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TEOLOGIA

SISTEMÁTICA I

Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa


Professor Me. Roney De Carvalho Luiz

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Head de Produção de Conteúdos
Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli
Gerência de Produção de Conteúdos
Gabriel Araújo
Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Coordenador de Conteúdo
Roney De Carvalho Luiz
Qualidade Editorial e Textual
Daniel F. Hey, Hellyery Agda
Iconografia
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação Amanda Peçanha dos Santos
a Distância; COSTA, Hermisten Maia Pereira da; LUIZ, Roney de Ana Carolina Martins Prado
Carvalho.
Projeto Gráfico
Teologia Sistemática I. Hermisten Maia Pereira da Costa; Jaime de Marchi Junior
Roney de Carvalho Luiz. José Jhonny Coelho
Reimpressão
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Editoração
375 p. Thomas Hudson Costa
“Graduação - EaD”. Victor Augusto Thomazini

1. Teologia. 2. Sistemática. 3. Doutrina. 4. EaD. I. Título. Arte Capa
Arthur Cantareli Silva
ISBN 978-85-459-0264-5
Revisão Textual
CDD - 22 ed. 240
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ana Caroline de Abreu
Daniela Ferreira dos Santos
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Yara Dias Martins
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Viviane Favaro Notari
Impresso por:
Ilustração
Luís Ricardo Pereira Almeida Prado Oliveira
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo
competências e habilidades, e aplicando conceitos
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de
professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTORES

Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(1993), graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (1983), graduação em Teologia - Seminário Presbiteriano do Sul
(1979). Possui as seguintes especializações lato senso feitas na Universidade
Presbiteriana Mackenzie: Educação (1994); Didática do Ensino Superior
(1993); Administração com Ênfase em Recursos Humanos (1993); Estudos
de Problemas Brasileiros (1992). Especialização em História do século XX no
Brasil pela FAI (1995); Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade
Metodista de São Paulo (1999) e Doutorado em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (2003). Atualmente, é professor do
Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição; professor do Centro
Universitário de Maringá e Professor Adjunto II da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Sendo professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião, professor visitante no Centro de Pós-Graduação
Andrew Jumper, São Paulo; professor visitante no Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. Manuel Ibáñez Guzmán, Santiago, Chile.

Professor Me. Roney De Carvalho Luiz


Possui graduação em Teologia pelo Centro Universitário de Maringá (2006) e
mestrado em Teologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2012),
contemplado com bolsa de estudos pela Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes). Graduando no curso de licenciatura em
História. Atualmente, é coordenador e professor do curso de bacharelado em
teologia EaD - UniCesumar; professor convidado no curso de pós graduação
lato sensu em teologia bíblica na PUC-PR. Atua, principalmente, na teologia
bíblica.
APRESENTAÇÃO

TEOLOGIA SISTEMÁTICA I

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! Preparamos este material com a intenção de apre-
sentar a você uma exposição teórica dos princípios e conceitos introdutórios e básicos
da teologia sistemática. Esse material é apenas um lúmen para quem quer ser iluminado
pelo saber teológico. Fazer teologia é uma arte, portanto, deve-se estudar e assimilar
teoricamente as próprias normas da prática teológica. Em seguida, é preciso imitar o
modo como os artesãos, que são os teólogos, praticam seu ofício. Finalmente, aprende-
-se exercendo, por conta própria, a arte teológica. Por isso, Tomás de Aquino descrevia
que o ato teológico é o fervor da fé da pessoa que ama a verdade que crê e que procura
encontrar razões para seu amor. A estrutura do livro se explica por seu caráter didático
e metodológico, por isso as atividades que propomos em cada unidade vão te direcio-
nar, mas lembre-se: é um investimento que necessita tempo e esforço, porém, antes de
tudo, fé e amor, uma vez que seu conteúdo é desafiador. Você está preparado(a)? Vamos
encarar esse desafio juntos?
Este material está dividido em cinco unidades:
A unidade I, “Introdução à Teologia Sistemática”, abordará a definição do conceito, uma
divisão didática para se estudar a teologia e os pressupostos, o método e a tarefa da te-
ologia sistemática. A unidade II, chamada “O Deus que se revela”, irá fornecer a você co-
nhecimentos dogmáticos sobre a revelação especial de Deus no transcorrer da história,
tanto por meio das Escrituras, quanto da tradição da Igreja cristã e de seus pensadores. A
unidade III, intitulada “A doutrina da Trindade”, fornecerá um panorama histórico da defi-
nição e formulação bíblico-doutrinária da Trindade. A unidade IV, intitulada “A soberania
de Deus”, abordará a importância do poder soberano e gracioso de Deus na salvação e
restauração de seu povo. Por fim, a unidade V tratará das características da pessoa e obra
de Cristo, nessa unidade, será enfatizado o centro da fé cristã, ou seja, a divindade e a
humanidade do Senhor Jesus, o Cristo.
Este livro tem como objetivos fornecer subsídios teóricos sobre alguns dos principais ca-
pítulos da teologia sistemática. Ele foi desenvolvido para responder a razão da fé cristã
e sedimentar, de forma simples e objetiva, a prática da fé na vivência e no labor ministe-
rial. Um grande abraço e um ótimo curso!
Professor Roney de Carvalho Luiz
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA SISTEMÁTICA

15 Introdução

16 Definição

18 Divisão da Teologia

21 Pressupostos e Método da Teologia

29 Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática

61 Considerações Finais

UNIDADE II

O DEUS QUE SE REVELA

69 Introdução

70 Deus como Autor de Todo Conhecimento

71 A Criação Como Revelação de Deus

74 A Compatibilidade da Revelação com a Razão Humana

76 A Revelação Especial de Deus

80 A Fé como Conhecimento

84 A Necessidade das Escrituras

87 A Inspiração das Escrituras

105 As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante

124 Considerações Finais


SUMÁRIO

UNIDADE III

A DOUTRINA DA TRINDADE

133 Introdução

134 Definição da Doutrina

140 A Formulação Doutrinária: os Credos da Igreja a Busca de uma


Compreensão Bíblica

148 Fundamentos Bíblicos da Doutrina

153 A Trindade e a Nossa Salvação

157 A Trindade e as Nossas Orações

164 Considerações Finais

UNIDADE IV

A SOBERANIA DE DEUS

173 Introdução

177 A Liberdade Soberana de Deus

186 O Poder Soberano de Deus na Criação

232 O Poder Soberano e Gracioso de Deus na Salvação e Restauração de seu


Povo

242 Considerações Finais


11
SUMÁRIO

UNIDADE V

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO

249 Introdução

250 Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus

258 Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem

270 Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa

281 Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor

294 Jesus e a Ressurreição

313 O Sacerdócio de Cristo

326 A Ascensão de Jesus Cristo

333 Considerações Finais

337 CONCLUSÃO
339 REFERÊNCIAS
Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa
Professor Me. Roney De Carvalho Luiz

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA

I
UNIDADE
SISTEMÁTICA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o conceito e os tipos de estudos teológicos.
■■ Conceituar os pressupostos e método da Teologia Sistemática.
■■ Estabelecer a importância de conhecer e estudar a Teologia
Sistemática.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Definição
■■ Divisão da teologia
■■ Pressupostos e método da teologia
■■ Necessidade e tarefa da teologia sistemática
15

INTRODUÇÃO

Olá, seja bem vindo(a)! Trataremos, nesta primeira unidade, de introduzirmos


você ao campo do saber teológico. Quando perguntamos “o que é teologia?”, o
mais comum é a resposta baseada nas raízes gregas do termo theos, que significa
Deus, mais logos, estudo, razão, tratado, que, resumindo, seria dizer que teologia
é a disciplina que estuda Deus. Porém, quando reduzimos a disciplina a, apenas,
esse entendimento gramatical, dizemos, mas não explicamos muito, pois se faz
necessário pensar também que toda disciplina para ser estudada necessita de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

um método, com um tema e objeto de estudo.


Levando isso ao campo da teologia, vemos que não basta dizer que “é a dis-
ciplina que estuda Deus”, mas que, além disso, é necessário considerar quem é
esse Deus que é estudado e como o conhecemos. Todavia já podemos adian-
tar, nesta introdução, que conhecemos a Deus por sua revelação, que é de suma
importância para a teologia.
No entanto, antes de nos adiantarmos, iniciaremos nesta unidade os tipos
diferentes, mas que se complementam, de se abordar a teologia. Além, é claro,
de conceituar os pressupostos e método da Teologia Sistemática e estabelecer a
importância de conhecer e estudar a Teologia Sistemática, considerando a uni-
dade de toda a Escritura, é o estudo sistematizado da Revelação Especial de Deus,
conforme registrada nas Escrituras Sagradas, buscando uma compreensão real e
harmônica de “todo o desígnio de Deus” por meio de suas relações intrínsecas e
extrínsecas, realçando a sua relevância para a vida do povo de Deus.

Introdução
I

DEFINIÇÃO

Podemos definir operacionalmente a teologia como o estudo sistemático da


Revelação Especial de Deus, conforme registrada na Escritura Sagrada tendo
como fim último o glorificar a Deus por intermédio do Seu conhecimento, apli-
cação e obediência à Sua Palavra. “O alvo final da reflexão teológica é que Deus
seja glorificado na vida dos que creem, pela maneira em que vivem e por aquilo
que fazem”.1 Frame colocou o valor prático da teologia nos seguintes termos:
As nossas teologias nem sequer constituem a melhor formulação da

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
verdade para o povo para todos os tempos e lugares; a Escritura é isso.
As nossas teologias são meras tentativas de ajudar pessoas, geralmente
e em tempos e lugares específicos, a fazerem melhor uso da Escritura
(FRAME, J. M., 2010, p. 97).

Contudo deve ser observado que conhecer a Deus é o alvo maior. Os demais resul-
tados, ainda que relevantes, são secundários.2 “O tema e o conteúdo da teologia
é a Revelação de Deus”.3 O fundamento é a Palavra, o foco é Jesus Cristo, o Deus
encarnado. Dessa concepção, subentende-se, seguindo a linha de Kuyper,4 que:
a. A Teologia nunca é “arquetípica”, mas sim “éctipica”;5 ela não é gerada
pelo esforço de nossa observação de Deus, mas sim o resultado da reve-
lação soberana e pessoal de Deus. Uma “Teologia Arquetípica” – se é
que podemos falar desse modo –, pertence somente a Deus, porque
somente Ele Se conhece perfeitamente tendo, inclusive, ciência completa
do seu conhecimento perfeito. Por isso, como temos insistido em outros
trabalhos, a Teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspira-
dora e iluminadora de Deus por meio do Espírito; a Teologia nunca é a
causa primeira; sempre é o efeito da ação primeira de Deus em revelar-se.

1 Consultar referência.
2 Consultar referência.
3 Consultar referência.
4 Consultar referência.
5 “Éctipo” é uma palavra de derivação grega, “e)/ktupoj” (cópia de um modelo, ou reflexo de um
arquétipo), passando pelo latim “ectypus” (feito em relevo, saliente). “Éctipo” é o oposto a arquétipo (do
grego, “a)rxe/tupoj” = “original”, “modelo”). Na filosofia, Berkeley (1685-1753) estabeleceu esta distinção
no campo das ideias: “pois acaso não admito eu um duplo estado de coisas, a saber: um etípico, ou
natural, ao passo que o outro é arquetípico e eterno? Aquele primeiro foi criado no tempo; e este segundo
desde todo o sempre existiu no espírito de Deus” (BERKELEY, G. Três Diálogos entre Hilas e Filonous.
São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 22), 1973, 3º Diálogo, p. 119).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
17

“No princípio Deus...”, isso deve ser sempre considerado em todo e qualquer
enfoque que dermos à realidade. Deus se revela e se interpreta por meio do
Espírito; e é somente por intermédio dEle que poderemos ter um genuíno
conhecimento de Deus. A teologia sempre é relativa: “relativa à revelação
de Deus. Deus precede e o homem acompanha. Esse ato seguinte, este ser-
viço, são pensamentos humanos concernentes ao conhecimento de Deus”.6
b. A Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato, antes, se ple-
nifica no conhecimento prático e existencial de Deus por intermédio da
Sua Revelação nas Escrituras Sagradas, mediante a iluminação do Espírito.
Conhecer a Deus é obedecer a Seus mandamentos. “A boa teologia deslo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ca-se da cabeça até o coração e, finalmente, até a mão”.7 A genuína cristã é


compreensível, transformadora e operante.8 Ela reflete a nossa confissão,
conduz-nos à reflexão e tem implicações diretas em nossa ética.9

O interesse puramente acadêmico pela teologia é incapaz de contribuir por si só


para a solidificação da teologia e da fé da Igreja. A teologia é uma expressão de fé
da igreja amparada na Escritura. Toda teologia é, portanto, apaixonada.10 Como
falar de Deus e de Sua Palavra de forma “objetiva” e distante do seu “objeto”? A
teologia é elaborada pelos crentes; o caminho da fé é o caminho da paixão. O
teólogo sempre será um apaixonado.11 Aliás, adaptando Kierkegaard, diria que
um teólogo sem paixão é um “tipo” medíocre.12 A teologia começa e continua na
comunhão com Deus, um Deus transcendente e pessoal que se relaciona conosco.
Por isso, a teologia não é um estudo a respeito de um Deus distante, antes, é a
reflexão sobre o Deus com Quem nos relacionamos, perseveramos confiante-
mente em Suas promessas e O cultuamos em adoração e louvor.

6 Consultar referência.
7 Consultar referência.
8 Consultar referência.
9 Consultar referência.
10 Consultar referência.
11 Li, posteriormente, a declaração de Kapic: “tal conhecimento (de Deus) não é meramente intelectual: é
também apaixonado, e toca tanto o nosso entendimento quanto os nossos afetos” (KAPIC, Pequeno livro
para novos teólogos, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 31).
12 A frase de Kierkegaard é: “o paradoxo é a paixão do pensamento, e o pensador sem um paradoxo é como
o amante sem paixão, um tipo medíocre” (KIERKEGAARD, Migalhas Filosóficas, ou, Um bocadinho de
Filosofia de João Clímacus, Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 61).

Definição
I

“A teologia é serva da igreja”.13 Esse serviço será relevante se, antes, a teolo-
gia for serva da Palavra.14 A grande virtude de quem serve é ser encontrado fiel
(1Co 4.2). O teólogo não pode ter outro propósito do que o glorificar a Deus
por meio da compreensão fiel das Escrituras e no seu ensino ao povo de Deus.
“A teologia é a reflexão sobre o Deus que os cristãos cultuam e adoram”.15 Por
isso, o teólogo não é um transeunte em férias com uma agenda flexível e sem
maiores compromissos, antes, podemos compará-lo a um peregrino em busca
do melhor caminho que o conduza de forma mais adequada possível à glorifi-
cação do Nome de Deus por meio de seu conhecimento, ensino e obediência.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Quando falamos de Teologia Reformada, estamos nos referindo à Teologia
proveniente da Reforma (Calvinista) em distinção à Teologia Luterana. O
designativo Reformada é preferível ao Calvinista16 – ainda que a empreguemos
indistintamente – considerando o fato de que a Teologia Reformada não é estri-
tamente proveniente de João Calvino (1509-1564).17

DIVISÃO DA TEOLOGIA

[...] no círculo das ciências, a teologia tem direito a um lugar de honra, não
por causa das pessoas que pesquisam essa ciência, mas em virtude do objeto
que ela pesquisa; ela é e continuará sendo – desde que esta expressão seja
entendida corretamente – a rainha das ciências (BAVINCK, H., 2012, p. 53).

13 Consultar referência.
14 Consultar referência.
15 Consultar referência.
16 A expressão “Calvinismo” foi introduzida, em 1552, pelo polemista luterano Joacquim Westphal (c. 1510-
1574), pastor em Hamburgo, para referir-se, em especial, aos conceitos teológicos de Calvino (Cf. MCGRATH,
A. E. The Intellectual Origins of The European Reformation, Cambridge, Massachusetts: Blackwell
Publishers, 1993, p. 6; COTTRET, B. Calvin: a Biography, Grand Rapids, Mi.: Eerdmans and Edinburgh: T &
T Clark, 2000, p. 239). Na realidade, Calvino deplorou o uso do termo (1563) que ele considera empregado
cruelmente por esses “zelotes frenéticos” (Cf. John Calvin, Commentaries on the Prophet Jeremiah, Grand
Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 9), 1996 (reprinted), (Carta Dedicatória do
seu comentário do Livro de Jeremias), p. xxii). No entanto usamos o termo no sentido que permanece até os
nossos dias, como designativo da teologia Reformada em contraste com a Luterana. (Veja: WARFIELD, B.B.
Calvin and Calvinism, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House - The Work’s of Benjamin B. Warfield,
2000 – Reprinted, v. 5, p. 353; W.S. Reid, Tradição Reformada: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-
Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 562).
17 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
19

A Teologia é, normalmente, dividida em quatro grandes áreas, ainda que não


exclusivamente:

A. Teologia Exegética
É o estudo da linguagem bíblica – valendo-se da morfologia (estrutura da lin-
guagem), lexicografia (o significado das palavras) e sintaxe (funções das várias
partes da oração) –, buscando uma compreensão clara e precisa do texto bíblico.
A sua tarefa consiste em determinar de maneira mais precisa possível a mensa-
gem do texto bíblico considerando o seu contexto histórico.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Esta área envolve disciplinas tais como: Grego, Hebraico, Introdução e Análise
Bíblica, Hermenêutica e Teologia Bíblica. O nome Teologia Bíblica é uma nomencla-
tura técnica que não deve nos conduzir à indução de que haja teologia não-bíblica.
Como bem observou Vos (1862-1949): “toda genuína Teologia Cristã é neces-
sariamente Teologia Bíblica - porque à parte da Revelação Geral, a Escritura
se constitui o único material com o qual a ciência Teológica pode tratar”.18 Por
Teologia Bíblica, estamos indicando o ramo da Teologia que partindo da Revelação
bíblica, organiza o seu material de forma histórica, conforme registrado nos diver-
sos livros da Bíblia considerando a revelação progressiva de Deus. Ela determina
e enuncia os fatos das Escrituras.19 Esta disciplina ocupa um lugar intermediá-
rio entre a Exegese e a Teologia Sistemática,20 podendo ser o diálogo de ambas
altamente producente e esclarecedor. Ainda que seus métodos possam ser distin-
tos, se elas se propuserem a ser coerentes com a plenitude de Revelação Bíblica,
partirão de sua unidade revelacional. Prevalece aqui as ponderações de Carson:
Existe o perigo de sucumbir a um biblicismo descuidado que interpreta
e traduz textos sem de fato buscar uma síntese que realmente preserve a
fidelidade bíblica; por outro lado, há o risco de confiar nas fórmulas con-
fessionais sem que sejamos capazes de explicar com alguma profundida-
de como elas são frutos das reflexões acerca do que a Bíblia de fato diz.21

18 Consultar referência.
19 Consultar referência.
20 Para uma visão sumária dos caminhos e descaminhos desta disciplina, veja: TAYLOR, W. Teologia
Bíblica. In: MERRIL, C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 5, p.
840-847; HASEL, G. F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP. 1987, p. 9-26; HASEL, G.
F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP, 1988, p. 9-57
21 Consultar referência.

Divisão da Teologia
I

B. Teologia Histórica22
É o estudo da história do povo de Deus desde o Novo Testamento até os nos-
sos dias. Ela abrange a História da Igreja, História das Missões etc. “O estudo da
história da igreja permite compreender a história em geral e a teologia em par-
ticular com maior profundidade”.23

C. Teologia Sistemática ou Dogmática


Conforme D.W. Simon já dissera no final do século XIX referindo-se à nomenclatura
teologia sistemática,24 esta é uma “tautologia impertinente” visto que traz consigo a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
presunção de uma teologia não sistemática e de que haja outras disciplinas teológicas
não metódicas.25 Estou convencido de que toda teologia é de algum modo sistemá-
tica; a forma de organizá-la é que vai determinar o tipo de sistematização. Com isso
estamos admitindo a limitação do nome, não, contudo, ao ponto de pretender bani-
-lo. A nomenclatura “sistemática”, que pode parecer redundante, é proveniente do
verbo grego sunista/w, que significa: organizar, coligar, congregar. Portanto, a desig-
nação de Teologia Sistemática é pertinente visto que ela se propõe a organizar em
um sistema unificado os ensinamentos bíblicos.26 Creio que esta palavra de posicio-
namento seja necessária e suficiente dentro dos objetivos deste texto.
Podemos dizer que a Teologia Sistemática, considerando a unidade de toda a
Escritura, é o estudo sistematizado da Revelação Especial de Deus conforme regis-
trada nas Escrituras Sagradas, buscando uma compreensão real e harmônica de
“todo o desígnio de Deus” por meio de suas relações intrínsecas e extrínsecas, real-
çando a sua relevância para a vida do povo de Deus. Noutras palavras, sua função
é tomar os fatos da Bíblia, “determinar sua relação entre si e com as outras ver-
dades cognatas, bem como vindicá-las e mostrar sua harmonia e consistência”.27

22 Uso essa nomenclatura de forma distinta da que é empregada normalmente para se referir ao estudo
histórico das doutrinas cristãs, como estas foram compreendidas em diferentes períodos da história. (Por
exemplo: MCGRATH, A. E. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução à teologia
cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 182-184). Entendo que essa abordagem deve fazer parte da
própria Teologia Sistemática.
23 Consultar referência.
24 Nos círculos teológicos Luteranos e Reformados da Europa, prevaleceu o nome Dogmática. (Veja-
se: BAVINCK, H. Reformed Dogmatics. Volume 1: Prolegomena, Grand Rapids, Michigan: Baker
Academic, 2003, p. 26-34).
25 Consultar referência.
26 Consultar referência.
27 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
21

D. Teologia Prática
Trata da aplicação prática das doutrinas bíblicas à vida da Igreja, envolvendo a
Homilética, Educação Cristã, Liturgia e a Teologia Pastoral. Podemos dizer que
a Teologia Prática é o grande ponto de contato entre a Academia e a Igreja. Visto
que toda a teologia é comprometida, o alvo de toda reflexão teológica é o culto a
Deus e a edificação do povo de Deus, para que esse amadureça em sua fé e possa
servi-Lo com maior integridade. Nós estudamos a respeito de Deus, por meio
de Sua revelação, a fim de adorá-Lo em nossa obediência.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

PRESSUPOSTOS E MÉTODO DA TEOLOGIA

Cosmovisões deveriam não apenas ser testadas em uma aula de filoso-


fia, mas também no laboratório da vida. Uma coisa é uma cosmovisão
passar no teste teórico (razão e experiência); outra é passar no teste
prático. As pessoas que professam uma cosmovisão podem viver con-
sistentemente em harmonia com o sistema que professam? Ou desco-
briremos que elas foram forçadas a viver segundo crenças emprestadas
de sistemas concorrentes? Tal descoberta, eu acho, deveria, produzir
mais do que embaraço.” (NASH, 2008, p. 29).

