mobiliza, por sua vez, conceitos
e concepções acerca das produções do aluno. O tratamento dado
pelo educador a tais produções pode nos revelar posturas teóricas e
metodológicas que determinam fortemente a natureza do triângulo
pedagógico aluno-conhecimento-professor.

A consideração dos esquemas subjacentes às produções dos alunos


poderá significar a construção de uma intervenção pedagógica não
mais a partir de supostos e hipotéticos conhecimentos do aluno, mas
uma maior aproximação de reais capacidades, construções e aquisi-
ções do aluno, assim como estabelecer uma luz tanto teórica quanto
metodológica sobre as necessidades do aluno, para conseguir produ-
zir respostas exigidas pela situação. Em geral, nas nossas investiga-
ções pedagógicas, isso acaba por revelar o processo de conceituali-
zação no qual se encontra o aluno e o quanto determinados conceitos
dão conta ou não de fornecer instrumentos para a construção de uma
proposição resolutiva a uma dada situação.

Processos criativos na produção matemática de crianças

Nossos estudos mais recentes junto a grupos de crianças em início de


escolarização julgadas pela escola como “em dificuldade na aprendiza-
gem” (MUNIZ; BITTAR, 2009) buscam compreender os significados das
dificuldades dessas crianças em processo de escolarização. As investi-
gações procuram inserir os sujeitos epistêmicos em contextos onde não

49
haja controle absoluto por parte dos educadores sobre suas produções.
Assim, utilizamos de contextos lúdicos, em especial, jogos, nos quais a
atividade matemática é parte inerente à atividade lúdica, para identificar
e analisar suas produções e consequentes dificuldades matemáticas.

Nesse sentido, buscamos em Michael Otte, em sua obra clássica O For-


mal, o Social e o SUBJETIVO: uma introdução à Filosofia e à Didática da
Matemática (1993, p. 248), o papel da produção da ciência e a partici-
pação do sujeito ativo como base da sua própria transformação.

Se existir, portanto, uma conexão, ou mesmo uma harmonia, entre “ci-


ência”, “educação” e “técnica”, então ela tem de se ancorar em algum
lugar no sujeito humano e no seu desenvolvimento. Esta ligação com o
desenvolvimento é para mim particularmente importante, porque acre-
dito que qualquer quadro estático do sujeito, mesmo quando ele assu-
me uma grande dinâmica no contexto de sua vida, implica uma relação
dicotômica dos três aspectos do tema. Ao contrário, teria de se partir da
constatação de que tudo que alguém faz ou deixa de fazer provoca uma
transformação da própria pessoa.

Na intenção de revelar uma capacidade intelectual para processos de


matematização presentes na escola, dos quais somos testemunhas,
buscamos, em um caso real e concreto, que nos dá uma margem
muito rica de discussão acerca da estreita relação entre fazer mate-
mática e desenvolvimento da inteligência nos anos iniciais do ensino
fundamental, quando crianças consideradas em situação de dificul-
dade na aprendizagem matemática, em nossas análises, acabam por
nos revelar uma sagacidade cognitiva que nos leva a considerar a
presença de processos, inteligências, geralmente, eliminados do pro-
cesso curricular escolar.

Nesse caso, temos uma situação de subtração entre números naturais,


mas que requer uma decomposição do número, uma vez que as uni-
dades do subtraendo são superiores às do minuendo. Essa situação é
50
CAPÍTULO 2

um “calcanhar de Aquiles” na ação pedagógica, uma vez que implica


uma sólida compreensão da estrutura do número no sistema de nu-
meração decimal.

A articulação entre ação, registro e validação realizada pela criança


de oito anos de idade (considerada em situação de dificuldade de
aprendizagem matemática) revela-nos uma inteligência a ser institu-
cionalizada. Esse é um caso em que podemos facilmente constatar o
quanto os registros revelam limpidamente as estruturas de pensamen-
to pleno de significado, em especial, a compreensão pela criança do
número e suas estruturas advindas das regras do sistema de numera-
ção decimal:

Figura 1 – Processo da subtração apoiado na decomposição do número se-


gundo conhecimento do sistema decimal

Inicialmente ela decompõe o trinta em uma adição de três parcelas


iguais a dez. Como tem de retirar 12, já retira a primeira dezena (o
10 riscado à esquerda na segunda linha), faltando ainda retirar dois
(12=10+2). Para retirar dois, decompõe uma dezena em cinco gru-
pos de dois (revelando mais um conhecimento) e, então, retira dois.
Assim resta, além de um dez, um oito (quatro vezes dois), o que nos
dá como resultado 18.
51
O que é importante em tal produção para nossa discussão acerca
da inteligência e Matemática? Essa criança, em dificuldade segundo
a instituição, não reproduz os procedimentos ortodoxos e impostos
pela escola, mas, ao contrário, apoiada na compreensão do sentido
de retirar e da estrutura do número, ela age e registra, com seguran-
ça, desvelando um esquema matemático rico e que em nada perde
frente aos procedimentos que o professor espera em termos de pla-
nejamento pedagógico. O que desestabiliza nossa escola é o fato de
a criança resolver a situação sem ter que mobilizar/compreender os
procedimentos do professor; e mais, levanta a questão se realmente
ela necessita saber como o professor realiza tal operação para se
constituir um sujeito inteligente no fazer matemática dentro e fora
da escola. Isso provoca uma desestabilização acerca dos papéis do
professor como promotor da inteligência por meio da matemática, o
que deve ser objeto de discussão mais ampla e aprofundada na so-
ciedade atual, no que diz respeito ao empowerment no contexto das
produções matemáticas realizadas no contexto educativo.

Essa citação, dentre inúmeros casos identificados ao longo dessa nos-


sa trajetória no campo da Educação Matemática, remete-nos à ne-
cessidade de um estudo mais aprofundado e sistematizado, que nos
permita, via pesquisa qualitativa, gerar mais argumento, fundamen-
tação conceitual-teórica, na busca de revelação que, muitas vezes, os
casos considerados de dificuldades na aprendizagem matemática são
uma incongruência epistemológica e metodológica entre as expectati-
vas da escola em termos de produção matemática e o conhecimento
e saberes contextualizados e significados pela criança que está em
plena ação e produzindo significados outros que não captados pelos
professores, mas com alto valor matemático, uma vez que revelam a
presença de esquemas mentais matemática e pedagogicamente vá-
lidos, apesar de muito se diferenciarem dos compêndios escolares e
acadêmicos.

52
CAPÍTULO 2

Mitjáns Martínez (1997, 2008, 2012) estuda os processos criativos


consonante com a Teoria da Subjetividade, de González Rey (2008),
onde o resgate do sujeito que aprende requer a revivificação da sub-
jetividade como coluna central dos processos de aprendizagem, uma
vez que o autor concebe o complexo processo da aprendizagem en-
quanto sistema que não se resume à sua dimensão cognitiva, já que
o sistema é bem mais amplo que as operações lógicas normalmente
consideradas. Portanto, González Rey propõe que

O caráter singular da aprendizagem vai nos obrigar a pensar em


nossas práticas pedagógicas sobre os aspectos que propiciam o po-
sicionamento do aluno como sujeito da aprendizagem, o que neces-
sariamente vai implicar o aluno com suas experiências e ideias no
espaço do aprender. Isso é conseguido não apenas com os aspectos
técnicos envolvidos na exposição de um conteúdo, mas com o de-
senvolvimento de relações que facilitam o posicionamento ativo e
reflexivo dos alunos, o que nos leva a uma outra consequência ao
considerar o sujeito que aprende nas práticas pedagógicas: - a com-
preensão da aprendizagem como uma prática dialógica. A criação
de um sistema que recupere a posição criativa do aluno no processo
de aprendizagem tem sido elaborada por Mitjáns Martínez (1997).
(GONZÁLEZ REY, 2008).

O termo criatividade remete a uma polissemia do termo com amplo


sentido. O esforço teórico na busca da precisão de um conceito de
criatividade marca a trajetória da pesquisadora e educadora Mitjáns
Martínez, que afirma que a dimensão da inovação é necessária para
o conceito de criatividade, mas não suficiente. Para essa pesquisado-
ra, no campo pedagógico a inovação está associada aos processos
de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos: “envolvimento
com o processo de aprender, aprendizagem significativa, aquisição
de habilidades e competências, superação de dificuldades escolares,
desenvolvimento de outros importantes elementos da subjetividade
como valores, autovalorização adequada, projetos, capacidade de
reflexão, criatividade etc.” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2008, p. 73).
53
Nessa perspectiva, as produções de Mitjáns Martínez trazem impor-
tantes colaborações para o desenvolvimento de estudo pós-douto-
ral, fornecendo não somente bases conceituais consolidadas, na
perspectiva da Teoria da Subjetividade, como também apontando
para possíveis sistemas de análise das produções matemáticas das
crianças participantes do estudo. Para a autora, a capacidade de
produção da inovação no contexto pedagógico se aloca no espaço
de intersecção entre as produções de sentidos subjetivos realiza-
dos ao longo da história do sujeito com a situação de realização
da experiência, dos sentidos subjetivos produzidos na situação pela
criança da situação e produtos realizados, onde o contexto social e
emocional ganha em importância.

A complexidade dos processos de produção e comunicação da cria-


tividade, suas múltiplas formas de expressão no processo da apren-
dizagem e do desenvolvimento tomam assento central nas produções
e reflexões teóricas e epistemológicas de Mitjáns Martínez (2008, p
86), assumindo que a criatividade acaba por se constituir em comple-
xa rede de processos subjetivos, de difícil descrição e captação, não
somente para o pedagogo, mas também para o pesquisador. Para
a autora, os processos criativos na aprendizagem podem advir de
contextos sociais que não a escola, e, portanto, a compreensão do
fenômeno torna-se mais ampla e mais complexa.

Os estudos de criatividade se apoiam na noção de sujeito da apren-


dizagem de González Rey (2012, p. 35-36), mais precisamente, o
SUJEITO QUE APRENDE:

O que se pretende com o conceito de sujeito que aprende? Preci-


samente, explicar a aprendizagem produtiva do aluno, não apenas
criativa, mas aquela em que o aluno está envolvido em iniciativas e
caminhos que podem levar a uma aprendizagem compreensiva efi-
ciente, que lhes permita aplicar o aprendido em situações novas, sem

54
CAPÍTULO 2

que, necessariamente, esse processo seja criativo, como defendido


por Mitjáns. O conceito de sujeito que aprende representa também
uma via para começar a conjecturar sobre a natureza dos processos
subjetivos implicados em seus problemas de aprendizagem, O sujei-
to que aprende define-se não pelas capacidades e processos cogni-
tivos envolvidos no processo de aprender, mas pelas configurações
subjetivas que explicam o desenvolvimento dos recursos do aluno
nesse processo.

Nesse sentido, Mitjáns Martínez, reconhecendo as múltiplas e com-


plexas formas de aprendizagem, compreende a aprendizagem não
somente como expressão de processos cognitivos e afetivos, articula-
damente, mas, em especial, como “expressão da subjetividade como
sistema.” (MARTÍNEZ, 2012, p. 61).

A autora propõe que a compreensão de tais processos subjetivos da


aprendizagem criativas seja amparada pelo objetivo de captação
das formas particulares e singulares, o que nos leva a conceber a
análise microgenética como um possível instrumento metodológico
para revelação das singularidades nas produções matemáticas, tanto
em seus aspectos cognitivos quanto afetivos, articulando a história
do sujeito com a atribuição da experiência realizada. O estudo ora
proposto é relevante ao vermos que Mitjáns Martínez (2012, p. 86)
reconhece que a análise e a compreensão dos elementos que cons-
tituem os processos de aprendizagem de crianças criativas têm sido
pouco investigadas, até então.

Espera-se que mais importante que compreender tais processos ma-


temáticos carregados de sentidos subjetivos seja uma efetiva oportu-
nidade de transformação das realidades didático-pedagógicas das
aulas de matemáticas da escola básica, resgatando no seio dos pro-
cessos pedagógicos a diversidade nas produções matemáticas das
crianças dos anos iniciais do ensino fundamental.

55
O sujeito que aprende: categorias da Teoria da Subjetividade (TS)

Para González Rey (apud MARTÍNEZ; ÁLVAREZ, 2014, p. 43), a


categoria subjetividade é proposta na perspectiva das configurações
das funções psíquicas humanas, tanto com acento na complexidade
e dinamicidade da constituição do sujeito quanto como fenômenos
particulares. As configurações subjetivas não podem ser externamente
impostas ou concebidas, pois é produção própria do sujeito, a
cada momento, a cada experiência, em permanente processo de
desconstrução e reconfiguração, constituindo um sistema. A categoria
subjetividade é conceito que permite novas percepções e compreensão
dos complexos processos da aprendizagem, sobretudo, considerando
que a aprendizagem na TS é processo psicológico de um sujeito ativo
que produz sentidos subjetivos diversos.

A teorização de um sujeito como produtor de sentidos subjetivos avan-


ça na compreensão da aprendizagem matemática, inicialmente visto
por nós como fenômeno preponderantemente cognitivo, revelando,
a partir da TS, a aprendizagem matemática como processo psicoló-
gico de produção diversa de sentidos subjetivos. Assim, o ser mate-
mático, mais que propositor de procedimentos matemáticos diversos,
assumido estritamente na sua perspectiva cognitiva, é expresso como
produtor de sentidos subjetivos ao longo da realização de suas apren-
dizagens, apoiado no sistema simbólico-emocional, em que cogni-
ção-emoção são duas faces de uma mesma moeda na constituição e
desenvolvimento do ser matemático.

Para a TS (MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY apud MARTÍNEZ; SCOZ; CAS-


TANHO, 2012, p. 63), sempre que o sujeito está implicado, envolvido,
investido no processo de aprendizagem, ele produz sentidos subjetivos,
que é um reflexo de seus processos pessoais, históricos, emocionais,
diferenciados, distintos, dinâmicos no aprender, inclusive, aprender

56
CAPÍTULO 2

matemática. Assim, a produção dos sentidos subjetivos é considerada


para cada caso, para cada momento da pessoa, em cada situação, em
cada contexto e, em especial, como o sujeito se percebe no processo de
produção de conhecimento.

A categoria subjetividade nos remete à categoria SUJEITO, assumin-


do como aquele que aprende, no contexto dos complexos processos
da aprendizagem, como ativo, distinto, diverso, autônomo, crítico e
criativo. Em nossos estudos sobre atividades matemáticas de seres
matemáticos, essa categoria revela-se como lupa para análise dos
processos de produções matemáticas, uma vez que temos, desde a
construção do diálogo com os sujeitos participantes, a perspectiva de
assumir epistemologicamente a produção intelectual na infância de-
terminada pela diversidade, pluralidade, criticidade, criatividade no
produzir sentimentos e pensamentos em relação à matemática.

Assim é fundamental, em nosso estudo, a categoria “sujeito que


aprende” sendo que:

O conceito de sujeito que aprende representa também uma via


para começar a conjecturar sobre a natureza dos processos subjeti-
vos implicados em seus problemas de aprendizagem. O sujeito que
aprende define-se não pelas suas capacidades e processos cogni-
tivos envolvidos no processo de aprender, mas pelas configurações
subjetivas que explicam o desenvolvimento dos recursos do aluno
neste processo [...] a configuração subjetiva da aprendizagem se
faz no conjunto de operações e decisões que a pessoa como sujeito
assume de forma ativa. (GONZÁLEZ REY, 2012, p. 360).

As produções das configurações subjetivas que caracterizam a catego-


ria sujeito não se efetivam estritamente nas produções cognitivas, mas
nos processos de tomadas de decisão, das opções, do livre arbítrio do
sujeito ativo nas suas produções. Assim, buscaremos em nossas aná-

57
lises não encarcerar a visão do ser matemático estritamente nas suas
produções cognitivas, mas buscar o pano de fundo que fundamenta
suas opções, suas adesões, suas recusas, seus investimentos, seus re-
cuos, seus caminhos e descaminhos. Isso significa que nas análises e
interpretações não podemos prescindir da explicitação da geração da
atividade matemática em si pela criança. Ao contrário, a partir de uma
compreensão mínima da atividade cognitiva subjacente ao fazer ma-
temática, devemos buscar quais as razões de suas opções e caminhos
escolhidos ou negados. Isso nos remete ao estudo das configurações
subjetivas que dão sustentação, em especial, do próprio processo de
atividade intelectual. Para González Rey, somente o ambiente perme-
ado pelo diálogo é capaz de recuperar a pessoa como produtora de
sentidos subjetivos nos processos de aprendizagens, o que significaria
assumir um olhar para cada pessoa como um sujeito que, mais que
aprender conceitos científicos no campo da matemática, produz sen-
tidos subjetivos que dão sustentação ao complexo processo de sujeito
ativo de suas próprias aprendizagens, em experiências significativas,
em processo de autorreconhecimento como ser matemático.

Nas produções matemáticas, há de se considerar que o sujeito opera


num espaço de tensão entre o respeito e a reprodução das normas
socialmente definidas e percebidas, da maneira como se realizam a
atividade matemática, sua aprendizagem, a possibilidade e o desejo
de rompimento, de avanço e de oposição. Assim, a atividade reflete
a articulação dialógica entre o sistema de produção de sentidos sub-
jetivos individuais e sentidos subjetivos sociais.

Álvarez (apud MARTÍNEZ; ÁLVAREZ, 2014) nos remete a duas possibi-


lidades da motivação para a aprendizagem, importantes para nossa
análise: “por aceitação de uma obrigação sem escapatória ou por um
desejo singular genuíno” (p. 29-30). Álvarez questiona a si mesmo,
se a não aprendizagem não seria pelo fato da não oportunidade de

58
CAPÍTULO 2

construção de recursos subjetivos pelo sujeito, quando do processo é


extirpado o desejo da experiência.

A produção de sentidos subjetivos, segundo a TS, constitui-se não


em produto acabado e estático, mas num sistema complexo e dinâ-
mico, de forma que, na investigação que busca compreender esse
sujeito ativo no fazer matemática, é importante considerar que as
informações obtidas para análise são um momento congelado de
um fluxo intenso, dinâmico e complexo, uma rede de relações de
ordem psicológica de difícil captação. Assim, a investigação tem de
pautar-se pela construção de um cenário em que prevaleça o diá-
logo, não apenas com o sujeito presente (em atividade), mas com
o sujeito pretérito (seu processo histórico constitutivo) e futuro (seu
devenir pautado pelos seus desejos de futuro e de esperança).

O processo de subjetivação como determinante do desen-


volvimento do ser matemático

Nosso desafio é promover uma ampliação da categoria ser matemá-


tico como sujeito produtor de sentidos subjetivos na aprendizagem
matemática e ampliar a compreensão a respeito dos fenômenos que
levam esse sujeito a produções diversas e complexas de configura-
ções subjetivas expressas em relações com os objetos e as atividades
matemáticas. Essa ampliação da busca da compreensão do ser ma-
temático enquanto sujeito, hoje desconsiderada tanto no campo da
psicologia cognitiva quanto no contexto didático-pedagógico.

Compreender as produções de conceitos e teoremas matemáticos,


a autoimagem para a aprendizagem, a configuração de suas emo-
ções frente à matemática pode ser plausível a partir da construção
de espaços e instrumentos de diálogo com os sujeitos que vivem a
produzir, a testar, a rever, a reconfigurar sua visão dos papéis da

59
matemática para seu desenvolvimento humano e na relação com
seu mundo social e cultural.

Figura 2 – A constituição do ser matemático e as produções de sentidos subjetivos

ser matemático: que aprende e pensa matematica-


mente - ANÁLISE DE REGISTROS MATEMÁTICOS

produção de significados: conceitos e teoremas


em ação na geração de procedimentos- DIÁLOGOS E
ANÁLISES MICROGENÉTICA
sujeito: produtor de sentidos subjetivos sobre seus
processos de aprender e produzir matemática - CON-
VERSAÇÃO LIVRE

Portanto, hipotetizamos que a produção matemática do ser matemático


é determinada, dentre muitos fatores, pela sua condição ontológica de
sujeito, ativo nos processos de aprender, de aprender matemática, em
que o sistema simbólico-emocional define opções, posições, caminhos,
intensidade de adesão à atividade, autoimagem e autoconfiança para
superação de desafios matemáticos e mais, participa determinante-
mente de sua emocionalidade na relação com os objetos matemáticos,
uma emoção que qualifica os processos de produção matemática, de
aprender matemática e, na visão do ser matemático, de si mesmo,
como produtor de conhecimentos e sentimentos.

Mônica: a que quer dominar a turma

Fazendo 7 anos em 2014, iniciando sua participação ainda com 6


anos de idade, pequenina no tamanho, a menor e mais nova de todas
as meninas, mas grande no sorriso, grande na alegria e na motiva-
ção, grande na sua própria autoimagem, sempre aceitando desafios
60
CAPÍTULO 2

e provocando os mais velhos, mostrando que é pequena sim, mas dá


conta daquilo que os grandes fazem ou mesmo que dizem ser difícil
ou não dão conta, mas ela dá conta sim, pois é esperta e inteligente.
Sempre pedindo para darmos mais e novos desafios e, se possível,
mais difíceis.

Quando o pesquisador titubeia, ouve-se logo a “baixinha” de grande


sorriso banguela e de forte brilho nos olhos: “vixeeeee, pensa que não
dou conta não?!! Passa que vai ver só, pensa que só por que sou pe-
quena não dou conta não???!!!” Muitas vezes nega ajuda, mediação
ou intervenção, dizendo: “deixa eu pensar aqui primeiro, vou te mos-
trar que vou dar conta sim e que não é difícil não.”

Busca jogos presentes no ambiente de matemática lúdica, com espe-


cial atenção à Torre de Hanói, Awalé e Quadrado Mágico (jogos de
estratégias matemáticas disponibilizados pelo projeto no Centro), pro-
curando jogar sozinha ou convocando o pesquisador para jogar com
ela. Quando proposto pelo pesquisador que jogasse com os colegas,
dizia que eles não sabiam nada, não davam conta ou, ainda, que eram
muito lentos e que não tinha paciência com eles não.

Sempre se metendo nas ações dos mais velhos e sempre querendo


mostrar que é capaz de fazer tudo que os outros fazem, não so-
mente nas oficinas de matemática lúdica, mas no circo, na capo-
eira, nas artes...

A pequena que quer ser maior

Mas é na matemática que sobressai esse ímpeto de participar e dar


respostas e, desde que iniciamos os trabalhos no Centro, a coordena-
ção pediu que deixássemos Mônica participar também. Mais conhecida
como Moniquinha, ela é muito esperta, sobretudo para a matemática,
e não podia deixar de participar, apesar de ainda não ter 7 anos.
61
E assim, desde o início das nossas atividades, Moniquinha usa a mate-
matização para mostrar a todo grupo que ela é maior e mais capaz do
que todos imaginam. Assim, desde o princípio, apesar de ainda com
pouco avanço na escrita e na leitura da linguagem materna, lança-
se na realização das atividades matemáticas propostas por meio dos
jogos, sempre procurando trabalhar sozinha num primeiro momento,
construindo registros, depois, ainda debochando dos “maiores” que
ainda não tenham conseguido fazer ou que reclamam que está difícil,
dizendo “difícil não, é fácil, eu já fiz...”

Já na primeira produção, no contexto do jogo de multiplicações, ve-


mos que ela se lança à atividade, apropria-se dos conceitos e, a partir
da conceitualização, desenvolve procedimentos fortemente ancorados
em lógicas matemáticas e, mais ainda, realiza processos de registros
para apoio de sua produção cognitiva e também para comunicação
e validação social das produções matemáticas.

Assim, sua crença positiva na matemática favorece-a para lançar-se


nas suas construções conceituais e de procedimentos, mesmo que as
questões da linguagem e escrita tenham alguma incompletude. Cien-
te de suas próprias dificuldades com a escrita, não deixa de produzir,
de organizar, de argumentar.

Há na produção apresentada a seguir, o espelhamento dos algaris-


mos, tanto no registro da situação quanto ao somar (ela consegue
fazer com pleno controle adição com cinco parcelas, inclusive, com
formação de uma nova dezena, já, de certa forma, reproduzindo
formas clássicas do processo operatório da adição tratado na esco-
la, mas ela não se encontra no nível escolar no qual esse conteúdo é
tratado, sendo resultado de suas procuras constantes de saber mais
e fazer coisas novas).

62
CAPÍTULO 2

Figura 3 – A falta de aquisição dos códigos matemáticos não impede a gera-


ção de procedimentos

No jogo dos dados, Moniquinha revela ter dominado muito bem o


conceito da multiplicação enquanto proporção, mesmo com o espelha-
mento, mas revela uma organização estrutural e gráfica destacável. Ou
mesmo quando realiza os desenhos nos contextos, reforçando a nossa
interpretação de pleno domínio dos conceitos.