Nenhuma ciência vive sem pressupostos e a elaboração de um sistema que seja


considerado como uma consequência lógica de sua definição prévia.
Hodge acertadamente afirma que
o verdadeiro método da teologia é, pois, o indutivo, o qual presume que
a Bíblia contém todos os fatos ou verdades que formam o conteúdo da
teologia, justamente como os fatos da natureza formam o conteúdo das
ciências naturais.28

Como fica demonstrado, a teologia traz consigo alguns pressupostos dos quais
dependem a sua existência. Retomando a definição de teologia como sendo o
estudo da Revelação Pessoal de Deus conforme registrada nas Escrituras Sagradas,
em forma de esboço, podemos indicar os seguintes pressupostos:

28 Consultar referência.

Pressupostos e Método da Teologia


I

1. A existência de um Deus que se relaciona com a sua criação; Deus infi-


nito e pessoal: transcendente que se revela nas Escrituras.
2. A realidade da suficiência de Sua revelação registrada nas Escrituras:
Deus por Ele mesmo; Sujeito e Conteúdo da Revelação. “A comunica-
ção divina é a base fundamental da fé cristã”.29 A revelação de Deus é um
exercício de Sua graça na qual Ele Se revela como Senhor e Servo sofre-
dor que resgata o Seu povo.
3. A racionalidade humana, que se compatibiliza com a revelação condescen-
dente de Deus: Deus criou o homem com a possibilidade de conhecimento

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real, ainda que não exaustivo.
Não podemos compreender plenamente a Deus em toda a sua gran-
deza, mas que há certos limites dentro dos quais os homens devem
manter-se, embora Deus acomode a nossa tacanha capacidade toda
declaração que faz de Si mesmo. Portanto, somente os estultos é que
buscam conhecer a essência de Deus.30

4. A possibilidade do nosso conhecimento está determinada pela própria


revelação. O limite de nosso conhecimento está delimitado pela Palavra.
Calvino, como ninguém, explorou esse aspecto. Aconselha-nos:
...que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão
o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios,
que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um
passo a mais.31

5. A capacitação espiritual do homem regenerado para compreender as ver-


dades espirituais da Revelação (Sl 119.18;1Co 2.14-15) por meio da fé:
A fé não é apenas uma espécie, mas a mais elevada espécie de conhe-
cimento. Ela nos fornece uma compreensão de realidades que para os
sentidos apenas são inacessíveis, a saber, a existência de Deus, e pelo
menos algumas das relações entre Deus e Sua criação.32

29 LLOYD-JONES, D. M. O Combate Cristão. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p.


24. “Ele não nos manda que subamos incontinenti aos céus, e, sim, perscrutando nossa debilidade, Ele
mesmo desce até nós” (CALVINO, J. O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2 (Sl 42.1-3),
p. 257). Veja: BAVINCK, H. Reformed Dogmatics. Volume 1: Prolegomena, Grand Rapids, Michigan:
Baker Academic, 2003, p. 37-38).
30 Consultar referência.
31 CALVINO, J. Exposição de Romanos, (Rm 9.14), p. 330. Veja também: CALVINO, J. As Institutas,
I.5.9; I.14.3-4; III.21.4; III.23.8; III.25.6 e 11; IV.17.36; Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997,
(Hb 7.3,8), p. 177-178, 183; Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 12.4), p. 242,243;
CALVINO, J. O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 51.5), p. 431-432; As Institutas da
Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.8), p. 38.
32 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
23

Os pressupostos se constituem na janela (quadro de referência) por meio da qual


vejo a realidade; o difícil é identificar a nossa janela, ainda que sem ela nada enxer-
guemos. Assim, falar sobre a nossa cosmovisão, além de ser difícil verbalizá-la,
é paradoxalmente desnecessário. Parece que há um pacto involuntário de silên-
cio o qual aponta para um suposto conhecimento comum: todos nós sabemos
a nossa cosmovisão. Desse modo, só falamos, se falamos e quando falamos de
nossa cosmovisão, é para os outros, os estranhos, não iniciados em nossa forma
de pensar. Sire resume bem isso:
Uma cosmovisão é composta de um conjunto de pressuposições bási-
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cas, mais ou menos consistentes umas com as outras, mais ou menos


verdadeiras. Em geral, não costumam ser questionadas por nós mes-
mos, raramente ou nunca são mencionadas por nossos amigos, e são
apenas lembradas quando somos desafiados por um estrangeiro de ou-
tro universo ideológico.33

O fato que queremos destacar é que todos trabalham com os seus pressupos-
tos, explícitos ou não, plenamente conscientes deles ou apenas parcialmente.
Schaeffer (1912-1984) coloca a questão nestes termos:
Todas as pessoas têm seus pressupostos, e elas vão viver de modo mais
coerente possível com estes pressupostos, mais até do que elas mesmas
possam se dar conta. Por pressupostos entendemos a estrutura básica
de como a pessoa encara a vida, a sua cosmovisão básica, o filtro atra-
vés do qual ela enxerga o mundo. Os pressupostos apoiam-se naquilo
que a pessoa considera verdade acerca do que existe. Os pressupostos
das pessoas funcionam como um filtro, pelo qual passa tudo o que elas
lançam ao mundo exterior. Os seus pressupostos fornecem ainda a base
para seus valores e, em consequência disto, a base para suas decisões.34

33 Consultar referência.
34 SCHAEFFER, F. A. Como Viveremos? São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 11. McGregor
Wright demonstra isso em sua obra quando parte para analisar os textos bíblicos que acredita serem o
fundamento de sua posição. Escreve então: “...devemos todos orar para que o Espírito Santo sonde os
nossos corações, em busca de indícios de que nossa exegese esteja sendo controlada por suposições e
pressuposições das quais não estejamos plenamente cônscios, porque elas tendenciam nossa leitura da
Palavra de Deus. Contudo a questão não é se podemos ser não-tendenciosos ou não, mas se estamos
conscientes de nossas pressuposições. Realmente percebemos como elas nos afetam, e realmente estamos
desejosos de ver essas pressuposições julgadas pelas Escrituras?” (R.K. McGregor Wright, A Soberania
Banida: redenção para a cultura pós-moderna, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 122).

Pressupostos e Método da Teologia


I

Silva argumenta com precisão que


quer tenhamos ou não a intenção de fazê-lo, quer gostemos ou não,
todos lemos o texto conforme interpretado por nossas pressuposições
teológicas. Aliás, o argumento mais sério contra a ideia de que a exege-
se deve ser feita independente da teologia sistemática é que tal ponto de
vista é irremediavelmente ingênuo. A mera possibilidade de entender
qualquer coisa depende de nossas estruturas anteriores de interpreta-
ção. Se observarmos um fato que faz sentido para nós, é simplesmente
porque conseguimos encaixá-lo dentro de um conjunto complexo de
ideias que assimilamos anteriormente.35

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São esses pressupostos que determinam a nossa maneira de ver e, portanto, agir
no mundo.36 A nossa percepção e ação fundamentam-se em nossos pressupos-
tos os quais sãos reforçados, transformados, lapidados ou abandonados em prol
de outros, conforme a nossa percepção dos “fatos”. A questão epistemológica
antecede à práxis.
Descartes (1596-1650), após dizer que “o bom senso é a coisa do mundo
melhor partilhada”, admite que “não é suficiente ter o espírito bom, o principal
é aplicá-lo bem”.37 De fato, bom senso, a boa maneira de conduzir o pensamento
na avaliação dos fatos, é indispensável, contudo, se ele for provido de um bom
método, a possibilidade de obter êxito é bem maior.38

35 SILVA, M. Em Favor da Hermenêutica de Calvino: In: KAISER JUNIOR, W. C.; SILVA, M. Introdução à
Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 255. De forma complementar, devemos
também entender que: “Corretamente empregados, os padrões confessionais devem guiar, formatar
e enriquecer nossa exegese; mal empregados, eles se divorciam dos textos bíblicos que os nutriram e
desenvolveram” (= Carson, D. A. Jesus, o Filho de Deus: O título cristológico muitas vezes negligenciado,
às vezes mal compreendido e atualmente questionad., São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 81-82).
36 “Seria atenuar os fatos dizer que a cosmovisão ou visão de mundo é um tópico importante. Diria que
compreender como são formadas as cosmovisões e como guiam os limitam o pensamento é o passo
essencial para entender tudo o mais. Compreender isso é algo como tentar ver o cristalino do próprio
olho. Em geral, não vemos nossa própria cosmovisão, mas vemos tudo olhando por ela. Em outras
palavras, é a janela pela qual percebemos o mundo e determinamos, quase sempre subconscientemente,
o que é real e importante, ou irreal e sem importância” (Johnson, P. E. no Prefácio à obra de Nancy.
Pearcey, A Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de Seu Cativeiro Cultural. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 11).
37 Consultar referência.
38 Lalande define “bom senso”, como a “faculdade de distinguir espontaneamente o verdadeiro do falso e de
apreciar as coisas pelo seu justo valor” (Bom Senso: In: LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da
Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 996a).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
25

Mas o que é um método? Esse termo é uma transliteração do grego me/qodoj,


palavra formada por meta/ (“no meio de”, “no centro de”)39 e o(do/j (“caminho”).
Em Aristóteles (384-322), a palavra tinha o sentido de “investigação”, sendo, por
vezes, usada como sinônimo de “teoria” (qewri/a) e “ciência” (e)pisth/mh).40
Etimologicamente, portanto, “método” é o emprego de um caminho, andar den-
tro e por meio dele. Podemos definir, operacionalmente, método como o conjunto
de elementos e processos necessários a se obter determinado objetivo; é o cami-
nho para a consecução de um objetivo proposto. Lalande (1867-1963) acentua
que etimologicamente a palavra significa “demanda” e, “por consequência, esforço
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para atingir um fim, investigação, estudo...”.41


Hodge, com simplicidade e clareza, afirma que “se uma pessoa adota um
falso método, ela é semelhante a alguém que toma uma estrada errada que
jamais a levará a seu destino”.42 Obviamente a Teologia, como todas as demais
ciências, também tem os seus métodos, e isso é fundamental. Não existe neutra-
lidade metodológica, todo método carrega consigo seus pressupostos, portanto,
os pressupostos, como também em qualquer outra ciência, são fatores determi-
nantes em sua pesquisa, na aproximação dos fatos.43
Nash, com uma ênfase diversa, nos alerta: “a obtenção de maior consciência
de nossa cosmovisão pessoal é uma das coisas mais importantes que podemos
fazer, e compreender a cosmovisão de outros é algo essencial para o entendi-
mento que os torna distintos”.44

39 Este é o significado original da palavra, variando conforme a conjunção com outras (Veja: entre outras
obras, DANA, H. E.; MANTEY, J. R. Manual de Gramatica del Nuevo Testamento Griego. Buenos Aires:
Casa Bautista de Publicaciones, 1975, p. 104-105). Uma curiosidade bíblica: Paulo exorta aos efésios:
“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas (meqode/ia) do
diabo” (Ef 6.11). Esta palavra envolve um “plano ou sistema deliberado”. Meqode/ia é da mesma raiz da
nossa palavra “método”. As ciladas de Satanás visam nos induzir ao erro. Ele, portanto, atua de forma
metódica, seguindo sempre um plano para obter êxito nos seus propósitos.
40 Consultar referência.
41 Consultar referência.
42 Consultar referência.
43 Consultar referência.
44 Consultar referência.

Pressupostos e Método da Teologia


I

A nossa chave epistemológica é a Escritura, portanto, a nossa cosmovi-


são, partindo de uma perspectiva assim, nos conduzirá naturalmente de volta a
Deus.45 A teologia sistemática “parte de cima”, fundamentando-se na Escritura,
oferece-nos um escopo do que Deus deseja de nós e nos fala de qual o propósito
de nossa existência em todas as suas esferas.46 A experiência humana, as con-
tribuições científicas e o ensino da igreja são avaliados à luz da Escritura que
unicamente é a nossa regra de fé e, portanto, o fundamento de toda teologia.
A Teologia Reformada recebendo a Bíblia como de fato é: a inerrante e
autêntica Palavra de Deus, reconhece ser Ela a causa eficiente e instrumental da

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Teologia, sendo Deus o Seu autor, a causa final. A teologia busca sempre a gló-
ria de Deus, como objetivo máximo e final; e esse objetivo é alcançado sempre
em sua fidelidade à Revelação. Portanto, embora admitindo a infalibilidade da
Revelação Geral, só consideramos a Revelação Especial como fonte da Teologia.
Dessa forma, a tentativa de reconhecer a Revelação Geral como fonte secundá-
ria da Teologia está fora de cogitação, visto que, para que isso aconteça, teríamos
de interpretá-la de acordo com a luz da Escritura, e podemos observar também
que, qualquer tentativa de se criar uma fonte secundária ou terciária de teolo-
gia (os catecismos, por exemplo) implica em admitir que a Bíblia precisa de um
complemento, logo é incompleta ou insuficiente. A Revelação Geral tem o seu
valor ilustrativo, contudo, em nada acrescenta à Revelação Especial e aquela só
pode ser entendida corretamente por aquele que, mediante a iluminação do
Espírito Santo, entende a Revelação Especial. Para esse homem, a Revelação
Geral se constitui em uma “republicação”, ainda que não cronológica, das ver-
dades contidas nas Escrituras, contudo essa “republicação” não é complementar
nem transforma vida. E o que a natureza trata de forma estrita e apenas indica-
tiva, a Escritura fala de forma ampla e demonstrativa.

45 Consultar referência.
46 “A cosmovisão cristã tem coisas importantes a dizer sobre a totalidade da vida humana” (Ronald H.
Nash, Questões Últimas da Vida: uma introdução à Filosofia, p. 19).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
27

Edwin Palmer acentua:


Somente através da revelação o homem alcança o verdadeiro entendi-
mento das coisas. Pela revelação, Deus se manifesta ao homem e tam-
bém revela a verdadeira natureza dos seres que povoam o mundo, tanto
a dos homens como a dos objetos naturais”[...] “É interessante advertir
que inclusive a primeira revelação, a revelação geral, não se pode captar
bem sem conhecer a revelação especial e sem o poder iluminador do
Espírito na mente do homem. Isto se deve ao fato de que o homem é
espiritualmente cego devido ao seu próprio pecado (PALMER, s/d, p.
47-50).
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Por outro lado, Abraham Kuyper (1837-1920), em seu livro Principles of Sacred
Theology, nos chama a atenção para o fato de que não devemos considerar a
Revelação Especial ou a Escritura como fonte da Teologia (“fons theologiae”),
tendo em vista que o termo “fonte” no estudo científico tem um significado mui
definido. Em geral, denota uma área de estudo sobre a qual, o homem como
agente ativo faz uma triagem para a sua pesquisa, como na Botânica, Zoologia e
História. Nesse caso, o objeto de estudo é passivo; o homem que é ativo, debruçan-
do-se sobre o fenômeno para extrair do objeto o conhecimento desejado. Assim
sendo, usando o termo nesse sentido, tem-se a impressão de que o homem como
agente ativo pode se colocar sobre as Escrituras para descobrir ou tirar dela o
conhecimento de Deus, que ali está passivamente esperando o seu descobridor.
Sabemos que isso não é verdade! Deus se revela ao homem e mais uma vez, ati-
vamente, fornece os meios para a compreensão desta revelação: o Espírito Santo.
A Teologia, como vimos, é sempre o efeito da ação reveladora, inspiradora e ilu-
minadora de Deus por meio do Espírito. Por isso, falar de Teologia Americana,
Europeia ou da América Latina se constitui, no mínimo, em uma ignorância
bíblica: ou a Teologia é Bíblica ou não é Teologia; surja em que continente for,
em que movimento for, em que regime político for. Brunner (1889-1966) cor-
retamente enfatiza:
A dogmática que está sob uma obrigação apenas para com a Verda-
de deve se proteger contra todo regionalismo nacional ou continental,
pelo qual o ponto de vista Europeu, o Inglês ou o Americano seria mais
importante do que é na verdade.47

47 Consultar referência.

Pressupostos e Método da Teologia


I

Deus não se deixa invadir pela razão humana ou mesmo pela fé; Ele se dá a conhe-
cer livre, fidedigna e explicitamente; Deus se revela a Si mesmo como Senhor e
“Senhorio significa liberdade”.48 Quanto mais conhecemos Deus, mais compre-
endemos e sentimos que Seu ministério é inescrutável. A “douta ignorância” faz
parte essencial da genuína teologia sistemática.49 O conhecimento de nossa limi-
tação não é inato; antes é precedido pela revelação. Sem a revelação de Deus não
há teísmo, ateísmo nem agnosticismo. É no encontro com Deus que tomamos
conhecimento de nossas limitações.
Sem a revelação, o homem passaria toda a sua vida e estaria na eternidade

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sem o menor conhecimento de Deus, por mais engenhosos que fossem os seus
métodos, por mais sistemáticas que fossem as suas pesquisas, por mais que evo-
luísse a ciência. O homem nunca conseguiria chegar a Deus ou mesmo a sua
ideia: ignoraria eternamente a própria ignorância! Entretanto Deus continuaria
sendo o que sempre foi: o Senhor! “Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo,
a verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável” (João Calvino, Gálatas,
São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 48-49). Todavia graças a Deus, porque
Ele soberanamente Se Revelou a Si mesmo, para que possamos conhecê-Lo e
render-Lhe toda a glória que somente a Ele é devida. Em Cristo, nós somos con-
frontados com o clímax e plenitude da revelação de Deus (Jo 14.9-11; 10.30; Cl
1.19; 2.9; Hb 1.1-4). “No Filho, temos a revelação última de Deus. Da mesma
forma como é verdade que quem viu o Filho viu o Pai, também é verdade que
quem não viu o Filho, não viu o Pai”. 50 Jesus Cristo é a medida da revelação!
Lembremo-nos mais uma vez das palavras de A. Kuyper, de que o homem
não pode se colocar sobre a Bíblia para fazer uma investigação de Deus; Deus é
Quem se comunica, Quem se dá; Ele é sempre o Sujeito, nunca o objeto na rela-
ção do conhecimento. Na Revelação, ocorre uma mudança de referência. Nós
que nos acostumamos a pensar a partir de nós, precisamos aprender a pensar
a partir de Deus; nós não somos “a medida de todas as coisas” nem o ponto de
partida, somos o fim da Revelação graciosa de Deus.

48 Consultar referência.
49 Ver: CALVINO, J. As Institutas, III.21.2; III.23.8. Na edição de 1541, escrevera: “E que não achemos
ruim submeter neste ponto o nosso entendimento à sabedoria de Deus, aos cuidados da qual Ele deixa
muitos segredos. Porque é douta ignorância ignorar as coisas que não é lícito nem possível saber; o desejo
de sabê-las revela uma espécie de raiva canina” (CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã: edição
especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3 (III.8), p. 53-54).
50 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
29

A Teologia Reformada reconhece a centralidade real de Deus em todas as


coisas, tendo como alvo principal, não o tão decantado bem-estar humano – que
por certo tem a sua relevância51 –, mas a glória de Deus, sabendo que as demais
coisas serão acrescentadas (Mt 6.33; Ef 1.11-12).52 Infelizmente, ao longo da
história, as “teologias”, que deveriam ser relativas à Revelação, têm sido relati-
vas ao homem, tornando-se, assim, antropologias.53 O Iluminismo, que gerou o
“Liberalismo Teológico” – e esse pode ser definido como o esforço de interpre-
tar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma perspectiva iluminista –, foi
o grande fomentador dessa nova abordagem. Dentro dessa perspectiva, só pode
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ser considerado genuíno o “credo” que se ajuste aos critérios racionais vigentes.54
Para nós, reformados, entretanto, é a Palavra de Deus que deve dirigir toda
a nossa abordagem e interpretação teológica, bem como de toda a realidade: o
Espírito, por intermédio da Palavra, é Quem deve nos guiar à correta interpre-
tação da Revelação. Na Escritura, temos o nosso padrão e apelo final.55

NECESSIDADE E TAREFA DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA

A Teologia Reformada não reivindica para si o status de detentora da ver-


dade ou de infalibilidade; antes, ela sabe que o seu vigor estará sempre na sua
procura acadêmica e piedosa pela interpretação correta e fiel das Escrituras.

51 Calvino, comentando a respeito desta vida e a futura, diz: “...esta vida, por mais que esteja cheia de infinitas
misérias, com toda razão se conta entre as bênçãos de Deus, que não é lícito menosprezar” (As Institutas,
III.9.3). À frente, acrescenta: “E muito maior é essa razão, se refletirmos que nesta vida nos está Deus de
certo modo a preparar para a glória do Reino Celeste” (As Institutas, III.9.3).
52 PACKER, J. I. O “Antigo” Evangelho. São Paulo: Fiel, 1986, p. 1ss., traça uma boa distinção entre o
“Antigo” e o “Novo” Evangelho, mostrando que o “Antigo”, buscava a Glória de Deus, enquanto que o
“novo” está preocupado em “ajudar” o homem. Em 1768, Abraham Booth (1734-1806) observara que a
pregação dos cristãos primitivos gerava a perseguição “porque a verdade que pregavam ofendia o orgulho
humano (...) não dava lugar ao mérito humano” (BOOTH, A. Somente pela Graça. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 9,10).
53 O filósofo alemão Feuerbach (1804-1872), reduziu “a teologia à antropologia” (FEURBACH, L. A. A
Essência do Cristianismo, Campinas, SP: Papirus, 1988, Prefácio da 2ª edição p. 35).
54 Consultar referência.
55 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

A teologia é uma reflexão interpretativa e sistematizada da Palavra, tendo como


meta a compreensão e sistematização de toda a doutrina cristã, sendo, portanto,
uma ciência “normativa”,56 cujo compromisso é com Deus e com a Sua verdade
revelada, atenta às necessidades do homem em sua existência.57 “A dogmática
vai em busca da verdade absoluta”. Dentro dessa perspectiva, podemos falar da
necessidade e da tarefa da Teologia Sistemática.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Dr. Lloyd-Jones (1889-1981), em 1969, nas conferências que realizava no Se-
minário Teológico Westminster, resume:
O pregador deveria ser bem versado em teologia bíblica, a qual, por sua vez con-
duz à teologia sistemática. Para mim, nada é mais importante para um pregador
do que o fato que ele deveria estar de posse da teologia sistemática, conhecen-
do profundamente e estando bem arraigado nela. Essa teologia sistemática, esse
corpo de verdades derivadas das Escrituras, sempre deve fazer-se presente como
pano de fundo e influência controladora da pregação. Cada mensagem, que pro-
vém de algum texto ou declaração específica das Escrituras, sempre deve fazer
parte ou ser um aspecto desse conjunto total da Verdade. Jamais será algo isola-
do, jamais será algo separado ou desvinculado. A doutrina que houver em qual-
quer texto específico, nunca deveríamos olvidar, faz parte desse conjunto maior
– a Verdade ou a Fé. Esse é o significado da frase ‘comparando Escritura com Es-
critura’. Não podemos manipular nenhum texto isolado; toda a nossa preparação
de um sermão deveria ser controlada por esse pano de fundo de teologia siste-
mática (...). O emprego correto da teologia sistemática consiste em que, quando
descobrimos alguma doutrina específica no texto selecionado, nós averiguamos
e controlamos, assegurando-nos de que ela cabe dentro de todo esse corpo de
doutrinas bíblicas que é vital e essencial” (LLOYOD-JONES, 1984, p. 48-49).

56 Consultar referência.
57 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
31

a) Aprofundar a relação da verdade sistematizada com o desenvolvimento


da piedade
A erudição associada à piedade e aos demais dotes do bom pastor lhe
sejam uma preparação. Ora, aqueles que o Senhor destinou a tão gran-
de ofício, os equipa antes com essas armas que são requeridas para de-
sempenhá-lo, de sorte que não venham a ele vazios e despreparados
(Calvino, João. As Institutas, 2. ed. IV.3.11).

Para McGrath (2007, p. 67), “uma teologia que toca a mente, deixando de afetar
o coração, não é a verdadeira teologia cristã”. João Calvino (1509-1564) comen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tando o texto de 1Tm 6.3,58 diz que “[a doutrina] só será consistente com a
piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se
nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor”.59
Estamos convencidos de que a genuína piedade bíblica (eu)se/beia) – At 3.12;
1Tm 2.2; 3.16; 4.7,8; 6.3,5,6,11; 2Tm 3.5; Tt 1.1; 2Pe 1.3,6,7; 3.11 – começa pela
compreensão correta do mistério de Cristo, conforme nos diz Paulo, “evidente-
mente, grande é o mistério da piedade Aquele que foi manifestado na carne foi
justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido
no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16). A piedade era a tônica do ministério
pastoral de Paulo. É desse modo que ele inicia a sua carta a Tito, “Paulo, servo
de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover (kata/)60 a fé que é dos elei-
tos (e)klekto/j) – Mt 22.14; 24.22,24,31; Mc 13.20,22,27; Lc 18.7; 23.35; Rm
8.33; 16.13; Cl 3.12; 1Tm 5.21; 2Tm 2.10; Tt 1.1; 1Pe 1.1; 2.4; 1Pe 2.6,9; 2Jo 1,13;
Ap 17.14 – de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade” (Tt
1.1). Portanto, devemos indagar sempre a respeito de doutrinas consideradas
evangélicas, se elas, de fato, contribuem para a piedade. A genuína ortodoxia
será plena de vida e piedade.

58 “Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o
ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras,
de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja
mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.3-5).
59 Consultar referência.
60 Kata/ quando estabelece relação, tem o sentido de “de acordo com a”, “com referência a”. No texto,
pode ter o sentido de “segundo a fé que é dos eleitos”, “no interesse de”, “promover”, etc. (Mc 7.5; Lc 1.9,38;
2.22,24,29; Jo 19.7; At 24.14; Cl 1.25,29; 2Tm 1.1,8,9; Hb 7.5).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Paulo diz que é apóstolo da parte de Jesus Cristo comprometido com a fé que é dos
eleitos de Deus. O seu ensino tinha esse propósito – diferentemente dos falsos mes-
tres, que se ocupavam com fábulas e mandamentos procedentes da mentira (Tt 1.14)
– promover a fé dos crentes em Cristo Jesus. A fé que é dos eleitos, portanto, deve ser
desenvolvida no “pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) – Rm 1.28; 3.20; 10.2; Ef 1.17;
4.13; Fp 1.9; Cl 1.9,10; 2.2; 3.10; 1Tm 2.4; 2Tm 2.25; 3.7; Tt 1.1; Fm 6; Hb 10.26; 2Pe
1.2,3,8; 2.20 – da verdade (a)lh/qeia)”. Ou seja, a nossa salvação se materializa em
nosso conhecimento intensivo e qualitativamente completo da verdade. Contudo
esse conhecimento da verdade, longe de arrogante e autossuficiente, está relacio-

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nado com a piedade “segundo a piedade (eu)se/beia)” – At 3.12; 1Tm 2.2; 3.16;
4.7,8; 6.3,5,6,11; 2Tm 3.5; Tt 1.1; 2Pe 1.3,6,7; 3.11. O verdadeiro conhecimento de
Deus é cheio de piedade. Piedade caracteriza a atitude correta para com Deus, englo-
bando temor, reverência, adoração e obediência. Ela é a palavra para a verdadeira
religião.61 Paulo diz que a piedade para tudo é proveitosa, não havendo contraindi-
cação “pois o exercício físico para pouco é proveitoso (w)fe/limoj), mas a piedade
para tudo é proveitosa (w)fe/limoj),62 porque tem a promessa da vida que agora é e
da que há de ser” (1Tm 4.8). Por isso, Timóteo, com o propósito de realizar a vontade
de Deus, deveria exercitá-la com a perseverança de um atleta (1Tm 4.7);63 segui-la
como alguém que persegue um alvo, e a convicção e o zelo com os quais o próprio
Paulo perseguira a Igreja de Deus (Fp 3.6) “tu, porém, ó homem de Deus, foge des-
tas coisas; antes, segue (diw/kw)64 a justiça, a piedade (eu)se/beia), a fé, o amor, a
constância, a mansidão” (1Tm 6.11). O tempo presente do verbo indica a progressi-
vidade que deve caracterizar essa busca pela piedade.

61 Consultar referência.
62 Este adjetivo que, no Novo Testamento, só é empregado por Paulo, é aplicado às boas obras (Tt 3.8) e à
Palavra inspirada de Deus em sua aplicação às nossas necessidades (2Tm 3.16).
63 “Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas caducas. Exercita-te (gumna/zw), pessoalmente, na piedade”
(1Tm 4.7). Gumna/zw é aplicada ao exercício próprio de atleta. No Novo Testamento a palavra é usada
metaforicamente, indicando o treinamento que pode ser utilizado para o bem ou para o mal (*1Tm 4.7;
Hb 5.14;12.11; 2Pe 2.14).
64 Diw/kw é utilizada sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt
5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que
Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1 Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra
utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/
At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos
perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
33

Calvino entende que o conhecimento verdadeiro do verdadeiro Deus traz como


implicação necessária, a piedade e a santificação
[...] deve observar-se que somos convidados ao conhecimento de Deus,
não àquele que, contente com vã especulação, simplesmente voluteia
no cérebro, mas àquele que, se é de nós retamente percebido e finca pé
no coração, haverá de ser sólido e frutuoso [...]65.

Jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo


tempo a santificação do Espírito. A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo
não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do Seu Espírito.
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Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé deve ser separada do


afeto piedoso”.66 Resume “o conhecimento de Deus é a genuína vida da alma....”.67
O verdadeiro conhecimento de Deus conduz-nos à piedade.
Paulo sustenta que aquele falso conhecimento que se exalta acima da
simples e humilde doutrina da piedade não é de forma alguma conheci-
mento [...] A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente
merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na
confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade.68

No entanto é possível forjar uma aparente piedade – conforme os falsos mes-


tres que, privados da verdade, o faziam pensando em obter lucro (1Tm 6.5) -,
contudo essa carece de poder e da alegria resultantes da convicção de que Deus
supre as nossas necessidades. Logo, esses falsos mestres não conhecem o “lucro”
da piedade
de fato, grande fonte de lucro (porismo/j) é a piedade (e)use/beia)
com o contentamento (au)ta/rkeia = “suficiência”, “satisfação”). Porque
nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar
dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes (1Tm 6.6-
8/2Tm 3.5).

65 J. Calvino, As Institutas, I.5.9. “...Importa se nos transfunda ela (a doutrina) ao coração e se nos traduza no
modo de viver, e, a tal ponto a si nos transforme, que nos não seja infrutuosa. Se, com razão, se incendem
os filósofos contra aqueles que, em professando uma arte que lhes deva ser a mestra da vida, a convertem
em sofística loquacidade, e os alijam ignominiosamente de sua grei, de quão melhor razão haveremos de
detestar estes fúteis sofistas que se contentam em revolutear o Evangelho no topo dos lábios, Evangelho cuja
eficácia devera penetrar os mais profundos afetos do coração, arraigar-se na alma e afetar o homem todo,
cem vezes mais do que as frias exortações dos filósofos” (CALVINO, J. As Institutas, III.6.4).
66 Consultar referência.
67 Consultar referência.
68 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Todo o conhecimento cristão deve vir acompanhado de piedade (1Tm 3.16/1Tm


6.3;Tt 1.1). A piedade deve estar associada a diversas outras virtudes cristãs a
fim de que seja frutuosa no pleno conhecimento de Cristo (2Pe 1.6-8). A nossa
certeza é que Deus nos concedeu todas as coisas que nos conduzem à piedade.
Ele exige de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos
quais Cristo nos comunica as bênçãos da salvação”69 e que não negligenciemos
os “meios de preservação”.70 Portanto, devemos utilizar de todos os recursos que
Deus nos forneceu com este santo propósito “visto como, pelo seu divino poder,
nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (e)use/

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beia), pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria
glória e virtude” (2Pe 1.3).71
A piedade como resultado de nosso relacionamento com Deus deve ter o
seu reflexo concreto dentro de casa, sendo revelada por meio do tratamento que
concedemos aos nossos pais e irmãos “... se alguma viúva tem filhos ou netos,
que estes aprendam primeiro a exercer piedade (eu)sebe/w) para com a própria
casa e a recompensar a seus progenitores, pois isso é aceitável diante de Deus”
(1Tm 5.4).72 Nunca o nosso trabalho, por mais relevante que seja, poderá se tor-
nar em um empecilho para a ajuda aos nossos familiares. A genuína piedade é
caracterizada por atitudes condizentes para com Deus (reverência) e para com o
nosso próximo (fraternidade). Curiosamente, quando o Novo Testamento des-
creve Cornélio, diz que ele era um homem “piedoso (Eu)sebh/j) e temente a
Deus (...) e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus” (At
10.2). A piedade é, portanto, uma relação teologicamente orientada do homem
para com Deus em sua devoção e reverência e a sua conduta biblicamente ajus-
tada e coerente com o seu próximo. A piedade envolve comunhão com Deus e
o cultivo de relações justas com os nossos irmãos. “A obediência é a mãe da pie-
dade”, resume Calvino.73

69 Catecismo Menor de Westminster, Perg. 85.


70 Confissão de Westminster, XVII.3.
71 Consultar referência.
72 Consultar referência.
73 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
35

A piedade é desenvolvida por meio de nosso crescimento na graça. A graça


de Deus é educativa “porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos
os homens, educando-nos (paideu/w) para que, renegadas a impiedade e as
paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente
(eu)sebw=j)” (Tt 2.11-12). A piedade autêntica, por ser moldada pela Palavra, traz
consigo os perigos próprios resultantes de uma ética contrastante com os valores
deste século. “Ora, todos quantos querem viver piedosamente (eu)sebw=j)74 em
Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3.12), no entanto há o conforto expresso
por Pedro às Igrejas perseguidas “...o Senhor sabe livrar da provação [peirasmo/j
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= “tentação”] os piedosos (eu)sebh/j)...” (2Pe 2.9).


A piedade não pode estar dissociada da fé que confessa que Deus é o autor
de todo o bem. Portanto podemos nEle descansar sendo conduzidos pela Sua
Palavra.75
A reflexão teológica deve ser sempre um prefácio à ação76 sob a influên-
cia modeladora do Espírito que nos instrui pelo Evangelho. “Uma igreja que só
reflete e não atua é semelhante ao exército que passa o tempo fazendo manobras
dentro do quartel”.77 A nossa reflexão e ação devem estar sempre acompanhadas
e dominadas pela oração fervorosa e sincera, “desvenda os meus olhos, para que
eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119.18).78 “A fé envolve a verdade de
Deus (doutrina), encontro com Deus (culto) e servir a Deus (vida). A insepara-
bilidade desses três elementos é vista repetidas vezes nas Escrituras e na história
do povo de Deus”.79

74 Este advérbio só ocorre em dois textos do Novo Testamento: 2Tm 3.12; Tt 2.12.
75 Consultar referência.
76 “Para aquele que é intelectualmente dotado, é muito mais fácil ser um cristão no campo do pensamento
do que naquele comportamento prático; e ainda o bom teólogo sabe muito bem que o que realmente
conta diante de Deus não é simplesmente o que alguém pensa, mas o que alguém pensa com tal fé que se
torna ato. Porque somente essa fé ‘que atua pelo amor’ é considerada” (BRUNNER, E. Dogmática, São
Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 119-120).
77 Consultar referência.
78 “A oração é sempre necessária como instrução (...). Transmitir conhecimento não basta. É igualmente
essencial que oremos – que oremos por nós mesmos, para que Deus nos faça receptivos ao conhecimento
e à instrução; que oremos para sermos capacitados a agasalhar o conhecimento recebido e aplicá-lo; que
oremos para que não fique só em nossas mentes, e sim que se apegue aos nossos corações, dobre as nossas
vontades e afete o homem todo. O conhecimento, a instrução e a oração devem andar sempre juntos;
jamais devem estar separados” (LLOYD-JONES, D. M. As Insondáveis Riquezas de Cristo. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 98).
79 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Talvez, aqui, esteja uma das armadilhas mais sutis, pois prezamos a doutrina,
entendemos ser ela fundamental para a vida cristã, no entanto, nesta justíssima
ênfase e compreensão, podemos nos esquecer da importância vital da pieda-
de.80 Notemos que não estou dizendo que isso aconteça conosco com frequência
ou que esse seja o nosso ponto fraco, apenas observo que devemos vigiar nesse
flanco, para que o inimigo não alcance êxito em seu desígnio destruidor. Paulo fala
dos “desígnios” de Satanás (2Co 2.11),81 indicando a ideia de que ele tem metas
definidas, estratégias elaboradas, um programa de ação com variedades de téc-
nicas e opções a serem aplicadas conforme as circunstâncias. Ele emprega toda

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a sua “energia” (2Ts 2.9).82 Nesse texto, fica claro que Satanás se vale de todos os
recursos a ele disponíveis, contudo, como não poderia ser diferente, amparado
na “mentira” – que lhe é própria (Jo 8.44) –, para realizar os seus propósitos.
D.M. Lloyd-Jones (1899-1981), assim se expressou:
O ministro do Evangelho é um homem que está sempre lutando em
duas frentes. Primeiro ele tem que concitar as pessoas a se interessarem
por doutrina e pela teologia, todavia não demorará muito nisso antes
de perceber que terá que abrir uma segunda frente e dizer às pessoas
que não é suficiente interessar-se somente por doutrinas e teologia, que
você corre o perigo de se tornar um mero intelectualista ortodoxo e
de ir ficando negligente quanto à sua vida espiritual e quanto à vida da
Igreja. Este é o perigo que assedia os que sustentam a posição reforma-
da. Essas são as únicas pessoas realmente interessadas em teologia, pelo
que o diabo vem a eles e os impele para demasiado longe na linha desse
interesse, e eles tendem a tornar-se meros teólogos e só intelectualmen-
te interessados na verdade (LLOYD-JONES, 1993, p. 22).

80 Consultar referência.
81 “Para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios (no/hma)” (2Co
2.11). A palavra traduzida por “desígnio” (no/hma), ocorre cinco vezes no NT., sendo utilizada apenas
por Paulo: 2Co 2.11; 3.14; 4.4; 10.5; 11.3; Fp 4.7, tendo o sentido de “plano” (Platão, Política, 260d),
“intenção maligna”, “intrigas”, “ardis”. Com exceção de Fp 4.7, a palavra sempre é usada negativamente no
NT. No/hma é o resultado da atividade do nou=j (mente); (BEHM, J.; WURTHWEIN, E. nou=j, etc. In:
Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 960).
82 “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia (e)ne/rgeia) de Satanás, com todo poder, e sinais, e
prodígios da mentira” (2Ts 2.9). Satanás atua de forma eficaz na consecução dos seus objetivos: e)ne/rgeia
(energeia) – “trabalho efetivo” –, de onde vem a nossa palavra “energia”, passando pelo latim, “energîa”.
Esse substantivo é empregado tanto para Deus (Ef 3.7; 4.16; Fp 3.21; Cl 1.29; 2.12) como para Satanás
(2Ts 2.9). Estando este subordinado à e)ne/rgeia de Deus (2Ts 2.11). E)ne/rgeia e seus derivados, no NT.,
descreve sempre um poder eficaz em atividade sobre-humana, por meio da qual a natureza de quem a
exerce se revela (Veja: BARCLAY, W. Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 51-57).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
37

A Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato, antes, se plenifica


no conhecimento prático e existencial de Deus por intermédio da Sua Revelação
nas Escrituras Sagradas, mediante a iluminação do Espírito. O teólogo deve ser
um crente do início ao fim do seu labor teológico. Conhecer a Deus é obede-
cer a Seus mandamentos. “A boa teologia desloca-se da cabeça até o coração e,
finalmente, até a mão”.83 A Teologia não pode ser um estudo descompromissado
feito por um transeunte acadêmico; ela é função da Igreja Cristã, dentro da qual
estamos inseridos. Segundo Brunner (1889-1966).84
Estudamos dogmática como membros da Igreja, com a consciência que
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temos uma incumbência dada por ela um serviço a lhe prestar, devido
a uma compulsão que pode originar-se somente no seu interior. Pensa-
mento dogmático não é somente pensar sobre a fé, é um pensar crendo.

Calvino está convencido de que ninguém pode “provar sequer o mais leve gosto
da reta e sã doutrina, a não ser aquele que se haja feito discípulo da Escritura”.85
E que “só quando Deus irradia em nós a luz de seu Espírito é que a Palavra logra
produzir algum efeito”.86 Portanto, “o conhecimento de todas as ciências não
passa de fumaça quando separada da ciência celestial de Cristo”.87 Desse modo,
“o homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo,
e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que
pode edificar a consciência humana no temor de Deus”.88
Ao longo da História, diversos teólogos têm insistido nesse ponto. O lute-
rano Davi Chyträus (1530-1600) – aluno de Melanchthon (1497-1560) – resumiu
bem esse espírito, quando escreveu, em 1581, “demonstramos ser cristãos e teó-
logos muito mais através da fé, da vida santa e do amor a Deus e ao próximo, do
que através da astúcia e das sutilezas das polêmicas”.89 Ele também costumava
repetir aos seus alunos durante o ano “o estudo da teologia não deve ser condu-
zido através da rixa e disputa, mas pela prática da piedade”.90

83 Consultar referência.
84 Consultar referência.
85 Consultar referência.
86 Consultar referência.
87 Consultar referência.
88 Consultar referência.
89 Consultar referência.
90 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

A Teologia – que a muitos faz estremecer de reverência ou de espanto –91, na


forma que estamos analisando, tem o sentido de procura bíblica pelos fundamen-
tos da evangelização, não uma teorização ou especulação92 que venha satisfazer
o nosso intelecto. Na realidade, a especulação, ainda que tenha muitos adeptos,
tende a nos afastar da verdade, da pureza do Evangelho.93 A profundidade teo-
lógica está aliada ao conhecimento experimental94 de Deus em Cristo (Jr 9.24;
Os 6.3; Mt 11.27; Jo 14.6,9; 2Pe 3.18) e, como disse J.I. Packer, “conhecer a Deus
é um relacionamento capaz de fazer vibrar o coração do homem”.95
Se quisermos ser considerados mestres cristãos, devemos ser fiéis à ver-

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dade bíblica. A infidelidade, ao contrário do que possa parecer em um primeiro
momento, não consiste apenas em acrescentar ensinamentos estranhos à Palavra,
mas, também, omitir e, talvez de forma mais sutil, nos contentarmos com ame-
nidades, sem expor com clareza, fidelidade e profundidade a Palavra de Deus.
Fidelidade exige o silêncio reverente diante do mistério e a ousadia edificante
diante do estudo do revelado; ambas as atitudes nos previnem da especulação

91 Quanto à estupefação que a palavra “teologia” causa, por exemplo: THIELICKE, H. Recomendações
aos Jovens Teólogos e Pastores. São Paulo: Sepal, 1990, 69p.; HORDERN, W. Teologia Protestante ao
Alcance de Todos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1974, p. 11ss.
92 Se a especulação indevida é um mal; devemos observar também, que mal semelhante é negligenciar
o estudo daquilo que Deus nos revelou em Sua Palavra. Calvino (1509-1564) nos advertiu quanto a
isto, dizendo: “As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, as que pôs a
descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma
parte, ou de ingratidão, de outra” (As Institutas, III.21.4). Alhures, ele observa que a sabedoria consiste
em reconhecer os nossos limites. “Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento
à sabedoria imensa de Deus, que em Seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é
dado, nem é lícito saber, douta é a ignorância, a avidez de conhecimento, uma espécie de loucura” (As
Institutas, III.23.8).
Calvino orientou-nos pastoralmente, dizendo: “...Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber
nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós
igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” (CALVINO, J. Exposição de
Romanos. (Rm 9.14), p. 330).
“Aqueles que inquirem curiosamente acerca de tudo, e que jamais ficam satisfeitos, podem com justiça ser
chamados ‘questionadores’. Em suma, as coisas mantidas em elevada estima pelos eruditos da Sorbonne
são aqui condenadas pelo apóstolo. Porquanto toda a teologia dos papistas nada é senão um labirinto de
questões” (CALVINO, J. As Pastorais. (Tt 3.9) p. 355).
Do mesmo modo, diz Agostinho: “Ignoremos de boa mente aquilo que Deus não quis que soubéssemos”
(AGOSTINHO, Comentário aos Salmos. São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/1), 1998, v. 1, (Sl 6), p. 60).
93 “O fútil ensino dos sofistas, erguendo-se em airosas especulações e sutilezas, não só obscurecem a
simplicidade da doutrina genuína com suas implicações, mas também a oprimem e a fazem desprezível,
já que o mundo quase sempre se deixa levar pela aparência externa” (CALVINO, J., As Pastorais. (1Tm
6.20), p. 186).
94 Somente aquele que conhece experimentalmente a Deus pode confiar no Seu poder e descansar nas Suas
Promessas. Vejam-se: PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 9-35.
95 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
39

pecaminosa e da ingratidão para com o que Deus nos tem concedido na Escritura.
Calvino nos instrui dizendo que “as cousas que o Senhor deixou recônditas em
secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para
que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de
ingratidão, de outra”.96
Isso não significa que todos nós conseguimos compreender perfeita e exaus-
tivamente a Palavra, mas aponta para a responsabilidade que temos de, pela
graça, crescer no conhecimento de Jesus Cristo que nos advém pela Escritura
(2Pe 3.18). O ensino da Palavra é um privilégio altamente responsabilizador.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Deus, por graça, tem se valido de Seus servos para a transmissão de Sua mensa-
gem. Somos embaixadores cuja responsabilidade é sermos integralmente fiéis à
mensagem do Rei. Não somos autores da mensagem; ela não nos pertence. No
entanto somos arautos e embaixadores comissionados pelo Senhor a quem deve-
mos representar com integridade e responsabilidade (Mt 10.5-7,16,40; 2Co 5.20;
1Ts 2.13).97 Com conhecimento de causa, em 1956, Lloyd-Jones (1899-1981),
lamentava que “muitíssimas vezes os ministros cristãos não têm sido senão uma
espécie de Capelão da Corte, declarando vagas generalidades”.98
Como pregadores e mestres, é necessário que não nos contentemos em guiar
as pessoas apenas pelo sopé da montanha da glória de Deus; “torne-se um alpi-
nista nos rochedos íngremes da majestade de Deus”, aconselha Piper.99
Podemos estar tão preocupados com as nossas teorias que transformamos
a Palavra em apenas um elemento convalidador do que pensamos. Deste modo,
também nos tornamos infiéis ao Senhor da Palavra. É extremamente perigoso
pensarmos autonomamente e fazermos de Deus um ventríloquo que, com voz
estranha, diga o que queremos. Deus e a Sua Palavra não se adéquam a este papel.
A fidelidade doutrinária parte do desejo de conhecer a Palavra e expô-la em sua
profundidade, abrangência e simplicidade; nada mais, nada menos.
O apóstolo Paulo tinha consciência de que a sua mensagem era pura e sim-
plesmente “todo o desígnio de Deus” (At 20.27).

96 CALVINO, J., As Institutas, III.21.4.


97 Consultar referência.
98 Consultar referência.
99 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

O ministério pastoral envolve o anúncio perseverante da Palavra (At


20.20,24,27,31). “A tarefa dos mestres consiste em preservar e propagar as sãs
doutrinas para que a pureza da religião permaneça na Igreja”.100

b) Servir como elemento norteador para o pregador na exposição da Palavra


e defesa de nossa fé
“O cristão (...) jamais pode olhar a verdade com apatia ou desdém. Pelo
contrário, ele preza e valoriza a verdade como reflexo do próprio Deus”
‒ William L. Craig.101

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“Não devemos cometer o erro de fazer da evangelização uma inimiga
da teologia e do discipulado um inimigo da erudição edificante” ‒ John
Piper.102

“Ainda que a apologética e o evangelismo sejam conceitos diferentes,


não podem existir isolados um do outro. (...) Somos chamados a ser
apologistas e evangelistas. Confrontar o erro é proclamar a verdade e
vice-versa” ‒ Nathan Busenitz.103

A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. A teologia é uma sistema-


tização do revelado na Palavra, a fim de tornar mais compreensível a plenitude
da revelação. A teologia, portanto, nada tem a dizer além da Escritura. Ela não
a substitui nem a completa, antes, deve ser a sua serva.104 A teologia brota den-
tro da intimidade da fé daqueles que cultuam a Deus e comprometem-se com a
edificação da igreja. Desse modo, devemos entender que “a teologia robusta, em
vez de obstruir a prática do ministério, enriquece-o, visto que a prática do minis-
tério aprimora e aumenta a apreciação de alguém pela teologia”.105

100 Acentua MacArthur: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la,
estudá-la e proclamá-la” (MACARTHUR, J. F. Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.:
Fiel, 1997, p. 29).
101 Consultar referência.
102 Consultar referência.
103 BUSENITZ, N. A Palavra da Verdade em um mundo de erro: Fundamentos da apologética Cristã: In:
MACARTHUR, J. et al. Evangelismo: compartilhando o Evangelho com fidelidade, São José dos Campos,
SP.: Editora Fiel, 2012, p. 66,67.
104 “A doutrina está sempre subordinada às Escrituras é sempre sua serva, nunca mestra” (MCGRATH, A.
Teologia para Amadores, São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 32).
105 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
41

A Teologia Sistemática funciona como boias (ou se preferirem, faróis) que ser-
vem para guiar, sinalizar e orientar o pregador na elaboração do seu sermão.106 A
Palavra de Deus é um todo orgânico que se harmoniza, todavia essa compreensão
só será possível por intermédio do seu estudo sistemático. O estudo da Teologia
Sistemática – aliado, obviamente, à leitura e meditação das Escrituras –, ajuda-nos
nesse processo de conhecimento global: a harmonia da revelação de Deus está pre-
sente em todas as páginas da Bíblia. Por isso, o pregador terá melhores condições
de entender o texto que servirá de base para o seu sermão, recorrendo à exegese,
à história bíblica e à Teologia Bíblica e Sistemática, tendo uma visão mais clara do
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que as Escrituras nos ensinam a respeito daquele passo sagrado. Chapell define
exegese como “o processo mediante o qual os pregadores descobrem as definições
e as distinções gramaticais das palavras num texto”.107 MacArthur enfatiza: “nin-
guém tem o direito de ser um teólogo se não for um exegeta”.108
A Confissão de Westminster (1647), conforme vimos, expressa bem esse
conceito ao dizer, no capítulo 1, seção 9:
a regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; por-
tanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de
qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único),
esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que
falem mais claramente (Mt 4.5-7; 12.1-7).

No século XX, C.S. Lewis (1898-1963), em mais uma de suas ficções, cria um
personagem demoníaco (1941) que, por meio de cartas infernais (ou seriam
celestiais?) ensinando ao demônio mais jovem como solapar com sutileza a
igreja, termina por nos mostrar algumas estratégias de Satanás. Segue uma delas:

106 Fiquei satisfeito ao ler em Barth, advertência semelhante: “Os dogmas são como bóias, postes
indicadores que assinalam a boa direção. Não é preciso fazer uma exposição dos dogmas nem expor
seu conteúdo teológico, senão deixar-se guiar por eles” (BARTH, K. La Proclamacion del Evangelio,
Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 87).
107 Consultar referência.
108 MACARTHUR JUNIOR, J. F. Princípios para uma Cosmovisão bíblica: uma mensagem exclusivista
para um mundo pluralista, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 50. “Se não nos propusermos a ser
estudantes de língua e literatura além de teologia, sempre seremos limitados na capacidade de ‘manejar
bem a palavra da verdade’.” (KÖSTENBERGER, A. J.; PATTERSON, R. D. Convite à interpretação
bíblica: A tríade hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 580). “Não haverá um pregador
verdadeiro, se tudo o que ele disser não estiver fundamentado em exatidão exegética. Pecamos quando
pregamos aquilo que achamos que as Escrituras afirmam, e não pregamos o seu verdadeiro significado.
Também pecamos quando pregamos os pensamentos que a Palavra desperta em nosso intelecto e não
aquilo que a Palavra realmente declara. Um arauto é um traidor, se não transmite exatamente o que o Rei
diz” (OLYOTT, S. Pregação pura e simples, São José dos Campos, SP.: Fiel, © 2010, 2012, p. 29).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Ora, se conseguirmos fazer com que os homens fiquem a formular per-


guntas assim: ‘isto está em consonância com as tendências gerais dos
movimentos contemporâneos? É progressista, ou revolucionário? Obe-
dece à marcha da História?’ então os levamos a negligenciar as questões
efetivamente relevantes. E o caso é que as perguntas que assim insisti-
rem em formular são irrespondíveis; visto que não conhecem nada do
futuro e o que o futuro haverá de ser dependerá muitíssimo, exatamen-
te, daquelas preferências a propósito das quais buscam socorro do fu-
turo. Como consequência, enquanto suas mentes ficam assim a zumbir
nesse verdadeiro vácuo, temos nossa melhor oportunidade de até imis-
cuir-nos para forçá-los à ação correspondente aos nossos propósitos.
A obra já realizada neste sentido é enorme. (LEWIS, 1964, p. 160-161).