Há uma liberdade, uma tranquilidade na construção do procedimento


para descobrir quantos chocolates há em 4 caixas, espelhando tanto

63
os números quanto no posicionamento dos dígitos, mas faz, responde,
argumenta, justifica, registra e reforça para si diante do grupo o “eu
sei”. E sabe mesmo, ou, se não sabia, passou a saber, construiu a sua
aprendizagem, pois antes de mais nada, acredita em sua capacidade
para aceitar desafio, superar dificuldades e constituir-se bem mais da-
quilo que pensam que ela é.

Na questão do sabão, realiza a adição com muita maestria e sem ti-


tubear. Organiza as três parcelas e a formação de uma nova dezena
ou centena não aparece como obstáculo à sua realização, nem à sua
participação nas atividades matemáticas no Centro de Atividades.

A menina que calcula sem aceitar obstáculos

Na atividade com as fichas escalonadas, identificamos algumas difi-


culdades na compreensão da escrita dos números, mas, sobretudo, a
dificuldade é quando a atividade matemática vai ao encontro da pro-
dução escrita na língua portuguesa, inclusive, quando Moniquinha se
recusa a dar continuidade ao jogo, pois isso a incomoda quanto a sua
própria imagem de conseguir dar respostas às produções matemáticas
e mais, escrever por extenso não é o mesmo que fazer operações arit-
méticas, nas quais ela encontra tanto prazer.

Figura 4 – A estrutura do número no sistema decimal em processo de aprendizagem

64
CAPÍTULO 2

Neste dia, constatamos dificuldade quando faz a composição do


805, acabando por colocar 80+5, não sendo obstáculo para realizar
procedimentos e dar respostas válidas e validadas, pois, afinal, ela
revela muita segurança nos conceitos, o que lhe garante segurança na
construção de procedimentos, muitas vezes, inusitados.

Mesmo no caso da divisão de feijões ela nos mostra, na constituição


simbólico-emocional, pleno domínio dos processos cognitivos e parte
para a realização de procedimentos, de registros e autorregulação,
uma vez que mostra a si mesma e ao grupo (inclusive ao pesquisador)
que ela está certa: dá conta, mesmo que os registros nos remetem a
uma discussão semiótica essencial: não podemos ver, enxergar, olhar,
interpretar suas produções a partir da ótica do professor matemático,
mas, no espaço de produção de registros simbólicos, carregados de
significados para quem os produzem, esses registros revelam-se por
meio de nosso esforço interpretativo. Esse esforço de interpretação nos
remove de nossa posição epistemológica de conforto, promovendo a
construção de um processo construtivo-interpretativo, que González
Rey (2014) define como um dos eixos da Epistemologia Qualitativa.

Figura 5 – A construção de conceito e registro da divisão no processo de al-


fabetização

65
Por exemplo, na terceira linha, Moniquinha mostra que os 19 fei-
jões repartidos entre 5 pratos, produzem grupos de 3 feijões e resta
um, ficando o registro 19 5 = Ɛ 4, sendo “Ɛ” o “3” espelhado e,
em seguida, o resto da operação, ou seja, que a divisão admite duas
respostas, sendo o quociente e o resto. Isso é uma construção cognitiva
em termos procedimentais, conceituais e de registro nada elementar.
Mas consegue por crer que dá conta, realiza com muita maestria,
com absoluta correção matemática, apesar dos espelhamentos no
processo de produção gráfica. Reafirmamos, nessa análise, que suas
dificuldades de escrita numérica de alguns dígitos não aparecem de
forma alguma como obstáculo para sua construção de procedimento,
garantindo, inclusive, um processo de avanço nos seus conhecimentos,
de um lado, e, por outro, reforçando diante do grupo sua imagem de
ser “inteligente para as matemáticas”. Tanto que, quando apresenta ao
pesquisador suas produções e este as validam, vira-se para o grupo e
abre um grande sorriso banguela.

Se Mônica tem dificuldades com o grafismo dos algarismos, muitas das


suas produções revelam-nos plena noção da estrutura do Sistema de
Numeração Decimal. Todavia, ocasionalmente, como vemos na produ-
ção a seguir, quando uma adição parcial das dezenas totaliza “12”, ela
deixa o “1” na dezena e promove o “2” para a centena, o que tem sua
lógica, uma vez que ao escrever “12” escreve primeiro o “1” e depois
o “2” e assim procede, gerando um erro, que pode, de certa maneira,
ser associado também à questão de lateralidade. Entretanto, isso nos
aponta que a construção da compreensão das estruturas do Sistema
Numérico Decimal está ainda em vias de consolidação (considerando
uma criança de 6/7 anos), com repercussões importantes para a confi-
guração de seus procedimentos operatórios:

66
CAPÍTULO 2

Figura 6 – O domínio de estruturas do sistema de numeração gerando


procedimentos

O mesmo problema se repete nas duas operações, 145+382, assim


como em 1345 + 4176. Convém chamar a atenção para o fato de que
quando a soma totaliza, por exemplo, onze, essa inversão não implica
erro, pois os dígitos são os mesmos.

Calculava mais que seus colegas mais velhos

Na atividade do bingo, quando tem de realizar multiplicações, algumas


vezes bem grandes para uma criança de 7 anos, ela apela realizando
-as com a calculadora de um celular emprestado e, imediatamente, os
colegas reclamam e não aceitam tal atitude e ela tem de refazer com a
mediação do pesquisador.

Moniquinha realiza a operação com maestria para uma criança de


6/7 anos, ou seja, se há momento em que ela inverte a posição entre
as ordens, em outros realiza os agrupamentos decimais e as posições
de registros dos valores sem qualquer problema. Nossa análise nos
mostra que mesmo nos momentos em que faz a inversão, temos ga-
rantias de que a construção tanto conceitual quanto procedimental está
em fase de consolidação, em nível bem avançado para sua idade e
desenvolvimento.
67
Em situação de subtração, em seu maior nível de dificuldade, como em
200 - 145, que requer um duplo desagrupamento, com processo recursi-
vo, para nossa surpresa, Moniquinha realiza sem dificuldades e com re-
gistros perfeitos, traduzindo de forma muito clara os procedimentos, com
compreensão e sua visão da estrutura decimal e posicional dos números:

Figura 7 – No primeiro ano de escolaridade, registro revela habilidade prevista para


o 3º ano do ensino fundamental, com decomposições recursivas na subtração

Essa subtração com desagrupamento recursivo é normalmente difícil


para crianças de 3º ano do Ensino Fundamental e Moniquinha a rea-
liza com uma segurança que nos leva a acreditar que ela tem razão:
pode passar mais difícil que ela dá conta sim. Ficamos a nos questio-
nar de onde vem essa motivação e autoimagem sobre sua capacidade
para matematização.

Esse “conforto” que demonstra em trafegar nos processos e registros


matemáticos fica bem evidente em outra produção de Mônica nessa
mesma atividade, mesmo dia e com registro na mesma folha da pro-
dução acima apresentada, mas agora num contexto de divisão (que
vamos aprofundar mais adiante):
68
CAPÍTULO 2

Figura 8 – Registro revela já a presença da gênese da construção do procedi-


mento da divisão

Nesse registro, é fundamental a descrição de seu esquema mental pre-


sente em seu registro:

4 dividido por 3 dá 1 dezena e sobra 1 dezena. Escreve o 1 da dezena


que resta diante das 2 unidades, ficando 12 unidades (assim como o faz
com a subtração com desagrupamento). 12 unidades divididas por 3 re-
sultam 4 unidades, registradas à direita do 1, ficam 14 como resultado.

Nossa reflexão é saber quantos educadores e professores estão dispo-


níveis para interpretar e reconhecer a capacidade cognitiva de Mônica
nesse processo e que a valorização dela é fundamental para corroborar
a complexa dialética cognição-afetividade, uma vez que de um lado sua
emocionalidade positiva na realização matemática permite-lhe lançar-
se e produzir mental e graficamente soluções próprias e espontâneas
e, ainda, sua produção, com validação, retroalimenta sua autoimagem
para elaborar e propor soluções para desafios que, segundo o currí-
culo escolar, não seriam apropriados para sua idade. Entretanto, ela
atropela o currículo, ignora as concepções limitadas dos professores e
elabora uma solução e nos mostra com seu sorriso e brilho no olhar.
69
O que fazer? Cabe-nos compreender, aceitar, valorizar e partir para
uma reconstrução de nossas bases epistemológicas acerca das capa-
cidades de produção matemática desta e de tantas outras “Mônicas”.

Ainda no jogo de bingo, agora com as multiplicações, as operações


mais simples como 3 x 4, ela realiza por meio de cálculo mental sem
apelar para qualquer tipo de registro ou soma repetida. O mesmo
ocorre com o 3 x 15. Quando realiza 4 x 156:

Figura 9 – Quando a construção do conceito favorece a construção de proce-


dimentos, independentemente do desenvolvimento curricular escolar

Observamos que reforça a ideia de ter desenvolvido adequadamente o


conceito da multiplicação enquanto proporção, mas erra ao promover
apenas uma centena ao invés de duas centenas, mas estrutural e con-
ceitualmente sua atividade está plenamente validada.

Voltando à compreensão da divisão e sua construção de procedimento


e registro, ao dividir 42 por 2 temos:

70
CAPÍTULO 2

Figura 10 – Desde já a gênese do procedimento das subtrações sucessivas


para a divisão

Vemos que, nesse contexto, diferentemente da situação em que havia


feijões e pratinhos para representação física das partilhas, a operação
e seu procedimento acabam por ficar marcados pelo valor que caberá
a cada um, numa primeira gênese interessante da divisão enquanto
formação de grupos equipotentes e com registro de quanto cabe a
cada um, permitindo visualizar a reversibilidade, ou seja, se reagru-
parmos os dois 21, retomamos os 42. Entretanto, vemos no registro
que Mônica já possui algum conhecimento do registro da divisão como
chave, mas sem ter se apropriado, ainda, para onde vai cada registro.

Mas qual a história da construção dessa autoimagem positiva para


aceitar desafios matemáticos, para produzir e validar procedimentos,
para a construção tão cedo de conceitos matemáticos mais complexos?
Quais lógicas estão dando sustentação à constituição desse sujeito,
como vêm se elaborando essas configurações subjetivas?

Se ao longo desses anos nossas análises se limitavam à busca de expli-


citação de esquemas mentais, desvelando teoremas e conceitos em ação
(VERGNAUD, 2009) restritos à situação didática proposta, a apropriação
da Teoria da Subjetividade (GONZÁLEZ REY, 2002, 2008, 2012) nos

71
anima e nos impulsiona à busca de uma compreensão ampla, profunda
e complexa da constituição desse sujeito que produz conhecimento ma-
temático, uma compreensão que somente a construção de um diálogo
com esse sujeito pode trazer novas luzes de explicação e compreensão,

Calcula e não gosta da escola

Quem é Mônica, segundo a própria “Moniquinha”?

P: Quantos anos você tem?


C: Sete
P: Você gosta da escola?
C: Não.
P: Não? Por que você não gosta da escola? (não responde)
P: Por que você não gosta da escola?
C: Porque não!
P: Se você fosse mudar a escola, o que você gostaria de mu-
dar nesta escola?
C: Nada.
P: Nada?
P: O que você gosta, eu sei que você não gosta geral da es-
cola, mas o que tem na escola que você gosta?
C: De tudo, mais ou menos.

A fala de Mônica deixa transparecer certo descrédito quanto à escola, não


gostando de “nada” e não pensando em possibilidade de mudanças.

Ora, Mônica gostava das atividades de Matemática no Centro e mais,


gostava de tudo, mas hoje não há mais nada, o que demonstra bem sua
tristeza revelada pela fala e postura. Aos poucos ela vai confirmando as
lembranças de uma série de atividades matemáticas realizadas semanal-
mente no Centro, atividades que são citadas nesses textos ao trazer os con-
textos de produções matemáticas de Mônica, assim como os dos demais.
72
CAPÍTULO 2

Podemos imaginar que seu gosto pela matemática se deve especifica-


mente em razão do caráter lúdico das atividades dentro desse projeto,
mas temos como posição de Mônica que há, para além do Projeto, um
gosto pela matemática:

P: E vem cá, você gosta de matemática?


C: Uhum.
P: Do que você gosta de matemática?
C: De tudo.
P: O que você sabe fazer em matemática? Me diz aí.
C: É. Mais, menos, vezes, dividir.
P: Já sabe dividir? Eita mentira da gota...
C: Verdade.

Assim, a princípio, Mônica, com 7 anos já gostava de tudo relacionado


com a matemática, inclusive, dividir.

Calculadora na cabeça

Mais adiante, vemos sua preferência pela multiplicação, o que havia


sido objeto de construção em vários encontros nas oficinas de mate-
mática no Centro:

P: O que você acha mais legal na matemática? Quando vai


para aula você fala: isso eu gosto.
C: Eu gosto mais de vezes.
P: De vezes...
P: Me dê um exemplo de vezes que você sabe?
C: É deixa eu ver...
P: Você sabe montar uma continha de multiplicação?
C: Não.
P: Por exemplo, quatro menos cinco?
C: Quatro menos cinco...
73
P: Não é de vezes?
C: Ah... Deixa eu ver.
C: Vinte.
P: Como você fez para saber que era vinte?
P: Como é que você fez na cabeça para saber que era vinte?
C: Nada, ué!
P: Foi assim tchum? E deixa eu ver uma mais complexa. Cin-
co vezes dez?
C: Cinco vezes dez?
C: Cinquenta.
P: E cinco vezes vinte?
C: Pera aí...
P: Cem.
P: Ah, como que você conseguiu na primeira acertar? Você
tinha alguma calculadora escondida?
C: Não.
P: Aonde tá essa calculadora?
C: Eu não tô com calculadora.
P: Fala: onde tá essa calculadora?
C: Na cabeça.

Observamos que Mônica não tem capacidade de explicitação oral da


forma como determina o produto, ou seja, ela realiza mentalmente, de
forma muito rápida e segura, sem saber dizer, sem saber explicitar o
procedimento utilizado. Há duas possibilidades interpretativas: o resulta-
do vem imediatamente à mente, pois já se habituou ao produto dessas
multiplicações (mesmo que ainda esteja no processo da alfabetização)
ou realiza de forma operatória, de forma tão imediata e natural, que não
parou para uma atividade metacognitiva que favorecesse a explicitação
para ela mesma, de como se processa tal operação mental. Para ela,
trata-se de uma “calculadora” que tem em sua cabeça. Interessante ver
nas análises anteriores que, quando ela não conseguia realizar a opera-
ção, queria fazê-la utilizando-se de uma calculadora eletrônica.

74
CAPÍTULO 2

A preferência pela matemática vem em oposição à dificuldade com a leitura


e a escrita, como tratamos anteriormente, o que é confirmado por Mônica:

P: E a leitura como é que você está de leitura na escola, gosta


de ler e escrever?
C: Não...
P: Ah é? Você não gosta da aula de português?
C: Não.
P: Por quê?
C: Porque, não.
P: E aula de matemática gosta?
C: Uhum.
P: E você não vai me falar do que você gosta na escola, do
que você mais gosta de ir na escola, para quê?
C: Para nada, ué?
P: Para nada?
C: Para não reprovar.
P: Ah, você vai só para não reprovar. Tá bom...

Como nossas análises focam mais na capacidade de produção mate-


mática de Mônica, buscamos saber como ela se vê esperta:

P: Você é uma menina esperta ou não? Você é esperta para


quê? Pra fazer o quê?
C: Matemática.
P: Matemática e o que mais?
C: É... só.
P: E para alguma brincadeira?
C: É.

Quanto ao seu conhecimento matemático, segundo Mônica, ela sabe


tudo, mas espera do pesquisador “dicas”, ou seja, novos segredos no
fazer matemática e ampliar seu repertório. Se fosse pedir algo para

75
o pesquisador, solicitaria; “matemática”. Interessante que palavras,
como brincar, brincadeiras, jogos, premiações, doces, chocolates não
aparecem como resposta, e sua expectativa é “matemática”:

P: O que você não sabe em matemática e gostaria de apren-


der?
C: É, nada...
P: Você já sabe tudo?
C: Não, menos um, sei tudo menos um.
P: É? Se a gente fosse voltar fazer aquela atividade lá no
Centro, o que você iria pedir pro Cristiano voltar fazer?
C: Matemática.
P: O que de matemática?
C: Uma dica, ué.

Parece que esperava ainda novas aprendizagens matemáticas que lhe


favorecessem a possibilidade de produzir soluções para novas situa-
ções desafiantes (o que chamou de “dica”).

Quanto à sua visão e desejo de futuro, não é de se surpreender que


hoje ela queira ser professora de matemática:

P: O que você quer ser quando crescer?


C: Professora.
P: Professora de quê?
C: Matemática.
P: Por que você quer ser professora de matemática?
C: Porque sim.
P: O que quê é legal ser professora de matemática?
C: Tudo.
P: Como é que você planejaria, como é que você iria fazer
com teus alunos?

76
CAPÍTULO 2

C: Continha de dividir.
P: E como é que você iria ensinar continha de dividir? Como
é que ia ser essa aula?
C: Eu ia dividir.

Ela nega a possibilidade de, sendo professora de matemática, ter de


lidar com leitura, mas trabalharia muita coisa legal, em especial, en-
sinaria a divisão. Sobretudo, que suas aulas seriam “boas”.

A negação que vira dependência e motivação

Sua mãe, muito humilde, pede para não ser filmada e, assim, usamos
apenas gravação em áudio. Possui apenas escolarização dos anos
iniciais, trabalhando com faxinas (diarista) em lares e em comércios.
Reside em casa extremamente simples, em processo de construção,
cuja continuidade ocorre de acordo com os recursos disponíveis.

A fala de sua mãe nos aponta elementos importantes nessa constitui-


ção subjetiva do gosto pelos desafios de Mônica, em especial, pela
matemática. Para compreender como esse sujeito busca superar situ-
ações que, teoricamente, estariam bem acima do seu nível de desen-
volvimento, buscamos construir um processo de conversação com a
mãe de Mônica. Buscamos elementos que nos permitissem compreen-
der o que motiva a alegria de Mônica pelo desafio, pela permanente
busca pela superação, sempre respondendo a cada desafio posto,
diante de cada desafio aceito.

Vemos, para nossa surpresa, uma história de rejeição que dá início à


relação de mãe e filha:

P: Eu gostaria de saber de você quem é Mônica?


M: Quem é Mônica?

77
P: Quanto pessoa, quanto sujeito, que veio na sua vida, como
é, quem é essa pessoa, quem é essa pessoa chamada Mô-
nica?
M: A Mônica é uma criança muito, ela é muito fácil de lidar
e muito complicada também. Ela veio numa fase difícil da
minha vida, muito complicada. Quando ela nasceu a gente
passou por muita dificuldade, que ela nasceu com proble-
ma, teve pneumonia já nas primeiras, na primeira semana
já ficou muito tempo internada no hospital em Brasília...
tipo assim, na época quando ela nasceu nossos amigos
que eram mais... um aprendizado pra mim, porque tipo
assim... eu trabalhava muito não tinha muito tempo, então
tudo aquilo que ela passava era uma forma da gente ficar
juntas sabe? Nós duas... Foi um relacionamento difícil que
não deveria ter acontecido, aconteceu e aí ela nasceu...
tipo assim era a única filha de cinco, ela era a única de pai
diferente né, então tinha um certo preconceito também das
pessoas.
P: Ela tinha um certo preconceito porque ela não era filha do
pai dos demais.
M: É, não era.
P: Mas você falou uma coisa interessante, ela ficou doente,
mas teve um lado positivo.
M: Isso.
P: Que você ficou bem...
M: Nós ficamos bem juntas.
P: Juntas... Por que isso foi importante? Oi menina!
M: Aí então porque, tipo assim, quando ela nasceu eu estava,
tipo assim... eu estava numa fase muito difícil das muitas,
então logo na primeira... quando eu muito só... na verda-
de antes dela nascer eu pensei na possibilidade de dar ela,
entendeu? Então foi uma fase muito difícil, mas graças a
78
CAPÍTULO 2

Deus, muitas pessoas me ajudaram e não foi nem de for-


ma financeira, psicologicamente tudo mais, tinha acabado
de sair de um relacionamento, tudo mais... Aí ela desma-
mou logo nos 3 primeiros dias, ela já não mamava mais.
P: Três dias?
M: Três dias já. Ela já não mamava mais, ela já ia pra babá,
com uma semana ela ia pra babá, aí ela ficou doentinha
e a gente foi no médico por acaso, chegou o médico, um
médico que nunca dava diagnóstico de nada, examinou
ela e já diagnosticou que ela tinha problema no coração.
P: Ela tinha problema no coração?
M: Ela tem um sopro, agora já tá bem controlado, porque
ela fez o tratamento direitinho e logo depois diagnosticou
uma pneumonia nela, a gente foi pra Brasília e ficamos lá
no Hospital da Criança 17 dias internada só eu e ela, tipo
assim, era ela pra mim e eu pra ela, entendeu? Aí a gente
voltou e menos de 6 meses de novo ela teve pneumonia,
de novo, a gente foi, tipo assim, ela foi muito paparicada,
entendeu? Porque foi uma gravidez que não foi desejada.
P: Quem paparicava ela?
M: Todo mundo, o pessoal do hospital, a Rosa foi uma grande
parceira também, nessa época eu trabalhava com a Rosa.
P: Tanto que a Rosa hoje é madrinha dela.
M: Eu trabalhava com a Rosa ainda, não sei se ela ainda
mexe, que agora a gente tem menos contato, ela ia fazer
um trabalho espírita com ali, na antiga loja dela, e aí ela
me chamou pra levar a Mônica lá por causa desse pro-
blema dela, que ela ficava muito doente, aí eu levei e na
hora lá precisava de um padrinho e de uma madrinha,
tipo assim, ela era a única pessoa mais próxima que eu
tinha, aí eu peguei e chamei ela, tipo assim, foi muito bom
porque ela dá muita atenção pra Moniquinha, ela gosta
79
muito da Moniquinha e ela considera muito e a Mônica
também considera bastante ela... aí foi assim, aí ela, as
enfermeiras, os médicos no hospital, ela era uma criança,
era não! Ela é muito linda, sabe? Ela nasceu muito linda!

Da discriminação por ser filha de outro pai à rejeição, com a intenção


de dar a criança, a rejeição da amamentação, a fraqueza física e re-
lacional, leva à doença, internação, isolamento das duas, mãe-filha,
que, tendo de ficar juntas, faz nascer uma relação afetiva e de dupla
dependência e reconhecimento. Descoberta uma da outra e a cons-
trução de uma rede de laço de ajuda e bem querência que leva, em
últimas instâncias, à proteção. Assim, temos uma relação tensionada,
antagônica, que evolui da rejeição à superproteção, com uma relação
ampla de bem querência, que extrapola muito a relação mãe-filha.

Nasce assim um sistema social de parceria em torno da Mônica, médi-


cos, enfermeiros, líderes comunitários, educadores, em torno do sorrir
e do brilho do olhar da pequena Mônica, na contramão da rejeição:

P: Ela tem seu sorriso, seu olhar.


M: É todo mundo fala.
P: Exatamente.
M: Aí todo mundo, não sei, uma criancinha doente, eu não
sei, sei que foi todo mundo, inclusive ela tem duas mães
fora eu, que é uma das enfermeiras do hospital, que até
hoje trata ela de minha filha e uma outra que foi monitora
dela na creche, que ela entrou lá na creche muito cedo
também. Com 8 meses ela já estava lá.
P: Com 8 meses? E ela ficava o dia todo lá?
M: Ficava o dia todo até uma outra monitora que adotou ela
como mãe, chama ela de filha até hoje. Tratava ela superbem.
P: E como era essa creche? Estimulava ela, como era?

80
CAPÍTULO 2

M: É, era ótima. Não era do Governo, era uma coisa privada,


mas eles davam oportunidades de crianças carentes, tipo
assim, a gente fazia uma contribuição. Você tinha dinheiro
você dava um valor e quando você não tinha participa-
va da jardinagem, dessas coisas entendeu? Era de uma
organização de Goiânia. E ela foi bem aceita na creche,
ela gostava muito, foi muito bom. Quando ela chegou na
fase da escola também, o pessoal da creche me apoiou
muito na época, porque quando ela adoeceu eu tive que
sair com ela correndo. Eu já tinha os irmãos e a outra que
ficavam na creche, e aí uma das monitoras da creche pe-
gou uma para ficar na casa dela. Eu moro aqui, mas não
tenho ninguém da minha família, todo mundo aqui é meu
amigo, entendeu? Graças a Deus que tenho muitos!
P: Uns ajudam os outros.
M: E foi assim! Hoje a Mônica ela é carinhosa, é bem dedi-
cada no estudo, graças a Deus bem dedicada no estudo,
mas ela é muito preguiçosa, nossa... Meu Deus ela é muito
preguiçosa, ela chora...