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O propósito da pregação cristã não pode ser simplesmente debater por deba-
ter, ou vencer o seu adversário.109 Talvez haja aqui algo de sutilmente ardiloso e
diabólico. Toda pregação visa conduzir o homem a Cristo, o Deus-Encarnado.
Sabemos de nossas limitações aqui. Podemos e devemos pregar a Palavra em
sua inteireza, com fidelidade, sinceridade e real interesse. Contudo a conversão
é obra do Espírito de Deus. Faremos bem em nos ater à nossa esfera confiada
por graça a nós (1Co 9.16; Ef 3.8). Calvino, com a lucidez que lhe é própria, já
nos advertiu em mais de um lugar:
Gostaria que isso fosse levado em conta por aqueles que estão sempre
com a língua bem afiada, procurando polemizar em cada questão e so-
fismar em torno de uma única palavra ou sílaba. Mas eles são impulsio-
nados pela ambição, a qual, como sei de experiência pessoal com alguns
deles, às vezes é uma doença quase fatal. O que o apóstolo diz acerca da
subversão daqueles que ouvem é plenamente comprovado pela observa-
ção diária. É natural que em meio às contendas percamos nossa apreen-
são da verdade, e Satanás faz mal uso das controvérsias como pretexto
para subverter e destruir nossa fé (CALVINO, 1998, p. 233).

Portanto, devemos nos preparar para apresentar, quando necessário, uma defesa de
nossa fé. Devemos saber em quem e porque cremos. A Palavra de Deus é o fundamento
de nossa fé e da apresentação do Evangelho. A instrução de Paulo é fundamental:
“tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”
(Ef 6.17). Não podemos ir para guerra desarmados, ou com armas inadequadas resul-
tantes da ignorância de quem são nossos adversários e qual o propósito dessa luta.

109 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
43

Assim, “quando a apologética é biblicamente aplicada, o evangelismo é fortale-


cido”.110 Não podemos defender a causa de Deus sem nos valermos do ensino,
correção, disciplina e método do próprio Deus, tendo sempre diante de nós, o
propósito de Deus. A apologética contempla também, em seus objetivos, con-
duzir o homem, em sua agonia e desespero resultantes de seu afastamento de
Deus, à reconciliação com o seu Senhor por meio de Jesus Cristo. Isso é somente
pela graça de Deus (2Co 5.18-6.3). Sem a graça todo o nosso labor será em vão.
O nosso labor não se opõe à oração nem esta exclui aquele.111
Francis Schaeffer (2002, p. 261) é enfático:
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...a apologética, como eu encaro, não deve ser de forma alguma separa-
da da evangelização. De fato, eu me pergunto se a ‘apologética’ que não
leva as pessoas até Cristo como salvador, e depois para o viver sob o
senhorio de Cristo, na verdade pode ser considerada apologética cristã.

A apologética, além de defesa da fé, tem também um sentido de proclamação,


de testemunho de sua fé e esperança. Paulo, na prisão, diz aos filipenses: “...vos
trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa (a)pologi/a)112 e con-
firmação (bebai/wsij)113 do evangelho...” (Fp 1.7/Fp 1.16). Pedro escreve aos
irmãos das igrejas da Dispersão dizendo que eles deveriam estar “...sempre pre-
parados (e)/toimoj)114 para responder (a)pologi/a) a todo aquele que vos pedir
razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15).
Paulo, no final de sua vida, não deu um “salto no escuro”, antes declarou a
sua inabalável confiança no Deus que conhecia e pelo qual dedicou a sua vida:

110 Consultar referência.


111 Consultar referência.
112 * At 22.1; 25.16; 1Co 9.3; 2Co 7.11; Fp 1.7,16; 2Tm 4.16; 1Pe.3.15. O verbo a)pologe/omai é empregado
da mesma forma, sendo utilizado somente por Lucas e Paulo (* Lc 12.11; 21.14; At 19.33; 24.10; 25.8;
26.1,2,24; Rm 2.15; 2Co 12.19. As palavras tinham um emprego jurídico (2Tm 4.16). É célebre a passagem
na qual Sócrates (469-399 a.C.), alega não ter apresentado uma apologia (a)pologi/a) em sua defesa
diante dos juízes porque o seu demônio se opôs (Veja: XENOFONTE, Ditos e Feitos Memoráveis de
Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, 1972, (Os Pensadores, v. 2), IV.8.5, p. 163). Compare a declaração
de Sócrates com outra que faz a respeito da influência do demônio em sua vida (PLATÃO, Defesa de
Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, 1972, (Os Pensadores, v. 2), 31 c-d, p. 22).
113 A ideia da palavra é de solidez, indicando um firme fundamento. Ela tem o sentido aqui de apresentar
as evidências confirmadoras do Evangelho. Bebai/wsij (*Fp 1.7; Hb 6.16). Ver também: Be/baioj (*
Rm 4.16; 2Co 1.7; Hb 2.2; 3.6,14; 6.19; 9.17; 2Pe 1.10,19) e Bebaio/w (*Mc 16.20; Rm 15.8; 1Co 1.6,8; 2Co
1.21; Cl 2.7; Hb 2.3; 13.9).
114 Tendo o sentido de pronto, apercebido, atento. A igreja deve estar pronta, preparada para toda boa obra
(Tt 3.1). A nossa salvação está pronta, preparada para manifestar-se no último dia (1Pe 1.5).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

“...porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guar-
dar o meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12). Paulo não fala de hipóteses ou
teorias, afirma sim a sua firme certeza na verdade de Deus.
6
Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da
minha partida é chegado. 7 Combati o bom combate, completei a car-
reira, guardei a fé. 8 Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual
o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas
também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.6-8).

Em uma sociedade pragmática e imediatista, em que o verdadeiro é o que fun-

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ciona e me proporciona mais conforto e sucesso, já não existe interesse pela
verdade. Ela tornou-se irrelevante.115 No entanto a busca da verdade pela verdade
é uma característica fundamental da Igreja. Já que cabe à Igreja o privilégio de
proclamar a Palavra, ela tem de compreender as Escrituras para anunciá-la com
fidelidade e vivenciá-la para proclamar com autoridade. Por isso, a Igreja é cha-
mada de “coluna e baluarte da verdade”, porque a ela foram confiados os oráculos
de Deus (Rm 3.2/1Tm 3.15). A Igreja como baluarte da verdade está amparada
no fundamento que consiste na obra de Deus realizada por intermédio de Cristo
(Mt 16.18/Ef 2.20).116 “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para
que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é
a igreja do Deus vivo, coluna (stu=loj)117 e baluarte (* e(drai/wma) da verdade
(a)lh/qeia)” (1Tm 3.14-15).
Deus Se dignou em preservar a verdade por meio da Igreja. Quando a Igreja
falha nesse propósito, ainda que a verdade não seja abalada em sua essência, ela
se torna fragilizada em sua exposição e aceitação.
A igreja enfrenta, aqui, dois perigos evidentes:
a. A “barganha” com o mundo. Na pretensão de ser ouvida de forma impac-
tante, negocia os seus valores por meio da assimilação dos valores seculares.
Na adoção dessa prática, a igreja perde totalmente a sua relevância como
voz profética de Deus para a sua geração.

115 Consultar referência.


116 Consultar referência.
117 * Gl 2.9; 1Tm 3.15; Ap 3.12; 10.1.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
45

b. A “privatização” da fé: a minha religião e nada mais. Criamos, aqui, uma


espécie de tribalismo religioso, em que cultivamos a nossa fé intramuros
e nada temos a ver com o que se passa “lá fora”, exceto, quem sabe, por
meio da internet ou televisão.

A igreja é chamada a atuar do mundo. Essa atuação engloba uma agenda que
envolva uma mudança de perspectiva em nossa relação familiar, profissional,
social, econômica, política e religiosa. A relevância da verdade sustentada pela
igreja deve se manifestar em todas as esferas.
A Igreja tem, portanto, a grande responsabilidade de estudar a Palavra, pro-
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clamá-la e vivenciá-la. A Igreja é o meio de demonstração dessa verdade (Ef


3.8-11). A nossa responsabilidade primeira é com a verdade de Deus.118
Lembrando-nos sempre de que “conhecer a Deus pela fé, portanto, é o alvo
da apologética”.119

c) Evangelização “plena”
O Evangelho deve ser proclamado em sua inteireza a todos os homens e ao homem
todo; a teologia oferece solidez na transmissão dessa verdade, mostrando Quem
é Deus e a real necessidade do homem.
Tudo o que as Escrituras dizem a respeito do homem, e particularmen-
te tudo o que elas dizem sobre a salvação do homem, é afinal de contas
para glória de Deus. Nossa teologia está centralizada em Deus porque
nossa vida está centrada em Deus.120

Billy Graham, em 1974, no Congresso de Lausanne, na Suíça, afirmou cor-


retamente: “se há uma coisa que a história da Igreja nos deveria ensinar, é a
importância de um evangelismo teológico derivado das Escrituras”.121

118 Consultar referência.


119 Consultar referência.
120 Consultar referência.
121 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

A pregação não é dirigida apenas à emoção, mas também à mente; ela pre-
cisa ser entendida, por isso, a mensagem deve ser apresentada de forma clara e
objetiva – sem que, com isso, estejamos esquecendo que a conversão é obra do
Espírito –, visando atingir os nossos ouvintes: “o propagador do evangelho deve,
por conseguinte, ter um alcance inteligente do significado do evangelho e deve
estar em condições de dar uma afirmação inteligente acerca do mesmo”.122 A ope-
ração do Espírito não elimina nem atenua a nossa responsabilidade de proclamar
a Palavra com seriedade, esforçando-nos por fazê-lo da melhor forma possível
conforme os parâmetros bíblicos. Quando pregamos o Evangelho e quando o

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ouvimos, a nossa razão não deve nem pode ser esquecida. “Submissão e uso da
razão, eis em que consiste o cristianismo”.123 “...é só quando compreendemos
as doutrinas com as nossas mentes que podemos viver verdadeiramente a vida
cristã e desfrutá-la, como é o seu propósito para nós”.124
O Evangelho deve ser pregado em sua amplitude; é nossa responsabilidade
anunciar “todo o desígnio de Deus”, nada ocultando, nada omitindo. A Palavra
de Deus nos foi dada para que a conheçamos e a pratiquemos, portanto, ela deve
ser publicada por meio do ensino e da pregação. A Teologia Sistemática auxi-
lia-nos nessa tarefa, fornece-nos uma perspectiva abrangente do ensino bíblico
a respeito de Deus e de Sua Glória, bem como da natureza humana,125 de suas
necessidades e como Deus em Sua misericórdia pode satisfazê-las. O Evangelho
pleno consiste na pregação integral da Palavra.
O Evangelho não consiste no anúncio de ‘algumas partes’ da Bíblia, mas
sim de todo o ‘Conselho’ de Deus revelado nas Escrituras (Vejam-se:
Gl 1.8,9,11). O conteúdo da mensagem cristã deve ser nada mais, nada
menos do que toda a vontade revelada de Deus (Dt 29.29).126

122 Consultar referência.


123 Consultar referência.
124 LLOYD-JONES, D. M. As Insondáveis Riquezas de Cristo, p. 41. “A emoção é uma parte vital
da fé cristã; entretanto o emocionalismo não. O diabo sempre tenta fazer com que nós reajamos
exageradamente” (LLOYD-JONES, D. M. O Combate Cristão, p. 140).
125 “Quando Deus, o Espírito Santo, mostra a um homem o que ele realmente é, esse se vê repugnante.
Nem mesmo cobras venenosas ou sapos asquerosos são tão repulsivos para o homem quanto o homem
deve ser para Deus. A semelhança de Deus, que outrora esteve nos seres humanos, quase não pode
mais ser vista” (SPURGEON, C. H. Sermões Sobre a Salvação. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1992, p. 40-41).
126 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
47

Charles H. Spurgeon (1982, p. 94), nas suas preleções às sextas-feiras à tarde,


ensinou aos seus alunos:
Não se deve reter nenhuma verdade. A doutrina retida, tão detestá-
vel na boca dos jesuítas, não é nem um pouco menos abjeta quando
adotada por protestantes (...). Os pronunciamentos característicos do
calvinismo têm sua aplicação na vida diária e na experiência comum, e
se vocês sustentarem essas ideias, ou as que lhes são opostas, não têm
licença para ocultar as suas crenças. Em nove de dez casos, a reticência
cautelosa é traição covarde. A melhor política é não ser político nunca,
mas proclamar cada átomo de verdade na medida em que Deus lhe
tenha ensinado (...). Toda a verdade revelada em proporção harmônica,
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deve constituir o seu tema.

d) Para a elaboração, propagação e defesa da verdade


Uma das razões fundamentais da existência da Dogmática é a preservação da fé
cristã contra as heresias que assolam a igreja. “É a deteriorização da doutrina que
conduz a formação da ideia e sistematização do dogma”.127 Partindo diretamente
das Escrituras, “o dogmático começa por ocupar-se dos dogmas incorporados
na confissão de sua Igreja e procura ordená-los em um sistema completo”.128
À teologia não cabe a tarefa de dizer o que as Escrituras não dizem, sob pena
de deixar de ser uma genuína teologia, antes ela se propõe a pensar sobre as
Escrituras,129 no afã de elaborar uma sistematização que reflita a complexidade
e abrangência da totalidade da revelação de Deus (Rm 3.2/1Tm 3.15). Essa tarefa
exigirá de nós sempre um trabalho árduo e sério, comprometido com a nossa
fidelidade a Deus. Tomás de Aquino (1225-1274) observou com propriedade:
“Ninguém pode entregar-se à pesquisa da verdade divina sem muito trabalho e
diligência. Este trabalho, muito poucos estão dispostos a assumi-lo por amor à
ciência, embora Deus tenha colocado este desejo no mais profundo do coração
humano” (AQUINO, p. 67).

127 Consultar referência.


128 Consultar referência.
129 Não nos esqueçamos que o “pensar” teológico envolve uma nova categoria – só possível ao
regenerado –, que é “pensar de maneira espiritual”; e esse “pensar”, tem como elemento controlador a
oração. (Sl 119.18/1Co 2.11-16).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Em um segundo momento, como foi o caso da Reforma Protestante, a


Dogmática pode ter o sentido de resgatar a pureza dos ensinamentos bíblicos a
fim de purificar a mensagem que tem sido transmitida ao longo dos séculos.130
Notemos, portanto, que a Teologia tem um compromisso com a edificação da
Igreja (Ef 4.11-16). A Igreja é enriquecida espiritualmente com os ensinamentos
da Palavra, os quais cabe à teologia organizar. “A teologia é o sustento da vida
cristã”. Ela “alicerça a vivência cristã”.131 Portanto, vale a pena citar a observação
de Barth (1886-1968) “o pregador (...) com toda modéstia e seriedade, deve tra-
balhar, lutar para apresentar corretamente a Palavra, sabendo perfeitamente que

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o recte docere só pode ser realizado pelo Espírito Santo”.132
Herman Bavinck (1854-1921 apud ZYLSTRA, p.7), em sua aula inaugural
em Amsterdã, sobre Religião e Teologia, disse:
religião, o temor de Deus, deve ser o elemento que inspira e anima a in-
vestigação teológica. Isso deve marcar a cadência da ciência. O teólogo
é uma pessoa que se esforça para falar sobre Deus porque ele fala fora
de Deus e por meio de Deus. Professar a teologia é fazer um trabalho
santo. É realizar uma ministração sacerdotal na casa do Senhor. Isso
é por si mesmo um serviço de culto, uma consagração da mente e do
coração em honra ao Seu nome.

O apóstolo Paulo diz “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
(didaskali/a = “instrução”) para a repreensão, para a correção, para a educa-
ção na justiça” (2Tm 3.16). Entre outras coisas, isso significa que o nosso pensar
teológico deverá estar sempre conectado com a fidelidade à Escritura e com o
ensino da Palavra; esse aspecto realça a nossa responsabilidade como intérpre-
tes e pregadores da Palavra. Por outro lado, há, aqui, um grande conforto, que
nem sempre temos nos dado conta que não precisamos – nem nos foi requerido
–, “desculpar” ou “justificar” Deus e a Sua Palavra.133

130 Consultar referência.


131 Consultar referência.
132 Consultar referência.
133 Calvino afirma que: “Contra os ímpios, que com destemor falam mal de Deus abertamente, o Senhor
se defende suficientemente com a Sua justiça, sem que Lhe sirvamos de advogados” (CALVINO, J. As
Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.8), p. 49). Na
sequência, entretanto, ele nos mostra como Deus nos fornece argumentos racionais para fazer calar as
suas maldades e injustiças.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
49

De fato, há sempre o perigo de nossa teologia se transformar em um cerce-


amento das Escrituras, como se pretendêssemos delimitar de forma policiada
a Deus, um velhinho caduco que já não diz coisa-com-coisa e, por isso, precisa
ser atenuado em sua Revelação. Calvino, biblicamente, tinha uma compreensão
bem diferente. Poderíamos citar vários de seus textos que comprovam a nossa
afirmação, no entanto basta-nos o que destacamos a seguir. Diz ele “a Escritura
é a escola do Espírito Santo, na qual, como nada é omitido não só necessário,
mas também proveitoso de conhecer-se, assim também nada é ensinado senão
o que convenha saber”. (João Calvino, As Institutas, III.21.3).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Não há o que selecionar ou cortar “toda Escritura é (...) útil o para ensino”.
Algumas vezes, tenho a impressão de que diante de “questões embaraçosas” tais
como a “condenação de todos os homens inocentes que morrerem sem conhe-
cer a Cristo”, a “eleição de uns para a salvação em detrimento de outros”, “o quase
silêncio dos evangelhos sobre os trinta primeiros anos de Cristo”, e semelhan-
tes, ficamos como que procurando uma justificativa para O Soberano agir desta
ou daquela forma, buscamos uma maneira de tornar Deus apetecível à mente e
aos valores modernos e “pós-modernos”. Como cristãos, devemos aprender, se
ainda não o fizemos, a nos calar diante do silêncio de Deus, sabendo que o som
da nossa voz petulante e “lógica”134 – em tais circunstâncias –, por si só seria uma
“heresia”.135 Diante da vontade de Deus – que é a causa final de todos os Seus
atos –, temos que manter um reverente silêncio, reconhecendo que Ele assim
age, porque foi do Seu agrado; conforme o Seu santo, sábio e bondoso querer
Isto nos basta! (Sl 115.3;135.6; Dn 4.35; Ef 1.11). O que nos compete é procu-
rar entender, por meio do estudo e da oração, o que Deus quer nos ensinar em
“toda a Escritura” e em cada parte da Escritura.136

134 A lógica dirigida pelo espírito de submissão a Deus, sempre será útil; caso contrário, esqueçamo-la.
No entanto, devemos ter em que mente que “não podemos prender Deus na prisão da lógica humana”
(HOEKEMA, A. Salvos pela Graça. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 86).
135 Consultar referência.
136 Spurgeon (1834-1892) salientou: “Não se deve reter nenhuma doutrina. A doutrina retida, tão
detestável na boca dos jesuítas, não é nem um pouco menos abjeta quando adotada por protestantes”
(SPURGEON, C. H. Lições aos Meus Alunos. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1982, v. 2,
p. 94). “O ensino saudável é a melhor proteção contra as heresias que assolam à direita e à esquerda entre
nós” (SPURGEON, C. H. Lições aos Meus Alunos. v. 2, p. 89).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Lembremo-nos de que Deus não precisa ser justificado, explicado ou racionali-


zado. Ele ultrapassa em muito a nossa capacidade de percepção (Jó 11.7; Is 40.18, 28;
45.15; Rm 11.33-36),137 um Deus plenamente explicado seria um “deus” humanizado,
à altura da nossa “razão” humana e preso à cosmovisão contemporânea. Em cada
época, esse “deus” seria compreendido de uma forma, de acordo com a percepção e
valores hodiernos.138 Nesse caso, a Teologia se transformaria em antropologia.139 A
Teologia não tem nem pode ter esta pretensão – de justificar Deus –; ela apenas O
descreve conforme Ele Se revelou em atos e palavras nas Escrituras, buscando per-
manentemente a Sua iluminação para a compreensão da Sua Palavra.140

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A teologia reformada sustenta que Deus pode ser conhecido, mas que
ao homem é impossível ter um exaustivo e perfeito conhecimento de
Deus (...). Ter esse conhecimento de Deus seria equivalente a compre-
endê-lo, e isso está completamente fora de questão “Finitum non possit
capere infinitum”.141

“O propósito divino não é satisfazer nossa curiosidade, e, sim, ministrar-nos ins-


trução proveitosa. Longe com todas as especulações que não produzem nenhuma
edificação”.142 O “proveitoso”, tem a ver com o objetivo de Deus para o Seu povo
que tenha uma vida piedosa e santa; seja maduro (perfeito).143 Por isso, conclui
que, “é quase impossível exagerar o volume de prejuízo causado pela pregação
hipócrita, cujo único alvo é a ostentação e o espetáculo vazio”.144

137 “...o Criador é incompreensível para as Suas criaturas. Um Deus que pudesse ser exaustivamente
compreendido por nós, cuja revelação sobre Si mesmo não nos apresentasse qualquer mistério, seria
um Deus segundo a imagem do homem e, portanto, um Deus imaginário, e nunca o Deus da Bíblia”
(PACKER, J. I. Evangelização e Soberania de Deus, p. 20).
138 Farley acentua com propriedade que “Um Deus que não fosse inefável, que fosse inteiramente
conhecido como um objeto, uma coisa ou um dado, não seria o Deus da Escritura” (FARLEY, B. W. A
Providência de Deus na Perspectiva Reformada: In: MCKIM, D. K. ed. Grandes Temas da Tradição
Reformada, São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 74).
139 Consultar referência.
140 “Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa
perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude” (GEISLER, N.; BOCCHINO, P.
Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São
Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50).
141 Do mesmo modo, enfatiza Schaeffer (1912-1984): “A comunicação entre Deus e o homem é verdadeira,
o que não significa que ela seja exaustiva. Esta é uma importante diferença e precisa sempre ser mantida
em mente. Para conhecer qualquer coisa que seja, de forma exaustiva, teríamos que ser infinitos, como
Deus é. Mesmo no céu não seremos assim” (SCHAEFFER, F. A. O Deus que Intervém, São Paulo: Cultura
Cristã, 2002, p. 151).
142 Consultar referência.
143 Consultar referência.
144 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
51

Muitas pessoas querem saber do seu futuro, o que as aguarda, se serão bem
sucedidas em seus projetos etc., buscando, para isso, orientação em cartas de
baralho, jogo de búzios, em mapas astrais, por meio da necromancia, revela-
ções sobrenaturais e “caixinhas de promessa”. Todavia Paulo está dizendo que
a Palavra de Deus é útil para o nosso ensino; não para fazer previsões ou para
ficar entregue aos nossos casuísmos interpretativos ou para satisfazer as nossas
curiosidades pecaminosas. Ela é útil para o ensino. Deus quer nos falar por inter-
médio da Sua Palavra. A questão é: queremos nós ouvi-lo? Estamos preparados
para isso? Temos priorizado em nossa vida o ouvir a voz de Deus? Como teólo-
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gos, temos nos preocupado com isso, ou simplesmente buscamos, na Palavra, a


convalidação das nossas hipóteses já dogmatizadas pelas nossas paixões?
Com demasiada frequência, nós procuramos, na Palavra, apenas uma con-
firmação de nossos intentos, de nossos propósitos (2Tm 4.3-4); queremos apenas
que ela nos diga o que desejamos ouvir. Contudo a observação de Paulo perma-
nece. Toda a Escritura é proveitosa para o ensino, “pois tudo quanto outrora foi
escrito, para o nosso ensino (didaskali/a) foi escrito...” (Rm 15.4). Precisamos
ter a “santa modéstia” de deixar que as Escrituras corrijam a nossa teologia e a
nossa prática.
A Palavra de Deus nos ensina preventivamente. Cabe aos Ministros de Deus
ensiná-la fielmente, para que a Igreja seja aperfeiçoada em santidade e, assim, “...
não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro, e levados ao
redor por todo vento de doutrina (didaskali/a), pela artimanha (kubei/a)145
dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.14). Calvino enfatiza
que “Deus nos deu sua Palavra na qual, quando fincamos bem as raízes, perma-
necemos inamovíveis; os homens, porém, fazendo uso de suas invenções, nos
extraviam em todas as direções”.146

145 kubei/a (só ocorre aqui em todo o Novo Testamento), palavra que vem de ku/boj, astúcia, dolo,
que, passando pelo latim, cubus, chegou a nossa língua como cubos, dados. Significa a habilidade para
manipular os dados, usando de truques para iludir e persuadir. Paulo emprega a palavra figuradamente
para se referir ao homem que usa de todos os seus truques para enganar, dar pistas erradas e driblar;
revelando aqui a habilidade de um jogador profissional sem escrúpulos, que obviamente quer levar
vantagem a qualquer preço.
146 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Por isso, Paulo enfatiza a responsabilidade de Timóteo e Tito – como de


todos os Ministros de Deus –, de meditar, preservar e ensinar a sã doutrina (1Tm
4.6,13,16; Tt 1.9; 2.1,7), pois diz ele:
...haverá tempo (kairo/j)147 em que não suportarão (a)ne/xomai)148 a
sã doutrina (didaskali/a); pelo contrário, cercar-se-ão de mestres,
segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvi-
dos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”
(mu=qoj = lenda, mito) 149 (2Tm 4.3-4).

Pode soar estranho, mas, ao que parece, a gravidade do ensino bíblico juntamente

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com a seriedade de suas reivindicações fazem com que o homem não queira saber
dele, preferindo uma mensagem mais light, que, quando muito, mexa com seus
músculos, mas não com a sua mente e coração. Para muitas pessoas, a religião
ocupa um lugar reservado às crianças, às mulheres, aos pobres, aos velhos ou
quando a medicina confessa a sua impotência. Nessa brecha, a religião pode ter
alguma importância em que peço ou encomendo algumas orações. O homem
longe de Deus e avesso a Sua Palavra, quando possível, fabrica e molda seus mes-
tres e domestica os outros.
Na mesma linha de raciocínio, o escritor de Hebreus pede aos seus leitores
que suportem aquela exortação que fizera; em outras palavras, pede que suportem
a “sã doutrina”, “rogo-vos ainda, irmãos, que suporteis (a)ne/xomai) a presente
palavra de exortação; tanto mais quanto vos escrevi resumidamente” (Hb 13.22).

147 A ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável” etc. (Veja: Mt 24.45; Mc 12.2;
Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Esse termo,
que ocorre 85 vezes no NT, é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes,
indicando a ideia de oportunidade. Assim temos (Almeida Revista e Atualizada): Tempo e tempos: Mt 8.29;
11.25; 12.1; 13.30; 14.1; Lc 21.24; At 3.20; 17.26; “Devidos tempos”: Mt 21.41; “Tempo determinado”: Ap 11.18;
“Momento oportuno”: Lc 4.13; “Tempo oportuno”: Hb 9.10; 1Pe 5.6; Oportunidade: Lc 19.44; Gl 6.10; Cl 4.5;
Hb 11.15; Devido tempo: Lc 20.10; Presente: Mc 10.30; Lc 18.30; “Circunstâncias oportunas”: 1Pe 1.11; Algum
tempo: Lc 8.13; Hora: Lc 8.13; 21.8; Época: Lc 12.56; At 1.7; 1Ts 5.1 (Xro/nwn kai\ tw=n kairw=n); 1Tm 6.15;
Hb 9.9; Ocasião: Lc 13.1; 2Ts 2.6; 1Pe 4.17; Estações: At 14.17; Vagar: At 24.25; Avançado: Hb 11.11.
148 A)ne/xomai aparece 15 vezes no Novo Testamento, sendo traduzida por: “Sofrer” (Mt 17.17 = Mc 9.19;
Lc 9.41); “atender” (At 18.14); “suportar” (1Co 4.12; 2Co 11.1; Ef 4.2; Cl 3.13; 2Ts 1.4; 2Tm 4.3; Hb 13.22);
“tolerar” (2Co 11.4,19,20). Na LXX este verbo não ocorre. No entanto a))ne/xw é empregada umas 11 vezes,
sendo traduzida por: conter (Is 42.14; 64.12); carregar (Is 46.4), deter (Is 63.15) e reter (Am 4.7; Ag 1.10).
Originalmente, a palavra estava associada à ideia de manter-se ereto, erguido; daí o sentido de suportar de
“cabeça erguida”.
149 “Se porventura desejarmos conservar a fé em sua integridade, temos de aprender com toda prudência a
refrear nossos sentidos para não nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar
atenção às fábulas, ela perde também a integridade de sua fé” (CALVINO, J. As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
53

Por sua vez, não devemos “suportar” os falsos mestres com seus ensinos
enganosos. Paulo receia isso pelos coríntios. Logo eles que eram tão críticos em
relação a Paulo e tão tolerantes para com o ensino enganoso, que se constituía
em um “evangelho” estranho e oposto ao ensinado pelo Apóstolo. Notemos que
os falsos mestres não apresentavam uma imagem de Jesus corrompida, porém
tentavam distorcer os seus ensinamentos,
mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua as-
túcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da
simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém,
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prega outro (a)/lloj) Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espíri-
to diferente (e(/teroj) que não tendes recebido, ou evangelho diferente
(e(/teroj) que não tendes abraçado, a esse, de boa mente (kalw=j), o
tolerais (a)ne/xomai) (2Co 11.3-4).

À frente, Paulo acusa os coríntios de estarem alegremente (“boa mente” h(de/wj),150


com satisfação e deleite, “tolerando” os insensatos, “porque, sendo vós sensatos, de
boa mente tolerais (a)ne/xomai) os insensatos” (2Co 11.19).
Somente quando a Igreja se dispõe a aprender com discernimento a Palavra,
ela pode de fato ter lucidez para interpretar corretamente os outros ensinos.
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos alguns
apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos
(didaskali/a) de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras,
e que têm cauterizada a própria consciência (1Tm 4.1-2).

Toda a Escritura é útil para o ensino. Queremos aprender com Deus? Desejamos
fazer a vontade de Deus? Estamos dispostos, de fato, a ouvir a Sua voz? Observe
bem, estamos dizendo a Sua voz; a voz de Deus, não a nossa. Se a sua resposta for
não, confesso não ter argumentos para convencê-lo da oportunidade que você está
deixando escapar, contudo o que posso reafirmar, é que Deus Se revelou na Sua
Palavra, para que possamos ser conduzidos a Cristo, aprendendo dEle a respeito de
Si mesmo, de nós e do significado de todas as coisas. Portanto, Ele deseja nos ensinar.

150 h)de/wj * Mc 6.20; 12.37; 2Co 11.19. A palavra é proveniente de h(donh/, “deleite”, “prazer” (*Lc 8.14; Tt
3.3; Tg 4.1,3; 2Pe 2.13). h(donh/, de onde vem o termo “hedonista”, é sempre usada negativamente no Novo
Testamento (Ver: BEYREUTHER, E. Desejo: In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 606-608; In: STÄHLIN, G.
h)donh/: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983, v. 2, p. 909-926).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

A teologia deve estar sempre a esse serviço aprender e ensinar. A teologia não é
algo acabado e feito, ela está sempre a caminho, buscando uma compreensão mais
exaustiva e fiel da Revelação. Quanto aos teólogos, enquanto não aprendermos a
aprender, não poderemos ser teólogos! O teólogo tem paixão por ensinar, mas a
sua paixão primeira e prioritária deve ser a de ouvir a voz de Deus nas Escrituras.
Nenhum homem será sempre um bom mestre se não revelar-se pes-
soalmente educável e sempre disposto a aprender; e ninguém satisfará
àquele que se acha por demais imbuído da plenitude e lucidez de seu
conhecimento, que crê que nada lucraria ouvindo a outrem.151

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Outro ponto que devemos destacar é que, à Igreja, cabe a responsabilidade de
propagar o Evangelho e defendê-lo contra as heresias e a imoralidade. Uma visão
defeituosa da doutrina bíblica levará necessariamente a equívocos na estrutura
e ensino da Igreja bem como no seu aspecto ético. O cristianismo não é ape-
nas um ensino moral,152 todavia tem implicações naquilo que cremos, na forma
como encaramos a realidade e, consequentemente, nos nossos valores morais.
“Uma religião sem doutrina seria uma religião sem significado. E tal religião não
poderia ser propagada nem defendida”.153 Toda doutrina ensinada nas Escrituras
tem relação com outras doutrinas, e essas têm implicações direta com a nossa
ética. Por isso, cada doutrina deve ser vista dentro de uma perspectiva abran-
gente das Escrituras e, ao mesmo tempo, deve vir acompanhada da questão
pessoal e intransferível – e, por isso mesmo, de extrema relevância o que devo
fazer? A genuína teologia conduz à piedade. A Teologia Sistemática, partindo
da Palavra, esforça-se por elaborar um sistema doutrinário que reflita a própria
organicidade das Escrituras, apresentando-o de forma coerente e organizado,
proporcionando elementos para o ensino do Evangelho e a defesa da Fé (Fp
1.7,16; 2.16; 2Tm 2.15/1Pe 3.15).
A Igreja é uma comunidade constituída por todos aqueles que, pelo dom
da fé, atenderam ao convite gracioso de Deus feito por intermédio da Palavra.

151 Consultar referência.


152 “Se o cristianismo é apenas um ensino moral, um ensino ético, é tão inútil como todos os demais. Está
provado que o caminho ‘cristão’ é inútil toda vez que o reduzem a esse nível” (LLOYD-JONES, D. M. O
Combate Cristão, p. 31).
153 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
55

Esse convite envolveu o nosso arrependimento e fé, o abandono ao pecado e um


caminhar seguro em direção a Deus, confiando unicamente nas Suas Promessas.
Desde a Reforma, a “genuína pregação do Evangelho” tem sido identificada
como uma das marcas da Igreja. Desse modo, a pregação não é algo que a Igreja
possa optar entre fazer ou não fazer. Por outro lado, devemos enfatizar que a pro-
clamação não é simplesmente a missão da Igreja,é mais do que isso: a pregação é
essencial a sua própria existência. Por isso, a Igreja, desejosa de fazer a vontade
de Deus, cumpre de forma natural aquilo que caracteriza o seu ser, que diz res-
peito à razão da sua existência. Desse modo, a Igreja vive na concretização do
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propósito de Deus, anunciando as virtudes de Deus, o Evangelho da graça, para


que, por meio da Palavra, Deus cumpra todo o Seu propósito de justiça e mise-
ricórdia em todos os homens.
A Igreja se revela no ato proclamador. Ela não é a mensagem, porém, na sua
existência, ela demonstra o poder daquilo que testemunha, visto ser a Igreja o
monumento da Graça e Misericórdia de Deus, constituído a partir da Palavra
Criadora de Deus. É justamente por isso que “a pregação é uma tarefa que somente
ela pode realizar”.154
A Teologia Sistemática tem também um compromisso com a elaboração,
preservação e proclamação da sã doutrina, por isso, ela deve esforçar-se por
preservar o ensino de todo desígnio de Deus (At 20.27) conforme revelado nas
Escrituras. “Onde a teologia sistemática é menosprezada, abundam numerosas
seitas e falsos cultos”.155

e) Fé salvadora
A revelação é o outro lado da fé. Esta como resultado daquela – por obra do
Espírito –, precisa ser articulada como exercício reflexivo de sua percepção. A
teologia é a articulação sistematizada da fé enquanto conhecimento da Revelação
de Deus. Isto significa que a genuína teologia derivada das Escrituras, só pode ser
formulada por homens crentes, homens falhos e pecadores, contudo, que foram
regenerados por Deus (Tt 3.5/Rm 6.14; 1Jo 1.8). A academia sem a fé não ela-
bora teologia! A teologia brota dentro da intimidade da fé.

154 Consultar referência.


155 Consultar referência.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

f) Resultante das inferências diretas e indiretas das Escrituras


O estudo e o ensino da doutrina são evidentes nas Escrituras, principalmente
no Novo Testamento (Mt 13.52; Jo 5.39; Ef 4.11; Cl 1.27; 1Tm 3.2,15; 1Tm 3.2;
2Tm 2.15; 4.2; Tt 1.1,9). O Cristianismo tem a sua doutrina baseada em fatos
históricos, os quais sendo retirados anulam o sentido da doutrina cristã (1Co
15.1-4). O Cristianismo é uma religião de história. Ele se fundamentou na pes-
soa de Cristo, o Deus-encarnado. O Cristianismo é o próprio Cristo.
Queremos realçar que, apesar de toda tentativa de imparcialidade no estudo
e interpretação da Revelação, buscando, sempre, respeitar os pontos de vista con-

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fessionais,156 as obras de Teologia Sistemática sempre refletirão o pensamento de
uma comunidade confessional. No entanto a nossa atitude deve ser caracterizada
por uma tentativa de compreensão de cada sistema, ainda que não concordemos
com ele. A Teologia Sistemática busca um entendimento mais profundo de todo
o desígnio de Deus revelado, portanto, ela se vale de todos os recursos legítimos
para uma melhor compreensão da Revelação. Desse modo, a Teologia não pode ser
simplesmente uma apologia da fé, mas sim uma compreensão da Palavra de Deus
dentro de um quadro de referência que se julga proveniente da mesma Escritura.
O luterano Gustaf Aulén (1879-1978) observa que, a teologia sistemática só
pode ser confessional na medida em que o elemento também confessional contri-
bui para a compreensão e percepção do que é essencialmente cristão (...). No que
tange ao confessionalismo, portanto, o trabalho da teologia sistemática envolve
contínuo auto-exame, algo muito diverso de toda autossuficiência confessional
ingênua. A teologia não busca expressões denominacionais do cristianismo, mas
sim o próprio cristianismo autêntico; não reconhece expressões denominacio-
nais, a não ser que estas deem provas de serem genuinamente cristãs.157
Nessa observação, deve ser ressaltada que a expressão “denominacional do
cristianismo”, na verdade, nada mais é do que o resultado da convicção de que
aquela proposição tornou-se denominacional, por ser bíblica, não o inverso.
Notemos que não estamos dizendo que toda proposição de um sistema teológico
seja bíblica, mas sim que toda proposição pressupõe ser genuinamente bíblica,
portanto, a sua formulação e ensino.

156 Consultar referência.


157 Consultar referência.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
57

As observações de Bavinck (2012, p. 44) são contundentes e responsabilizadoras:


A tarefa imperativa do teólogo dogmático é pensar os pensamentos de
Deus de acordo com ele e estabelecer sua unidade. Sua tarefa não ter-
mina até que ele tenha absorvido mentalmente essa unidade e a tenha
demonstrado em uma dogmática. Sendo assim, ele não vai à revela-
ção de Deus com um sistema pronto para, da melhor forma que puder,
forçar o conteúdo da revelação a encaixar-se dentro dele. Pelo contrá-
rio, até mesmo em seu sistema, a única responsabilidade do teólogo
é pensar os pensamentos de Deus de acordo com ele e reproduzir a
unidade que está objetivamente presente nos pensamentos de Deus e
foi registrada para o olhar da fé na Escritura. Essa unidade que existe
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no conhecimento de Deus contido na revelação não está aberta a dú-


vidas: recusar-se a reconhecê-la seria cair no ceticismo, na negação da
unidade de Deus.

g) O caráter “teantrópico” da Teologia


Quando usamos o designativo teantrópico para a teologia, estamos aludindo ao
fato de que ela não é a “Palavra de Deus”; por outro lado, estamos também dizendo,
que ela não é meramente a “palavra do homem”. Qualquer exclusividade aqui
negaria a essencialidade da teologia. Se a teologia pretendesse reivindicar para
si a condição de Palavra de Deus, deixaria de ser teologia, para ser a revelação
de Deus para o homem. Da mesma forma, se ela fosse olhada apenas como uma
construção humana, “palavra do homem”, perderia a sua dimensão do eterno, do
revelado; tornar-se-ia apenas em mais uma “teogonia”, “cosmogonia”; uma fábula
humana à procura de sua credibilidade que, por sinal, encontraria sempre ouvi-
dos atentos (Cf. 2Tm 4. 3,4). “Teologia fabulosa” é uma contradição de termos.
No entanto, na genuína teologia, temos como ponto de partida a revelação
de Deus nas Escrituras, matéria sobre a qual trabalha sistematicamente o teó-
logo, buscando, pelo Espírito, a compreensão do revelado para a sua reflexão,
ensino e prática. Ela não é necessariamente verdadeira, entretanto faz parte da sua
essência a busca sistemática da verdade, do conhecimento tal qual nos foi dado
na Escritura. Desse modo, a teologia deve ser a expressão da mente e do cora-
ção iluminados por Deus na compreensão exegética e verbalização da Escritura.
Portanto, na teologia como na pregação, usamos os recursos de que dispomos e
que podem e devem ser aperfeiçoados, a fim de falar a Palavra de Deus a nossa
geração, esmerando-se sempre pela fidelidade ao Autor da Palavra.

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

Paul Tillich (1886-1965), ainda que não seguindo uma linha teológica evan-
gélica, caracteriza bem a questão da teologia, ao falar da sua tarefa:
A tarefa da teologia é mediação, mediação entre o critério eterno da
verdade manifesto na figura de Jesus, o Cristo, e as experiências mu-
táveis dos indivíduos e dos grupos, suas variadas questões e suas cate-
gorias de percepção da realidade. Quando se rejeita a tarefa mediadora
da teologia, rejeita-se a própria teologia; pois o termo ‘teo-logia’ pres-
supõe, em si, uma mediação, a saber, entre o mistério, que é theos, e a
compreensão, que é logos (TILLICH, 1992, p. 15).158

Conforme temos insistido, a Teologia é uma reflexão159 interpretativa e siste-

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matizada da Palavra de Deus. A sua fidedignidade estará sempre no mesmo
nível da sua fidelidade à Escritura.160 A teologia como ciência não cria fatos.161
A relevância de nossa formulação não dependerá de sua “beleza”, “populari-
dade” ou “significado para o homem moderno”, mas sim na sua conformação às
Escrituras. O mérito de toda teologia está no seu apego incondicional e irrestrito
à Revelação; a melhor interpretação é a que expressa o sentido do texto à luz de
toda a Escritura,162 ou seja, em conexão com toda a verdade revelada. Nada há
mais edificante e prático do que a Verdade de Deus!163

158 Notemos que “as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos” não se constituem no nosso ponto
de partida teológico, antes, são desafios para os quais o teólogo deve buscar nas Escrituras a resposta.
159 O conceito da “Teologia” como “reflexão” é comum entre teólogos, mesmo de quadro de referência
diferentes. O teólogo católico alemão Heinrich Fries (1911-1998), define a teologia como “scientia fidei”
(“ciência da fé”) e “reflexão sistemática sobre a revelação” (FRIES, H. Teologia: In: FRIES, H. ed. Dicionário
de Teologia, v. 5, p. 300,302). O presbiteriano John H. Leith conceitua: “Teologia cristã é reflexão crítica
sobre Deus, sobre a existência humana, sobre a natureza do universo e sobre a própria fé à luz da revelação
de Deus registradas nas Escrituras e, especialmente, personificada em Jesus Cristo, que é, para a comunidade
cristã, a revelação final, isto é, a revelação definitiva, o critério para todas as outras revelações” (LEITH, J. H.
A Tradição Reformada: uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 140).
160 Calvino dedicou o seu Comentário de Romanos (1539) a Simon Grynaeus (1493-1540), com quem
discutira alguns anos antes sobre a melhor maneira de interpretar as Escrituras. Segundo Calvino, ambos
concluíram que “a lúcida brevidade (“perspicua brevitas”) constituía a peculiar virtude de um bom intérprete.
Visto que quase a única tarefa do intérprete é penetrar fundo a mente do escritor a quem deseja interpretar,
o mesmo erra seu alvo, ou, no mínimo, ultrapassa seus limites, se leva seus leitores para além do significado
original do autor” (CALVINO, J. Exposição de Romanos, Dedicatória, p. 19). Anos mais tarde (1546),
escreveria: “... não aprecio as interpretações que são mais engenhosas do que sadias” (CALVINO, J. Exposição
de 1 Coríntios, (1Co 15.29), p. 472. Veja: também: CALVINO, J., Exposição de Romanos, (Rm 10.18), p. 376;
CALVINO, J. Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.22-25), p. 138-144).
161 Consultar referência.
162 “Quão importante é dar-nos conta do perigo de começar com uma teoria e impô-la às Escrituras! (...).
Temos que ser cuidadosos quando estudamos as Escrituras para não suceder que elaboremos um sistema
de doutrina baseado num texto ou numa compreensão errônea de um texto” (D. Martyn Lloyd-Jones, As
Insondáveis Riquezas de Cristo, p. 43). Damião Berge, um estudioso de Heráclito, descreveu a função do
intérprete, que, pode nos ser útil aqui. Diz o autor: “Interpretar é apreender o sentido depositado nas palavras
do autor; é retirá-lo de sua reclusão e pô-lo, gradativamente, ao alcance do leitor, processo esse que, em geral,
culmina num ensaio de tradução tão verbal como acessível” (Berge, D. O Logos Heraclítico: Introdução ao
Estudo dos Fragmentos, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969, p. 63).
163 Stott coloca a questão nestes termos: “...nada coloca o coração em fogo como a verdade” (STOTT, J. R. W.
Cristianismo Equilibrado, Rio de Janeiro: CPAD., 1982, p. 62).

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
59

A Teologia Reformada é uma reflexão baseada na Palavra em submissão ao


Espírito, buscando sempre uma compreensão exata do que Deus revelou e inspirou
pelo Espírito e que agora nos ilumina pelo mesmo Espírito (Ef 1.15-21/Sl 119.18).
Para os Reformados o valor da teologia estará sempre subordinado à sua fideli-
dade bíblica. Por isso é que se reafirma que, a Teologia ou é Bíblica ou não é Teologia.164
Não julgamos a Bíblia, antes, é Ela que deve julgar a veracidade do nosso sistema: o
Espírito falando, por intermédio da Palavra, é o fogo depurador da genuína Teologia.165
A nossa doutrina estará de pé ou cairá na medida em que for ou não bíblica.166 A viva-
cidade da Teologia Reformada está em sua preocupação em ser fiel às Escrituras.167
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Com isso, ela confessa a sua limitação. A ciência reflete o grau de apreensão de sua
época, envolvendo seus pressupostos e instrumentos disponíveis. A teologia, por-
tanto, permanece sempre aberta às Escrituras para um conhecimento mais completo
da Revelação de Deus. Aliás, uma teologia que se fechasse para as Escrituras dei-
xaria de ser teologia, ficaria necrosada, morreria. Portanto, o que permanece para
nós, constituindo-se no critério último, é “O Espírito Santo falando na Escritura”.168
O teólogo Reformado Geerhardus Vos (1862-1949), assim conceitua: “toda
genuína Teologia Cristã é necessariamente Teologia Bíblica porque aparte da
Revelação Geral, a Escritura constitui o único material com o qual a ciência Teológica
pode tratar”.169

164 Michel, O. escreveu: “toda teologia genuína é a batalha contra o teologismo, a teorização, e contra a
tentativa de substituir o motivo genuinamente bíblico e histórico por uma transformação filosófica (...).
Atualmente desejamos cada vez mais ouvir a nós mesmos, enquanto a Bíblia nos convidaria a ouvir a
palavra pura” (apud BLAUW, J. A Natureza Missionária da Igreja, São Paulo: ASTE., 1966, p. 105).
165 Corretamente declarou Lloyd-Jones (1899-1981): “O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o
Espírito Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta
Palavra. Ele é o seu Autor. Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’ (...). O
Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se
de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito
Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta
verdade, Ele não nos honrará” (Lloyd-Jones, D. M. O Combate Cristão, p. 103).
166 Após redigir essas linhas, li o teólogo batista, Erickson, dizendo que a teologia sistemática não é baseada sobre
a teologia bíblica; ela é teologia bíblica. “Nosso objetivo é uma teologia bíblica sistemática”; é ter uma teologia
bíblica “pura” (Erickson, M. J. Christian Theology, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker, 1991, p. 25).
167 Harrison acentuou que, “a importância da Reforma para a crítica bíblica, não esteve tanto na preocupação
com os processos históricos ou literários envolvidos na formulação do cânon bíblico, senão em sua insistência
contínua na primazia do singelo sentido gramatical do texto por direito próprio, independente de toda
interpretação feita pela autoridade eclesiástica” (Harrison, R. K. Introduccion al Antiguo Testamento,
Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1990, v. 1, p. 7-8).
168 Confissão de Westminster, I.10.
169 VOS, G. Biblical Theology: Old and New Testament, Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans
Publishing Co., 1985 (reprinted), “Preface”, p. v. Lloyd-Jones (1889-1981), nos adverte quanto ao perigo de
transformarmos a teologia em algo etéreo: “O grande perigo é tornar a teologia um tema abstrato, teórico,
acadêmico. Ela jamais poderá ser isso, porque é conhecimento de Deus” (LLOYD-JONES, D. M. Uma
Escola Protestante Evangélica In: Discernindo os Tempos, p. 389).

Necessidade e Tarefa da Teologia Sistemática


I

O teólogo (Theo-lógos) é aquele que transmite a Palavra de Deus (papel


ativo) e, ao mesmo tempo, é aquele que a recebe (papel passivo). A genuína
teologia será sempre a “logia” a respeito de Deus que se origina na “logia” do
próprio Deus. Sem essa relação contínua e vital, não há teologia. Portanto, o
seu esforço caracterizar-se-á sempre por uma conexão coerente entre o ouvir e
o falar, conforme o registro inspirado das Sagradas Escrituras. Esse ouvir estará
sempre conectado aos recursos que Deus nos tem concedido para a interpreta-
ção da Sua Revelação, e o falar, estará comprometido com os “oráculos de Deus”
(1Pe 4.11). Portanto, como vimos, “o fim de um teólogo não pode ser deleitar o

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ouvido, senão confirmar as consciências ensinando a verdade e o que é certo e
proveitoso”.170 Por isso, o fim da teologia não pode ser simplesmente o de dizer
coisas agradáveis aos homens, mas sim o de anunciar toda a verdade de Deus
revelada, conforme nos foi dado conhecer, reconhecendo, nessa formulação e
proclamação, o aspecto divino e o humano da teologia.