Essa rede que se construiu em torno da Moniquinha (inclusive, acaba


por ter “duas mães”, Moniquinha que de início tinha uma mãe que
queria dá-la a alguém) gerou a oportunidade que os demais filhos não
tiveram de frequentar a Educação Infantil em instituição que oferecia
atividade por meio de projetos pedagógicos. Parece-nos que essas vi-
vências foram fundamentais no processo de estimulação da Moniqui-
nha, que esteve na instituição a partir dos 8 meses de idade.

Na constituição do sujeito Mônica, vemos a fala explícita da sua mãe


como nessas relações aparentemente antagônicas, rejeição-adoção,
surgem possibilidades de experiências que possivelmente não se-
riam realizadas caso não houvesse necessidade desse movimento de

81
acolhimento, opondo-se à negação de sua própria existência, ou seja,
experiência que nasce no seio da tensão negação-acolhimento. A bus-
ca da superação do contexto do abandono e da rejeição, o acolhimen-
to, geram possibilidades que são diferenciais para o desenvolvimento
de Mônica que seus irmãos, todos os filhos do outro pai não experi-
mentaram. Isso nos faz hipotetizar que esses são elementos centrais
na compreensão desse brilho no olhar desse sujeito e a sede na busca
da superação, da autonomia, no crescimento, na conquista e sedução
que, por meio de questões matemáticas, revela-se aos outros como
sujeito diverso, cativante e instigante. Assim, perguntamos à mãe de
Moniquinha sobre a relação dela com os estudos:

P: O que ela gosta de fazer?


M: Ela gosta de fazer brincadeira de homem, ela gosta de
soltar pipa, ela gosta de... tempo de biloca ela fica igual
homem correndo atrás de biloca.
P: Ela disputa mesmo com os outros?
M: Disputa de cair uma pipa ela correr para pegar.
P: Ela é briguenta?
M: Nossa! Briguenta, pirracenta de mais, de mais, ela briga
todos os dias, todas as horas com o irmão.
P: Ah, ela gosta de fazer o dever de casa?
M: Gosta, para ela é sagrado, tipo, eu trabalho a noite e às
vezes irmão me liga, que ela manda, ela começa a chorar
porque eu não tô para ajudar ela a fazer o dever.
P: Ela pede ajuda para você, e ele ajuda também?
M: O irmão às vezes ele ajuda, às vezes ele não ajuda, aí de
manhã eu acordo ela mais cedo e a gente faz o dever de
casa de manhã, mas se o dever não estiver pronto, ela não
vai pra escola.
P: Por que você acha que ela gosta de fazer o dever?
M: Ah, essa história da criança vem da creche ela tem essas

82
CAPÍTULO 2

certas regrinhas, é diferente da criança que sai da casa


pra creche, entendeu? Mas ela gosta muito, ela é muito
interessada. A irmã ela faz, mas ela não se importa muito.

Assim, sua mãe pensa que a vivência desde cedo com a instituição
escolar, desde a creche, foi determinante na construção dessa postura
de realização das tarefas, responder, realizar, a ponto de não ir para a
escola quando não está tudo feito. Raramente está com preguiça para
as tarefas escolares, mas tem preguiça e nega ajuda nas tarefas do lar.
Tende a recusar ajuda dos irmãos mais velhos, procurando ser autôno-
ma na realização das tarefas escolares.

As preferências de uma menininha com três mães

Questionamos quais são, na visão da mãe, as preferências de Moni-


quinha nas atividades escolares:

P: O que quê ela mais gosta na escola? O que você acha,


você que conhece ela?
M: O que ela mais gosta na escola? Ah, não tem uma definição.
P: E de dever o que ela mais gosta?
M: Ela gosta de continhas.
P: Gosta de continhas?
M: De continhas de multiplicação.
P: Já de multiplicação?
M: Porque aí ela sabe, ela gosta do que ela sabe, entendeu?
O que ela não entende ela não gosta muito. Tanto é que
o ano passado ela foi muito interessada e esse ano ela tá
menos, mas ela gosta muito, de tudo que ela gosta é a
escola. Ela não gosta de ir para o Centro.
P: Ela não gosta?
M: Não gosta.

83
P: O ano passado ela gostava ou não?
M: Na verdade o ano passado ela gostou pouco, mas esse
ano ela tá gostando menos.

Assim, conhecimento e afetividade caminham de mãos dadas, segun-


do sua mãe, ou seja, ela gosta mais daquilo que ela sabe mais, mas
no dever confirma sua preferência, as continhas. Tanto é que inúmeras
vezes no cotidiano ela me procurava com pedaço de papel nas mãos
solicitando que passasse para ela continhas. Entretanto, nunca levou
para o Centro tarefas escolares a serem realizadas.

Mais adiante, sua mãe ressalta:

M: É, agora a Mônica é muito imprevisível, ela é... ela tá de-


sabrochando, entendeu?
P: Ela gosta ... ela lê?
M: Lê um pouco,
P: Pouco.
M: Ela gosta mais de fazer dever da escola. Ela lê pouco. Às
vezes ela, ela tá aprendendo a ler na verdade, mas ela tem
interesse em aprender.
P: É engraçado ela está aprendendo ainda a ler, mas a ma-
temática ela bem mais à frente na verdade.
M: Nossa! É muito diferente você dar matemática e portu-
guês para Mônica, porque matemática ela muitas vezes
não pede ajuda, é quando ela não pede ajuda, você pode
saber que é matemática, não sei agora que vai dificul-
tar... porque ela faz tudo, ela sabe tirar, ela sabe colocar
entendeu? Agora para ela português é difícil, mas ela é
interessada, se não for a preguiça dela...
P: Você acha alguma coisa da matemática que ela vai à fren-
te, que a escola nem ensinou, que ela tá indo na frente, ou
alguma coisa que você percebeu nisso?

84
CAPÍTULO 2

M: Olha eu acho que ela foi mais rápida na matemática que


no português.
P: Foi, né....
M: Que igual ela chegou essa semana mesmo: - Mamãe por-
que que Isabela tá na primeira série, Isabela tá na primei-
ra série, ela sabe lê e eu não sei ainda?
P: Olha só.
M: Eu falei Moniquinha, você sabe ler, só que você tem pre-
guiça de juntar as palavras. Você quer ler, você quer pegar
a palavra lá e lê, não... você tem que juntar, mas ela: -
“Ah, seu junta fica lá...”, mas quando você junta todas as
frases vai dar a palavra. Ela não tem muita paciência é por
isso que ela prefere somar, entendeu? Só.

Reforça a ideia de que não gostava de ir ao Centro de Atividades,


exceto nas atividades de matemática. Como não se oferecem mais as
atividades matemáticas lúdicas, hoje não há mais interesse em conti-
nuar a frequentar o Centro. Quanto aos seus sentimentos em relação à
matemática no Centro de Atividades, sua mãe expõe:

P: Ela comentou alguma coisa sobre o trabalho de matemá-


tica lá no Centro?
M: Ah, comentou.
P: O que ela falava?
M: Ela falava que, tipo assim, porque ela evoluiu muito rápido
nessa questão de matemática, né? E uma vez eu falei para
ela que a professora dela era muito boa né, de matemá-
tica, e aí ela falou, não a gente tem aula de reforço lá no
Centro, com o professor Cristiano, né. Até então, eu não
sabia, eu não conhecia o seu trabalho.
P: Ah, você não sabia.
M: Depois que falaram do trabalho com matemática lúdica.

85
Foi quando o Gabriel passou, ele tá passando por uma fase
muito difícil de matemática e eu pedi ajuda para as meninas
lá na escola, aonde eu trabalho, e a coordenadora disse, ah
tem um professor que dá aula aqui de matemática de ma-
nhã, conversa com ela pra você trazer o irmão dela, para
ter aula também, mas estava bem em cima das provas já, a
gente conseguiu e ele teve muita dificuldade.
P: Bom alguma que você lembra que ela fala, que ela co-
mentava daquele período, que ela participou com a gente
lá no Centro.
M: Ah, de que ela gostava muito de você, não como professor,
como pessoa, inclusive, teve um dia até que ela falou que
ia passear na sua casa, não sei por quê?

Novamente, a atividade no Centro é vista como “aula”, talvez em razão


de ser trabalho de matemática, sendo componente escolar, leva a tal
relação. Ou então, porque lá se aprende e onde se aprende há ensino
e para haver ensino tem de haver um professor, nesse caso, o pesqui-
sador é o professor, pois oportuniza as experiências que redundam em
aprendizagens matemáticas não propiciadas na escola.

A atividade matemática como uma forma de aproximação e


conquista do outro

De qualquer forma, segundo a mãe de Moniquinha, ela aprendeu bas-


tante e desenvolveu-se, não em razão da escola, mas pelas experi-
ências matemáticas vividas no Centro. Como foco na compreensão
nos processos de inteligência, nos estímulos às atividades cognitivas, o
pesquisador questiona acerca da inteligência de Mônica:

P: Ótimo. Você acha que a Moniquinha ela é inteligente?


M: Acho que sim ela é inteligente, mas ela precisa trabalhar a
inteligência dela.
86
CAPÍTULO 2

P: Por que você acha que ela é inteligente? Em que sentido?


M: Ela é muito esperta.
P: Ela é muito esperta. Ela entende muito rápido.
M: Ela é muito é esperta, assim tipo de trapacear mesmo, ela
trapaceia com a gente, entendeu?
P: É... exatamente.
M: Entendeu ela é muito... só que ela tem que alimentar isso
para o bem, não pro mal. [...] Mas ela é muito, ela tem é
bem veloz mesmo nessa parte. Por isso que ela é inteligen-
te só que eu falo pra ela, ela tem que alimentar isso pro
bem, né porque... e ela ri sabe? Acha graça quando ela
consegue passar a perna nas pessoas.
P: Sei. O que você mais gosta nela?
M: Ah, de tudo! Filha a gente gosta de tudo!
P: Você viu que coisa que você ganhou, que presentão, né?
M: É mais eu fico muito irritada com ela, porque ela é muito
preguiçosa.
P: É né!
M: Ela tem um defeito, que ela antes da gente falar as coisas ela
já está se defendendo, entendeu? Ela tem uma autodefesa
assim. Todo mundo tem que ter, mas tipo assim, quebrou
alguma coisa, antes de você terminar de fechar a boca que
quebrou: - “Mãe não fui eu não, mãe! Já estava chorando!”
P: Exatamente, essa que eu conheço. É assim a mesma coisa
lá no Centro.

A mãe compreende que a capacidade cognitiva da Mônica deve vir


aliada ao desenvolvimento da moral, do uso da inteligência, conside-
rando a dimensão da ética, de valores. Que sua filha busca manipular
as situações, utiliza-se de sua alta capacidade cognitiva para tirar pro-
veito e controlar, via emoção, as situações e induzir os outros, para se
beneficiar. Nesse sentido, a mãe fica irritada com ela e busca trabalhar
a perspectiva do desenvolvimento moral.
87
Assim, Moniquinha, da rejeição à construção afetiva, da conquista por
meio do sorriso e brilho no olhar, descobre que chamar a atenção dos
outros para si (uma forma de ser acolhida, movimento de oposição à
rejeição), pela capacidade de fazer continhas, inclusive, pedir que faça
mais continhas, é uma forma de ter mais próximo de si um adulto que
pode representar a ausência e a negação de seu próprio pai que nunca
conheceu. Poder estar na Educação Infantil desde os 8 meses foi uma
possibilidade de aprender a superar dificuldades e compensar perdas
e rejeições, assim como a realização da atividade matemática com-
pensa sua negação em juntar letrinhas para formar palavras. Fazendo
mais continhas, passa a gostar mais da matemática e, gostando mais,
aprende mais e tem esse processo como forma de construir uma ima-
gem de menina pequena, sorridente, mas forte e grande, quando diz
respeito ao pensar, ao raciocinar, ao resolver problemas matemáticos,
o que a torna grande, maior, mais cativante e ganhando o colo e a
atenção de todos, tornando mais distante de si a situação de rejeição,
rejeição que a fez, com três dias de vida, negar o peito da própria
mãe que queria dá-la a alguém, pois era filha de outro homem. E a
matemática surge nessa vida como forma de superação dessa tensão
rejeição-acolhimento.

Considerações

O presente estudo permite a ampliação da concepção de sujeito que


aprende matemática em dupla dimensão: sujeito produtor de esque-
mas mentais e sujeito produtor de sentidos subjetivos, ambas as dimen-
sões estão forte e mutuamente imbricadas ao longo da história social
da constituição psicológica da criança.

A análise dos esquemas mentais, produzidos em situação de matemá-


tica lúdica, traduz significativamente o processo de conceitualização
matemática dessas crianças, assim como aponta para os processos
de apropriação-interpretação e formas de representação da produção
88
CAPÍTULO 2

matemática, revelando a importância do binômio significante-signifi-


cado durante as produções de registros e diálogos orais. Assim, para
o estudo desses esquemas, foi fundamental a construção dos diálogos
estabelecidos com base nas produções dos registros matemáticos.

A análise da produção de sentidos subjetivos foi possível a partir da am-


pliação do processo de diálogo, via conversão com o sujeito e sua mãe,
como importante cenário social para construção de informações acerca
da história de aprendizagem das crianças participantes, sobretudo, re-
velando o quanto a história de vida, sonhos, esperanças, escolaridade,
emoções, frustrações e desejos são fatores preponderantes para a cons-
trução do tecido de um complexo sistema de configurações subjetivas,
como cada um se vê como produtor de saberes matemáticos e sobre
suas capacidades de aprender matemática, o que nos leva a aproximar
o conceito de sujeito de produção subjetiva à noção de ser matemático.

Com base nessas constatações, teorizamos que, para a constituição de


processos criativos, alicerçados na aprendizagem matemática, há uma
quadra de elementos que engendra como processos criativos na ati-
vidade matemática na resolução de situação-problema: apropriação,
procedimento, registros e validação-prova.

Há um avanço neste estudo ao favorecer a compreensão mais abrangen-


te da constituição do ser matemático como aquele que aprende e produz
sentidos subjetivos sobre seus processos de aprendizagem e de constitui-
ção enquanto sujeito inteligente para tratar de desafios em contextos de
resolução de problemas, em especial, de situações matemáticas.

O olhar para essas crianças, no processo de constituição ao longo


da vida de construção social desses seres humanos, que participaram
das experiências de matemática lúdica, revela o quanto os esque-
mas mentais, presentes em dada situação matemática, não podem
ser compreendidos e explicados, limitando-se à situação em si, como
89
fenômenos cognitivos pontualmente considerados, uma vez que os
processos cognitivos e a dimensão simbólico-emocional da experi-
ência encontram seus fundamentos psicológicos na trajetória de vida
desses sujeitos matemáticos, com experiências e significados que o
próprio sujeito não tem consciência. A busca pela captação das lógi-
cas da constituição subjetiva do ser matemático encontra na Episte-
mologia Qualitativa (GONZÁLEZ REY, 2002, 2014) ferramentas que
nos permitiram a produção de informações acerca da gênese des-
sa complexa constituição do ser matemático enquanto produtor de
sentidos subjetivos de sua capacidade em aprender matemática. A
epistemologia qualitativa favoreceu a produção da informação e da
produção teórico-metodológica, exigindo do pesquisador um esforço
intelectual interpretativo na busca do reconhecimento de uma linha
lógica de constituição do sujeito, uma linha nada linear, mas trança-
da, embaraçada pelas experiências e seus significados e sentidos pelo
sujeito em sua trajetória social, coletiva e solidária.

O estudo permitiu a construção do conhecimento da constituição sub-


jetiva desses sujeitos, enquanto seres matemáticos, construção que, in-
felizmente, educadores e escolas desconhecem, colocando em xeque
os alicerces da definição do diálogo pedagógico, uma vez que esse
diálogo revela-se fragilizado a partir do desconhecimento de quem é
esse que aprende, que quer aprender, em especial, aprender matemá-
tica, produzindo sentidos subjetivos, cujos alicerces extrapolam sobre-
maneira as relações, os conhecimentos, as representações, os muros e
os tempos da escola.

Isso acaba por revelar o quanto o “diálogo” na escola, enquanto es-


paço pedagógico ou de investigação científica, sempre se mostra limi-
tado e fragilizado, sobretudo, na análise das produções matemáticas
de nossas crianças e jovens. Isso traz novas lógicas e bases epistemo-
lógicas para os estudos e investigações em Educação Matemática, a

90
CAPÍTULO 2

partir das contribuições da Teoria da Subjetividade (GONZÁLEZ REY,


2002, 2008, 2012, 2014), fazendo com que passemos a considerar,
no complexo processo de aprendizagem matemática, não somente os
sistemas cognitivos de geração de esquemas mentais, mas também a
importância na definição dos processos de aprendizagem, os sistemas
simbólico-emocionais, os quais determinam a natureza da produção
do conhecimento matemático, qualificando-a.

A relação dialógica, constituída por esquema mental-configuração sub-


jetiva, aponta que, se de uma parte há desenvolvimento de conceitos
-procedimentos na aprendizagem matemática, como vimos, a relação
dialógica gera sentidos subjetivos sobre sua capacidade de aprender
matemática no contexto de superação de desafios e dificuldades. O es-
tudo revela que os processos cognitivos de pensar e fazer matemática,
em especial na infância, dependem fortemente dos sentidos subjetivos
do sujeito, seja do sistema simbólico-emocional construído em expe-
riências pretéritas, seja nas experiências presentes. A visão de si que
o sujeito possui, a autorrepresentação enquanto ser matemático, per-
meado pelo complexo sistema simbólico-emocional na produção de
sentidos objetivos, define para o sujeito o que ele pode ou deve realizar
enquanto matemático, dentro da escola e fora dela (como foi o caso
deste estudo).

Nesse contexto, a construção de diálogo com as crianças fora das ofici-


nas lúdicas e com suas mães, após as análises microgenéticas de seus
registros matemáticos, mostrou-se valorosa no sentido do alargamento
epistemológico da constituição complexa e tortuosa desses sujeitos que
aprendem, algumas vezes, aprendem apesar da escola.

91
Referências

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avançando na compreensão da aprendizagem como produção subjeti-
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92
CAPÍTULO 2

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______. Qu’est-ce que la pensée? dans les actes du Colloque: Qu’est-ce


que la pensée? Suresne, Laboratoire de Psychologie Cognitive et Activités
Finalisées, Université Paris VIII, 1998. p. 1-21.

93
94
Capítulo 3

Educação Científica, Tecnológica


e Matemática: um estudo junto a
estudantes do Programa Infantojuvenil da
Universidade de Brasília

Regina da Silva Pina Neves


Departamento de Matemática da Universidade de
Brasília - UnB
r.s.pina@mat.unb.br

É visível, entre vários setores da sociedade brasileira, a crescente valori-


zação do papel desempenhado pelas ciências e a necessidade de ofere-
cer à população formação científica e tecnológica que considere, por um
lado, as necessidades e possibilidades de desenvolvimento cognitivo e,
por outro, o estado atual e as perspectivas de evolução do conhecimento
científico. Nesse sentido, observamos o entendimento consensual de que
o ensino pode contribuir, desde os primeiros anos de escolarização, para
que o estudante construa conhecimentos científicos e desenvolva habili-
dades de análise, interpretação, reflexão, argumentação, comunicação,
decisão, entre outras, as quais são essenciais para e no exercício da
cidadania (FOUREZ, 1994; LACERDA SANTOS, 1995).

Freitas e Limonta (2012), em estudo de natureza histórica, ajudam-nos


a compreender algumas perspectivas para a educação científica e tec-
nológica junto a crianças e adolescentes, ao defenderem que as insti-
tuições formais e não formais de ensino precisam “promover formação
científica de qualidade, que articule a aprendizagem dos conteúdos
básicos das ciências à capacidade de uma verdadeira participação nos
destinos da sociedade.” (FREITAS; LIMONTA, 2012, p. 71). E, para que

95
isso aconteça, elas destacam a necessidade de investigar conteúdos,
tecnologias, metodologias de ensino e procedimentos didáticos.

No Brasil, tais defesas já se faziam presentes nos Parâmetros Curricu-


lares Nacionais, lá na década de 1990, ao defender que o ensino de
ciências e matemática, por exemplo, contribuísse para o acesso à cultu-
ra científica, de modo que cada indivíduo tivesse melhor compreensão
do mundo e das transformações que nele ocorrem e soubesse utilizar
os conceitos científicos aprendidos para enfrentar os desafios da vida
e realizar escolhas responsáveis em seu cotidiano (BRASIL, 1997). Os
documentos enfatizavam que os processos de ensino e aprendizagem
careciam de abordagens e ações voltadas à promoção de atitudes fa-
voráveis à ciência, à tecnologia e à matemática. Do mesmo modo, as
diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil defendem a
articulação entre as experiências e os saberes das crianças com os co-
nhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambien-
tal, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento
integral do sujeito (BRASIL, 2010), o que é corroborado nas orientações
que compõem a Base Nacional Comum Curricular1.

De modo complementar, estudos desenvolvidos nas áreas de ensino


de ciências e matemática ampliam essa compreensão ao evidencia-
rem que os estudantes desenvolvem melhor compreensão conceitual
e aprendem mais quando participam de investigações científicas, com
oportunidades de reflexão (SCHULTZE, 2005; PINA NEVES; LACERDA
SANTOS; MUNIZ, 2013). A despeito de todos esses entendimentos, sa-
bemos que o ensino e a aprendizagem de matemática no Brasil ainda
enfrentam alguns percalços, a saber: situações de fracasso vividas por
estudantes da Educação Básica e Ensino Superior, expressas no acesso
diferenciado ao saber matemático, na dificuldade de aprendizagem,
nos casos de repetência, na evasão escolar, no baixo rendimento dos

1
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.

96
CAPÍTULO 3

estudantes nas avaliações nacionais em larga escala, como a Prova


Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional
de Desempenho de Estudantes (Enade), entre outros; e internacionais,
como o Programme for International Student Assessment (PISA) (PERE-
GO; BURIASCO, 2008; RODRIGUES; PINA NEVES, 2018).

Além dos dilemas já postos, somam-se a eles dificuldades específicas


relacionadas à formação do(a) professor(a) que ensina matemática2,
entre elas: a falta de perspectivas para a carreira docente; os baixos sa-
lários; as más condições de trabalho; a redução da carga horária dos
cursos de graduação; o baixo número de formadores de professores
aptos a atuarem nas licenciaturas em pedagogia e matemática, entre
muitos outras (CURI, 2004; FIORENTINI; PASSOS; LIMA, 2016). Além
disso, é preciso considerar que o processo de feminização do magisté-
rio, no Brasil, tem deixado suas marcas nas universidades e nas escolas.
Esse processo, ainda em construção, revela aspectos da configuração
histórica das relações de gênero e de classe social presentes em nossa
sociedade e define a (con)formação das identidades profissionais do
“ser professora”. Assim, sabemos que as mulheres se aproximaram da
docência, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e
afastaram-se da área de exatas – do conhecimento matemático e cien-
tífico. Logo, percebemos que tais dilemas são gerados a partir e nas
relações que estudantes e professoras têm estabelecido com a ciência, a
tecnologia, a matemática científica e a matemática escolar (MOREIRA;
DAVID, 2005) nas inúmeras situações formais e informais demandadas
pelas práticas sociais, educacionais e profissionais.

Cientes de tudo isso, temos construído nossas ações enquanto for-


madora de professores e professoras que ensinam matemática, em
parceria com pesquisadores da Universidade de Brasília e de outras

2
Professores que ensinam matemática – termo utilizado em Fiorentini (2003) para se referir aos profissionais
que possuem formação inicial em pedagogia ou matemática e que atuam na Educação Básica.

97
instituições públicas e particulares, com a certeza de que é possível
construir novas relações e, consequentemente, novas formas de apren-
der e de produzir ciência, tecnologia e matemática na Educação Bá-
sica (PINA NEVES, 2002; 2008; MUNIZ; SMOLE, 2013; FERREIRA;
LACERDA SANTOS, 2018).

Nesse interim, acompanhamos de perto as iniciativas no âmbito do


Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)3, na
UnB e, de modo especial, no Departamento de Matemática. Como é
de conhecimento da comunidade docente e discente, o PIBID é uma ini-
ciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior (Capes) e visa ao aperfeiçoamento e a valorização da formação de
professores para a educação básica (4 a 17 anos), por meio de bolsas
para licenciandos, de modo a inserir esses estudantes no contexto das
escolas públicas desde o início de sua formação acadêmica.

No Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (MAT/


UnB), o PIBID está em vigor desde 2009. Entre as atividades centrais
realizadas pelos licenciandos, estão: a elaboração de material didá-
tico para o ensino e a aprendizagem da matemática na educação
básica e o atendimento a estudantes da rede pública de ensino do
Distrito Federal, sob a coordenação do orientador. O material didá-
tico é elaborado em forma de cadernos4, que consistem em ativida-
des investigativas, em diálogo com as pesquisas de Onuchic (1999),
Skovsmose (2000), entre outras. É notório que o PIBID matemática da
UnB tem se constituído em excelente espaço de formação pela e para
a docência, como mostram Grebot, Gaspar e Dörr (2013), Dörr e
Cunha (2014), França, Pina Neves e Pires (2015), Silva e Pina Neves
(2017), entre outros.

3
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é uma iniciativa da Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação do Brasil. Para mais
informações, acesse: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid.
4 O material didático já desenvolvido está disponível em: www.mat.unb.br/pibid.

98
CAPÍTULO 3

Todas essas ações nos possibilitaram entendimentos importantes, en-


tre eles, destacam-se: a investigação matemática como opção para os
processos de ensinar e aprender; a importância de promover entre es-
tudantes e professores a vivência com a tecnologia e seu rápido desen-
volvimento; o valor de conhecer, produzir e avaliar materiais didáticos,
em especial, os de natureza lúdica e os confeccionados com materiais
de baixo custo econômico. De posse desses resultados, temos amplia-
do nossas ações de pesquisa, da Educação Infantil ao Ensino Superior,
entendendo a conceituação e a mediação em matemática como um
continum que deve ser discutido em sua totalidade nas instituições for-
madoras de professores.

Como presenciamos em nosso cotidiano, as crianças estão entrando


em contato cada vez mais cedo com a tecnologia, o que impõe mu-
danças em suas maneiras de interagir e se comunicar, à medida que
a maioria desses recursos traz como características constituidoras a
multimídia e a hipertextualidade (MORAN, 2000; LACERDA SANTOS;
ANDRADE, 2010). Tudo isso demanda que a escola e as instituições
formadoras de professores não se abdiquem da discussão, da tentati-
va e da busca por propostas de interação. Assim, defendemos que os
processos de educação científica, tecnológica e matemática aconteçam
desde a fase inicial de escolarização, mesmo antes da leitura e escrita
formais, contribuindo para a inserção do estudante na cultura científica,
por meio de uma prática pedagógica interdisciplinar e contextualizada
(LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001). A partir de tudo isso, interessa-nos
promover a construção de relações mais positivas e investigativas ante
a ciência, a tecnologia e a matemática escolar junto a crianças e ado-
lescentes do Distrito Federal. De modo particular nesse estudo, apre-
sentamos nossa atuação na construção, do que temos chamado de
Estações de Conhecimento para e com os estudantes atendidos no PIJ,
tendo como objetivo central o desenvolvimento científico, tecnológico e
matemático. E como objetivos específicos:

99
a) Construir Estações de Conhecimento de modo interdisciplinar fo-
mentando a pesquisa científica como método prioritário de se ensi-
nar e aprender no PIJ;
b) Socializar processos formativos, ações e produtos que promovam a
Educação Científica, tecnológica e Matemática na Educação Básica.

O estudo em desenvolvimento

O estudo tem sido desenvolvido, desde o ano de 2014, no Programa In-


fantojuvenil (PIJ), mantido pela Associação dos Servidores da Fundação
Universidade de Brasília (ASFUB), com sede no Campus Universitário
Darcy Ribeiro, Universidade de Brasília. Trata-se de uma iniciativa de do-
centes da Faculdade de Educação e do Departamento de Matemática da
UnB, vinculada aos seguintes grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisas
Interdisciplinares sobre Tecnologias e Educação da UnB (Ábaco) e Grupo
de Investigações em Ensino de Matemática da UnB (GIEM).

O estudo tem o apoio do Instituto de Ciências Exatas da UnB e conta


com a colaboração de estudantes de graduação das áreas de pedago-
gia, matemática, química, física e biologia – chamados de monitores.
É regulamentado na universidade por meio de projeto de pesquisa e
extensão, intitulado Educação científica, tecnológica e matemática: uma
proposta de formação junto aos estudantes e professores do Programa
Infantojuvenil (PIJ) da Universidade de Brasília, desde o ano de 2016.

O espaço sede do estudo, PIJ, teve suas atividades iniciadas no ano


de 1983 e desde então tem oferecido espaço complementar ao ensino
regular, atendendo crianças de 2 a 9 anos, no período matutino, das 8
às 12h e vespertino, 14 às 18h. Atende, em sua maioria, filhos e filhas
de funcionários e estudantes da UnB; pratica preço condizente com
o serviço prestado e muito abaixo do mercado, se comparado com
instituições particulares similares da região circunvizinha. De acordo

100
CAPÍTULO 3

com as informações expressas em documentos da instituição, as ativi-


dades são oferecidas e conduzidas de forma lúdica, dando ênfase às
experiências de interesse da própria criança. Na proposta é registra-
do que as atividades são destinadas ao desenvolvimento psicomotor e
ao potencial criativo por meio de aulas de artes, recreação, natação,
acompanhamento pedagógico e outras.

Desde o início do estudo, participam das ações: a direção, a coordena-


ção, as professoras e as crianças atendidas no PIJ, como também, os
monitores e os coordenadores do estudo. As ações têm sido desenvol-
vidas por meio da convivência dos coordenadores e monitores no PIJ
por meio de observação, acompanhamento das atividades, entrevistas
informais, reuniões, sessões de estudo e construção das Estações de
Conhecimento, entendendo-as como espaço/ação que promovem a
iniciação científica, tecnológica e matemática.

Estações de conhecimento

Em todo esse processo de construção de situações mais interativas, lú-


dicas e passíveis de compreensão por parte dos estudantes e aceitação
por parte dos monitores, entendemos método científico não como um
método “universal, linear, uniforme, mas como um caminho para ideias
[...] um método que não pensa o sujeito como espectador passivo da
natureza. Incentiva-o a observar a natureza, a responder questões e a
não se deixar levar por ela.” (SANTOS; PRAIA, 1992, p. 34).

Em nossas ações, discutimos a noção de Ciência como provisória e


consideramos a produção de conhecimento como algo dinâmico5.
Registramos a necessidade de aprendermos a lidar com incertezas,
com verdades provisórias, observando a percepção que a criança,

5
Como discutido em textos oficiais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Mais informações
podem ser observadas em: www.sbpcnet.org.br.

101
o adolescente e o jovem têm da realidade, sua visão de mundo, bem
como sua postura crítica diante do que acontece à sua volta. Com isso,
acreditamos que tem se tornado cada vez mais possível a discussão,
entre os envolvidos no estudo, sobre valores éticos, culturais e lúdicos,
o que tem permitido a ampliação da iniciativa própria e da capacidade
de intervir na sociedade.

Em termos de ações, temos construído situações em que estão presen-


tes: o pensar, o observar, o medir, o criar e inventar “coisas”, montar
e desmontar equipamentos; vivenciar atividades com materiais didá-
ticos e a-didáticos; observar jogos e artefatos socioculturais; interagir
com softwares, computadores, smartphones, tablets, kits de robótica,
entre outros. Avaliamos que a exploração livre, posteriormente, a ex-
ploração orientada são de extremo valor para os objetivos do estudo
em desenvolvimento.

Além disso, o estudo tem incentivado a visitação dos estudantes do PIJ,


suas professoras e dos monitores a centros e institutos de pesquisas,
museus de arte e de ciências, parques nacionais, jardins botânicos e
zoológicos, centros de ciências, entre outros. Como exemplos, desta-
cam-se a presença em etapas dos Circuitos de Vivências em Educação
Matemática6, na Semana Universitária da UnB e na Semana Nacional
de Ciência e Tecnologia. Assim, coordenadores, monitores e estudantes
têm aprendido cada vez mais a coletar, selecionar, interpretar, questio-
nar, gerir, criar, produzir e utilizar diferentes tipos de dados. Do mesmo
modo, habilidades de leitura, escrita, de formulação e resolução de
problemas, busca por soluções em diálogo com o outro, apresentação
de resultados, entre outras são trabalhadas, sempre de acordo com a
faixa etária das crianças.

6
Mais informações sobre os Circuitos de Vivências em Educação Matemática podem ser obtidas em: www.
sbemdf.com.br.

102
CAPÍTULO 3

Desse modo, temos construído outros espaços para a produção de co-


nhecimento, a saber: o hall entre salas de aula; a sala de professores;
o parque; a entrada do prédio; uma sala vazia que se transforma em
espaço de interação; a visita ao departamento de matemática; a visita
à SNCT; os fundos do terreno e, assim, temos nos aproximado do en-
tendimento de que o que temos construído se organiza em Estações de
Conhecimento, tendo como características centrais:

a) O interesse dos envolvidos em compreender um fenômeno que se


apresenta no dia a dia;
b) A presença de vários instrumentos mediadores (jogos, materiais di-
dáticos e a-didáticos, softwares, tablets, kits de robótica, sucata,
entre outros elementos da sociocultura);
c) A vivência em diferentes espaços físicos na própria instituição ou em
instituições parceiras;
d) O contato com diferentes áreas de conhecimento e seus conceitos;
e) O respeito à fala, à produção, às descobertas; às inquietações e
interesses dos envolvidos;

A socialização do que é pensado, criado, validado e reconstruído.


Nesse exercício de construir as Estações de Conhecimento entendemos,
também, o quanto ciências, artes e tecnologias se articulam, instrumen-
talizam e fornecem recursos para que a equipe apresente suas ideias,
coloque-se no lugar do próximo e amplie sua consciência crítica. Tendo
em vista as limitações de espaço impostas por este texto, optei por des-
crever o processo que culminou na Estação de Conhecimento intitulada
“Eu sou assim”, que articulou atividades com xadrez gigante, robótica e
construções de bonecos em papel.

Participaram das atividades nessa Estação três turmas separadas por


faixa etária, sendo uma delas com crianças de 2 a 3 anos, outra com
4 e 5 anos e a terceira com 6 e 7 anos, totalizando 25 crianças e

103
quatro monitores. Os monitores eram estudantes de cursos de licen-
ciatura, com metade do curso já concluído, com idades entre 20 e 23
anos; dois cursavam matemática, um pedagogia e um biologia. Eles
frequentaram o PIJ uma vez por semana, em horário definido com as
professoras e coordenação do estudo, de modo que as atividades pu-
dessem ser desenvolvidas no matutino e no vespertino, com, em média,
duas horas de duração. Todos os materiais necessários para o desen-
volvimento das atividades foram providenciados pelos coordenadores
do estudo e organizados no PIJ, para que não houvesse prejuízo às
atividades, as quais foram desenvolvidas, em paralelo, ao longo de um
semestre letivo. O planejamento das atividades considerou o interesse
crescente das crianças pelo próprio corpo, suas características em ter-
mos de comprimento, largura, “peso”, como também, questões sobre
deslocamento e organização espacial, presentes em várias situações
do cotidiano, como filas, danças, organização do material e da sala.
As habilidades foram trabalhadas de maneira cíclica e processual.
O quadro a seguir reúne algumas delas.

104
CAPÍTULO 3

Quadro 1 – Habilidades trabalhadas na Estação

Estação do Conhecimento “Eu Sou Assim”

Atividades Habilidades Ações Referência Básica

Robótica - Ampliação da noção - Exploração livre do SÁ, A. V. M.;


espaço-dimensional; tabuleiro; REZENDE
JUNIOR, L. N.;
- Conhecimento das ca- - Exploração livre das
Xadrez MELO, W. A.
racterísticas físicas, dos peças;
Gigante Benefícios lúdicos
movimentos das peças e
- Colocação das peças e pedagógicos do
papel no jogo;
sobre o tabuleiro no xadrez. In: SÁ, A.
Boneco - Ampliação da memó- local em que as crianças V. M. et al. (org.).
ria e da concentração; imaginam que devem ser; Ludicidade e suas
interfaces. Brasília:
- Promoção da capa- - Exploração livre do
cidade de conversar, Liber Livro, 2013.
tabuleiro gigante com o
planejar e agir, tendo o p. 265-281.
próprio corpo, realizando
colega como parceiro; deslocamentos para BRASIL. Secretaria
- Compreensão do sig- frente, para trás, para a de Educação
nificado da competição direita, para a esquerda, Básica. Diretoria
nos jogos; movimento em diagonal; de Apoio à Gestão
Educacional.
-Compreensão do res- - Movimentos
peito às regras e o saber coordenados sobre o Pacto Nacional
lidar tanto com a vitória tabuleiro gigante em pela Alfabetização
quanto com a derrota; duplas; na Idade Certa:
Grandezas e
- Construção de - Movimentos
Medidas. Brasília:
estratégias para medir coordenados em dupla,
MEC, SEB, 2014.
comprimento; tendo o percurso definido
80 p.
pelos colegas;
- Utilização de unidades
não padronizadas e - Exploração livre de
seus registros; vários instrumentos de
medida presentes no
- Compreensão cotidiano das crianças;
dos processos de
medição, validando - Medição livre de objetos
e aprimorando suas e partes do corpo;
estratégias; - Medição orientada de
- Reconhecimento de objetos e anotação de
instrumentos de medida acordo com a faixa etária
apropriados à grandeza das crianças;
comprimento, com - Medição da altura de
compreensão do cada criança;

105
processo de medição e - Confecção de barbante
das características do colorido de acordo com
instrumento escolhido; a medição para cada
criança;
- Comparação de
comprimento de dois - Observação e
ou mais objetos para comparação dos
identificar: maior, barbantes com o metro
menor, igual, mais alto, linear;
mais baixo, etc.;
- Organização de mural
- Comparar a altura com todos os barbantes
das crianças no início em cada sala de aula;
do ano e no final do
- Observação dos murais;
ano, trabalhando de
forma indireta a ideia - Estimativa das alturas
de grandezas, medidas, dos monitores e
unidade de medidas e professoras;
comparação de objetos;
- Novas medições e
comparação com os
barbantes em meses
subsequentes;
- Observação das partes
do corpo;
- Confecção dos
“bonecos” (contornos das
crianças) em papel pardo;
- Observação do próprio
corpo e montagem do
boneco de acordo com
as preferências de cada
criança;
- Análise dos bonecos
produzidos e das
características do corpo
humano.
Fonte: Relatório do estudo.

106
CAPÍTULO 3

As atividades em torno do xadrez gigante aconteceram no pátio interno


do PIJ e tinham como características centrais o deslocamento para fren-
te e para trás; para direita, para esquerda; andar na diagonal, andar
nas extremidades – sem e com a peça. As imagens a seguir mostram
momentos da organização e da atividade.

Figura 1 – Organização do tabuleiro

Figura 2 – Imagem do tabuleiro durante uma atividade, com criança atuando


nos deslocamentos sugeridos

107
Observamos que ao longo das atividades no xadrez gigante, as crian-
ças, independentemente da turma, ampliaram seus repertórios motores
e dominaram aspectos referentes à noção de lateralidade. Do mesmo
modo, acompanhamos seus avanços no que diz respeito às habilida-
des de observação, reflexão e tomada de decisão, em especial, entre
aqueles com 6 e 7 anos de idade. Outro avanço observado refere-se
ao desenvolvimento afetivo-social, em virtude das interações com os
colegas propiciadas pela atividade.

As atividades de aproximação à robótica educacional aconteceram por


meio de kit especial compatível com a faixa etária das crianças. O
contato foi possível em razão de parceria estabelecida entre institui-
ções educacionais do Distrito Federal. Assim, as crianças acessaram
os materiais e puderam se familiarizar com as peças, os encaixes, os
complementos e produziram vários itens relacionados às brincadeiras,
às vivências familiares, às representações de cenas e pessoas. Nes-
se cenário, destacam-se as representações de seus robôs pessoais. As
imagens a seguir ilustram esses momentos.

Figuras 3 e 4 – Imagens das atividades de aproximação com a robótica educativa

108
CAPÍTULO 3

Figuras 5 e 6 – Imagens das atividades de aproximação com a robótica educativa

Avaliamos que tanto a atividade no xadrez gigante quanto a atividade


com os kits foram importantes para o desenvolvimento das habilidades
descritas no Quadro 1. No entanto, a atividade com o kit impactou
mais positivamente na naturalização do “ensaio e erro” junto às crian-
ças. Notamos que elas tentaram mais, erraram mais, frustraram-se
menos ao lidarem com os próprios erros; compreenderam mais o valor
da tentativa e da observação e se permitiram recomeçar quantas vezes
fossem necessárias, sem julgar a si e aos outros.

Figura 7 – Imagem de criança manuseando sua produção ao final de uma atividade

109
Entendemos, assim como Cabral (2010), que mesmo usando princípios
da robótica com os estudantes do PIJ já se pode vislumbrar: Desenvol-
ver a autonomia; Desenvolver a capacidade de trabalhar em grupo;
Desenvolver múltiplas soluções para o mesmo problema; Desenvolver
habilidades ligadas à noção espacial, pensamento matemático; Pro-
mover a interdisciplinaridade, favorecendo a integração de conceitos
de diversas áreas, como: linguagem, matemática, ciências, história,
geografia, artes, entre outras.

O interesse das crianças por entender o comprimento de suas alturas e


o efeito do tempo na ampliação desse comprimento provocou a equipe
na preparação de situações de medição, por meio do uso da fita mé-
trica, trena, cordões, entre outros. Algumas perguntas nos auxiliaram
nesse processo inicial de mediação, dentre elas: Se o pai e a mãe eram
grandes? Se eles queriam crescer? Fazer uma fila com elas e escolher
de dois em dois alunos e perguntar quem é o maior? Depois, iniciamos
as medições com o auxílio das professoras, dos monitores e das pró-
prias crianças.

Figuras 8 e 9 – Imagens das atividades de medição

110
CAPÍTULO 3

Posteriormente, todos trabalharam na confecção do mural com as res-


pectivas alturas de cada criança. Utilizamos barbante colorido como
representação de suas alturas, fita colorida para colar os barbantes
no mural e cartolina colorida para escrever o nome de cada criança
e identificar os barbantes. Novas medições foram realizadas ao longo
do semestre, para que eles avançassem no entendimento do fenômeno
crescimento e sua associação com a noção de comprimento.

Figuras 10, 11 e 12 – Imagens da produção dos bonecos

Tais noções foram ampliadas na atividade de contorno do corpo de cada


criança e na confecção do Boneco. Para tanto, muitas outras atividades
foram necessárias em relação à identificação do corpo humano, membros
inferiores, membros superiores, partes do rosto, entre outras. A noção de
contorno ganhou vida com muita ação e discussão, tendo como instru-
mentos papel, lápis, giz de cera, régua, trena, tinta, entre muitos outros.
111
Figuras 13, 14 e 15 – Imagens da socialização dos bonecos produzidos

Observamos que o fato de as crianças vivenciarem experiências c


om medidas em ações do seu interesse fez com que se ampliasse a
curiosidade e o interesse das crianças para continuar conhecendo so-
bre as medidas, as grandezas e os instrumentos de medição. Ademais,
o fato de o grupo “medir” utilizando instrumentos diversificados (pas-
sos, mãos, barbante) fomentou discussões entre todos os envolvidos,
em especial, entre as professoras. As comparações de comprimentos
e alturas a partir do uso de palavras, como: Perto/longe, mais baixo/
mais alto, muito/pouco, grande/pequeno, foram fundamentais ao lon-
go das atividades e despertaram interesses em situações de compara-
ções de “pesos” e capacidades.

Alguns aprendizados

É possível construir novas relações e, consequentemente, novas formas


de aprender e de produzir ciência, tecnologia e matemática na Edu-
cação Básica? Avaliamos que a resposta corrobora as evidências já
postas por Baptista (2000, p. 14), ao registrar que:

112
CAPÍTULO 3

a investigação constitui uma orientação didática para o planejamento


das aprendizagens científicas dos alunos, reflete o modo de como os
cientistas trabalham e fazem Ciência, dá ênfase ao questionamento,
à resolução de problemas, à comunicação e usa processos da investi-
gação como metodologia de ensino (...) Incide naquilo que os alunos
fazem e não somente naquilo que o professor faz ou diz, o que exige
uma mudança de um ensino mais tradicional para um ensino que
promova uma compreensão abrangente dos conceitos científicos, co-
locando uma prioridade na evidência e na avaliação de explicações
alternativas [...]

Desse modo, observamos que no que se refere aos monitores, às


professoras e a nós, entendemos que a experiência vivenciada
possibilitou-nos a tomada de consciência dos significados que
sustentam nossa prática – desde as primeiras experiências no
Ensino Fundamental até os dias atuais nos cursos de formação
inicial e continuada em cursos de licenciatura em matemática e
pedagogia – e, principalmente, das implicações que dela podem
decorrer. As experiências já vividas no PIJ permitem-nos questio-
nar os modos como estudantes e professores tratam os conceitos
científicos, tecnológicos e matemáticos no âmbito da sala de aula,
seja ela da Educação Infantil, seja do Ensino Superior. A distribui-
ção de conceitos em “gavetas”, organizados ao longo das sé-
ries ou semestres, não auxilia nos processos de conceitualização,
uma vez que não permite aos estudantes, nem aos professores
perceber as diferentes “redes” que ligam os conceitos e muito
menos os ajudam a situá-los nas diferentes situações-problema
que enfrentamos cotidianamente.

Fica evidente a necessidade de nos tornarmos “incentivadores


de descobertas”, o valor da observação dos fenômenos que nos
cercam por meio de experimentos, a necessidade de promover
a curiosidade científica, na qual, por meio da problematiza-
ção, o estudante vivenciará situações num trabalho envolvendo
113
colaboração, partilha e comunicação. As atividades pautadas em
experimentos, simulações e uso de instrumentos tecnológicos (atuais
e atemporais) despertou a curiosidade pelas ciências, pelo conheci-
mento, contribuindo com a formação de jovens investigadores.

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117
Capítulo 4

Alguns exemplos de atividades


matemáticas na plataforma GeoGebra
para estudantes dos anos iniciais

Jorge Cássio Costa Nóbriga


Universidade Federal de Santa Catarina (Campus Blumenau)
jcassio@gmail.com

João Victor Pereira


Universidade Federal de Santa Catarina (Campus Blumenau)
vpjoao98@gmail.com

Introdução

É quase um consenso entre a comunidade de pesquisadores em


Educação de que Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação
e Expressão – TDICEs (LACERDA SANTOS, 2013) podem contribuir
no processo de aprendizagem e ensino da Matemática. São vários os
exemplos de softwares educativos que foram desenvolvidos: GeoGe-
bra, Cabri-Géomètre, Scracth, etc. Todavia, as contribuições não pa-
recem ter se efetivadas de fato (mesmo em escolas que possuem as
condições físicas necessárias). Não entraremos no mérito da discussão
sobre as causas disso, mas uma hipótese para isso pode ser o fato
de não existirem boas opções de materiais de auxílio à utilização dos
softwares. Isso é ainda mais evidente na educação infantil e anos ini-
ciais. Dessa forma, o objetivo deste capítulo é mostrar alguns exemplos
de atividades que foram preparadas na plataforma GeoGebra para
serem usadas com crianças de até 10 anos.
Para criarmos as atividades nos baseamos nas competências e habi-
lidades contidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)1. Uma
das Competências específicas de matemática que consta na BNCC
para as séries iniciais (1º ao 5º ano) é: “Utilizar processos e ferra-
mentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais disponíveis, para
modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas
de conhecimento, validando estratégias e resultados.” Em relação à
unidade temática “Geometria”, a BNCC propõe várias habilidades,
dentre as quais citamos as seguintes:

a) Relacionar figuras geométricas espaciais (cones, cilindros, esferas


e blocos retangulares) a objetos familiares do mundo físico;
b) Identificar e nomear figuras planas (círculo, quadrado, retângulo
e triângulo) em desenhos apresentados em diferentes disposições
ou em contornos de faces de sólidos geométricos;
c) Reconhecer, nomear e comparar figuras geométricas espaciais
(cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera), relacio-
nando-as com objetos do mundo físico.
d) Reconhecer, comparar e nomear figuras planas (círculo, quadra-
do, retângulo e triângulo), por meio de características comuns, em
desenhos apresentados em diferentes disposições ou em sólidos
geométricos;
e) Associar figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pi-
râmide, cone, cilindro e esfera) a objetos do mundo físico e nome-
ar essas figuras;
f) Descrever características de algumas figuras geométricas espa-
ciais (prismas retos, pirâmides, cilindros, cones), relacionando-as
com suas planificações;
g) Associar prismas e pirâmides a suas planificações e analisar, no-
mear e comparar seus atributos, estabelecendo relações entre as
representações planas e espaciais;
1
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/download-da-bncc. Acesso em: 30 ago. 2018.

120
CAPÍTULO 4

h) Associar figuras espaciais a suas planificações (prismas, pirâmides,


cilindros e cones) e analisar, nomear e comparar seus atributos.