“Não creias que te baste a leitura sem a unção, a especulação sem a devoção,
a investigação sem a admiração, a atenção sem a alegria, a atividade sem a
piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, estudo
sem a graça divina, a pesquisa sem a sabedoria que vem de Deus.”
Fonte: Boaventura (OT 16, n. 32, p. 139).

170 CALVINO, J. As Institutas, I.14.4.

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
61

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, estudamos a compreensão do tema e do objeto do método cien-


tífico de se estudar a teologia, passando pelas diferentes abordagens e grandes
áreas de estudos teológicos. Aprendemos que é necessário conhecer os pressu-
postos e o método do saber teológico.
Estabelecemos a importância de conhecer e estudar a genuína teologia, tendo
como ponto de partida a revelação de Deus nas Escrituras, matéria sobre a qual
trabalha sistematicamente o teólogo, buscando, pelo Espírito, a compreensão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do revelado para a sua reflexão, ensino e prática. Ela não é necessariamente ver-
dadeira, entretanto faz parte da sua essência a busca sistemática da verdade, do
conhecimento tal qual nos foi dado na Escritura.
Finalmente, na ótica da teologia cristã reformada, aprendemos a necessi-
dade e tarefa natural da inteligência humana e a relação sistematizada da verdade
como elemento norteador e desenvolvedor da piedade.

Considerações Finais
1. Retomando a definição de teologia como sendo o estudo da Revelação Pessoal
de Deus, conforme registrada nas Escrituras Sagradas, em forma de esboço, des-
creva, de acordo com a unidade estudada, como podemos indicar os pressupos-
tos da teologia cristã.
63

Dirijo-me a você, caro jovem, você que está começando o estudo da teologia. Para mim,
você representa a teologia do futuro, de modo que, dirigindo-me a você, é como se eu
falasse ao teólogo do III Milénio, que está às portas. Quero dirigir-me também a quem,
mesmo não sendo jovem de idade, se interessa pelas coisas da fé, ainda que de modo
informal.
Permita-me apresentar-lhe aqui uma espécie de decálogo. São dez leis para estudar
bem teologia. “Leis” talvez seja uma palavra forte demais. Falemos então em “conselhos”.
Premissa: “Teologizar é preciso…”
Antes de começar, quero que você esteja bem convencido da importância e mesmo da
necessidade de estudar teologia. Enfatizar que vale a pena gastar os dias a aprofundar
o mistério de Deus, o que não deixa, aliás, de redundar em benefício próprio e de todo
o povo.
É a muitos títulos que a teologia é necessária. Vejo pelo menos cinco instâncias dife-
rentes que solicitam o estudo da teologia: a fé, o mundo, a vida, a época de hoje e a
realidade social.
1. A fé pede teologia. É, em primeiro lugar, a própria fé que, por sua dinâmica interna,
busca compreender o que crê. Todo “crente” verdadeiro é também, e a seu modo,
um “teólogo”. Pois, a teologia é precisamente “a fé que deseja entender”, como a de-
finiu magistralmente Sto. Anselmo. Sem o estudo, a fé facilmente cai na cegueira do
irracionalismo e da superstição, ou na miopia da superficialidade e do sincretismo.
2. O mundo que existe pede teologia. A própria criação é um grito inarticulado por
um Criador. A teologia nada mais faz senão recolher esse grito e articulá-lo racional-
mente. E se você incluir na ideia de mundo o curso histórico, inclusive os eventos
da Revelação, então a razão é interpelada no máximo de sua potência. Ela, que se
interroga sobre tudo, não pode se esquivar de perguntas como: Que querem nos
dizer os “enviados de Deus”, especialmente Jesus de Nazaré?
3. A vida pede teologia. Nós, os viventes, buscamos inelutavelmente o sentido último e
radical das coisas. Por que a existência, a dor, a culpa, a morte? Como responder ade-
quadamente a essas questões fundamentais e perenes sem recorrer a alguma teologia?
4. Nossa época pede teologia. A cultura moderna é essencialmente reflexiva: não
se contenta apenas com o recurso à tradição, mas pergunta sempre pelo porquê
de tudo. Mesmo a chamada razão pós-modema, embora prefira o “discurso fraco”,
ela também precisa ser submetida a discernimento. Mais: as questões atuais com
que a fé se vê confrontada são tão complexas que exigem reflexão elaborara da e
rigorosa. Pense somente nas questões que põe hoje a economia (neoliberalismo,
mercado, globalização, tecnologia, etc.); ou as que colocam as ciências modernas,
como a biologia (clonagem, inseminação e gestação humanas em meios artificiais),
a cosmologia (origem e fim do cosmos, leis constitutivas do universo, a hipótese de
outros mundos habitados, etc.), a ecologia e poderíamos continuar.
5. A realidade social em que vivemos pede teologia. Qual é a missão dos cristãos fren-
te aos grandes desafios sociais de hoje? Para confrontar seriamente a fé com esses
desafios é preciso botar a razão teológica para funcionar. Sobretudo nós, no Sul do
mundo, queremos saber como a fé pode ser fermento de libertação para a massa
de excluídos do sistema social. Agora, se você incluir na realidade social a cultura,
então surgem outras perguntas, tipicamente teológicas, como: Que sinais de Deus
estão presentes nessa ou naquela cultura? Como inculturar aí as linguagens e as
práticas cristãs?
1. Bem, meu caro amigo, parece-me que ficou claro porque é necessário e mesmo
urgente fazer hoje teologia. Escute agora como proceder no estudo dessa ciên-
cia. Passo agora aos dez conselhos de que falei acima.
2. Antes de falar de Deus, ponha-se de joelhos e fale com Deus.
3. Nunca perca de vista o tema central da teologia: o mistério de Deus.
4. Seja a Sagrada Escritura o principal texto de referência de sua teologia.
5. Sua teologia deve permanecer vitalmente ligada à Comunidade de Fé: a Igreja.
6. Mantenha sempre viva a consciência da pobreza da linguagem humana frente
ao Mistério.
7. Tenha paixão pelo conhecimento de Deus e das coisas de Deus.
8. Faça uma teologia que esteja a serviço do Povo de Deus.
9. Que sua teologia leve sempre em conta a realidade do povo.
10. Não esqueça de desdobrar a dimensão sócio-libertadora da fé.
11. Faça teologia com o ouvido aberto a quem sofre.
Fonte: Boff (1999, p. 78s).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Antologia Teológica
Ferreira, Julio Andrade (org.)
Editora: Novo Século - Ed. Cristã
Sinopse: O Brasil, por um bom tempo, ficou carente de obras na
área acadêmica da teologia, pois muitos textos de grandes autores
ainda não foram publicados em nossa terra. O renomado professor
Júlio Andrade Ferreira oferece uma coletânea de textos dos maiores
teólogos do século XX, acerca dos principais temas doutrinários. A
longa experiência acadêmica do organizador dessa publicação
garante uma apresentação didática, que conduz, com segurança,
o leitor em meio às discussões mais intrincadas.
Comentário: Esta Antologia é uma grande ajuda para estudantes de teologia de todas as idades. Ela
contém seleções de alguns dos maiores nomes da teologia, tratando de cada assunto doutrinário.
Este material foi selecionado e organizado didaticamente pelo professor de teologia brasileira Júlio
de Andrade Ferreira.

Lutero
Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Joseph
Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se junta ao
monastério, mas logo fica atormentado com as práticas adotadas
pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma igreja suas
95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que
se redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas teses
e desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas e
contradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e
inicia sua batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e
que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus.
Comentário: Esse filme, financiado pela Thrivent Financial for
Lutherans, uma organização sem fins lucrativos que busca apoiar
iniciativas que promovam o Luteranismo, retrata, de maneira
romanceada, a trajetória de Martim Lutero, o grande inspirador da
reforma protestante que ocorreu no século XVI. Lutero sempre alimentou o desejo de ser padre e
se tornou doutor em teologia, mas a sua profunda religiosidade tomou caminhos revolucionários
que confrontaram diretamente a Igreja Romana, então, o poder absoluto daquela época.

APRESENTAÇÃO: o blog “Voltemos ao Evangelho” nasceu com o grandioso intuito de proclamar


as Boas Novas, chamando os cristãos para voltarem à centralidade da glória de Deus, na face de
Cristo, e ao fundamento das Escrituras.
Disponível em: <http://voltemosaoevangelho.com/blog/>. Acesso em: 28 jan. 2016.

Material Complementar
Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa
Professor Me. Roney De Carvalho Luiz

II
UNIDADE
O DEUS QUE SE REVELA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender que Deus se revela de maneira especial através de Sua
Palavra.
■■ Entender o conceito de Inspiração e o valor da tradição.
■■ Estabelecer a importância de conhecer os principais catecismos
protestantes.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Deus como Autor de todo conhecimento
■■ A criação como Revelação de Deus
■■ A fé como conhecimento
■■ A necessidade das Escrituras
■■ As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante
69

INTRODUÇÃO

Trataremos, nesta segunda unidade, de um dos principais ensinos teológicos


reformados: a revelação de Deus. A Bíblia parte do pressuposto da existência
de Deus. “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de
eternidade a eternidade, tu és Deus”, escreveu Moisés (Sl 90.2). Este, por reve-
lação direta de Deus, registra de forma inspirada (2Pe 1.20-21), narrando os
atos criadores de Deus, sem se preocupar em falar com mais detalhes a respeito
Daquele que, mediante a Sua Palavra, faz com que do nada surja a vida, criando
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o universo, estabelecendo suas leis próprias e avaliando a Sua criação como boa.
Moisés apenas apresenta o Deus Todo-Poderoso exercitando o Seu poder de
forma criadora, segundo o Seu eterno propósito. Deus existe; este é o fato pres-
suposto em toda a narrativa da Criação. Deus cria segundo a Sua Palavra, e isso
nos enche de admiração e reverente temor: a Palavra de Deus é o verbo criador
que manifesta a determinação e o poder de Deus (Gn 1.1,26,27; Sl 33.6,9; Jo 1.1-
3; Hb 11.3), o Qual criou as coisas com sabedoria (Pv 3.19).
Nesta unidade de estudo, propomos o pensar sobre essas características
da revelação, inspiração e iluminação para se conhecer a Deus, perpassando, a
seguir, com os principais catecismos da tradição cristã protestante.

O Deus que se Revela


A Bíblia parte do pressuposto da existência de Deus. “Antes que os montes nas-
cessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus”,
escreveu Moisés (Sl 90.2). Moisés, por revelação direta de Deus, registra de forma
inspirada (2 Pe 1.20-21), narrando os atos criadores de Deus, sem se preocupar em
falar com mais detalhes a respeito Daquele que, mediante a Sua Palavra, faz com
que, do nada, surja a vida, criando o universo, estabelecendo suas leis próprias e
avaliando a Sua criação como boa. Moisés apenas apresenta o Deus Todo-Poderoso
exercitando o Seu poder de forma criadora, segundo o Seu eterno propósito. Deus
existe, este é o fato pressuposto em toda a narrativa da Criação. Deus cria segundo
a Sua Palavra e isto nos enche de admiração e reverente temor: a Palavra de Deus
é o verbo criador que manifesta a determinação e o poder de Deus (Gn 1.1,26,27;
Sl 33.6,9; Jo 1.1-3; Hb 11.3), o Qual criou as coisas com sabedoria (Pv 3.19).

Introdução
II

DEUS COMO AUTOR DE TODO CONHECIMENTO

Deus como fonte de todo conhecimento tem, naturalmente, a consciência total


da perfeição e amplitude do Seu conhecimento. Ele Se conhece perfeitamente,
tendo ciência de toda a Sua perfeição: “em si mesmo Ele é sujeito e objeto de todo
conhecimento”.171 Somente Deus possui um conhecimento perfeito, arquetípo
de si mesmo. Qualquer tipo de conhecimento parte de Deus, que é a sua fonte
inesgotável, portanto, podemos concluir daí algumas coisas: 1) Deus é o princí-
pium essendi de todo conhecimento, inclusive o científico; logo, 2) toda verdade

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é proveniente de Deus, porque “todas as coisas procedem de Deus”,172 assim, não
pode haver contradição em Deus mesmo; 3) A ciência e a fé não se contradizem,
o mesmo doador da fé (Ef 2.8) é o criador das verdades científicas, logo, quando
ambas parecem contraditórias, é porque ou há uma compreensão errada da fé, ou
a ciência não é ciência, está laborando em erro. Por isso, é preciso que haja humil-
dade de ambas as partes: do teólogo na interpretação da Palavra de Deus, sempre
em submissão ao Espírito de Deus, sem cair em um dogmatismo ingênuo, nem
em um relativismo dogmático, que corre sempre atrás dos modismos científicos e
filosóficos para adaptar a Teologia. É preciso que nós, teólogos, entendamos que
trabalhar com a teologia não significa dizer sempre coisas novas; embora reconhe-
çamos “as situações novas que ameaçam a salvação dos homens”173 para as quais
devemos buscar na Palavra a resposta. Por outro lado, precisamos entender que
a Palavra de Deus é mais rica do que qualquer dogma, portanto, o nosso sistema
doutrinário, por melhor que seja – e eu estou convencido de que é –, não pode ser
mais rico do que a Palavra de Deus, como bem observou Berkouwer (1903-1996):
“porventura a Escritura não é mais rica do que qualquer pronunciamento eclesiás-
tico, por mais excelente e atento ao Verbo divino que este possa ser?”.174 Por isso, o
critério último de análise, será sempre “O Espírito Santo falando na Escritura”.175

171 Consultar referência.


172 CALVINO, J. As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.12), p. 318. “...Se o Senhor nos quis deste
modo ajudados pela obra e ministério dos ímpios na física, na dialética, na matemática e nas demais
áreas do saber, façamos uso destas, para que não soframos o justo castigo de nossa displicência, se
negligenciarmos as dádivas de Deus nelas graciosamente oferecidas.” (CALVINO, J. As Institutas, II.2.16).
173 Consultar referência.
174 Consultar referência.
175 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


71

O mundo do conhecimento pertence a Deus, pois Ele é o Seu autor e revela-


dor; logo, todo e qualquer conhecimento científico que o homem tenha é parte do
conhecimento de Deus expresso na Sua criação. Dessa forma, podemos dizer que
não existe conhecimento fora de Deus. Quando, então, nos referimos ao conhe-
cimento que podemos ter do próprio Deus, do Seu caráter e majestade, temos de
reafirmar a verdade bíblica de que esse conhecimento provém do próprio Deus.
Somente quando há fé na conexão orgânica do Universo, haverá tam-
bém a possibilidade para a ciência subir da investigação empírica dos
fenômenos especiais para o geral, e do geral para a lei que governa aci-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ma dele, e desta lei para o princípio que domina sobre tudo.176

O teólogo sabe que a Teologia é uma busca humana por compreender e sistema-
tizar a revelação; e como humanos que somos, podemos nos enganar. A teologia,
portanto, está, de certa forma, sempre a caminho, em busca de uma compreen-
são mais exaustiva das Escrituras. Entretanto, como em todas as demais ciências,
nós Reformados, temos nossos pressupostos; o nosso é que a Bíblia é o regis-
tro inspirado e inerrante da Palavra de Deus. Disso não abrimos mão. Estamos
convencidos que uma visão relapsa da Palavra determina o fracasso teológico e
espiritual da Igreja.

A CRIAÇÃO COMO REVELAÇÃO DE DEUS

Deus, como causa primeira de todo o conhecimento, proporciona ao homem, por


meio da Sua criação, a Natureza, a oportunidade e responsabilidade de conhecer
a realidade do mundo físico. No entanto é bom que se diga que esse conheci-
mento não é completo nem absolutamente claro, visto que o pecado pôs seu selo
sobre a criação, obscurecendo o entendimento do homem, e a própria Natureza
perdeu parte da sua eloquência primeva.

176 Consultar referência.

A Criação Como Revelação de Deus


II

Contudo, ainda hoje, a natureza é um espelho no qual se refletem as gló-


rias de Deus. Sem embargo, por causa do pecado, pode-se dizer que este
espelho está deformado. Como é bem sabido, um espelho côncavo reflete
as coisas de uma forma grotesca e distinta de como realmente são.177

A História, a Natureza e o homem, como parte dessa, refletem algo do Seu Criador;
“o homem, por haver sido criado à imagem de Deus, nos revela muito sobre o ser
do Criador”178 (Sl 139.14). Por isso, os homens são indesculpáveis (Rm 1.19,20).
Deus expressa o Seu pensamento e a Sua vontade no mundo, na Criação,
envolvendo o homem com a manifestação visível da Sua glória, a qual é pro-
clamada, apesar do pecado, de forma facunda nas obras da Criação (Sl 19.1; At

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
14.17; Rm 1.19,20). Calvino (1509-1564) acentua que,
a aparência do céu e da terra compele até mesmo os ímpios a reconhe-
cerem que algum criador existe (...). Certamente que a religião nem
sempre teria florescido entre todos os povos, se porventura as mentes
humanas não se persuadissem de que Deus é o Criador do mundo.179

Deus, o mundo e o homem são as três realidades com as quais toda a ciência
e toda filosofia se ocupam.180 Pois bem, se Deus não tivesse primeiramente, de
forma livre e soberana Se revelado (Sl 115.3; Rm 11.33-36) – concedendo, ao
homem, o universo como meio externo de conhecimento, o qual funciona com
as suas leis próprias e regulares –, toda e qualquer ciência seria impossível. O
mundo, inclusive o homem, é o grande laboratório de todas as ciências. Só que
quem “construiu” esse laboratório foi Deus, deixando, ao homem, a responsa-
bilidade de estudá-lo, descobrindo os “enigmas” que estão por trás das leis que
funcionam de acordo com as prescrições do Seu Criador. Não pensemos, con-
tudo, que Deus criou o mundo apenas para satisfazer a curiosidade humana;
Deus o fez como testemunho da Sua glória: “a grande finalidade da criação foi
a manifestação da glória de Deus”181. Deus, ainda hoje, não deixou de dar tes-
temunho da Sua existência e bondoso cuidado para com o homem (At 14.17).
Deus está ativo, preservando a Sua criação para o fim proposto por Ele mesmo.

177 Consultar referência.


178 Consultar referência.
179 Consultar referência.
180 Consultar referência.
181 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


73

“Deus não é mero espectador do universo que Ele criou; Ele está presente e ativo
em todas as partes, como o fundamento que sustenta tudo e o poder que governa
tudo o que existe.”182 A Bíblia atesta esse fato amplamente. (Vd. Ne 9.6; At 17.28;
Ef 4.6; Cl 1.17; Hb 1.3).183 Deus faz todas as coisas “conforme o conselho da Sua
vontade” (Ef 1.11/Sl 115.3).
O homem natural pode não saber disso, pode não aceitar e até combater tal
“absurdo”, entretanto o que o homem pode fazer contra a verdade? (2Co 13.8).
O que são os argumentos que tentam negar a existência de Deus, senão fruto de
uma falsa interpretação da Revelação Geral de Deus? Calvino (1509-1564), dis-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

correndo sobre a revelação de Deus na Natureza, diz:


em toda a arquitetura de seu universo, Deus nos imprimiu uma clara
evidência de sua eterna sabedoria, munificência e poder; e embora em
sua própria natureza nos seja ele invisível, em certa medida se nos faz
visível em suas obras. O mundo, portanto, é com razão chamado o es-
pelho da divindade, não porque haja nele suficiente clareza para que
os homens alcancem perfeito conhecimento de Deus, só pela contem-
plação do mundo, mas porque ele se faz conhecer aos incrédulos de tal
maneira que tira deles qualquer chance de justificarem sua ignorância.
(...) O mundo foi fundado com esse propósito, a saber: para que servis-
se de palco à glória divina.184

“...este mundo é semelhante a um teatro no qual o Senhor exibe diante de nós


um surpreendente espetáculo de sua glória.”185 Ele entende que “o princípio da
religião” que é implantado nos homens é uma das evidências da sua “preemi-
nente e celestial sabedoria”.186 Em outro lugar, observando que “no coração de
todos jaz gravado o senso da divindade”,187 argumenta que a tentativa humana
de negar a Deus nada mais é do que uma revelação do “senso de divindade que,
tão ardentemente, desejariam extinto”.188 Conclui que é impossível haver verda-
deiro ateísmo.

182 Consultar referência.


183 Consultar referência.
184 Consultar referência.
185 Consultar referência.
186 Consultar referência.
187 Consultar referência.
188 Consultar referência.

A Criação Como Revelação de Deus


II

Sem a ação primeira de Deus, não haveria ciência. Graças a Deus porque
Ele registrou de forma mui santa e sábia as Suas leis (físicas, químicas, termo-
dinâmicas, etc.) “no grande livro do mundo”.189 É preciso, porém, que não nos
detenhamos apenas aí, para que não fiquemos com a menor parte, pois o que disse
Blaise Pascal (1623-1662), apesar do exagero de ênfase, tem o seu lugar: “o Deus
dos cristãos não consiste num Deus simplesmente autor de verdades geométri-
cas e da ordem dos elementos; essa é a porção dos pagãos e dos epicuristas.”190
Dentro de tudo o que foi colocado, surge, de forma natural, a pergunta: e o
homem pode entender essa revelação? Pode o homem, como intérprete que é,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
reconhecer a mensagem unívoca do grande “locutor”, que é Deus? Creio que a
Ciência, nos seus avanços e retrocessos – diferentemente da concepção de Comte
a respeito da ciência –, com conexões aqui e ali, tem respondido a essas ques-
tões. Passemos, agora, à resposta formal dessas indagações.

A COMPATIBILIDADE DA REVELAÇÃO COM A RAZÃO


HUMANA

Partindo do princípio de que a Revelação de Deus tem por objetivo mostrar o Seu
Autor: Deus é o substantivo da Sua Revelação. Não teria nenhum valor a Revelação
objetiva de Deus se não houvesse concomitantemente uma potencialidade de
recepção subjetiva para ela, pois, assim, seria uma revelação que não se desco-
briria, não se tornaria acessível. Seria o equivalente a um intérprete verter para o
inglês as palavras de um orador alemão para um auditório que só entende o por-
tuguês. Perguntaríamos: o interprete traduziu o que o orador disse? Responderia
o interlocutor: Sim. Voltaríamos à questão: então, ele revelou o conteúdo da men-
sagem? A resposta seria óbvia: não. Ele traduziu, mas ninguém o entendeu, pois o
seu idioma não é o nosso nem temos condições de aprendê-lo agora.

189 Consultar referência.


190 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


75

Deus Se revela sabendo que há a possibilidade de ser entendido, pois Ele


mesmo criou o homem e o dotou dessa capacidade. Entretanto a não compreensão
do homem não inutiliza o valor da Revelação de Deus. Ela é o que é independen-
temente da apreensão humana. O pecado corrompeu o intelecto, a vontade e a
faculdade moral do ser humano; ele está morto espiritualmente, sendo escravo
do pecado (Gn 6.5; 8.21; Jo 8.34,43-44; Rm 3.23; 6.6,23; Ef 2.1; Cl 1.13; 2.13). A
depravação total é justamente isso: a contaminação de todas as nossas faculda-
des pelo pecado. Ainda que o homem não seja absolutamente mau – não é tão
mau quanto poderia − é extensivamente mau; todo o seu ser está contaminado
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pelo pecado. Como decorrência disso, o homem tornou-se positivamente mau


(Gn 6.5; 8.21; Mt 7.11). Ainda assim, o pecado não destruiu a possibilidade da
percepção.
O conhecimento humano consiste sempre em uma relação lógica entre sujeito
e objeto, visto que o sujeito só é sujeito para o objeto e, por sua vez, o objeto só
o é para um sujeito, assim, a revelação objetiva reclama alguém e, esse alguém
(objeto) só o é, enquanto recebe de forma adequada a revelação.
A razão, como parte da criação divina, é o instrumento de que dispomos,
pela graça de Deus, para descobrir a Sabedoria divina no mundo que nos rodeia
e, portanto, é o principium cognoscendi internum da ciência. Entendemos que o
conhecimento também se dá pela experiência, no entanto cremos que o espírito
humano traz consigo certas categorias que lhe são inerentes, as quais não podem
ser apreendidas pela experiência. A experiência pode ser a fonte de quase todo
o conhecimento, mas não é necessariamente do conhecimento todo.
Concluindo este tópico, reafirmamos que Deus criou o homem a Sua ima-
gem e semelhança (Gn 1.27), dotando-o de capacidade para receber e interpretar
as impressões da Sua revelação que são demonstradas por meio do universo, da
Sua Criação (Sl 19.1; At 14.17). Toda a Criação de Deus foi realizada de forma
sábia e soberana (Sl 115.3; Pv 3.19: Ef 1.11).