Em relação à unidade temática “Números”, a base propõe também


várias habilidades, dentre as quais citamos algumas:

i) Resolver e elaborar problemas de adição e de subtração, envol-


vendo números de até dois algarismos, com os significados de
juntar, acrescentar, separar e retirar, com o suporte de imagens e/
ou material manipulável, utilizando estratégias e formas de regis-
tro pessoais;
j) Construir fatos básicos da adição e subtração e utilizá-los no cál-
culo mental ou escrito;
k) Resolver e elaborar problemas de adição e de subtração, envol-
vendo números de até três ordens, com os significados de jun-
tar, acrescentar, separar, retirar, utilizando estratégias pessoais ou
convencionais;
l) Resolver e elaborar problemas com números naturais envolvendo
adição e subtração, utilizando estratégias diversas, como cálculo,
cálculo mental e algoritmos, além de fazer estimativas do resultado.

Para criarmos as atividades, também consideramos estudos da Teoria


dos Registros de Representações Semióticas (DUVAL, 2009). Tal teoria
enfatiza a importância da utilização simultânea de múltiplas repre-
sentações dos objetos matemáticos para a aprendizagem.

O público-alvo deste capítulo é o professor e a professora dos anos


iniciais. Ele aborda, sobretudo, como usar as atividades com os alu-
nos. Dessa forma, é importante que a leitura do capítulo seja feita ao
mesmo tempo em que explora as atividades no computador.

121
Atividade 1: As Formas Geométricas Espaciais

Para auxiliar o desenvolvimento das habilidades “a” até “h” citadas an-
teriormente, criamos uma Atividade2 na plataforma GeoGebra. O título
é As Formas Geométricas Espaciais (https://ggbm.at/qhQe2gbW). Essa
atividade contém vídeo, applets, questões abertas e fechadas. Falaremos
um pouco de como explorar cada um desses elementos com os estudan-
tes.

No início da folha de trabalho, são utilizadas figuras e um pequeno


vídeo. Apresentamos um exemplo na Figura 1.

Figura 1 – Figuras e vídeo da folha de trabalho

2
As atividades feitas na plataforma GeoGebra também são chamadas Folhas de trabalho.

122
CAPÍTULO 4

Tais elementos buscam criar condições para que os estudantes possam re-
lacionar objetos do cotidiano com as figuras geométricas espaciais. Para
diferenciar as formas geométricas poliédricas das não poliédricas, são
explorados dois applets e uma questão de múltipla escolha (Figura 2).
Em cada applet o estudante pode fazer manipulações, mudando as
dimensões dos objetos, alterando a posição e girando o plano.

Figura 2 – Applets para diferenciar formas poliédricas e não poliédricas

Para que os estudantes possam perceber algumas características das


formas poliédricas, visualizando e identificando os elementos dos pris-
mas, são explorados um applet e questões de múltipla escolha. No
applet, o estudante pode fazer manipulações, mudando as dimensões
e ocultando/mostrando os elementos vértices, arestas e faces.
123
Figura 3 – Applet e questões de múltipla escolha para identificar elementos
do prisma

Para explorar as planificações, identificando os polígonos que com-


põem as faces, são explorados applets e questões.
124
CAPÍTULO 4

Figura 4 – Applet para explorar planificações

Figura 5 – Questões sobre os applets

125
Para contextualizar e desenvolver habilidades relacionadas à visuali-
zação e planificação foi feito um applet e uma questão de múltipla
escolha. O applet contém um dado em que o estudante pode girar. A
partir dessa manipulação precisará marcar a opção que representa a
planificação3 do dado.

Figura 6 – Applet para explorar um problema contextualizado de planificação

Essa folha de trabalho contém outros applets e questões. Mostramos algu-


mas apenas para dar uma ideia de como utilizá-las. O link <https://youtu.
be/FbpvxSlI8T8> contém um vídeo com mais orientações de utilização.

3
É importante destacar que o applet feito no geoGebra não levou em consideração a regra do dado que diz
que a soma das faces opostas tem que ser 7.

126
CAPÍTULO 4

Atividade 2: A Operação de Subtração

Para auxiliar o desenvolvimento das habilidades “i” até “l” citadas ante-
riormente, criamos uma Atividade na plataforma GeoGebra cujo título
é A operação de Subtração (https://ggbm.at/mc2zchwm). Assim como
a atividade anterior, essa também contém vídeos, applets, questões
abertas e fechadas. Falaremos um pouco de como explorar cada um
desses elementos com os estudantes.

Nesta folha de trabalho, antes de cada atividade, são apresentados pe-


quenos vídeos explicativos que mostram como fazer as operações de
subtração (com ou sem reagrupamento) utilizando um applet GeoGebra.

O 1º vídeo e applet têm o propósito de mostrar o que é um número


de dois algarismos. Para isso, é explorado um applet que contém as
representações simbólica e figural de um número de dois dígitos, em
que um representa o algarismo das dezenas e outro o das unidades. O
estudante pode clicar no “+” ou “-” para aumentar ou diminuir o valor
dos números. Quando ele faz isso, pode perceber as representações
alterando. Sobretudo, pode perceber a alteração das quantidades de
quadradinhos aumentando ou diminuindo. A construção foi inspirada
na ideia de utilização do Material Dourado.

Figura 7 – Applet para explorar a representação do número com dois algarismos

127
O vídeo e o applet seguintes são usados para mostrar como fazer a
operação de subtração em que não há necessidade de reagrupamen-
to. No applet, o estudante pode ir clicando na setinha para perceber
como a operação pode ser feita a partir da representação figural. Em
seguida, precisará colocar o resultado nas caixas que estão em bran-
co. Se estiver correto, aparecerá um “v”. Caso contrário, um “x”. Em
seguida, são apresentados três exercícios. A atividade busca atender
a orientação da habilidade “i”, que fala, dentre outras coisas, sobre
resolver problemas de subtração, envolvendo números de até dois al-
garismos, com o significado de retirar, com o suporte de imagens e/ou
material manipulável.

Figura 8 – Applet para explorar a operação de subtração sem reagrupamento

Após os exercícios, são apresentados um vídeo e um applet para mos-


trar como fazer a operação de subtração em que há necessidade de
reagrupamento. Novamente, o estudante pode ir clicando na setinha
para perceber como a operação pode ser feita a partir da representa-
ção figural. Ele poderá perceber como o reagrupamento pode ser feito.
Depois, precisará colocar o resultado nas caixas que estão em branco.
128
CAPÍTULO 4

Figura 9 – Applet para explorar a operação de subtração com reagrupamento

Para a operação de subtração com números de 3 algarismos são apre-


sentados vídeos e applets que envolvem dinheiro. A atividade busca
atender a orientação da habilidade “k”, que diz, dentre outras coisas,
que é preciso resolver e elaborar problemas de adição e de subtração
envolvendo números de até três ordens, com os significados de juntar,
acrescentar, separar, retirar, utilizando estratégias pessoais ou conven-
cionais. Primeiramente, são apresentados um vídeo e um applet para
mostrar as representações simbólica e pictórica do dinheiro. O estudante
pode alterar o valor, em reais, e perceber a quantidade de notas de 100
reais, 10 reais e moedas de 1 real que foram usadas para formar o valor.

Figura 10 – Applet para representação de uma quantia de dinheiro com notas


de 100 e 10 reais e moedas de 1 real

129
Em seguida são apresentados vídeos e applets para mostrar como fa-
zer a subtração de números com 3 algarismos. No primeiro applet, há
um caso de subtração que não necessita de reagrupamento. O estu-
dante precisará colocar os valores nas caixas que estão com número
zero. Se acertar, aparecerá um “joia”.

Figura 11 – Applet para explorar a operação de subtração sem reagrupamen-


to com números de 3 algarismos

No applet em que há uma operação de subtração com necessi-


dade de reagrupamento, o estudante pode marcar a opção “dica
1”, para perceber como uma nota de 10 reais pode ser reagru-
pada em 10 moedas de 1 real. Quando ele marca a caixa da
dica 1, aparecem também duas caixinhas sobre os números que
serão reagrupados. Ele pode preenchê-las e também as que re-
presentam o resultado. Se estiver correto, aparecerá um “joia”.
Durante os cálculos, se ele quiser riscar os números, as notas ou
as moedas (como foi mostrado no vídeo), pode selecionar a fer-
ramenta “caneta” no canto superior do applet.

130
CAPÍTULO 4

Figura 12 – Applet para explorar a operação de subtração com reagrupamen-


to com números de 3 algarismos

O applet seguinte apresenta um exemplo em que há uma operação


de subtração com necessidade de reagrupamento nos três algarismos.
Nesse applet, além da “dica 1”, há também outra em que ele poderá
perceber como uma nota de 100 reais pode ser reagrupada em 10
notas de 10 reais. Quando ele marca as caixas das dicas, aparecem
também caixinhas sobre os números que serão reagrupados. Ele pode
preenchê-las e também as que representam o resultado. Se estiver cor-
reto, aparecerá um “joia”.

Figura 13 – Applet para explorar a operação de subtração com reagrupamen-


to nos 3 algarismos

131
A Folha de Trabalho contém outras atividades. Neste capítulo, explora-
mos as principais. No tópico seguinte mostraremos como as atividades
podem ser usadas com os estudantes.

Como compartilhar as atividades e dar feedbacks aos estudantes?

A melhor forma de explorar as atividades com os estudantes é através


da ferramenta “grupo” do GeoGebra. Esse recurso permite que o pro-
fessor compartilhe e dê feedbacks aos estudantes. Assim, o trabalho
poderá ser tanto presencial quanto a distância. Neste tópico, mostrare-
mos como isso pode ser feito.

Para usarem o “grupo” do GeoGebra, professor e estudantes deverão ter


uma conta na plataforma. Assim, o primeiro passo é criar uma conta na
plataforma GeoGebra. Para isso, o usuário precisa acessar o site do Ge-
oGebra pelo link <https://www.geogebra.org>. Ao acessá-lo, no canto
superior direito, verão um botão “Entrar”, como mostrado na Figura 14.

Figura 14 – Cadastramento e Login no GeoGebra

Ao clicar no botão “Entrar”, abrirá uma janela que permitirá selecionar


uma das redes sociais (Facebook ou Google) ou um e-mail para efetuar
seu login. Na Figura 15 é possível visualizar essa caixa de login:
132
CAPÍTULO 4

Figura 15 – Pop-up de Login do GeoGebra

Para criar uma conta no GeoGebra, basta clicar no botão “Criar uma
Conta”, destacado em vermelho na Figura 15. O mesmo redirecionará
para uma nova página com um formulário, que permitirá ao usuário
preencher os campos com o nome de usuário, o e-mail e a senha que
utilizará para efetuar o login futuro, como mostrado na Figura 16:

Figura 16 – Página de cadastro do usuário no GeoGebra

133
Ao finalizar o cadastro, o usuário receberá uma confirmação por
e-mail4, na qual deverá clicar para confirmar.

Entretanto, caso já tenha uma conta, ao clicar no botão “Entrar”, pres-


sionando o ícone de uma das redes sociais ou após preencher os cam-
pos do e-mail e senha e clicando em entrar, essa pequena caixa fecha-
rá e permitirá ao usuário efetuar as operações de criações de materiais
e manutenção de grupos.

Depois de logado, o menu lateral se torna acessível, como na Figura 17:

Figura 17 – Menu lateral do GeoGebra

Nesse menu, o usuário tem acesso a todas as abas necessárias para a


manutenção de suas atividades, como seus materiais, o perfil, suas cone-
xões, grupos e aplicativos. Vejamos como usar a ferramenta “Grupos”.

Ao se clicar na aba de Grupos, abre-se uma nova guia no navegador,


com a seguinte página (Figura 18):

4
É importante lembrar que a mensagem poderá estar na caixa de Spam, portanto, é necessário verificá-la ou
em outras pastas, caso não seja encontrada na caixa de entrada.

134
CAPÍTULO 4

Figura 18 – Menu de Grupos do GeoGebra

Nela, pode-se inserir um código, para entrar em um grupo GeoGebra


e em seguida clicar em “Entrar”. Para ir a um grupo dos quais já parti-
cipa, o usuário precisa clicar em “Ir para meus Grupos”. Para criar um
grupo e manter uma turma de estudantes é necessário clicar em “Criar
Grupo”. Após isso, o usuário será redirecionado para uma página,
como na Figura 19:

Figura 19 – Menu de Criação de Grupos

135
Nessa página, deverá preencher o Nome do grupo, uma descrição
(opcional), definir as permissões dos membros, as configurações de
edição e selecionar a opção de notificação. Ao término dessas configu-
rações, deve clicar em “Gravar”. Ao terminar de criar seu grupo, será
redirecionado para dentro dele. Nele, verá o título (nesse caso, “Tes-
te”) e, abaixo do título, quatro abas: Postagens, Membros, Materiais e
Feedback. Vale ressaltar que o único membro associado ao grupo no
momento em que ele foi criado é o proprietário. Podem-se adicionar
novos membros por meio do código proposto ou pelo próprio campo
“Incluir Membros ao Grupo”. A seguir, uma figura da página de redire-
cionamento ao entrar no grupo:

Figura 20 – Painel de Membros do Grupo

Na aba Postagens, o administrador do grupo pode criar avisos e tare-


fas, como é possível observar na figura a seguir:

Figura 21 – Painel de Postagens do Grupo

A opção “aviso”, apesar de permitir a inserção de atividades, não possibi-


lita que o professor dê feedbacks. Já a opção “Tarefas” possibilita ao pro-
fessor (ou administrador do grupo) ter acesso a todas as atividades feitas
136
CAPÍTULO 4

pelos integrantes do grupo. Com isso, ele pode dar feedbacks e conversar,
individualmente, com os alunos. Vale ressaltar que ambas as funcionalida-
des têm a mesma interface de criação, como na figura abaixo:

Figura 22 – Painel de Criação de Postagem do Grupo

Na Figura 22 vê-se que é possível criar ou adicionar materiais (Ati-


vidades ou livros do GeoGebra), imagens, vídeos ou arquivos PDFs
para auxiliar o estudante em seus estudos. Na aba Feedback, quando
o grupo já possui membros e atividades para serem feitas, é possível
acompanhar o progresso dos participantes em cada uma das ativida-
des, como se pode ver na Figura 23:

Figura 23 – Painel de Feedback

137
Na Figura 23 pode-se notar, na primeira coluna, os nomes dos alunos
de 1 até 5, e, nas colunas seguintes, os nomes das atividades postadas.
Por exemplo, na quarta coluna, é possível ver a Atividade da Área do
Retângulo, na qual os alunos 1, 2 e 5 completaram, mas não foram
corrigidas ainda, a do aluno 4 já foi completada e corrigida e o aluno
3 sequer completou ainda. Já o ícone azul, ao lado de algumas ativida-
des, simboliza um comentário na tarefa. O administrador pode replicar
e conversar com o usuário, permitindo um feedback mais aproximado.

Se quiser posicionar o mouse sobre o ícone, será possível notar algu-


mas informações sobre o comentário, como mostra a Figura 24:

Figura 24 – Mensagem “Existem 2 mensagens não lidas” sobre os comentários


na atividade

Com isso, o administrador do grupo sabe que a atividade contém co-


mentários não lidos em alguma das atividades e que devem ser visuali-
zadas. Ao clicar sobre o ícone azul, a atividade será aberta e nela serão
encontrados os comentários destacados pela tabela da figura anterior.
Na Figura 25, tem-se um exemplo de uma atividade comentada por
um estudante e replicada por um dos administradores do grupo:

138
CAPÍTULO 4

Figura 25 – Exemplo de comentário em uma atividade

Para criar um comentário em alguma aplicação ou atividade, basta


buscar por um ícone semelhante ao do comentário, ou seja, esse ícone
azul, como o da Figura 26, destacado em vermelho:

Figura 26 – Ícone de comentário

Ao clicar nele, abrirá uma caixa para digitar uma mensagem. Ao fina-
lizar o comentário será publicado abaixo da atividade ou aplicação,
permitindo aos administradores que o visualizem.
139
Figura 27 – Caixa de comentário

Por fim, é permitido ao administrador marcar a Atividade como


completa ou incompleta. Para tal, basta clicar sobre um dos bo-
tões no final da atividade.

Figura 28 – Botões de Completo e Incompleto

Considerações Finais

Neste capítulo mostramos alguns exemplos de atividades feitas na pla-


taforma GeoGebra. Tais atividades têm o propósito de contribuir para o
desenvolvimento de algumas habilidades matemáticas. Buscamos inserir
elementos para que o estudante pudesse ter mais autonomia. Dentre
eles, destacamos os vídeos e recursos de feedback automático (o “joia”,
o “v” e “x”). Todavia, é evidente que as atividades não são suficientes

140
CAPÍTULO 4

para garantir o desenvolvimento de tais habilidades. Assim, é impres-


cindível o papel do professor. Ele precisa orientar todo o processo, mos-
trando para os estudantes como eles podem manipular os applets para
perceberem as propriedades e procedimentos. Além disso, é preciso que
o professor mostre para os estudantes como podem usar as aprendiza-
gens na plataforma noutros contextos, como o lápis e papel.

Temos consciência de que a implementação de atividades como as que


propomos não é tão simples. Sobretudo, porque nem todas as escolas
possuem computadores e internet. Além disso, alguns pais podem não
concordar que seus filhos criem contas em páginas da internet. Nesse
caso, se a escola possuir laboratório de informática e internet, sugeri-
mos que o professor use a atividade de maneira presencial, deixando
as folhas de trabalho abertas em cada computador, antes de começar
a aula. Dessa forma, os estudantes não precisarão ter uma conta, mas
as atividades não poderão ser salvas.

Por fim, esperamos que as atividades possam também ajudar para que
as contribuições do GeoGebra cheguem de fato na sala de aula.

Referências

DUVAL, R. Semiósis e Pensamento Humano: Registros semióticos e


aprendizagens intelectuais. Tradução L. F. Levy e M. R. A. Silveira. São
Paulo: Livraria da Física, 2009.

LACERDA SANTOS, G. A problemática da inclusão digital de professores


do ensino fundamental. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCA-
ÇÃO NO BRASIL, 2013, Porto Seguro. Anais [...]. Porto Seguro, 2013.

141
Capítulo 5

A aprendizagem de conceitos científicos


por crianças pequenas mediada por um
software lúdico-educativo

Maria Fernanda Farah Cavaton


Gilberto Lacerda Santos
Faculdade de Educação, Departamento de Métodos e
Técnicas - Universidade de Brasília - UnB
fernandacavaton@uol.com.br
glacerda@unb.br

O uso das Tecnologias de Informação, Comunicação e Expressão (TICE)


com crianças da educação infantil tem um impacto positivo em seu de-
senvolvimento cultural, no momento em que está aprendendo o mundo
em que vive. A criança é curiosa e utiliza de várias estratégias para agir
sobre as ferramentas culturais existentes na comunicação com outras
pessoas e na construção de conhecimento cotidiano e científico.
Enfocar o desenvolvimento cultural da criança pequena1 consiste em ex-
plicitar a utilização de ferramentas culturais como mediadoras para a
construção do conhecimento no início da escolarização em interações
interpessoais. Neste capítulo enfocamos o processo de construção de
conhecimento da criança mediado por um software lúdico-educativo em
pares. Consideramos o computador um meio valioso na comunicação e
de transmissão de informações e conhecimento da criança com o outro.

Assim, as investigações que conduzimos no Laboratório Ábaco de Pes-


quisas Interdisciplinares sobre Tecnologias e Educação e aquela que

1
Consideramos como criança pequena, designação empregada na LDB - Lei 9349/96, aquela que está na
faixa etária de zero a seis anos e como criança escolar, aquela de sete a onze anos.
apresentamos nesse texto inserem-se na mesma perspectiva já inicia-
da, em meados dos anos 80, por Hoot (1986), Watson, Nida e Shade
(1986), pesquisadores que apontam que, mesmo que as tecnologias
digitais tenham limitações enquanto ferramentas culturais, elas servem
para desencadear uma ampla gama de conhecimentos, competências,
habilidades e atitudes, bastante importantes para a continuidade dos
estudos e para a plena contextualização social da criança em início de
escolarização, sobretudo no contexto da Sociedade Informacional.

Além disso, sabe-se que tais tecnologias são ferramentas que podem
ser adaptadas aos diversos estilos de aprendizagem de alunos (SAN-
TOS; BRAGA, 2012) e que geram um entorno de trabalho multissenso-
rial que acomoda diversas necessidades das crianças pequenas, com
potencial para auxiliá-las no desenvolvimento da leitura e da escrita
(SOARES, 2002), no incremento de experiências sociais (TEBEROSKY,
1989); ou na construção de conhecimento da criança pequena conci-
liando as ferramentas culturais fala, desenho, escrita com a brincadeira
e o uso de celulares (CAVATON; MIETO; SANTOS, 2017). Em termos
de exemplificação, o uso de várias ferramentas para o entendimento
da língua escrita, enquanto letramento multimodal (CAVATON, 2010),
tem aberto campos de atuação para o uso da informática na escola, na
família e na comunidade onde a criança em crescimento vive. O que
antes era restringido apenas à comunicação face a face, hoje se am-
pliou pela rapidez da informação online de todo tipo de mídia, além da
diversão que jogos, softwares e desenhos em computador despertam
nas crianças. Esta última categoria traz atividades infantis com alegria,
com brincadeiras de faz de conta, tão presentes na educação infantil e
não apenas, porque a criança pequena também está no primeiro ano
do ensino fundamental, por força de lei (BRASIL, 1996, 2005, 2006).

Portanto a construção do conhecimento e as experiências sociais são


processos dinâmicos com rupturas e uniões sucessivas ocorrendo nas

144
CAPÍTULO 5

inter-relações entre pessoas na comunicação e nas trocas de signifi-


cado em instituições sociais mediadas pelos sistemas simbólicos. Eles
apresentam dimensões cognitiva e socioafetiva que embasam a dimen-
são de motivação que move as pessoas a agirem e a se comunicarem
segundo suas crenças e valores que produzem ou são produzidos nas
trocas socioculturais (BRANCO, 2006).

Por se tratar de criança pequena, a maneira de comunicação por ges-


tos, brincadeira e faz de conta também exerce importante papel nessas
interações. O corpo da criança transmite emoções, aponta, imita e faz
de conta. Este último move a criança a criar brincadeiras e alimentar
seu imaginário. A satisfação das necessidades e dos desejos infantis,
principalmente os imediatos e os irrealizáveis, levam as crianças à ati-
vidade de brincar (VIGOTSKI, 2008).

Assim, em uma perspectiva de educação criativa com o emprego das


TICE e uma pedagogia dialógica, as crianças aprendendo em comuni-
cação com seu par, professora e pesquisador, a importância da brinca-
deira na construção de conhecimento está pautada na ação da criança
sobre o objeto cultural, que neste caso é a utilização do software lúdico
educativo O Dado de Contos no computador.

O software lúdico-educativo “O Dado de Contos”

O Dado de Contos é uma adaptação para o contexto da multimídia de


um jogo tradicional de tabuleiro, o Ludo, no qual dois jogadores têm
de avançar, competindo entre eles, em um percurso virtual pontuado
por uma série de surpresas (prêmios, punições e contos). O vence-
dor do jogo será aquele que primeiro conseguir chegar ao final do
percurso, que é a cabeça da minhoca desenhada pelo software. Para
avançar, cada jogador deve andar o número de casas indicadas pelo
lançamento do dado real. Este último consiste em objeto concreto, que

145
é a própria embalagem do jogo. À medida que avança no jogo, cinco
contos abordando questões e problemas ambientais podem ser ativa-
dos, caso o peão do jogador venha a cair na casa correspondente.

O primeiro conto, que corresponde à letra A, remete o usuário ao con-


to de Alberico, o peixinho, que tem de usar equipamento de mergulho
para poder respirar nas águas sujas do lago onde mora;

O seguinte, que corresponde à letra E, remete a criança à história de


Eva, a ema, que se entristece ao perceber que o parque onde vive está
completamente sujo e poluído;

O terceiro conto, que corresponde à letra I, remete à história de Iara,


a garça, que não consegue encontrar uma árvore para fazer seu ninho
por causa da degradação das florestas e do crescimento da cidade;

O próximo conto, que corresponde à letra O, remete à história de Ola-


vo, o belo ipê amarelo, que perde espaço vital à medida que a cidade
cresce e as áreas verdes diminuem;

O último, que corresponde à letra U, remete à história de Ubaldo, um


simpático macaquinho, que perde território em razão do crescimento
urbano desordenado.

O Dado de Contos situa seu usuário em um ambiente alfabetizador,


que não o exclui de situações de interação consigo mesmo e com seus
pares, com o professor ou com seus pais, desencadeando processos
de socialização, dimensão fundamental da faixa etária para a qual o
software educativo visado se destina, isto é, crianças pequenas. Ao
mesmo tempo que enfatiza os conceitos científicos da problemática am-
biental, o software trabalha elementos de alfabetização linguística (as
vogais), educação matemática (operações simples, representação do
número) e o desenvolvimento de percepções sensoriais e motoras. No
146
CAPÍTULO 5

decorrer de suas interações com o dispositivo digital, o par de crianças


terá a oportunidade de investir conhecimentos que já detém e de criar
novos conhecimentos relacionados à temática ambiental.