A Compatibilidade da Revelação com a Razão Humana


II

A REVELAÇÃO ESPECIAL DE DEUS

O conhecimento que Deus deseja que tenhamos Dele está revelado nas Escrituras.
Como já vimos, originalmente, Deus se revelou na Criação, no Éden só havia um
livro: o livro da Natureza (Gn 3.17-19), e, como parte do castigo pelo pecado, o
homem perdeu o discernimento espiritual para poder ver a glória de Deus mani-
festa na criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23). A Revelação Geral que fora adequada para
as necessidades do homem no Éden – embora saibamos que ali também se deu a
Revelação Especial (Gn 2.15-17,19,22; 3.8ss) –, tornou-se, agora, incompleta e ine-

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ficiente para conduzir o homem a um relacionamento pessoal e consciente com
Deus. A observação de Calvino (1509-1564) parece-nos importante aqui: “nossa
ruína se deve imputar à depravação de nossa natureza... em sua condição original,
para que não lancemos a acusação contra o próprio Deus, autor dessa natureza.”191
A Bíblia ou Revelação Especial tornou-se necessária por causa do pecado.
Por meio da História, Deus separou e preparou homens para que registrassem
de forma exata e infalível os Seus desígnios, sendo a Palavra de Deus escrita,
dentre outras coisas, “o corretivo às ideias disformes que pode dar-nos a natu-
reza em seu estado caído.”192 Por isso, só se considera adequada a revelação de
Deus contida na Bíblia, somente por meio das Escrituras o homem pode ter um
conhecimento de Deus livre de superstições.193
A constatação da Revelação de Deus gera em nós dois sentimentos: humil-
dade e alegria. Humildade por sabermos que tudo o que temos e sabemos provém
de Deus (Jo 15.5; 1Co 4.7; 2Co 3.5). Alegria, por ter acesso à Revelação de Deus
que é a verdade. Tais sentimentos, acompanhados do estudo da Palavra, devem
conduzir-nos à adoração (Mt 4.10; Hb 13.15; 1Pe 2.9). A Bíblia foi-nos confiada
a fim de que, mediante a iluminação do Espírito Santo, sejamos conduzidos a
Jesus Cristo (Jo 5.39/Lc 24.27,44), sendo Ele mesmo Quem nos leva ao Pai (Jo
14.6-15; 1Tm 2.5; 1Pe 3.18) e nos dá vida abundante (Jo 10.10; Cl 3.4). A Bíblia
foi registrada para que cumpramos os seus preceitos, dados pelo próprio Deus

191 Consultar referência.


192 Consultar referência.
193 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


77

(Dt 29.29; Js 1.8; 2Tm 3.15, 16; Tg 1.22); ela foi-nos concedida para que conhe-
çamos o Seu Autor e, conhecendo-O, O adoremos, e, adorando-O, mais O
conheçamos (Os 6.3; 2Pe 3.18).194 A revelação nos foi dada com esse propósito
e devemos usá-la com essa finalidade”.195
A Igreja, como resultado da ação de Deus por meio da Palavra, manifesta tais
comportamentos, tendo ciência de que a meditação que faz na Palavra, guiada
pelo Espírito, é uma tentativa de interpretá-la, a fim de proclamar e ensinar em
uma linguagem humana196 a verdade que ela tem recebido pela graça de Deus.
“A verdade é idêntica à graça” (Jo 1.17).197
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A Teologia Reformada, recebendo a Bíblia como de fato é: a inerrante e


autêntica Palavra de Deus, reconhece ser Ela a causa eficiente e instrumental da
Teologia, sendo Deus o Seu autor, a causa final. A Teologia busca sempre a gló-
ria de Deus, como objetivo máximo e final, e esse objetivo é alcançado sempre
em sua fidelidade à Revelação. Portanto, embora admitindo a infalibilidade da
Revelação Geral, só consideramos a Revelação Especial como fonte da Teologia.
Dessa forma, a tentativa de reconhecer a Revelação Geral como fonte secundá-
ria da Teologia está fora de cogitação, visto que, para que isso aconteça, teríamos
de interpretá-la de acordo com a luz da Escritura e podemos observar também
que, qualquer tentativa de se criar uma fonte secundária ou terciária de teolo-
gia (os catecismos, por exemplo) implica em admitir que a Bíblia precisa de um
complemento, logo, ela é incompleta ou insuficiente.
Como já demonstramos biblicamente, cremos que a Revelação Geral tem o
seu valor ilustrativo, porém ela em nada acrescenta à Revelação Especial e aquela
só pode ser entendida corretamente por aquele que, mediante a iluminação do
Espírito Santo, entende a Revelação Especial. Para esse homem, a Revelação Geral
se constitui em uma “republicação”, ainda que não cronológica, das verdades con-
tidas nas Escrituras, no entanto essa “republicação” não é complementar nem
transforma vida. E o que a Natureza trata de forma estrita e apenas indicativa, a
Escritura fala de forma ampla e demonstrativa.

194 Consultar referência.


195 Consultar referência.
196 Consultar referência.
197 Consultar referência.

A Revelação Especial de Deus


II

Por outro lado, Kuyper (1837-1920)198 nos chama a atenção para o fato de
que não devemos considerar a Revelação Especial ou a Escritura como fonte da
Teologia (“fons theologiae”), tendo em vista que o termo “fonte” no estudo cien-
tífico tem um significado mui definido. Em geral, denota uma área de estudo
sobre a qual, o homem, como agente ativo, faz uma triagem para a sua pesquisa,
como na Botânica, Zoologia e História. Nesse caso, o objeto de estudo é pas-
sivo; o homem é quem é ativo, debruçando-se sobre o fenômeno para extrair do
objeto o conhecimento desejado. Assim sendo, usando o termo nesse sentido,
tem-se a impressão, de que o homem, como agente ativo, pode se colocar sobre

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as Escrituras, para descobrir ou tirar dela o conhecimento de Deus, que ali está
passivamente esperando o seu descobridor. Sabemos que isso não é verdade.
Deus se revela ao homem e, mais uma vez, ativamente fornece os meios para a
compreensão dessa revelação: o Espírito Santo. A Teologia, como vimos, é sem-
pre o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus por meio do
Espírito. Por isso, falar de Teologia Americana, Européia ou da América Latina
se constitui, no mínimo, em uma ignorância bíblica: ou a Teologia é Bíblica ou
não é Teologia; surja em que continente for, em que movimento for, em que
regime político for. Brunner (1889-1966) corretamente enfatiza: “a dogmática
que está sob uma obrigação apenas para com a Verdade deve se proteger contra
todo regionalismo nacional ou continental, pelo qual o ponto de vista Europeu,
o Inglês ou o Americano seria mais importante do que é na verdade.”199 Deus
não se deixa invadir pela razão humana ou mesmo pela fé. Ele se dá a conhe-
cer livre, fidedigna e explicitamente; Deus se revela a Si mesmo como Senhor e
“Senhorio significa liberdade”.200 “Quanto mais conhecemos Deus, mais compre-
endemos e sentimos que Seu ministério é inescrutável”201 A “douta ignorância”
faz parte essencial da genuína teologia bíblica. O conhecimento de nossa limi-
tação não é inato, antes, é precedido pela revelação. Sem a revelação de Deus,
não há teísmo, ateísmo nem agnosticismo. É no encontro com Deus que toma-
mos conhecimento de nossas limitações.

198 Consultar referência.


199 Consultar referência.
200 Consultar referência.
201 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


79

Sem a revelação, o homem passaria toda a sua vida e estaria na eternidade


sem o menor conhecimento de Deus. Por mais engenhosos que fossem os seus
métodos, por mais sistemáticas que fossem as suas pesquisas, por mais que
evoluísse a ciência, homem nunca conseguiria chegar a Deus ou mesmo a sua
ideia: ignoraria eternamente a própria ignorância. E Deus continuaria sendo o
que sempre foi: o Senhor! Todavia, graças a Deus, porque Ele soberanamente Se
Revelou a Si mesmo, para que possamos conhecê-Lo e render-Lhe toda a glória
que somente a Ele é devida. Em Cristo, nós somos confrontados com o clímax
e plenitude da revelação de Deus (Jo 14.9-11; 10.30; Cl 1.19; 2.9; Hb 1.1-4). “No
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Filho, temos a revelação última de Deus. Da mesma forma como é verdade que
quem viu o Filho viu o Pai, também é verdade que quem não viu o Filho, não
viu o Pai.”202 Jesus Cristo é a medida da revelação.
A Teologia Reformada reconhece a centralidade real de Deus em todas as
coisas, tendo como alvo principal, não o tão decantado bem-estar humano – que
por certo tem a sua relevância –, mas a glória de Deus, sabendo que as demais
coisas serão acrescentadas (Mt 6.33; Ef 1.11-12). Infelizmente, ao longo da his-
tória, as “teologias” que deveriam ser relativas à Revelação, têm sido relativas
ao homem, tornando-se assim, antropologias.203 O Iluminismo, que gerou o
“Liberalismo Teológico”, – e esse pode ser definido como o esforço de interpre-
tar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma perspectiva iluminista –, foi
o grande fomentador desta nova abordagem. Dentro dessa perspectiva, só pode
ser considerado genuíno o “credo” que se ajuste aos critérios racionais vigentes.204
Para os reformados, entretanto, é a Palavra de Deus que deve dirigir toda a
abordagem e interpretação teológica, bem como de toda a realidade: O Espírito
através da Palavra é Quem deve guiar à correta interpretação da Revelação. Na
Escritura tem-se o padrão e apelo final.

202 Consultar referência.


203 Consultar referência.
204 Consultar referência.

A Revelação Especial de Deus


II

A FÉ COMO CONHECIMENTO

A razão, mesmo estigmatizada pelo pecado, que se mostra tão eficaz nas coi-
sas naturais, perde-se diante do mistério de Deus revelado em Cristo e também
diante da Revelação geral na Natureza: “as mentes humanas são cegas a essa luz,
a qual resplandece em todas as coisas criadas, até que sejam iluminadas pelo
Espírito de Deus e comecem a compreender, pela fé, que jamais poderão enten-
dê-lo de outra forma.”205 A graça, portanto, antecede à fé e ao conhecimento.
A graça de Deus é eminentemente socializante, isso porque não há um

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homem sequer que dela não necessite e, mesmo sem saber, dela não participe.
Todos, sem exceção, somos devedores à graça de Deus – aquele favor imere-
cido da parte de Deus para com os pecadores. O nosso Deus é “o Deus de toda
graça” (1Pe 5.10). Bem-aventurados são todos aqueles que vivem como súditos
do Reino da Graça de Deus. A graça de Deus é a tônica da Sua relação com o Seu
povo. Tudo que temos, somos e seremos é pela graça (1Co 15.10). A riqueza da
graça de Deus se manifesta de modo superabundante em nós (2Co 9.14; Ef 1.7;
2.7), todavia ela não foi manifestada em toda a sua plenitude, por isso, aguarda-
mos o regresso triunfante de Jesus Cristo, quando Ele mesmo revelará a graça de
forma mais completa (1Pe 1.13), concluindo a nossa salvação (Fp 1.6/1Pe 1.3-5).
Estou inteiramente de acordo com Packer, quando ele diz que “conhecer a
Deus é uma questão de graça.”206 O conteúdo do conhecimento como a sua pos-
sibilidade estão em Deus, que livre e soberanamente Se revela e oferece a nós
pecadores, de forma graciosa por meio da Sua Palavra. Somente pela graça da
autorrevelação de Deus é que podemos nos relacionar com Deus. O “conhe-
cimento” intelectual e abstrato de um Deus distante, se possível fosse fora da
Revelação Geral, o que não é, não redundaria em relacionamento afetivo e de
confiança. Nós podemos conhecer a Deus subjetivamente porque Ele Se deu a
conhecer objetivamente em Sua Palavra e, plenamente, dentro do Seu propó-
sito, em Cristo Jesus, o Deus encarnado. (Cl 1.19; 2.9).

205 Consultar referência.


206 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


81

A Revelação de Deus não indica necessariamente a apreensão subjetiva por parte


do homem, contudo, para que haja uma satisfação em termos de objetivo, faz-se
necessário que o homem, a quem Deus dirige especialmente a Sua revelação, tenha,
ao menos potencialmente, condições de apreendê-la. A revelação de Deus exige uma
resposta. Como poderá o homem captar essa revelação e responder de forma satis-
fatória? Em outras palavras: qual seria o principium cognoscendi internum?
O nome cristão, aprendido na Bíblia para essa resposta, é fé. Assim como a
revelação, a fé é resultado da graça salvadora de Deus (At 15.11; 18.27; Ef 2.8; Fp
1.29), por isso, a totalidade do conhecimento que podemos ter, repousa na graça
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de Deus. Daí que, por melhores que sejam os argumentos que possamos alinhar
para explicar a nossa fé, não conseguimos o nosso intento. Não que a fé seja irracio-
nal, como sugeriram Kierkegaard (1813-1855) e Miguel de Unamuno (1864-1936),
entre tantos outros; o que ocorre é que a fé não pode ser limitada pelos cânones da
razão; ela é suprarracional, apesar de caminhar durante algum tempo lado a lado
com a razão, ela, agora, acompanhada da esperança, lança-se ao infinito (1Co 15.19;
Hb 1.1). A fé não é irracional, ela respalda-se em Deus e na Sua promessa. Foi isso
que fez Abraão, conforme escreve Paulo: “não duvidou da promessa de Deus, por
incredulidade; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente
convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera” (Rm 4.20,21).
A fé exige conhecimento da Palavra de Deus. A fé é uma relação de confiança,
como acreditar em alguém que não conhecemos? A fé consiste no conhecimento
do Pai e do Filho pelo testemunho do Espírito (Jo 17.3/Jo 15.26; 16.13-14). “A fé
não consiste na ignorância, mas no conhecimento; e este conhecimento há de
ser não somente de Deus, mas também de Sua divina vontade.”207 É impossível
crer e nos relacionar pessoalmente com um Deus desconhecido.
A fé é gerada em nós pelo Espírito por meio da Palavra (Rm 10.17); ela é a
boa obra do Espírito Santo em nós, que age fundamentado em uma realidade
histórica irrefutável: a obra de Cristo no Calvário. “A fé verdadeira é aquela que
ouve a Palavra de Deus e descansa em Sua promessa.”208 A Palavra e a fé só pode-
rão ser entendidas mediante a aceitação da graça de Deus, onde tudo começa.

207 Consultar referência.


208 Consultar referência.

A Fé como Conhecimento
II

Temos a graça pela obra de Cristo, para que, pela graça, possamos conhecer a
Deus e, assim, possamos saber “qual a esperança do seu chamamento, qual a
riqueza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia do seu poder;
o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sen-
tar a sua direita nos lugares celestiais” (Ef 1.18-20), vivendo, a partir daí, pela
graça e para a glória de Deus (1Co 10.31).
É somente pela graça, mediante a fé, que podemos nos apropriar da Revelação
com atos e palavras feita por Deus. Somente a fé, como efeito da graça, nos faz
perceber a Revelação, abrindo os nossos olhos para a Palavra de Deus (Sl 119.18;

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Ef 1.15-18). Desse modo, Deus nos ilumina para que possamos entender a Sua
Revelação nas Escrituras.
A Revelação antecede à fé (Rm 10.17; Gl 3.3,5). Pela Revelação, mediante
a iluminação do Espírito, o homem é subjugado por Deus, respondendo posi-
tivamente com fé. A resposta do homem é apenas uma evidência da eleição de
Deus (Jo 15.16; At 3.16; 15.11; 16.14; 18.27; Ef 2.8; Fp 2.12,13). Deus Se revela,
fala por meio da Palavra regenerando o pecador, concedendo-lhe fé para que,
agora salvo pela graça, ande nas boas obras preparadas por Deus de antemão
para nós (Cf. Ef. 2.10).
Entretanto, no nosso relacionamento com Deus, deparamo-nos com um
paradoxo: quanto mais conhecemos a Deus, temos, por um lado, um maior dis-
cernimento de nossa pecaminosidade e, por outro, uma maior consciência da
insondabilidade e infinitude de Deus. Paulo, escrevendo aos romanos, após falar
de um assunto difícil, exulta:
ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento
de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os
seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? ou quem foi
o seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe deu a ele para que lhe venha
a ser restituído? Porque dele e por meio dele e para ele são todas as
cousas. A ele pois, a glória eternamente. Amém (Rm 11.33-36).

É importante ressaltar que não conhecemos tudo a respeito de Deus e da


Sua Palavra, mas devemos ter por certo, que o limite da fé está circunscrito
pelos parâmetros das Escrituras (Dt 29.29), ou seja, não podemos crer além
do que Deus nos revelou na Bíblia. Fazer isso não é ter fé, mas sim especu-
lar sobre os mistérios de Deus. A Palavra deve ser sempre o guia da nossa fé.

O DEUS QUE SE REVELA


83

“Nossa fé não tem que estar fundamentada no que nós tenhamos pensado por
nós mesmos, senão no que foi prometido por Deus.”209 Por isso, devemos estar
atentos à Palavra de Deus, para entendê-la e praticá-la (Js 1.8; Sl 119.97; Fp 3.15;
Tg 1.22-25).
Por outro lado, devemos enfatizar que, pelo fato do nosso conhecimento
a respeito de Deus ser limitado, isso não significa que o que conhecemos aqui
será corrigido pelo que conheceremos na eternidade, como se a revelação de
Deus contida na Palavra fosse imprecisa. Não é. Entendemos que, o pouco que
podemos conhecer do Deus infinito é fidedigno, pois o nosso conhecimento res-
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palda-se na Sua Palavra e cremos que a Bíblia é o registro infalível e inerrante


da Palavra de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21). Assim, apesar de não podermos
conhecer tudo a respeito de Deus – o finito não pode conter o infinito –, o que
conhecemos por meio da Palavra é a verdade; não toda a verdade, mas parte da
verdade que está em harmonia com o todo. Fazendo uma analogia, podemos
dizer que, pelo fato de colocarmos a água do mar em um recipiente, ela não deixa
de ser do mar, porém o perigo está em dizer que, ali, dentro do recipiente está
todo o mar. Portanto, reafirmamos: o que a Bíblia diz é uma verdade essencial a
respeito de Deus, nela, temos tudo o que Deus deseja que saibamos nesta vida
a Seu respeito. No entanto precisamos avaliar sempre o nosso conhecimento
para que não corramos o risco de tornar a nossa “percepção da verdade”, toda
e única verdade. Todos nós, por melhor que seja a nossa percepção espiritual e
teológica, temos, ainda, uma “nuvenzinha de ignorância”.210 Agora, ainda vemos
obscuramente (1 Co 13.12).
Cito aqui a penetrante consideração de Schaeffer (1981, p. 143):
A comunicação que Deus tem com o homem é verdadeira, mas isto não
significa que seja exaustiva. Esta é uma distinção importante que pre-
cisamos sempre ter em mente. Para conhecer qualquer coisa exaustiva-
mente, precisaríamos ser infinitos, como Deus. Mesmo na vida eterna
não seremos assim.

209 Consultar referência.


210 Consultar referência.

A Fé como Conhecimento
II

A tentativa humana por encontrar Deus aparte de Jesus Cristo, conforme é nos
dado a conhecer nas Escrituras, termina em naturalismo, ateísmo ou deísmo,
que nada mais são do que formas de paganismo. A religiosidade descompromis-
sada como resultado da carência de Deus, não direcionada pela Palavra, termina
em superstição e idolatria que, entre outros males, pode, em determinadas cir-
cunstâncias, dar a sensação de satisfação para a angustiante carência de Deus,
no entanto esse remendo humano torna a situação do homem ainda pior, por-
que, na realidade, ele consciente ou inconscientemente está se enganando e, desse
modo, enquanto adota um paliativo espiritual, abandona a procura sincera pela

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verdade e torna-se, geralmente, imune à genuína proclamação do Evangelho de
Cristo. Somente o genuíno conhecimento de Cristo nos conduz a Deus e nos
liberta das cadeias do pecado. “Como as trevas são dispersas pelos raios furti-
vos do sol, assim todas as invenções e erros perversivos se desvanecem diante
desse conhecimento de Deus.”211

A NECESSIDADE DAS ESCRITURAS

NECESSIDADE PRIMÁRIA

A necessidade primária para o registro da Bíblia foi o pecado do homem. No


Éden, só havia um livro: o livro da natureza; todavia, com o pecado humano, a
natureza também sofreu as consequências, ficando obscurecida, perdendo parte
da sua eloquência primeva em apontar para o Seu Criador (Gn 3.17-19)212 e,
como parte do castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiri-
tual para poder ver a glória de Deus manifesta na criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23).
A Revelação Geral que fora adequada para as necessidades do homem no Éden –
embora saibamos que ali também se deu a Revelação Especial (Gn 2.15-17,19,22;

211 Consultar referência.


212 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


85

3.8ss) –, tornou-se, agora, incompleta e ineficiente213 para conduzir o homem a


um relacionamento pessoal e consciente com Deus,214 pois: “Lembremo-nos de
que nossa ruína se deve imputar à depravação de nossa natureza.”215
Por meio da História, Deus separou e preparou homens para que registras-
sem de forma exata e infalível os Seus desígnios, sendo a Palavra de Deus escrita,
dentre outras coisas, “o corretivo às ideias disformes que pode dar-nos a natu-
reza em seu estado caído.”216
Dessa forma, a Bíblia tem um caráter instrumental e temporário, embora que
os seus efeitos e as suas verdades sejam eternos. O que estamos querendo dizer
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é que, na eternidade, não haverá mais a Bíblia; apenas teremos a visão ampla e
experimental daquilo para o qual ela apontava: A vitória do Cordeiro!

NECESSIDADE CONSEQUENTE

Como consequência lógica do argumento anterior, podemos observar que a Bíblia


foi escrita para registrar de forma cabal e inerrante a vontade de Deus referente
ao aqui e agora e ao lá e depois, evitando assim, os desvios naturais, fruto do
pecado humano. Por isso, só se considera adequada à revelação de Deus contida
na Bíblia; somente através das Escrituras, o homem pode ter um conhecimento
de Deus livre de superstições.
Calvino (1509-1564) compreendendo bem este fato escreveu:
Com efeito, se refletimos quão acentuada é a tendência da mente hu-
mana para com o esquecimento de Deus, quão grande a proclividade
para com toda sorte de erro, quão pronunciado o gosto de a cada ins-
tante forjar novas e fantasiosas religiões, poder-se-á perceber quão
necessária haja sido tal autenticação escrita da celeste doutrina, para
que não deperecesse pelo olvido, ou se dissipasse pelo erro, ou fosse da
petulância dos homens corrompida. J. Calvino, As Institutas, I.6.3. (Vd.
Confissão de Westminster, I.1).

213 Vd. WARFIELD, B. B. Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. Warfield,
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, p. 7ss. A revelação Geral é “tênue e obscura para
a humanidade pecadora, e mesmo para a humanidade redimida.” (GRONINGEN, G. V. Revelação
Messiânica no Velho Testamento, p. 64).
214 Consultar referência.
215 Consultar referência.
216 Consultar referência.

A Necessidade das Escrituras


II

A Bíblia como Palavra inspirada e inerrante de Deus, dá ao homem a resposta


adequada às necessidades espirituais de que tanto carece, apontando para Jesus
Cristo (Jo 5.39) e para o poder de Deus. Nas Escrituras encontramos a esperança
da vida preparada, realizada e consumada pelo Deus Triúno (Rm 15.4; 1 Jo 5.13).
A Bíblia não foi registrada apenas para o nosso deleite espiritual; mas para
que cumpramos os seus preceitos, dados pelo próprio Deus (Dt 29.29; Js 1.8; 2
Tm 3.15,16; Tg 1.22); a Bíblia também não nos foi dada para satisfazer a nossa
curiosidade pecaminosa (Dt 29.29), que em geral ocasiona especulações esd-
rúxulas e facções;217 Ela foi-nos concedida para que conheçamos o Seu Autor

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e, O conhecendo O adoremos e, O adorando, mais O conheçamos (Os 6.3; 2
Pe 3.18).218 A Bíblia foi-nos confiada a fim de que, mediante a iluminação do
Espírito Santo,219 sejamos conduzidos a Jesus Cristo (Jo 5.39/Lc 24.27,44), sendo
Ele mesmo Quem nos leva ao Pai (Jo 14.6-15; 1Tm 2.5; 1Pe 3.18) e nos dá vida
abundante (Jo 10.10; Cl 3.4). Por isso, “ao estudarmos Deus, devemos procurar
ser conduzidos a Ele.”.220

217 Calvino combateu as especulações com veemência; em diversos lugares ele escreveu sobre o assunto;
como exemplo, cito: “Porque são mui poucos entre a ingente multidão de homens que existe no mundo
os que pretendem saber qual é o caminho para ir ao céu; porém todos desejam antes do tempo conhecer
o que é que se faz nele.” (As Institutas, III.25.11; Vd. também I.5.9). “’A Escritura é proveitosa.’ Segue-
se daqui que é errôneo usá-la de forma inaproveitável. Ao dar-nos as Escrituras, o Senhor não pretendia
satisfazer nossa curiosidade, nem alimentar nossa ânsia por ostentação, nem tampouco deparar-nos
uma chance para invenções místicas e palavreado tolo; sua intenção, ao contrário, era fazer-nos o bem. E
assim, o uso correto da Escritura deve guiar-nos sempre ao que é proveitoso.” (Calvino, J. As Pastorais,
São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.16), p. 263). “As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto
não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de
excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra.” (As Institutas, III.21.4).
“Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à sabedoria imensa de Deus, que
em Seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é dado, nem é lícito saber, douta é a
ignorância, a avidez de conhecimento, uma espécie de loucura.” (As Institutas, III.23.8).
218 Consultar referência.
219 Calvino observou que: “Só quando Deus irradia em nós a luz de seu Espírito é que a Palavra logra
produzir algum efeito. Daí a vocação interna, que só é eficaz no eleito e apropriada para ele, distingue-se
da voz externa dos homens.” (Calvino, J., Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (10.16),
p. 374). A vocação eficaz do eleito, “não consiste somente na pregação da Palavra, senão também na
iluminação do Espírito Santo.” (CALVINO, J. As Institutas, III.24.2).
220 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


87

A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS

O QUE INSPIRAÇÃO NÃO É

A. Mecânica ou Ditada
Inspiração não significa que os escritores receberam o conteúdo de seus escritos,
por ditado divino. Se assim fosse, significaria que eles foram apenas os secretá-
rios, amanuenses de Deus, que copiavam pura e simplesmente o que lhes fora
ditado221; logo, não haveria estilos diferentes na Bíblia, o que, como sabemos, há.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O estilo, nesse caso, seria do Espírito Santo. Um dos textos que indicam o contrá-
rio, é 2Pe 3.15,16, quando Pedro faz alusão à maneira própria de Paulo escrever.