Desse modo, o que se pretende com O Dado de Contos, enquanto


ambiente de aprendizagem multimediatizado, significa ser utilizado
como recurso de apoio à abordagem da questão ambiental e de pro-
moção de processos de criação. Ao interagir com o colega por meio
de um jogo simples e envolvente, a criança poderá tornar-se agente
do processo de despoluição de um lago ou de limpeza de um parque,
estimulada pelas estratégias de interface física e cognitiva empregadas
no software, por uma série de personagens, todos inspirados na fauna
do cerrado brasileiro.

A figura seguinte apresenta a interface principal do software:

Figura 1 – Interface principal de O Dado de Contos

147
Enfim, essa série de possibilidades de desenvolvimento de aspectos da
espontaneidade, da dialogicidade, da originalidade e da criticidade são
justamente os princípios da educação criativa, conforme delimitados por
Gervilla e Madrid (2003). E, também, por sua vez, a pedagogia dialógi-
ca significa o empoderamento do diálogo enquanto estratégia de apren-
dizagem entre as crianças no início da escolarização, no nosso caso, em
situação de jogo no computador, agindo sobre o pensamento infantil e
assegurando seu engajamento. Além disso, o uso do diálogo tem inú-
meras probabilidades de mediação nos espaços cognitivos e culturais
entre adulto e criança, entre pares, entre o que se sabe e compreende e
o que ainda não se sabe e compreende (ALEXANDER, 2005; CAVATON,
2010). O que podemos concluir, então, que a fala expressa e estrutura
o pensamento infantil e molda os processos mentais superiores próprios
da aprendizagem escolar. Cabe ao professor o papel de criar as oportu-
nidades e interações para tal mediação. O que nos causa preocupação
com o cotidiano escolar é o uso do diálogo, baseado em perguntas do
professor, para respostas prontas e corretas, inibindo, assim, o leque
de respostas, hipóteses e criatividade por parte das crianças (BARBATO;
CAVATON, 2016; PONTECORVO; AJELLO; ZUCCHERMAGLIO, 2005).

Na perspectiva da educação criativa e da pedagogia dialógica enfa-


tizamos três dimensões: didática, cognitiva e lúdica, com as quais O
Dado de Contos foi concebido, e que constituem seu eixo central, em
torno das quais as interações pedagógicas podem ser construídas.

Há uma dimensão didática que se refere à natureza, à cientificidade


do conteúdo proposto e ao modo como tal é transposto, de sua versão
científica para uma versão didática adequada e válida. Há, também,
uma dimensão cognitiva que se refere à estratégia psicopedagógica
subjacente ao modo de funcionamento do software. E há uma dimen-
são lúdica, na qual as dimensões didática e cognitiva encontram sus-
tentação e espaço.

148
CAPÍTULO 5

Nesse sentido, os principais personagens do software: o peixe Alberico,


a ema Eva, a garça Iara, o ipê amarelo Olavo e o mico Ubaldo, além
das araras azuis, das borboletas, dos tucanos, do tatu e do tamanduá,
foram desenhados a partir de pesquisas sobre a biosfera do Planalto
Central Brasileiro. Tais personagens são reproduções de animais que
efetivamente constituem nossa fauna e que podem ser observados, por
exemplo, nas margens do Lago do Paranoá, no Parque Nacional das
Águas Minerais, no Jardim Zoológico de Brasília e em nossos parques
urbanos, além de em outros ecossistemas e biomas existentes no Brasil.
Tais ambientes naturais, que podem também ser considerados como
partes integrantes do ambiente multimídia de aprendizagem que pro-
pomos, podem assim ser evocados por intermédio das interações com
o software, despertando interesse por visitas de observação, passeios,
trabalhos de desenho, de pintura, de recorte de revistas, etc. Temos
nessa faceta do software um importante elemento de pertinência, de
sentido e de contextualização.

Além disso, consideramos que a dimensão lúdica do software O Dado


de Contos não depende unicamente do computador. Este último ins-
taura o fio condutor das interações, as quais, por sua vez, são intei-
ramente controladas pelos jogadores, que têm a responsabilidade de
manipular o objeto concreto integrante do ambiente formador, o dado
(Figura 2), e de avançar na tarefa proposta munidos do livre arbítrio de
continuar, parar, retornar, repetir, desde que respeitadas as regras do
jogo. E são os próprios jogadores os responsáveis diretos pelo respeito
de tais regras. Procuramos privilegiar, na adoção dessa dinâmica, uma
situação de responsabilização da criança pela situação pedagógica
instaurada entre ela e um conjunto de saberes comunicados por meio
do recurso informatizado. Nesse sentido, este último precisa ser visto
unicamente como um suporte, como o coadjuvante de um processo de
ensino-aprendizagem gerenciado pelo professor, mas protagonizado
pelas próprias crianças.

149
Figura 2 – O Dado de Contos em sua embalagem-dado

É importante enfatizar que todo software educativo, enquanto instru-


mento de comunicação de conhecimentos, funciona segundo duas vias
distintas e complementares em termos de interface: cognitiva e física. A
interface cognitiva se relaciona com a apreensão do conteúdo e a inter-
face física se relaciona com a percepção do suporte. Tal dinâmica gera
um processo contínuo de reinvestimento do saber do indivíduo na aqui-
sição de conhecimentos inéditos. Assim, o novo objeto de conhecimen-
to será mais bem compreendido e melhor situado na bagagem cultural
já detida pelo indivíduo em aprendizagem, à medida que a rapidez na
apreensão de um novo objeto, qualquer que seja ele, depende muito
mais do que o indivíduo já apreendeu do que da complexidade do
objeto em si. Por exemplo, no conto de Alberico, a noção de que a
poluição dos lagos é nociva aos peixes é transmitida por meio de uma
linguagem de animação que é familiar à criança dessa faixa etária.
Isso acontece por intermédio do uso generoso e estudado de cores e da
situação hipotética em que o peixe tem de portar um equipamento de
mergulho, com um tanque de água limpa, para conseguir sobreviver
150
CAPÍTULO 5

no meio ambiente poluído. O desaparecimento de todos os outros pei-


xes e de todas as plantas, empobrecendo o habitat de Alberico, permite
que a criança estabeleça suas próprias relações entre a degradação
do meio e o esvaziamento biológico. Por fim, é a própria criança que
executa o trabalho de limpeza do lago, alegrando Alberico e permitin-
do que peixes e plantas reapareçam e vivam saudáveis. Tal dinâmica
se repete em cada conto, desencadeando na criança um processo de
significação sobre todas as personagens que habitam o mesmo espaço
vital, isto é, um belo parque inserido no meio urbano. Dessa forma,
pretende-se que a criança compreenda que o meio ambiente saudável
inclui a cidade com parques limpos, lagos e rios despoluídos, pássaros
e flores em profusão.

Quanto à interface física, estudos em Comunicação, como os de Ripper


(1993) e Barbieri (2012), mostram que o emprego de signos variados
(cores, imagens, sons, etc.) complementa e potencializa a percepção
de conceitos novos. Abraçando tal premissa, a interface física projetada
para o software baseia-se em princípios contemporâneos de comuni-
cação visual, por meio dos quais se procura potencializar ao máximo
o processo de recepção de informações pela combinação estratégica
de signos visuais e sonoros. As diferentes telas do software respeitam a
mesma dinâmica em termos de ilustração, apresentando-se dinamica-
mente uniformes e visualmente agradáveis. A própria compreensão da
barra de navegação, mediante a associação de ícones e funções é um
exercício cognitivo pouco exigente, tendo em vista a necessidade de se
privilegiar as interações cognitivas, por intermédio das quais o conteú-
do pedagógico será comunicado.

Uma experiência no Laboratório Ábaco com O Dado de Contos

Obter indícios de como se expressa a significação de conceitos cientí-


ficos na criança pequena em atividades educativas mediadas pela in-
formática nos remeteu a uma investigação com características de ob-
151
servação participante, no laboratório de informática da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília, envolvendo uma professora e
quatro crianças em relação educativa de manuseio do jogo O Dado
de Contos como instrumento de construção de conhecimentos e de
promoção de comportamentos criativos. A observação participante é
uma técnica de investigação social em que o observador compartilha
das atividades de um grupo de pessoas ou de uma comunidade (AN-
GUERA, 1985). Trata-se de uma técnica composta, à medida que o
observador não somente observa, como também necessita fazer uso
de técnicas de entrevista com diferentes graus de formalidade, a fim
de atingir seus objetivos de pesquisa. A pesquisa participante, no caso
desta investigação sobre interações escolares de crianças pequenas,
permitiu-nos captar significações e referências subjetivas desses atores
e nos inseriu em um processo de socialização no grupo, previsto por
Anguera (1985), e que implicou a aprendizagem de normas, códigos,
linguagens específicas do grupo observado e uma espécie de imersão
que, sem dúvida, compromete a objetividade científica. Contudo, esta
objetividade, mediante consciência investigativa por parte do pesqui-
sador, pode ser controlada e respeitada, de modo que, mesmo en-
contrando-se em situação de tensão permanente entre a necessidade
de se adequar às características do grupo e a necessidade de manter
o necessário espírito crítico e a isenção científica, ele consiga obter os
resultados almejados.

Como participantes tivemos a professora, as quatro crianças, com cin-


co anos de idade, oriundas de famílias de classe média, residentes na
Asa Norte, região administrativa central do Distrito Federal, divididas
em dois pares na exploração do software lúdico-educativo O Dado
de Contos, empregado como elemento catalisador de construção
de significados de conceitos de educação ambiental. As interações
tiveram lugar na sala de informática do Laboratório Ábaco, com um
computador disponibilizado para cada dupla de crianças e a orientação

152
CAPÍTULO 5

do pesquisador. O conteúdo da relação educativa foi aquele proposto


pelo software: educação ambiental com foco no bioma do Cerrado.
Esse conteúdo é explorado por meio de um jogo concreto-virtual, no
contexto de um ambiente multimediatizado de aprendizagens, que tem
a forma de um ludo e que integra atividades diversas, inclusive, cinco
contos de temática socioambiental.

A relação educativa ocorre em três momentos distintos e complemen-


tares. Em um primeiro momento, as crianças avançam na livre explo-
ração do software, a fim de conhecê-lo e de se ambientarem com a
proposta inserida nele. Em um segundo momento, já com mediação
docente, as crianças são inseridas na dinâmica do jogo e avançam no
manuseio das ferramentas que delimitam a atividade. Em um terceiro
momento, as crianças, em uma roda de conversa, explicitam impres-
sões, expressões e aprendizagens.

Para a análise dos resultados, seguimos um processo avaliativo, es-


sencialmente decorrente da observação das dinâmicas promovidas pe-
los três momentos da estratégia didática (livre exploração, situação de
jogo e a roda de conversa), no intuito de identificar a manifestação de
princípios do comportamento criativo nas crianças, além da construção
efetiva dos conhecimentos propostos pelo software.

A aprendizagem das crianças em pares no jogo

Consideramos que as crianças pequenas pesquisadas desenvolvem


condutas no jogo e brincadeira com o software aqui exposto, consi-
derando a educação criativa: capacidade de exposição livre de ideias,
opiniões e experiências (espontaneidade), capacidade de interação
com outras crianças e com o professor, de forma recíproca e sem hie-
rarquias (dialogicidade), também da pedagogia dialógica, além da
capacidade de produção de ideias novas, de soluções diferentes e al-

153
ternativas para problemas conhecidos (originalidade) e capacidade de
avaliação de sua própria produção e da produção dos colegas, a fim
de entender, compreender e aperfeiçoar seu próprio conhecimento em
construção (criticidade).

As crianças envolvidas na investigação, bem como seu professor, esti-


veram no Laboratório Ábaco durante duas manhãs inteiras, das 9 às
12 horas, com uma interrupção para um lanche providenciado pelo
pesquisador. Para fins de relato da atividade experienciada, as crianças
foram identificadas por codinomes: Ana, Bia, Clara e Adão. Não foram
feitos registros fotográficos por razões legais, relacionadas aos direitos
de exposição de imagens das crianças. As gravações de áudio foram
realizadas para fins de sistematização e de fornecimento de subsídios
às observações. Ao longo da situação de jogo, um gravador foi colo-
cado ao lado de cada computador, de modo que pudemos registrar os
diálogos das duplas. Após a sessão de jogo com as crianças, foi reali-
zada uma roda de conversa com as quatro, a fim de permitir que elas
explicitassem conhecimentos eventualmente construídos.

As TICE como provocadoras de comportamentos criativos


Livre exploração
As crianças tiveram acesso à sala de informática com uma grande ex-
citação, tanto causada pelo deslocamento para fora do ambiente da
escola quanto pela situação em si, que envolvia curiosidade, novidade
e um mistério em torno do que iria acontecer. A presença do pesquisa-
dor também gerava alguns olhares interrogativos sobre quem poderia
ser, uma vez que não nos conhecíamos. As crianças foram acomoda-
das pela professora em uma mesa no centro da sala e começou uma
explanação geral a respeito do que estava planejado:

– Hoje nós vamos brincar com um jogo sobre meio ambiente. Quem
sabe o que é meio ambiente?
154
CAPÍTULO 5

As quatro crianças levantaram a mão para responder, enquanto Adão,


bem inquieto, levantava-se e ia mexer em um dos computadores. En-
quanto a professora buscava Adão e o colocava de volta na mesa, Bia
tomou a frente e disse ser o lixo. Em seguida, Ana falou:

– O meio ambiente tem animais e a natureza!

E a professora prosseguiu concordando e fornecendo mais informações:

– Agora, nós vamos conhecer um jogo bem bacana, chamado O Dado


de Contos. Quem gosta de jogar no computador?

Como todas as crianças levantaram as mãos, a professora prosseguiu:

– Que jogo você mais gosta, Adão?

– O Super Mario e a Galinha Pintadinha. O menino respondeu alegremente.

Duas outras meninas também falaram simultaneamente que também


gostavam da Galinha Pintadinha. Clara, ao ser questionada, respon-
deu ser o jogo da Polly. Clara nos pareceu ser a menina mais quieta
entre os demais. Nesse momento, tivemos a noção da familiaridade
que essas crianças tinham com o mundo digital e que, com maior ou
menor aproximação, lidavam com jogos virtuais.

Em seguida, a professora pediu para cada criança dirigir-se a um com-


putador, previamente ligado e com o jogo disponibilizado. Adão deu
uma volta completa na mesa e escolheu um computador distante dos
demais. Todas as crianças ficaram bastante silenciosas, concentradas
na descoberta do jogo, clicando por todo lado.

Clara teve dificuldades com o mouse, dirigiu-se à professora para dizer


que o computador não está funcionando! Embora ela não tivesse se di-
155
rigido ao pesquisador, ele foi até ela e verificou que o mouse estava com
defeito, trocando-a de computador. Nessa atividade de troca de apare-
lho, Clara ficou observando o pesquisador, que ligava e disponibilizava
a máquina. Ela segurou o mouse, que ocupava sua mão inteira. Além
disso, ela sorriu com os olhos vidrados na interface colorida do software.

O fato de o corpo da minhoca emitir sons, em uma escala musical,


foi o que mais chamou a atenção de todas as crianças. Essa ativi-
dade de conhecer e observar as características do jogo envolveu-se
durante alguns minutos, não individualmente, mas coletivamente, pro-
curando umas as outras para trocar informações entre elas. Algumas
se levantavam e iam ver o que os outros estavam fazendo. Porém elas
voltavam rapidamente para suas máquinas respectivas e, ativamente,
continuavam a manipular o jogo, ainda desconhecido. Ana foi a pri-
meira criança que observou que as duas bolinhas coloridas (os peões)
se movimentavam e perguntou ao pesquisador o que precisa fazer.
Logo em seguida, todas as crianças estavam tentando movimentar os
peões para todo lado, aleatoriamente. Adão perguntou ao pesquisador
a finalidade de ter bichos no jogo. Ele se referia à aranha, ao jacaré e
à cobra, que aparecem na parte superior da interface. Ana e Bia foram
ver, no computador do Adão, do que ele estava falando. O pesqui-
sador lhes explicou que precisavam aprender a jogar para saber. Em
seguida, foi a vez de o menino Adão perguntar o que o jogo fazia.

As crianças estavam impacientes, tentando entender o funcionamento


do jogo. Por se tratar de um jogo que demanda procedimentos especí-
ficos por parte dos jogadores, seu funcionamento é mais complexo do
que os jogos que eles haviam citado. Bia, então, deslocou sua atenção
do computador para o dado, que estava ali, ao lado do seu computa-
dor. Era um enorme dado colorido, que seria usado no jogo, conforme
mostrado na Figura 2. Mas, ninguém sabia disso ainda. Ela perguntou
à professora para que aquilo servia.

156
CAPÍTULO 5

A professora lhe respondeu que o pesquisador iria explicar. Todas as


crianças pararam e observaram, momentaneamente, o pesquisador.
As crianças conferiram competência ao pesquisador para ser o refe-
rencial principal da relação educativa nessa situação específica em que
estavam vivenciando na UnB. Desse modo, o pesquisador apresen-
tou o dado e mostrou sua função no jogo que eles estavam vendo no
computador. Ana perguntou como se fazia e, ao mesmo tempo, jogou
o dado para cima. Adão pegou o dado e o abriu completamente, no-
tando que havia encaixes em todos os lados. Sem o pesquisador poder
explicar, foi a vez de a menina Clara falar que o dado era igual um
tapete. A professora concordou que parecia o tapete alfanumérico de
encaixes que tinha na sala de aula, feito do mesmo material do dado
(EVA). A essa altura da interação, as crianças já tinham abandonado
os computadores e estavam de volta na mesa do centro, brincando
com os dados coloridos. A situação estava propícia para o pesquisa-
dor aproveitar para mostrar a todas, de uma única vez, como o jogo
deveria ser jogado. Ele ligou um projetor multimídia, apagou a luz e,
assim, as crianças aguardavam em silêncio o que viria desse ambiente.
Todas olhavam concentradíssimas para a tela de projeção, em que o
jogo era exibido. A professora se sentou com as crianças, enquanto o
pesquisador explicava o funcionamento da atividade: ficariam em du-
plas, o dado era usado no jogo, a maneira como cada dupla poderia
interagir, manipular os peões e ganhar o jogo. As informações eram
dadas em vários exemplos, simulações de jogadas e esclarecimentos
dos cinco contos escondidos no corpo da minhoca sobre o meio am-
biente e os cuidados que devemos ter com o mundo à nossa volta. As
crianças perguntaram sobre o jogo, a cabeça da minhoca e se fora o
pesquisador quem o tinha feito.

Enfim, saciadas as demandas, respondidas às perguntas, as duplas


formadas para o uso do computador foram as seguintes: dupla 1: Ana

157
e Bia; dupla 2: Clara e Adão. Este último demostrou interesse no pro-
jetor multimídia, mexendo várias vezes nele.

Ao acendermos a luz, a professora, por sua vez, tomou a palavra e


explicou que, em seguida, iríamos jogar e depois lanchar. E lá se foram
as duplas de crianças para a situação de jogo descrita a seguir.

Situação de jogo

A situação da livre exploração do jogo permitiu que as crianças se fami-


liarizassem mais com presença do pesquisador na situação educativa,
facilitando sua socialização com o grupo sem causar estranhamentos.

A situação de jogo começou de forma um pouco conturbada pela di-


ficuldade de as crianças manusearem, ao mesmo tempo, objetos con-
cretos e virtuais em uma perspectiva de complementaridade. O fato de
lançar o dado para cima, a fim de poder jogar no computador, parecia
uma demanda sem sentido para elas. As duplas foram dispostas nos
computadores com espaço suficiente para as jogadas dos dados, a fim
de que pudessem usar o chão como extensão do jogo, como parte do
tabuleiro. As crianças estavam muito excitadas e a professora teve que
intervir para as duplas pudessem prestar atenção na explicação dos de-
talhes do jogo e começassem a jogar ao mesmo tempo. Descrevemos,
a seguir, a dinâmica de jogo de cada dupla, sempre na perspectiva de
identificar elementos que caracterizam o comportamento criativo, de
espontaneidade; dialogicidade, originalidade e criticidade, pormenori-
zados conforme apresentação no Quadro 1:

158
CAPÍTULO 5

Quadro 1 – Elementos que caracterizam o comportamento criativo

Elementos do comportamento criativo de cada dupla


Ideias Livres
Espontaneidade Exposição Opiniões
Experiências
Dialogicidade Interação Pares
Professora
Originalidade Capacidade de Produção Ideias Novas
Soluções Diferentes
Alternativas
Criticidade Avaliação do Conhecimen- Produção Própria
to Produção dos Pares

Dupla 1: Ana e Bia

Ana e Bia constituíram a dupla mais reticente no início do jogo. As


meninas, ambas com cinco anos, apesar de demonstrarem curiosida-
de em relação à atividade, mantiveram-se na observação do que os
colegas estavam fazendo. A interação gerando efeitos de produção
de jogo partiu da professora, que se sentou com elas e começaram
juntas a jogar. Como logo no primeiro movimento do peão da Ana,
um dos contos foi acionado, o conto do Alberico, as meninas gritaram
e chamaram a outra dupla para ver o que havia acontecido. As crian-
ças apresentaram interesse pelos contos que surgiam, conforme iam
fazendo as jogadas e a possibilidade de encontrá-los motivou a todos.
Eles ficaram agitados, lançaram os dados e movimentaram os peões.

Enquanto a professora foi se dedicar a outra dupla, Ana começou a


conversar com Bia, sobre a história de Alberico. Como o conto deman-
da intervenção da criança, que em determinado momento tem que
retirar lixo do ambiente em que Alberico vive, Bia concluiu em alta voz

159
que o lixo fazia mal mesmo. O conto teve o efeito de desencadear o
conhecimento prévio sobre o tema lixo e trouxe a possibilidade da
criança dimensionar o problema e raciocinar sobre a solução.

No final do conto, Ana tentou movimentar o seu peão, que era o


vermelho, e não conseguiu, posto que era a vez de se movimentar
o peão azul, isto é, a vez de outro jogador. As regras do jogo em
software foram percebidas por Bia, que gritou ser sua vez de jogar o
dado, lançando-o. A menina então contou as quatro bolinhas indi-
cadas na face que ficou para cima, pegou o mouse e movimentou o
seu peão azul essa quantidade de casas para frente. Como não caiu
em nenhum conto, ela perguntou o porquê dessa situação. Então, Bia
concluiu que havia ganhado o jogo, chamando a atenção da profes-
sora que para ter ganhado precisava ir até o final, ou seja, chegar
primeiro na cabeça da minhoca.

Na próxima jogada, Ana não ganhou nenhum ponto e seu peão ver-
melho ficou preso na teia de aranha. Ana gostou de ver o bicho fazer
uma dança, só que representava uma jogada ruim, porque era preciso
lançar o dado e obter 1 ou 2 pontos para conseguir sair dali. Naquele
momento, o pesquisador interveio para ajudar a dupla das meninas,
posto ser uma jogada de difícil entendimento e execução. A interação
com o adulto foi necessária, porque a solução precisa ser monitorada
com regras muito determinadas e operações matemáticas.

Diante da situação criada com a aranha, Clara e Adão vieram nova-


mente ver o que estava acontecendo. Ana pediu que eles voltassem
para seu computador. Adão não respondeu e ficou observando. Clara,
por sua vez, dizia saber como tirar o peão da teia de aranha. A pro-
fessora os levou de volta ao seu computador. O coletivo das crianças
se apresentou como geração de informações às novidades que não
paravam de aparecer no jogo.

160
CAPÍTULO 5

O jogo prosseguiu na dupla Ana e Bia com o pesquisador auxiliando Ana


em sua jogada para retirar seu peão da teia de aranha, o que resultou
em ela chegar a outro conto. Dessa vez, sobre a ema Eva Quer Comer.
As meninas ficaram em silêncio ouvindo a história e fazendo o que lhes
era solicitado. Bia ficou mexendo no mouse o tempo todo e tocando o
som presente no corpo da minhoca. Ana perguntou pra Bia o que a Eva
queria comer. Enquanto o conto era apresentado, ela clicou em um dos
ícones da barra de navegação, o sol, e a interface mudou, o que fez com
que o conto fosse interrompido. A interface do sol dá acesso a uma série
de jogos complementares. A ação das meninas era ativa e imediata-
mente clicaram no ícone que lhes chamou mais a atenção e foram parar
no jogo do bicho da goiaba, que trabalha a coordenação motora. Bia
chamou o pesquisador para lhe explicar essa novidade do jogo. Como
ele ainda estava ocupado com a outra dupla, elas continuaram clicando
em todos os ícones. Por fim, ao elas clicarem no tatu acabaram saindo
do jogo. O animal fez um barulho engraçado e entrou em um buraco,
encerrando o software. Ocorre, então, uma animação curta, que leva o
usuário a decidir se ele quer mesmo sair do jogo. Se ele clica em sim, o
jogo é encerrado. Se ele clica em não, o jogo volta à interface em que os
jogadores estavam. Bia e Ana não se entenderam sobre a decisão a ser
tomada. Bia chama novamente o pesquisador que, dessa vez, mostrou
a elas que deviam clicar no sim, para voltar ao jogo e, depois, no modo
para disponibilizar a interface do ludo.

Ana joga o dado e ao movimentar seu peão, nota que Bia já clicou
novamente em outro ícone, o qual gerou uma narração. Era o ícone
do papagaio, que suscita uma explicação sobre o funcionamento do
jogo. Elas ficaram quietinhas ouvindo. No final, Ana, notando que a
interface permanecia a mesma, movimentou seu peão e ganhou mais
um conto, que tratava do ipê amarelo chamado Olavo. Elas ficaram
em silêncio ouvindo o conto, mas não conseguiram fazer o que o jogo
demandava para ajudar Olavo. Elas ficaram tentando até o término do

161
tempo dedicado ao jogo, que, no caso delas, não chegou ao seu final
e não teve vencedor.

Dupla 2: Clara e Adão

Clara e Adão constituíam a dupla mais agitada. Adão já parecia en-


tender, de antemão, todo o funcionamento do jogo, as regras e a fi-
nalidade. Embora Clara fosse um pouco mais calma, ambos queriam
já avançar para a conclusão do jogo. Adão, claramente habituado a
jogar no computador, explorou todos os ícones da barra de navegação.
Ele conversava com Clara o tempo todo, dizendo:

– Olha isso aqui... clica aqui... clica ali... olha essa borboleta azul...

Clara clicou na borboleta azul, que dá uma voada, mas nada acon-
teceu. Ela disse rindo que a borboleta voou. Nesse momento, a pro-
fessora lhes perguntou se não iriam jogar, quem iria jogar o dado
primeiro e começar a atividade. Adão logo se voluntariou a ser o
primeiro. Como Clara não disse nada em desacordo, Adão jogou o
dado e avançou o número de casas indicado. A gravação do diálogo
não permite identificar o que aconteceu exatamente, mas Clara disse
contrariada que ele não devia fazer algo e que o pesquisador iria
brigar com ele. Adão negou esse fato e logo estavam ouvindo o som
de um dos contos. O que se pode concluir é que Adão compreendeu
que o ato de lançar o dado apenas ordenava a jogada, mas que os
peões poderiam ser movimentados livremente, desde que fosse um
na sequência do outro. E é o que ele, aparentemente, fez: acionou
um conto sem ter lançado o dado. Era o conto do Alberico, o peixi-
nho dourado que vive no Lago do Paranoá. Os dois ouviram o conto
atentamente por algum tempo. Mas, Adão não consegue ficar quieto
até o final e já vai clicando em outro ícone, o que fez com que o conto
fosse interrompido.

162
CAPÍTULO 5

Assim, Clara reclamou para a professora que Adão não sabia jogar.
O pesquisador auxiliou quando observou que eles tinham ido parar na
interface do jogo da aranha, que reforçava conhecimentos e compe-
tências relacionados com operações matemáticas simples. Isso implica
que o menino Adão clicou no ícone do sol, depois clicou no ícone da
aranha e teve acesso a esse jogo de educação matemática. Clara esta-
va contrariada porque queria ouvir a historinha do peixinho. O pesqui-
sador explicou que eles precisavam começar o jogo novamente, pois
os contos ficam escondidos no corpinho da minhoca e mudam de lugar
o tempo todo. Então, somente jogando e avançando os peões para se
ter, eventualmente, acesso de novo ao conto do Alberico.

De volta ao jogo, novamente Adão lançou o dado, dessa vez tão alto
que ele foi parar do outro lado da sala, exatamente onde a outra du-
pla estava jogando. Por serem dois dados amarelos, o problema era a
identificação do dado de cada dupla. Um dado mostrava 2 pontos em
sua face superior e o outro, 6 pontos. A dupla 1, formada por Ana e
Bia, solucionou o problema, escolhendo o dado com 6 pontos. Clara e
Adão não discordaram e retornaram para seu computador. Adão disse
ao pesquisador que eles iam ganhar a história mais rapidamente. Da
mesma forma que a dupla 1, Adão estava mais interessado em assistir
aos contos do que em chegar ao final do jogo e ganhá-lo. O menino
deu mais relevância ao acesso aos contos do que propriamente ao
jogo. Consideramos que isso pode ser explicado, de um lado, pelo fato
de quando o pesquisador apresentou o jogo a todos, enfatizou que eles
iriam aprender por meio dos contos escondidos no corpo da minhoca.
De outro, pela característica dessa faixa etária que, apesar de conhecer
e saber jogar com regras, tende a burlá-las para não ter perdedores e
todos ganharem (PIAGET, 1975).

Mesmo assim, Adão acabou chegando primeiro na cabeça da minho-


ca. Depois de ter vencido, o menino Adão foi se juntar à dupla Ana e

163
Bia para ver o que acontecia por lá. Clara ficou com o pesquisador,
explorando o jogo complementar do macaco, que ajuda a formar pa-
lavras, completando as vogais.

Assim, o tempo dedicado ao jogo se esgotou e passamos ao lanche,


na parte externa da Faculdade de Educação, sob uma árvore de copa
enorme que lá existe. Adão, ainda motivado pelo jogo e ter alimentado
sua imaginação, perguntou se aquela árvore era a do software e se
tinha macacos por ali. A professora explicou que a árvore do jogo era
um ipê amarelo e que aquela ali era outro tipo de árvore. Bia e Clara
perguntaram se podiam jogar de novo. O pesquisador explicou que,
no dia seguinte, conversariam sobre o jogo e que, depois da nossa
conversa, todos poderiam jogar novamente.

O comportamento infantil frente ao jogo demonstrou que as crianças


pequenas da faixa etária da pré-escola têm mais interesse no processo
de jogar, do que em obedecer às regras preestabelecidas (ELKONIN,
2009). As interações entre pares foram, inicialmente, de competição,
porém no decorrer do aparecimento dos contos, a dupla se integrava
e acompanhava o desenrolar dos fatos criados na história, dando sig-
nificado à narrativa oral.

O conto ativa a capacidade criadora das crianças e as transporta entre


o mundo real e o fantasioso, o faz de conta. Essa relação sutil entre
esses mundos, nos quais ora elas se situam em um, ora em outro, as
faz produzir suas próprias histórias (HELD, 1980).

Quanto ao diálogo entre pares, ele foi necessário para as descobertas


e as buscas de soluções alternativas para criarem suas ações educati-
vas e entenderem o potencial do jogo. As interações das crianças com
os adultos exerceram o papel de auxílio específico nas situações viven-
ciadas de TICE, que não conseguiam fazer sozinhas.

164
CAPÍTULO 5

As crianças revelaram ser observadoras e também ativas em suas expe-


riências novas. A familiaridade que, inicialmente, não existia, foi sendo
adquirida pela agencialidade apresentada por elas, típica das crianças
em processo de construção de conhecimento. Esse jogo tem a caracte-
rística de criar situações inusitadas, com o uso de tecnologia que reme-
te as crianças para novos mundos imaginários, reais e científicos.

Roda de conversa

A segunda manhã de trabalho foi dedicada à roda de conversa com


as crianças. A mesa que fica no centro do laboratório de informática
foi deslocada, de modo que todos pudessem se sentar no chão, em
círculo. Para animar a turma, disponibilizamos alguns dados coloridos
no meio, o que permitiu também o estabelecimento de vínculos com a
atividade do jogo, realizada na manhã anterior. A roda de conversa foi
pautada por uma série de questões, a fim de serem livremente respon-
didas pelas crianças, a partir da experiência de interação com O Dado
de Contos. A conversa foi gravada e transcrita a seguir:

Pesquisador Vocês apreciaram o jogo e o que haviam aprendido com ele?


Ana Eu gostei de tocar música na minhoca.
Pesquisador Você gosta de música, Ana?
Ana Gosto de tocar piano. Na escola tem um pianinho.
Bia Por que a minhoca não canta?
Adão Minhoca não canta...
Por que tem que jogar o dado pra jogar no computador?
Pesquisador O dado indica quantas casas avança no corpo da minhoca
Clara Eu gostei de jogar o dado.
Pesquisador Por que você gostou de jogar o dado, Clara?
Clara O dado é legal e a gente pode fazer uma casinha com ele.
Pesquisador Pode? Como?
Clara Abrindo assim (abriu um dado e remontou as partes como uma casi-
nha). Dá pra fazer um tapete também.
Pesquisador E o que vocês aprenderam com o jogo?

165
Ana Tem que reciclar o lixo.
Pesquisador Reciclar? Como assim?
Ana Lá em casa tem que reciclar lata, plástico e garrafa pra não sujar a
natureza e matar os animais.
Clara Na minha casa também. Meu pai dá as latinhas para o porteiro.
Pesquisador E tem isso no jogo?
Adão Na historinha do peixinho e do macaquinho, tem que tirar o lixo pra
eles não ficarem doentes na floresta.
Pesquisador E o que isso tem a ver com reciclagem, Bia?
Bia Não sei.
Clara Adão, o peixinho não vive na floresta, ele vive no rio!
Pesquisador E qual o problema do peixinho?
Bia O rio está sujo e ele ficou morrendo.
Pesquisador E o que temos que fazer?
Clara Limpar o rio, tirar o lixo dele.
Adão Perto da casa dos meus avós, em São Paulo, tem um rio fedido: Meu vô
mora em São Paulo e o rio morreu, tio. Nem tem mais peixe lá.
Ana Tio, eu aprendi a tocar o pianinho na minhoca.
Pesquisador E vocês gostam de jogar no computador?
Adão Eu gosto, jogo todo dia com meu irmão e jogo também com meu pai.
Pesquisador Clara, você tem jogo no computador na sua casa?
Clara Tem o jogo da memória que eu jogo com minha mãe. No computador
não tem.
Pesquisador Ué, Clara, você disse que jogava a Polly em sua casa...
Clara Tem o jogo da Polly no I-pad do meu pai, não é no computador não, Tio!
Bia e Clara Tem Galinha Pintadinha.
Adão Tio, vamos jogar mais?

Iniciamos o diálogo criando as condições para que as crianças falas-


sem sobre a atividade em si e procuramos evidenciar se as crianças
apreciaram o jogo e o que haviam aprendido com ele. Os turnos ex-
plicativos e elaborados das crianças demonstraram os conhecimentos
que tinham dos conceitos científicos sobre o meio ambiente. As histó-
rias contidas no software lúdico desencadearam esses conhecimentos
prévios das crianças, apresentando palavras pertinentes ao tema que

166
CAPÍTULO 5

não constavam no jogo, por exemplo, reciclagem. Os contos foram o


que mais chamou a atenção das crianças e eles funcionaram como
uma mediação entre o que já conheciam e informações novas, au-
xiliando-as a expandirem a construção de conhecimento e a questio-
narem o mundo em que estão inseridas. E concluímos que todas as
crianças apreciavam jogar em computador.

Depois de encerrada a roda de conversa com as crianças, elas volta-


ram a jogar O Dado de Contos, agora livremente.

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169
Capítulo 6

Observar, comparar e pensar fora da


caixinha: o despertar do pensamento
científico

Claudia Lage Rebello da Motta


Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas
Computacionais
Programa de Pós-Graduação em Informática da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
claudiam@nce.ufrj.br

Iara Regina Nocentini André


Laboratório Ábaco - Universidade de Brasília - UnB
iaranocentini@gmail.com

Introdução
“O processo de aprendizagem do ser humano sempre exerceu um gran-
de fascínio em todos que o observavam”
Marques, 2017

As crianças manifestam seu potencial cedo, cada uma por intermédio de


sua área de força. A sua percepção de mundo está diretamente relaciona-
da às suas competências pioneiras1. Ao perceber seu potencial, é preciso
incentivá-la, respeitando sua individualidade, seu tempo e seu processo
criativo. Antes de iniciar qualquer “aprendizagem dirigida” é necessário
deixar a criança explorar o que quer que seja: o material a ser trabalhado,
um conceito a ser apresentado, a natureza a ser desvendada.

1
Para a Psicogenética (XAVIER, 2004), a Pessoa é um sistema caracterizado por uma ou mais áreas de força
(competência pioneira) e áreas de fraqueza (áreas complementares).
Então vejamos: como será que foi a infância de adultos famosos? Como
foi o despertar de suas competências pioneiras? Como seus familiares
os estimularam? Escrita para aproximar os jovens leitores de grandes
artistas e inventores, a coleção Crianças Famosas, da Callis Editora
Ltda., nos fornece pistas de como foi a infância dessas celebridades.

O grande escritor brasileiro, Monteiro Lobato, cresceu com suas irmãs


em uma fazenda em Ribeirão das Almas, na Serra da Mantiqueira,
em São Paulo. Lá vivenciou inúmeras experiências que lhe permitiram
expandir seu imaginário e conviveu com diversos adultos de personali-
dades marcantes que, mais tarde, inspiraram-no na criação de perso-
nagens em suas histórias do Sítio do Pica-Pau amarelo.

Na fazenda brincava com suas irmãs, Esther e Judith e a filha de Jo-


aquina (ex-escrava) na mata e no ribeirão. Adorava observar Joaqui-
na pescando com uma peneira (ela foi a inspiração da famosa Tia
Nastácia). Era uma criança observadora, curiosa e criativa. Usava sua
imaginação para dar forma a seus bonecos usando sabugo de milho,
chuchu e palitos. Aos cinco anos de idade já sabia ler e escrever, pois
sua mãe o ensinara. Seu lugar predileto passou a ser a biblioteca de
seu avô – o visconde Tremembé – com estantes imensas, repletas de
livros.  Ele preenchia seu caderno predileto com textos, piadas, figuras
de jornais e recortes de revistas. Aos poucos foi incluindo suas próprias
ilustrações e caricaturas. Monteiro Lobato observava muito, registrava
o que lhe chamava atenção e, à medida que foi crescendo, aplicava
seu conhecimento, usando sua criatividade e seu senso crítico nas suas
criações, que encantam até hoje.

Chiquinha Gonzaga, compositora e maestrina brasileira de sucesso,


morava com seus pais e seus dois irmãos mais novos na Rua do Prín-
cipe, no Rio de Janeiro. Desde cedo, Chiquinha já se emocionava com
a música. Certa vez, perto de completar sete anos, foi com sua família
172
CAPÍTULO 6

assistir a uma banda na festa do Passeio Público. Seu irmão mais novo
comentou que gostava mais de fogos de artifícios do que da banda.
Chiquinha discordou, dizendo: “Fogos passam rápido e só encantam
os olhos. Música encanta a gente por dentro.”

Seu pai era oficial do Exército Imperial e severo na educação de seus


filhos, mas sempre se rendia aos pedidos de Chiquinha. Quando cres-
ceu um pouco, ela pediu a seu pai um piano, e ele a presenteou.  Ela
se dedicou muito: tinha aulas com um professor e praticava com seu
tio e padrinho, Antônio Eliseu. Naquela época, as crianças não podiam
atravessar o portão de suas casas, dessa forma, Chiquinha estudava
em casa e brincava no quintal. Ela era muito observadora e, como sua
competência pioneira estava ligada à música, era através dos sons que
Chiquinha observava o mundo. Prestava atenção na cantoria dos ven-
dedores de rua, nos hinos religiosos, nos sinos das igrejas, nas músicas
tocadas nas missas e procissões, nos gritos e assobios dos passantes,
nas pequenas bandas e nos coretos das praças.

Chiquinha aos onze anos já tocava até sonatas, lia música na pauta,
copiava partituras no seu álbum e solfejava. Um dia, perto do Natal, ao
preparar o presépio e fazer uma promessa pelo seu irmão caçula que
era doentinho, Chiquinha escutou uma música em sua cabeça. Come-
çou a cantarolar e foi ao piano para tocá-la. Seu tio chegou e, ao ouvi
-la, ficou muito feliz, afinal, sua afilhada era uma artista nata. Pediu ao
irmão de Chiquinha para escrever a letra para melodia e ensaiou com
outras crianças um coral que apresentaram como surpresa na noite
de Natal. A música foi batizada de “Canção dos Pastores”. Chiquinha,
assim como Monteiro Lobato, era muito observadora, criativa e sabia
aplicar o seu conhecimento para criar algo inovador, uma produção
própria na sua área de força: a música.

Charles Robert Darwin, famoso naturalista, revolucionou a forma de se


ver o mundo e publicou um dos mais importantes livros da humanidade,
173
a Teoria da Evolução das Espécies por Meio da Seleção Natural. Caçula
de Susannah Wedgwood Darwin e Robert Darwin, que já tinham um
filho e três filhas, nasceu em 1809, em Shrewsbury, Inglaterra. Sua
família fazia parte da elite intelectual da época e se preocupava muito
com a educação formal.

Darwin também era uma criança observadora e procurava entender o


mundo ao seu redor. Ele adorava colecionar besouros, conchas, pedras
e outros artigos, e passava bastante tempo procurando identificar as
semelhanças e diferenças entre eles. Isso lhe dava um imenso prazer.
Infelizmente, sua mãe morreu quando ele tinha apenas oito anos. Nes-
se mesmo ano, ele iniciou sua educação formal e começou a frequentar
a escola. Darwin gostava de conversar com suas irmãs e seu irmão e
de registrar suas experiências, anotando suas impressões em forma de
diário. Acima de tudo, admirava muito seu pai, um respeitável médico.

Charles era uma pessoa muito espontânea, engraçada e amigável,


mas não ia muito bem na escola. Hoje podemos nos perguntar se fo-
ram suas perguntas e sua aguçada curiosidade os motivos pelos quais
ele não se adaptou aos padrões de seu tempo, sendo suas perguntas
consideradas impertinentes pelos severos professores ingleses do sécu-
lo XIX. Aos quinze anos, seu pai o enviou para a faculdade de medici-
na em Edimburgo, acompanhando seu irmão Erasmus. Ele permane-
ceu por dois anos, mas as rudimentares técnicas usadas na medicina
daquele tempo o deixavam enjoado. Ele aproveitou a faculdade para
aprender sobre as ciências naturais, contudo, quando seu pai desco-
briu que ele não estava frequentando as aulas de medicina, o mandou
retornar para casa.

Após refletir muito, seu pai decidiu enviar Charles para o Christ’s Colle-
ge, em Cambridge, para se tornar um clérigo anglicano. Naquele tem-
po, os clérigos tinham um bom salário e muitos se tornavam naturalistas,

174
CAPÍTULO 6

já que podiam se dedicar aos estudos das “criações de Deus”. Darwin


aproveitou as oportunidades de aprendizado – tanto formal quanto in-
formal – que recebeu ao longo de sua juventude para formular, mais
tarde, suas teorias. Sua mente sempre esteve ativa, observando, compa-
rando, perguntando, estudando e constantemente anotando tudo. Nada
lhe passava despercebido. Registrava em seus diários, cadernos e em
frequentes correspondências trocadas com suas irmãs e seu pai.

Monteiro Lobato (ROSA, 1999), Chiquinha Gonzaga (DINIZ, 2000) e


Charles Darwin (SANTOS et al., 2017) usavam suas competências pio-
neiras para observar o mundo, cada um por meio de suas percepções
específicas. À medida que aprendiam a formalizar seu conhecimento,
usavam esse aprendizado para se expressar, utilizando sua percepção
de mundo de forma inovadora.

Intuição e Razão, os dois lados da mesma moeda

Uma observação? Uma indignação? Uma inquietação? Uma curiosi-


dade? Um problema? O que instiga alguém a iniciar um processo de
investigação? Os grandes cientistas utilizam o processo de raciocínio ló-
gico-dedutivo em suas investigações constantemente. Por isso, a razão é
muito valorizada na Academia. Contudo, alguns cientistas ganhadores
de prêmios Nobel, em seus relatos sobre sua vida acadêmica, sinalizam
que a intuição é tão importante quanto a razão (KAHNEMAN, 2012). A
intuição, primeira percepção sobre certo tema, pode não estar correta
numa primeira tentativa, mas ela é muito importante. Kenneth Arrow,
ganhador de prêmio Nobel na área de economia, diz que, de modo
geral, 2/3 de nossos “chutes iniciais” sobre um tema estão equivocados.
Se você não chegou nesse índice, precisa arriscar mais.

A intuição e o imaginário andam de braços dados. É importante enri-


quecer o imaginário das crianças por intermédio de visitas a museus,

175
contação de histórias, passeios em meio à natureza, visitas a lu-
gares diferentes de sua realidade, etc. Contudo, mais do que uma
atividade guiada, é preciso deixar sua imaginação voar. As crianças
precisam de tempo para explorar, manipular e ter suas próprias per-
guntas e respostas sobre o novo, mesmo que estejam equivocadas.
Se fizerem isso, podem estar no caminho de se tornarem grandes
cientistas!

A Finlândia, conhecida pela excelência na área de educação escolar,


percebeu que mais importante do que apresentar o conteúdo das dis-
ciplinas é dar tempo para as crianças brincarem, explorando espaços
elaborados de forma inteligente, dirigindo suas experiências de forma
a despertar seu senso crítico. Dessa forma, os educadores estimulam
sua cognição e as incentivam a formularem suas próprias perguntas.
A partir dessa vivência seu aprendizado será mais profícuo.

Outra questão relevante apresentada pelos famosos cientistas é a


importância de se ter um tempo de reflexão. Domenico De Masi
(2012) é um dos autores que defende o ócio criativo. É preciso dar
ao cérebro momentos relaxantes para permitir que novas ideias de-
sabrochem. Charles Darwin costumava caminhar em círculos para
pensar. August Kekulé, ao cochilar pensando em uma questão inso-
lúvel na química, sonhou com uma cobra mordendo o próprio rabo
e acordou com uma ideia revolucionária da estrutura circular da
molécula de benzeno. Vários cientistas relatam que atividades rela-
xantes resultaram em insights importantes que ajudaram na solução
de seus problemas.

O que esses grandes cientistas nos ensinam é que a razão e a intui-


ção andam juntas e podem ser vistas como as duas faces da mesma
moeda. Despertar o pensamento lógico-dedutivo é tão importante
quanto estimular a intuição da criança.

176
CAPÍTULO 6

O Despertar do Pensamento Científico nas Crianças

Observar é diferente de olhar. É preciso “treinar” o olhar. Crianças


que são estimuladas a colecionar chaveiros, figurinhas, pedras, con-
chas, folhas, etc., aprendem desde cedo a perceber que os itens de
sua coleção possuem características próprias. Embora semelhantes,
há sempre alguma característica que o diferencia dos demais. Quan-
do essa percepção acontece, a criança começa a identificar padrões
presentes nos itens de sua coleção. Esses padrões é que fazem de seus
itens uma coleção, objetos semelhantes com características comuns.
Ao mesmo tempo, cada objeto é único, pois apresenta características
que o diferencia dos demais. Ao se identificar padrões e, ao mesmo
tempo, perceber os detalhes que tornam cada objeto de uma coleção
único, um novo olhar se descortina, iniciando um novo processo de
entendimento do mundo que o cerca. A criança passa a observar e
perceber formas, cores e texturas diferentes daquelas que tinha expe-
rimentado até então.

Durante a formulação de suas ideias, ela começa a deduzir suas pró-


prias regras (mesmo que, às vezes, completamente equivocadas) e
inicia o despertar do pensamento dedutivo. É preciso resistir à tenta-
ção de corrigir o pensamento dedutivo da criança, imediatamente. É
preciso deixá-la produzir suas próprias observações e anotações. Dei-
xá-la experimentar suas regras e testar suas hipóteses. Corrigi-la an-
tes da experimentação é não dar a ela a opção do erro. Aprende-se
muito mais com erros do que com os acertos. Incentivar uma criança a
testar suas próprias hipóteses é um dos caminhos para despertar nela
o pensamento científico. É permitir que ela pense fora da caixa. Isso
pode demorar um pouco, dependendo da criança e das experiências
que vivencia, mas, se for incentivada a tirar suas próprias conclusões,
certamente, ela atravessará um portal! É um caminho sem volta.

177
A natureza é repleta de padrões. Os grandes mestres passaram suas
vidas observando a natureza atentamente, buscando identificá-los. Eles
são a base das investigações científicas. As classificações e agrupamen-
tos são sempre baseados em padrões. Contudo, não basta identificá
-los. É preciso entendê-los. O que torna algo distinto de seus semelhan-
tes? Por que isso acontece? Como isso acontece? Quando acontece?

Uma das grandes perguntas de investigação de Charles Darwin foi: “O


que leva animais da mesma espécie a se diferenciarem?”. Os pássaros
tentilhões que habitavam as diferentes ilhas do Arquipélago de Ga-
lápagos lhe deram pistas relevantes para desvendar esse mistério. Eles
apresentavam padrões com pequenas variações, mas que tornavam os
pássaros únicos em cada ilha que habitavam.

O caminho a ser percorrido pelo cientista depende da “questão que


se quer investigar”. Qual o problema que se quer investigar? Qual a
pergunta que se quer responder? A parte mais importante de uma in-
vestigação científica, aquela que se gasta muito tempo e esforço para
definir, é a pergunta que se quer responder. Muitas vezes, mais impor-
tante do que os resultados de uma pesquisa, são as perguntas feitas.

Todo processo de investigação dependerá da questão de pesquisa. Por


isso, é preciso, antes de defini-la, deixar fluir a intuição. Sendo assim, ao
trabalhar com crianças, é preciso estimulá-las a fazerem perguntas, mui-
tas perguntas. Explorar as possibilidades, deixar fluir a criatividade! Essa
é uma fase muito importante, uma vez que aumenta as possibilidades de
se achar um caminho inovador. O pensamento divergente nos faz sair
da caixa, faz com que se voe mais alto e veja um cenário mais amplo,
acessando áreas do imaginário, da intuição, do instinto, da criatividade.

É preciso permitir o erro. É importante que a criança não tenha medo


de errar. Estimule que procure alternativas, diferentes caminhos. Deixe

178
CAPÍTULO 6

fluir seu pensamento. Uma “chuva de palpites” é muito bem-vinda


nesse momento. De preferência, faça isso em grupo, com crianças com
diferentes perfis, com competências pioneiras distintas, e verá que o
pensamento divergente será ampliado e mais diversificado.

Essa etapa deve levar minutos para que se tenha tempo de “testar” as
diferentes perguntas que surgiram. Em uma segunda etapa, incentive
que as crianças “testem” suas perguntas gerando diferentes hipóteses.
Algumas serão rapidamente descartadas. Outras, mais pertinentes, le-
varão a outras questões ainda mais promissoras. É importante condu-
zi-las para que percebam, por conta própria, porque certa pergunta
pode ser melhor que outra. As grandes descobertas são feitas quando
deixamos fluir a imaginação, sem censura e limitações.

O pensamento divergente vem primeiro para aumentar nossas possibi-


lidades de investigação.  Mas, é preciso combiná-lo com o pensamento
convergente em uma próxima etapa, usando a lógica e a razão. Nessa
etapa se lapida a questão de investigação.

Os dois pensamentos se completam e nos permitem ir além. O pensa-


mento criativo permite que se tenham ideias inovadoras, mas é preciso
ter vivência. É preciso enriquecer o imaginário da criança para que
possa acessar as experiências vividas quando necessitar de soluções
inovadoras. Os esquemas familiares (INHELDER; CELLERIER, 1996) são
utilizados para soluções de problemas no dia a dia. Mas, para ir além
e solucionar problemas fora do padrão, é preciso ter o imaginário rico
para que novas soluções emerjam.

A intuição e a lógica, quando andam juntas, permitem que se trilhe um


caminho com mais chances de sucesso. Pensamento divergente e con-
vergente num movimento em espiral permite que se conduzam as crian-
ças a usar sua imaginação e aplicar o pensamento lógico-dedutivo para

179
buscar as respostas para questões que fazem parte de seu dia a dia. É
importante incentivar que elas aprendam a questionar e desenvolvam
o seu senso crítico, a fim de que pensem “fora da caixa”.

Pensar fora da caixa é saber que não há apenas uma resposta ou um


único caminho a ser seguido. É ousar ser diferente. É permitir olhar
para outra direção, diferente daquela apontada por outros. É olhar ao
redor. É olhar para cima e para baixo. É virar de cabeça para baixo e
admirar o mundo sob outra perspectiva.

As Estratégias do Projeto “Pelos Caminhos de Darwin”

Como despertar em crianças e jovens o pensamento científico de ma-


neira lúdica e prazerosa? Essa foi a pergunta inicial que fizemos em um
projeto desenvolvido de 2014 a 2017 por cientistas de várias áreas do
conhecimento, de diversas regiões do Brasil.

Escolhemos a figura de Charles Darwin e os caminhos percorridos por


ele – desde sua infância, passando pela viagem a bordo do HMS Bea-
gle, até a publicação do livro Teoria da Evolução das Espécies por meio
da Seleção Natural –, para exemplificar a construção do pensamento
lógico-dedutivo.

Percorremos os caminhos percorridos por Darwin na perspectiva de


colocar em evidência cenários vistos por ele. Nos imbuímos desse
Universo Darwiniano na América do Sul, procurando explicitar para
o jovem, de uma maneira lúdica e bastante ilustrada com imagens,
depoimentos e entrevistas coletadas ao longo do caminho, para ex-
plicitar como Darwin pensou para elaborar a teoria da evolução das
espécies. (SANTOS, 2019).

O projeto Pelos Caminhos de Darwin teve como estratégia revisitar alguns


lugares por onde Charles Darwin passou, não somente para percorrer
os cenários e paisagens citados por ele em seu diário de bordo, mas

180
CAPÍTULO 6

também para acompanhar sua forma de pensamento lógico-dedutivo.


O que lhe chamou atenção? Por que? O que pensou?  Quais as ques-
tões que surgiram? O que buscava? Essas e outras perguntas estavam
em nossa mente durante todo o tempo. Percorrer os locais visitados por
Darwin, ilustrando e relatando o processo de construção de sua teoria.
O resultado desse trabalho está disponibilizado para todas as escolas no
Brasil, gratuitamente, através do livro digital Pelos Caminhos de Darwin
(SANTOS et al., 2017). Os bastidores da expedição e materiais paradi-
dáticos estão no portal Museu Virtual da UnB2, e os vídeos produzidos
encontram-se no Youtube no Canal Pelos Caminhos de Darwin.

O contexto e as peças do “quebra-cabeça”

Ao idealizar o material a ser utilizado pelos jovens, pensamos em lhes


proporcionar uma viagem virtual, contextualizada, mostrando o momen-
to histórico e político através da linha do tempo e a cultura local, pelas
curiosidades do livro. No texto principal, procuramos evidenciar as di-
ficuldades encontradas ao longo da viagem e, mediante as entrevistas
com especialistas, explicitamos as limitações tecnológicas da época.

É importante que o jovem leitor tenha subsídios para se transportar


para o século XIX e, assim, consiga perceber o contexto e as bases
científicas que fundamentaram as observações e experimentações de
Charles Darwin. Ao mesmo tempo, compreender que essas mesmas
teorias não respondiam às suas questões, fazendo com que as indaga-
ções em sua mente aumentassem.

Darwin teve que juntar as peças resultantes de suas observações, ex-


perimentos e hipótese, formando um grande “quebra-cabeça” de tal
modo que sua teoria foi sendo elaborada pouco a pouco. Ela foi cons-

2
Disponível em: http://darwin.museuvirtual.unb.br.

181
truída ao longo de quase cinco anos de navegação, seguidos de vinte
anos de pesquisa. Ela não veio pronta.

A Observação e a Experimentação

A curiosidade é a chave! Desde criança, Darwin sempre se mostrou


curioso, gostava de colecionar pedras, conchas e besouros. Essa prá-
tica permitiu que ele treinasse e aguçasse seu “olhar”. Ele aprendeu a
observar os detalhes, conseguindo perceber as semelhanças entre os
objetos de suas coleções e, principalmente, a identificar suas diferen-
ças. Passava horas coletando, comparando e arrumando suas precio-
sas coleções. Isso lhe dava um imenso prazer, ao mesmo tempo que lhe
conferia uma capacidade de observação muito aguçada.

Darwin nunca demonstrou medo em expor suas próprias observações


e essa característica ficou evidente em cartas trocadas com seu men-
tor, John Stevens Henslow, durante a viagem de circum-navegação. É
possível perceber, através de suas correspondências, o desenvolvimen-
to da sua experiência como naturalista. Suas observações e hipóteses
sempre acompanhavam os espécimes coletados ao longo da viagem,
que eram enviados ao seu mentor. Henslow, por sua vez, comparti-
lhou com cientistas renomados da época tanto as impressões pesso-
ais quanto as observações, que impressionaram pela sua qualidade
e perspicácia. Ao retornar da viagem de circum-navegação, Darwin
já era reconhecido como grande naturalista pelos cientistas da época.
Durante sua vida, trocou cartas com muitas pessoas que encontrou
ao longo da viagem do Beagle e com vários cientistas, com o intuito
de avaliar suas observações e conjecturas. Sua curiosidade associada
à experimentação, sem o receio de errar, permitiu que Darwin tivesse
sucesso nas suas observações.

Foram mais de 15.000 correspondências trocadas. Essas cartas nos


ajudam a compreender o contexto da época de Darwin e seu percurso.
182
CAPÍTULO 6

Elas podem ser encontradas em Darwin Correspondence Project3, na


Cambridge University.

A Emoção, as Percepções e a Intuição

A emoção, as percepções e a intuição não devem ser descartadas no


amadurecimento do processo científico. Darwin, desde pequeno, gos-
tava de deixar em seus diários e correspondências com familiares suas
impressões e emoções. Não foi diferente durante a viagem a bordo do
Beagle. Ao iniciar seu famoso diário (Diário do Beagle), ele explicita
que ali registrava suas sensações ao longo da viagem. Ele era sincero
também em suas cartas enviadas para sua família, onde relatava as
emoções que sentia a cada novo local visitado. Na primeira vez em
que esteve numa Floresta Tropical, em Salvador, ficou deslumbrado
com a beleza exuberante da mata atlântica, descrevendo-a em seu
diário com riqueza de detalhes, num texto quase poético, impregnado
de emoção. Quando esteve em Galápagos, ficou horrorizado com a
geografia inóspita do arquipélago vulcânico e da aparência das igua-
nas, descrevendo o lugar com repugnância.    

Depois de passar três meses no Rio de Janeiro, fazendo com que se


adaptasse ao clima tropical, Darwin foi para o sul do continente ameri-
cano e vivenciou uma forte virada de tempo atmosférico, com ventos for-
tes e baixas temperaturas. Ele registrou em seu diário que sentiu mais frio
que o restante da tripulação a bordo. Nada lhe passava despercebido.

A intuição de Darwin era muito aguçada. Contudo, muitas vezes, ele


construía uma linha de raciocínio e, caso concluísse que ela não estava
correta, começava de novo. Ele acertava muitas vezes, mas se permitia
errar sem nenhum constrangimento.

3
Disponível em: https://www.darwinproject.ac.uk/.

183
Várias hipóteses foram feitas por Darwin ao longo da viagem, mas a
maioria delas foi refutada ao se deparar com situações que jogavam
por terra suas teorias. Outras tantas perdiam força ao serem utilizadas
como argumentação, pois as contra- argumentações foram mais for-
tes. Dessa forma, elas também foram descartadas.

Investigar é um processo prazeroso. É árduo, pois é preciso determina-


ção e foco, mas é um meio lúdico e divertido.

Anotações Científicas, Metodologia Científica e o Embasamento


Teórico

Darwin era muito observador, fazia anotações sobre tudo que observa-
va em suas cadernetas de campo – ele tinha uma por área de estudo
–, para lembrar-se de pesquisar com mais calma sobre aquilo que lhe
chamou a atenção. Posteriormente, seguindo uma metodologia científi-
ca, ele procurava detalhar suas anotações, levantava diversas questões
e procurava teorias que embasassem ou refutassem suas hipóteses.

Durante suas excursões em terra, coletava rochas, minerais, animais e


plantas, para depois, na maioria das vezes, enquanto navegava, ob-
servar e analisar detalhadamente o espécime ou amostra, procurando
classificar e anotar todas as informações que considerava importan-
tes ou que lhe chamavam a atenção. Muitas vezes, fazia experimentos
com rochas e minerais para refutar ou confirmar suas hipóteses. Tudo
era registrado minuciosamente em seus cadernos científicos e, somente
então, os exemplares eram catalogados e guardados de forma que pu-
dessem ser enviados para a Inglaterra para serem estudados mais tar-
de, quando tivesse retornado da viagem. Isso tudo demandava muito
estudo, leitura, determinação, disciplina e método. Entretanto, durante
a viagem não foi possível a avaliação de todos os exemplares que cole-
tou. Assim, depois que retornou, Darwin se debruçou sobre suas obser-

184
CAPÍTULO 6

vações de campo e os exemplares durante muitos anos, junto com uma


equipe de especialistas de cada área, para desvendar os processos que
dariam origem à sua teoria tão revolucionária.

Nem todos os momentos foram de contemplação ou de investigação.


Os embates com Robert FitzRoy, capitão do HMS Beagle, que tinha opi-
niões divergentes em vários temas, também ajudaram no desenvolvi-
mento das hipóteses de Darwin, pois ele se viu obrigado a fundamentar
melhor suas argumentações para tentar convencer o capitão que suas
teorias estavam corretas. Foram muitas discussões ao longo da viagem
e, embora discordassem fortemente sobre alguns temas, a amizade
deles permaneceu durante toda a vida. As discussões são importantes
e nos fazem aprender a argumentar. É importante estimular os jovens
a explicitar seu pensamento, apresentar uma linha de argumentação e
utilizar seus conhecimentos teóricos na prática.

Tempo para reflexão e o Insight

É preciso tempo para reflexão e amadurecimento sobre as questões


que estão sendo investigadas. É um momento importante para que
nosso cérebro processe as informações. Na história da ciência, são
muitos os exemplos dos insights que ocorrem no momento de repouso
ou descontração do cientista. Darwin teve muito tempo para refletir
após longas horas de dedicação aos seus experimentos. Ele foi juntan-
do as peças de um grande quebra-cabeça, questões, fatos, dúvidas,
teorias, hipóteses...

Ele se perguntava: Como posso ter encontrado conchas marinhas no


alto do Andes? Será que as erupções vulcânicas, os terremotos e os
tsunamis estão relacionados? Por que fósseis de animais gigantes são
semelhantes aos animais atuais em menor escala? Por que pássaros da
mesma espécie têm bicos com formato distintos em diferentes ilhas do

185
mesmo arquipélago? Há alguma relação entre os seres e o local em
que habitam? Embora a formação do naturalista daquela época fosse
ampla, pois estudava mineralogia, biologia, química e outros temas
ligados à natureza, não se tinha uma compreensão da inter-relação
entre o meio ambiente, a flora e fauna. Darwin teve a oportunidade de
ter uma visão holística da ciência.

A viagem de circum-navegação deu a Charles Darwin o tempo de


maturação. Sem dúvida, proporcionou-lhe uma visão abrangente do
mundo, diferente da grande maioria dos cientistas da época. Darwin
teve tempo de amadurecer e refletir sobre as grandes questões. E, na
publicação do livro que mudou a maneira como se entende o mundo,
A Origem das Espécies por meio da Seleção Natural, ele falou do “Mis-
tério dos Mistérios”, em referência ao astrônomo Herschel, e registrou
que a viagem a bordo do HMS Beagle determinou todo o restante de
sua vida e pesquisas.

É preciso dar tempo para a criança brincar, fazer suas próprias


descobertas, observar o mundo ao seu redor, testar suas hipóteses,
experimentar suas invenções, refletir, divertir-se e curtir a vida intensa-
mente. A preocupação em manter a criança ocupada o tempo todo lhe
tira o precioso tempo de reflexão. A oportunidade de ter seus insights.
O maravilhoso ócio criativo!

Os recursos midiáticos e seus desafios

O Projeto Pelos Caminhos de Darwin foi fruto de uma pesquisa que


reuniu cientistas de diferentes instituições brasileiras. Aproveitamos a
diversidade de nossa formação e exploramos nossas diferentes formas
de ver o mundo, cada qual com sua competência pioneira. A con-
cepção e o desenvolvimento do material didático partiram dessa visão
abrangente, associada às inovações disponíveis por intermédio das
tecnologias digitais de informação e comunicação.
186
CAPÍTULO 6

O principal material produzido foi um livro digital, que tem como ob-
jetivo oferecer recursos didáticos e informações relevantes aos profes-
sores e alunos, para auxiliar no processo de aprendizagem em sala de
aula. Também buscamos enfatizar o prazer da pesquisa e desmistificar
o jovem naturalista Charles Darwin, que, na época da viagem no HMS
Beagle, tinha cerca de vinte anos de idade.

Além disso, por meio do livro digital procuramos elucidar seus questio-
namentos e inquietações científicas, não somente ao longo da viagem
de circum-navegação, mas ao longo de sua vida. Enfatizamos a influ-
ência de grandes pesquisadores, bem como as suas relações com os
intelectuais da época, seus conflitos pessoais e o seu amadurecimento
científico ao longo dos anos, que resultaram na argumentação e fun-
damentação de suas ideias para a elaboração da Teoria da Evolução
das Espécies por meio da Seleção Natural.

Durante a confecção do livro digital, preocupamo-nos em disponibilizar


diferentes recursos midiáticos, de forma a abranger as diversas competên-
cias pioneiras existentes no universo infantil. Os recursos midiáticos dispos-
tos no livro Pelos Caminhos de Darwin estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1 – Recursos midiáticos disponíveis no livro Pelos Caminhos de Darwin

187
Recurso Descrição Proposta Desafio

Ter a empatia Transmitir ao leitor


Narra o percurso
como elemento elementos que
de Charles Darwin,
Texto narrativo central, que busca permitam perceber os
suas descobertas,
aproximar o leitor dos desafios enfrentados
indagações e desafios
personagens na época da viagem

Exibe textos escritos Dar acesso aos Desmistificar a ideia


por Darwin ou por textos escritos pelos de que os textos
Escrito no FitzRoy (capitão do protagonistas da antigos são difíceis
Período HMS Beagle) retirados história de ler e aproximar
do diário de bordo, o leitor dos textos
correspondências, originais (traduzidos)
artigos ou livros
escritos por eles

Vídeo - imersão Ilustra passagens Proporcionar ao Transportar o leitor


descritas por Darwin leitor as percepções numa imersão do
com filmagens atuais vivenciadas pelos contexto descrito
personagens

Vídeo - Exibe entrevistas com Enriquecer o conteúdo Apresentar através


entrevistas especialistas sobre do texto narrativo da visão dos
temas abordados nos com relatos de especialistas de
capítulos especialistas diferentes temáticas,
as consequências
cientificas,
tecnológicas e
culturais decorrentes
da viagem do HMS
Beagle

Vídeo Série Apresenta conceitos Demonstrar definições Transmitir os


– Vivendo e definições sobre o e conceitos de forma conceitos e definições
o Tempo tempo atmosférico, animada para facilitar dos fenômenos
Atmosférico por meio de fatos o entendimento sobre meteorológicos de
descritos por Darwin o tempo atmosférico maneira simples,
e vivenciados pela sem que se perca a
equipe complexidade dos
eventos

188
CAPÍTULO 6

Você Sabia? Apresenta fatos sobre Contar fatos menos Enriquecer o texto
a cultura do local conhecidos na narrativo, despertar
visitado ou fatos literatura, mas que a curiosidade,
vivenciados pelos foram determinantes contextualizar a
protagonistas no decorrer da cultura de forma a
vivência dos atores transportar o leitor
envolvidos para as percepções
das vivências nos
locais

Linha do Tempo Situa o momento Contextualizar o Procurar remeter o


histórico e político momento histórico leitor à época da
em que os fatos informando fatos e narrativa, para que
aconteceram descobertas da época se tenha a percepção
do momento político e
histórico global

Para Saber Apresenta links que Despertar a Permitir que o leitor se


Mais... complementam o curiosidade do leitor aprofunde nos temas
assunto discutido nos de seu interesse
capítulos

Apresenta gravuras Retratar o imaginário Apresentar ilustrações


e pinturas feitas da época de Darwin, que retratam a época
por artistas da identificando locais de Charles Darwin
época da viagem onde a expedição do
ou pertencentes à HMS Beagle esteve
tripulação do HMS
Galeria Beagle

Apresenta fotografias Ilustrar com


que ilustram a viagem fotografias os locais
da equipe visitados por Darwin
e compará-los com a
época atual
Janela com Exibe maiores Apresentar de forma Oferecer maiores
Explicações informações sobre as breve referências so- informações sem
ou maiores palavras destacadas bre a palavra grifada, que o leitor necessite
detalhes no texto narrativo seja personagens, interromper a leitura
termos ou contextos do texto narrativo
no texto narrativo

Mapas Apresenta a Situar o leitor no Destacar através da


localização espaço geográfico cartografia temática
cartográfica dos em destaque no texto as características
locais visitados narrativo geográficas dos locais
visitados

189
Conclusões

O pensamento lógico-dedutivo deve ser estimulado desde cedo nas


crianças. O prazer de fazer novas descobertas é maravilhoso. É im-
portante passar para a criança que todos nós temos o potencial de ser
um cientista. Quanto mais cedo for despertado o pensamento científico
na criança, maiores as possibilidades de ela desenvolver senso crítico
e potencial para inovação. Proporcionar a experimentação, a curiosi-
dade e as habilidades naturais de cada criança é fundamental para
o reconhecimento individual de suas competências, permitindo que o
aprendizado aconteça nas tentativas de erro e acerto, respeitando as
capacidades particulares dos jovens estudantes.

Tendo como referência o grande naturalista Charles Darwin, podemos


perceber que suas competências foram desenvolvidas ao longo de sua
infância e, apesar dos conflitos na adolescência referentes à sua esco-
lha na formação profissional, sua intuição e habilidade permitiram que
se aventurasse no potencial inovador do seu imaginário para dar luz à
sua teoria revolucionária. Assim, qualquer pessoa poderá obter sucesso
como cientista, desde que não se amedronte diante das incertezas das
pesquisas científicas, podendo arriscar e errar muitas vezes, até des-
vendar o conhecimento científico almejado.
CAPÍTULO 6

Referências

DE MASI, D. O ócio criativo. Tradução Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sex-


tante, 2012.

DINIZ, E. Chiquinha Gonzaga: Crianças Famosas. São Paulo: Callis, 2000.

KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução


Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

INHELDER, B.; CELLERIER, G. O Desenrolar das Descobertas das Crian-


ças. Rio de Janeiro: Artmed, 1996.

MARQUES, C. V. M. EICA – Estruturas Internas Cognitivas Aprendentes:


Um Modelo Neuro-Computacional aplicado à instância psíquica do
Sistema Pessoa em Espaços Dimensionais. 2017. 174 p. Tese (Doutora-
do em Engenharia de Sistemas e Computação) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

O DIÁRIO do Bigou. 2019. Disponível em: http://darwin.museuvirtual.


unb.br/. Acesso em: 10 jan. 2019.

ROSA, N. S. S. Monteiro Lobato: Crianças Famosas. São Paulo: Callis, 1999.

SANTOS, G. L. et al. Pelos caminhos de Darwin. Brasília, DF: Viva,


2017. Disponível em: http://peloscaminhosdedarwin.com/. Acesso
em: 10 jan. 2019.

SANTOS, G. L. Introdução. In: O DIÁRIO do Bigou. 2019. Disponível


em: http://darwin.museuvirtual.unb.br/. Acesso em: 10 jan. 2019.

XAVIER, J. Psicogenética Educacional. São Paulo: Vesper, 2004.

191
www.vivaeditora.com.br
Regina da Silva Pina Neves
é licenciada e especialista em
Matemática (UFG), Mestre em
Educação e Doutorado em
Psicologia (UnB). Atualmente
é professora adjunta do
Departamento de Matemática
da Universidade de Brasília
(UnB); Docente do Programa
de Pós-Graduação do
Instituto de Ciências Exatas,
Mestrado Profissional em
Matemática (PROFMat/IE/UnB)
e Colaboradora do Programa
de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Educação
(UnB). É membro do Grupo
de Investigação em Ensino de
Matemática da Universidade
de Brasília (GIEM) e Grupo de
Pesquisas Interdisciplinares sobre
tecnologias e Educação (ÁBACO/
FE/UnB).
Este livro é fruto do trabalho coletivo de professores e pesquisa-
dores instigados a avançarem em elaborações teóricas acerca
dos processos de aprendizagem de crianças pequenas, na fai-
xa etária entre 0 e 6 anos, no âmbito de aprendizagens rela-
cionadas aos conceitos científicos e matemáticos. O ponto de
partida para o livro foi o projeto de experimentações didáticas
voltadas para esse público, desenvolvido no Programa Infanto-
juvenil da Associação dos Servidores da Fundação Universidade
de Brasília (ASFUB), no campus da UnB, que acolhe filhos de
funcionários, professores, alunos e também da comunidade
externa, no contra turno de suas escolas.

Provenientes de diferentes áreas de conhecimento e instituições


de ensino (Universidade de Brasília, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Universidade Federal de Santa Catarina), os ca-
pitulistas aqui reunidos mobilizam-se em um esforço de enten-
dimento dos processos de aprendizagem dessas crianças e de
proposição de Tecnologias Educativas pelo viés da Pedagogia
da Infância, decorrentes de situações pedagógicas concretas,
com o objetivo de contribuírem para a melhoria da prática do-
cente para esta faixa etária.

Realização Apoio

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