B. Iluminação
A Inspiração não consiste apenas numa intensificação da ação do Espírito Santo
sobre os escritores, de tal forma que eles puderam ter um grau mais elevado de
percepção espiritual. Se a inspiração fosse apenas isto, cairíamos num subjeti-
vismo extremamente perigoso, pois, nesse caso, a veracidade dos textos bíblicos
dependeria da apreensão de cada “iluminado” para que pudesse registrar o que
percebera. Consequentemente, não poderíamos considerar a Bíblia como o regis-
tro inerrante da Palavra de Deus, visto que a Bíblia apenas conteria a Palavra que
foi apreendida, captada... Este conceito contraria o ensino das Escrituras (Vd. Jo
10.35; At 4.25,26; 6.2), que afirma que Deus fala através dos Seus servos, sendo
o seu registro, a Palavra de Deus, a qual não pode ser anulada.

C. Intuição
Inspiração não significa que os escritores foram inspirados da mesma forma
que os grandes autores da literatura, inventores, cientistas, músicos etc.222

221 Notemos que não haveria nenhum problema em copiar o “ditado” divino; o que estamos dizendo é que
a Bíblia não nos ensina isso.
222 Richardson, que sustenta tal posição, diz: “a inspiração dos livros da Bíblia não nos força a aceitar
que foram produzidos ou escritos de qualquer maneira genericamente diferente daquela por que se
escreveram outros grandes livros cristãos, como, por exemplo, A Imitação de Cristo ou O Peregrino. A
inspiração do Espírito Santo, no sentido em que o apóstolo Paulo disse ter a direção do Espírito, não
cessou quando foram escritos todos os livros do Novo Testamento, ou quando se estabeleceu finalmente o
cânon do Novo Testamento. Há uma boa porção da literatura cristã que vai do século segundo ao século
vinte, que pode com muita propriedade ser tida como inspirada pelo Espírito Santo, precisamente no
mesmo sentido formal que julgamos inspirados os livros da Bíblia.” (RICHARDSON, A. Apologética
Cristã, 2ª ed. Rio de Janeiro, JUERP, 1978. p. 167).

A Inspiração das Escrituras


II

Se assim fosse, a Bíblia poderia até ser um belíssimo livro, todavia apenas um
livro humano, criado pela genialidade humana e, por mais belo e extraordiná-
rio que fosse, seria falível, cheio de erros, preceitos antiquados e o pior de tudo:
não nos conduziria a Deus (Jo 5.39).

D. Parcial ou Fracional
Inspiração não significa que os autores tiveram apenas uma inspiração parcial quanto
a alguns assuntos da Bíblia. Os defensores desta idéia entendem que doutrinaria-
mente a Bíblia contém a Palavra de Deus (embora não haja unanimidade quanto à

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aceitação desta ou daquela doutrina); contudo, ela contém erros de história, crono-
logia, arqueologia, geografia, etc. A idéia mais comum, é a de que a Bíblia só teria
autoridade em matérias morais e espirituais. Este conceito traz em seu bojo a pres-
suposição consciente ou inconsciente de que a Bíblia tem uma “inerrância limitada”,
restrita aos assuntos morais e espirituais.223 Todavia, Paulo diz que “Toda Escritura
é inspirada por Deus...” (2Tm 3.16). O labor humano em tentar separar – como se
existisse o que separar –, o que é “inspirado” do que “não é inspirado”, se constitui
em algo nocivo e temerário, visto que o homem arroga a si a condição de superior à
Palavra, colocando-se sobre a Bíblia para julgá-la, com critérios subjetivos, estabele-
cendo um “Cânon dentro do Cânon”, rejeitando o próprio testemunho das Escrituras.

E. Mental
Inspiração não significa que os autores secundários tiveram apenas os seus pen-
samentos inspirados, mas não as palavras de seus registros. Se isso fosse assim, os
pensamentos seriam verdadeiros, contudo o registro desses pensamentos pode-
ria e, de fato, conteria erros. Ora, essa concepção é extravagante, uma vez que
admite a possibilidade de Deus inspirar o pensamento humano sem palavras.
Não é justamente em palavras que nós pensamos, ainda que a sua expressão possa
ser pictórica? Além do mais, a Bíblia nos ensina que Deus dá as palavras para
serem registradas (Cf. Ex 24.4; 34.27; Is 30.8; Jr 1.9; 36.2; Hc 2.2; Ap 21.5). A ins-
piração termina não nas ideias, mas no registro final das Escrituras (2Tm 3.16).

223 Sproul apresenta, de forma clara e objetiva, alguns desvios decorrentes da aceitação da “inerrância
limitada”. (SPROUL, R. C. Sola Scriptura: Crucial ao Evangelicalismo: In: BOICE, J. M. ed. O Alicerce da
Autoridade Bíblica, p. 134-138. A interpretação católica romana, a partir do Concílio Vaticano II (1962-
1965), corresponde a este conceito. Conforme já vimos, o Concílio declarou: “Deve-se professar que os
livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus em vista da nossa salvação
quis fosse consignada nas Sagradas Escrituras.” (Compêndio do Vaticano II, II.3.11. § 179, p. 129).

O DEUS QUE SE REVELA


89

O QUE ENTENDEMOS POR INSPIRAÇÃO

A. Considerações Gramaticais
A palavra “inspiração” não ocorre no Novo Testamento. Ela só aparece uma
única vez no Antigo Testamento: “mas ninguém diz: onde está Deus que me fez,
que inspira canções de louvor durante a noite” (Jó 35.10) (ARA).224 No Novo
Testamento, a palavra é decorrente de uma tradução interpretativa do Texto de
2Tm 3.16, que diz: “toda Escritura é inspirada por Deus...”. A expressão “ins-
pirada por Deus” provém de um único termo grego, Qeo/pneustoj, que só
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ocorre aqui. (Não aparece na LXX). Todavia a tradução que temos (Almeida,
Revista e Atualizada) segue aqui a Vulgata que traduz “Divinitus Inspirata”.225
A palavra Qeo/pneustoj não significa “ins-pirado”, mas sim “ex-pirado”,
ou seja, ao invés de soprado para dentro, soprado para fora. Esse adjetivo, comenta
Colin Brown,
não significa qualquer modo específico de inspiração, tal qual alguma for-
ma de ditado divino. Nem sequer dá a entender a suspensão das faculda-
des cognitivas normais dos autores humanos. Do outro lado, realmente
quer dizer algo bem diferente da inspiração poética. É um erro omitir o
elemento divino no termo, transmitido por theo (The New English Bible
faz assim, ao traduzir a frase; ‘toda escritura inspirada’).226 É claro que a ex-
pressão não dá a entender que algumas escrituras são inspiradas, enquanto
outras não são. Todas as Sagradas Escrituras expressam a mente de Deus;
fazem assim, no entanto, com o alvo da sua operação prática na vida.227

O que Paulo quer dizer é que toda a Escritura Sagrada é soprada, exalada por
Deus. Se tomarmos a palavra apenas no sentido passivo, diremos que “Deus, em
sua revelação, é soprado pelas páginas das Escrituras”. Desse modo, podemos
dizer que Deus é o Autor e o Conteúdo das Escrituras.

224 O verbo é traduzido da mesma forma em BJ. ARC e ACR traduzem mais literalmente, por “dá”
225 A expressão completa é: “Omnis Scriptura Divinitus Inspirata”.
226 De fato, assim lemos em The New English Bible: New Testament, Great Britain, Oxford University
Press, 1961: “Every inspired scripture”. Mesmo equívoco comete ARC. Vd. uma boa discussão sobre
este ponto In: BLUM, E. A. The Apostles’ of Scripture: In: GEISLER, N. L. ed. Inerrancy, Grand Rapids,
Michigan: Zondervan Publishing House, 1980, p. 45ss.
227 BROWN, C. Escritura: In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia
do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. II, p. 103-104. Vd. A análise da questão
In: Hoeksema, H. C. The Doctrine of Scripture, Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing
Association, 1990, p. 40ss.

A Inspiração das Escrituras


II

Benjamin B. Warfield (1851-1921), comentando o Texto de 2 Tm 3.16, diz:


Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, sim-
plesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer
indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se
poderia escolher nenhuma outra expressão que afirmasse, com maior
saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz. (...) Paulo
(...) afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto
de uma operação especificamente divina (WARFIELD, 1967, p. 79).

Com isso, estamos dizendo que o Deus que Se revelou, esteve “expirando” os
homens que Ele mesmo separou para registrarem essa revelação. A inspira-

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ção bíblica garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração
profética fazia com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse
literalmente à mente de Deus. Em outras palavras: a Palavra escrita é tão fide-
digna quanto a Palavra falada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.
A Bíblia é o registro infalível da Palavra de Deus. Deus fez com que os Seus ser-
vos registrassem a Sua vontade mediante a Revelação, Inspiração e Iluminação do
Espírito; desta forma, o Deus Triúno é o Autor das Escrituras, sendo a Inspiração
mais propriamente atribuída ao Espírito. (Cf. 2Sm 23.2; Mt 22.43; At 1.16; 4.24-
26; 28.25; Hb 3.7-11; 9.6-8; 10.15-17; 1Pe 1.10-12/2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21).

B. Definição de Inspiração
Podemos definir a Inspiração como sendo a influência sobrenatural do Espírito
de Deus sobre os homens separados por Ele mesmo, a fim de registrarem de
forma inerrante e suficiente toda a vontade de Deus, constituindo este registro
na única fonte e norma de todo o conhecimento cristão.
Van Groningen (1995, p. 64-65) coloca a questão nestes termos:
O Espírito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim diri-
giu-os que eles, em plena consciência, expressaram-se na sua singular
maneira pessoal. O Espírito capacitou homens a conhecer e expressar
a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse
contrária a essa verdade de Deus. Ele também impediu-os de escrever
coisas que não eram necessárias. Assim, homens escreveram como ho-
mens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a mensagem de Deus, não
a do homem (Gerard Van Groningen. Revelação Messiânica no Velho
Testamento, Campinas: Luz para o Caminho, 1995, p. 63).

O DEUS QUE SE REVELA


91

Assim, cremos que a Inspiração foi Plenária, Dinâmica, Verbal e Sobrenatural:


1. Plenária: porque toda a Escritura é plenamente expirada. De Gênesis ao
Apocalipse, tudo o que foi registrado, o foi pela vontade de Deus (2 Tm
3.16; 2Pe 1.20-21).
2. Dinâmica:228 porque Deus não anulou a personalidade dos escritores, por
isso, inspirados por Deus, eles puderam usar de suas experiências, pes-
quisas, aptidões e manter o seu estilo (2Pe 3.15-16). Deus, na realidade,
separou os seus servos antes deles nascerem e os preparou para desem-
penharem essa função (Is 49.1,5; Jr 1.5; Gl 1.15-16).229
3. Verbal: porque Deus se revelou por meio de Palavras e todas as pala-
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vras dos autógrafos originais são Palavra de Deus (2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt
5.18; 1Co 2.13). Em Gl 3.16, é interessante observar que Paulo baseia
o seu argumento em uma só palavra usada no original hebraico.230
A inspiração se estende aos pensamentos bem como às palavras.231

228 A inspiração é também chamada de “orgânica”, porque a Escritura pode ser comparada em certo sentido a
um organismo, onde há uma interação harmoniosa de forças. Deus preparou os Seus servos desde à eternidade,
tornando-os “órgãos da inspiração”. (Vd. HOEKSEMA, H. C. The Doctrine of Scripture, p. 78ss).
229 Consultar referência.
230 Consultar referência.
231 TIl, C. V. An Introduction To Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey, Presbyterian and Reformed
Publishing Co., 1974, p. 152. Seguindo essa linha de interpretação, a Formula Consensus Helvetica (1675) –
também conhecida como “Símbolo Secundino”, “Formula Anti-Saumuriensis”, ou “Anti-Amyraldensis” devido
ao combate à teologia de Moisés Amyraut (1596-1664) da escola de Saumur –, foi mais longe, declarando a
infalibilidade das vogais hebraicas(*), que, diga-se, ainda não existiam nos tempos bíblicos (Sobre as “massoretas”
que vocalizaram o Antigo Testamento Hebraico, Vd. ARCHER JUNIOR, G. L. Merece Confiança o Antigo
Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 65ss; R.N. Champlin, Manuscritos do Antigo Testamento e Massora:
In: EBTF., IV, p. 64-65; 153). Diz a Formula no cânon II: “O Original Hebreu do Antigo Testamento que temos
recebido da tradição da Igreja Judaica, a qual antigamente ‘foram confiados os oráculos de Deus’ (Rm 3.2), e
retido até o presente dia, tanto em suas consoantes como em suas vogais – os pontos mesmos, ou pelo menos, a
força dos pontos –, e tanto em sua substância como em suas palavras é inspirado divinamente, de modo que, junto
com o Original do Novo Testamento, é a única e completa regra da nossa fé e vida, mediante cujo critério, como
uma pedra de toque, devem ser postas à prova todas as versões que existem, tanto orientais como ocidentais, e
se em algum ponto variam, devem ser colocadas em conformidade com a mesma”. (In: LEITH, J. H. ed. Creeds
of the Churches, New York, Anchor Books, 1963, p. 310). Esta declaração teológica, que Hodge denomina de
“a mais científica e completa de todas as Confissões Reformadas” (Hodge, A. A. Esboços de Theologia, Lisboa,
Barata & Sanches, 1895, p. 113), foi elaborada em Zurique, pelo professor John Henry Heidegger, de Zurique
(1633-1698); Rev. Lucas Gernler, de Basiléia (1625-1675) e pelo professor François Turretini, de Genebra (1623-
1687), o grande teólogo reformado, para quem a Bíblia é a única fonte da Teologia. Ela foi a última Confissão
da Igreja Reformada Suíça, encerrando, assim, o período de “Credos Calvinistas”. Mesmo não estendendo
sua autoridade além da Suíça, esta Fórmula é de grande valor para a história da teologia Protestante e para o
fortalecimento da união entre os Reformados nos cantões suíços. ”Este Consensus foi significativo não somente
para condenar a teologia Salmuriana, porém também pra unir os cantões evangélicos da Suiça na comum
definição da fé reformada. Semelhante unidade foi necessária para o fortalecimento reformado da Suíça contra
a Igreja Católica Romana.” (KLAUBER, M. I. The Helvetic Formula Consensus (1675): An Introduction and
Translation: In: Trinity Journal, 11NS (1990), p. 107). (Vd. SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, 6ª ed.
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), (1931), Vol. I, p. 478-479; Hodge, A.
A., Esboços de Theologia, p. 113; ROGERS, J. The Church Doctrine of Biblical Authority: In: ROGERS, J, ed.
Biblical Authority, Waco, Texas, Word Books, 1977, p. 30-31).
(*) Esta tese era sustentada por Johannes Buxtorf, pai (1564-1629) e filho (1599-1664), tendo esse exercido
influência na Fórmula. (Vd. BERTHEAU, E. Buxtorf: In: SCHAFF, P. ed. Religious Encyclopaedia: or
Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Chicago, Funk Wagnalls, Publishers,
1887 (Revised Edition), Vol. I, p. 351; Schaff, P. The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 479-480; Tillich, P.
História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE, 1988, p. 256).
A Inspiração das Escrituras
II

4. Sobrenatural: por ter sido originada em Deus e produzir efeitos sobre-


naturais, mediante a ação do Espírito Santo, em todos aqueles que creem
em Cristo. (Jo 17.17; Rm 10.17; Cl 1.3-6; 1Pe 1.23). É por meio da Palavra
que Deus gera os seus filhos espirituais.232

C. O Papel dos Escritores Sagrados nos Seus Respectivos Registros

1. Papel Passivo

Eles foram inteiramente passivos no sentido de que não interferiram na ação

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de Deus em se revelar e, também, no fato de que não expressaram a sua natu-
reza pecaminosa. Os escritores foram apenas instrumentos humanos por meio
dos quais Deus decretou registrar a Sua mensagem (2 Pe 1.21; 2 Tm 3.16).
Eles falaram, todavia somente à medida que foram conduzidos pelo Espírito
Santo. A Escritura não é maniqueísta: tendo de um lado a Palavra de Deus e,
de outro, a palavra dos homens; nem é ela o produto de uma decisão humana
e falível; é, antes, “exalada por Deus” em toda a sua extensão.233

2. Papel Ativo

Conforme já afirmamos anteriormente, Deus não anulou a personalidade


dos escritores; caso contrário, na Bíblia haveria apenas um único e incon-
fundível estilo: o estilo do Espírito Santo. No entanto quer por meio dos
Originais, quer por meio das traduções, é facilmente percebida a diferença
entre os escritos de Moisés, Isaías, Amós etc. Da mesma forma, é percep-
tível de modo claro as características próprias dos escritos de Paulo e de
João, bem como o de Mateus, Marcos e Lucas. Portanto, podemos afir-
mar que, de certa forma, cada Livro da Bíblia é fruto do estilo literário
do seu autor humano (autor secundário).

Por isso, dentro da inspiração, há lugar para assuntos pessoais como, por
exemplo, a Epístola de Paulo a Filemon e, também, há espaço para reco-
mendações e preocupações específicas (Cf. 1Tm 5.23; 2Tm 4.13).

232 Consultar referência.


233 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


93

Edwin Palmer (2009 p. 59-60), comentando este assunto, escreve:


Deus permitiu que o amor de Davi pela natureza brilhasse em seus
Salmos, que o conhecimento que Paulo tinha da literatura pagã se ma-
nifestasse em suas cartas, que os conhecimentos médicos de Lucas ca-
racterizassem seus escritos, que a brusquidão de Marcos aparecesse em
seu livro. Tanto é, que Paulo escreveu em uma forma lógica, João o fez
numa forma mais mística.

Essa compreensão harmoniza-se perfeitamente com a soberania de Deus. Ele


decretou e controlou os eventos, proporcionando as condições para que os seus
servos se tornassem “naturalmente” aptos para a tarefa que Deus lhes confia-
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ria.234 Na doutrina da inspiração, vemos de forma nítida a providência de Deus,


que revela o Seu governo sobre todas as coisas.
Os escritores sagrados não foram obrigados a escrever nada que fosse con-
trário a sua vontade, nem Deus fez com que quem só soubesse o hebraico, tivesse
de escrever em grego. Deus usou as suas aptidões “naturais” misteriosamente,
de tal forma, que o produto final fosse o registro inerrante da Palavra de Deus e,
ao mesmo tempo, houvesse a expressão da individualidade de cada escritor.235

A BÍBLIA DÁ TESTEMUNHO DA SUA INSPIRAÇÃO E INERRÂNCIA:

Conforme já indicamos de forma bastante resumida, a Bíblia autentica-se a si


mesma como o registro inspirado e inerrante da revelação de Deus. Deus orde-
nou que a Sua palavra fosse escrita (Ex 17.14), sendo chamado este registro de
“Livro do Senhor” (Is 34.16). Analisemos esse ponto com mais vagar, substancian-
do-o com alguns dos muitos textos bíblicos que fundamentam a nossa assertiva:

A. Os Profetas

1. Os profetas são descritos como aqueles por meio dos quais Deus fala (Ex 7.1;
Dt 18.15,18; Jr 1.9; 7.1). O Profeta não criava nem adaptava a mensagem;
a ele competia transmiti-la como havia recebido (Ex 4.30; Dt 4.2,5). O que
se exige do Profeta é fidelidade. Martin-Achard, resume bem isso, dizendo:

234 Consultar referência.


235 Consultar referência.

A Inspiração das Escrituras


II

Na realidade, o profeta não tem por missão pregar uma ideologia nova,
qualquer que seja ela, ele coloca novamente os seus contemporâneos
diante da pessoa de Deus, ele situa Israel diante de Alguém e não diante
de um ensinamento ou um ideal, ele deixa Javé e o seu povo face a face
(Martin-Achard, 1970, p. 71. Vd. ARCHER JUNIOR, 1974, P. 333-337).

2. Os profetas tinham consciência de que foram chamados por Deus (1Sm


3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3). Receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5;
Dt 18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta dos seus próprios pensamentos
(Nm 16.28; 24.13; 1Rs 12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados
justamente de proferirem as suas próprias palavras e não as de Deus (Jr

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14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).

3. Quando os profetas se dirigiam ao povo, diziam: “assim diz o Senhor...”,


“Ouvi a Palavra do Senhor...”. “Veio a Palavra do Senhor” (Cf. Ez 31.1;
Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1,4, etc.), isso indi-
cava a certeza que tinha de que Deus lhes dera a mensagem e os enviara
(Cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss, 17,22; 37.1; Am 3.8; Jn 1.2).

4. Um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus é que


nem sempre eles entendiam a mensagem transmitida (Cf. Dn 12.8,9;
Zc 1.9; 4.4; 1Pe 1.10,11).

B. Os Apóstolos
Os escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo Testamento a Palavra
de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a “Escritura” um registro fiel da história e da von-
tade de Deus (Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).
Os Apóstolos falavam com a convicção de que estavam pregando e ensinando
a Palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Espírito Santo (Vd. 1Co 2.4-13; 7.10;
14.37; 2Co 13.2-3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Ts 3.14). Paulo e Pedro coloca-
vam os Escritos do Novo Testamento no mesmo nível do Antigo Testamento (Cf.
1Tm 5.18/Dt 25.4; Lc 10.7; 2Pe 3.16). Paulo reconheceu os apóstolos e os pro-
fetas, no mesmo nível, como os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus
Cristo, a pedra angular (Ef. 2.20).

O DEUS QUE SE REVELA


95

C. Jesus Cristo
Jesus apelava para o Antigo Testamento, considerando-o como a expressão fiel
do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisória. Deus é o Autor das
Escrituras (Mt 4.4,7,10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16,42; 22.29; Mc 10.5-9; 12.10; 12.24;
Lc 19.46; 24.25-27, 44-47; Jo 10.34).

D. Afirmações Diretas das Escrituras


O Novo Testamento declara enfaticamente que toda a Escritura, como Palavra
de Deus, é inspirada, inerrante e infalível (Vd. Mt 5.18; Lc 16.17,29,31; Jo 10.35;
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2Tm 3.16; Hb 1.1-2; 3.7-11; 10.15-17; 2Pe 1.20).
A Bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração
e inerrância, todavia os homens só poderão ter essa convicção mediante o tes-
temunho interno do Espírito Santo (Sl 119.18).236 Os discípulos de Cristo só
entenderam as Escrituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lc
24.45). A Escritura autentica-se a si mesma, e nós a recebemos pelo Espírito.237
A posição que sustentamos nesse ensaio consiste apenas em uma rendição
incondicional às reivindicações Proféticas, Apostólicas e do próprio Cristo. Diante
de um testemunho tão evidente, como poderia eu descartá-lo e seguir as opi-
niões fantasiosas de homens? O cristão sincero deve aprender, pelo Espírito de
Deus, a subordinar a sua inteligência à sabedoria de Deus revelada nas Escrituras
e guarda-la no coração a Palavra de Deus (Sl 119.11).238

236 Consultar referência.


237 Consultar referência.
238 Alhures escreve: “A Palavra de Deus deve ser guardada em nosso coração – o centro de nosso
pensamento, emoções e decisões –, a fim de que todo o nosso procedimento, seja conforme os Preceitos
de Deus. A Palavra de Deus meditada e guardada no coração, é preventiva contra o pecado: “Guardo no
coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.” (Sl 119.11) (Veja: Sl 37.31;119.2,57,69; Pv 2.10-12). O
verbo “guardar” no salmo citado [}apfc (çãphan) = “esconder”, “ocultar”, “entesourar”, “armazenar”], tem o
sentido de guardar com atenção, levando-o em consideração no seu agir (Vd. no sentido negativo: Sl 10.8;
56.6; Pv 1.11,18) ; esconder alguém considerado precioso ou importante a ponto de arriscar a sua própria
vida para poder ocultar (Ex 2.2-3; Js 2.4) – Deus também nos “esconde”, nos “protege” dos inimigos (Sl
27.5; 31.19, 20; 83.3) –; ou algo precioso para alguém (Ct 7.13), tendo em vista sempre algum propósito.
Portanto, guardar a Palavra no coração significa considera-la em todo o nosso ser, sendo ela a norteadora
do nosso sentir, pensar, falar e agir; o lugar da Palavra deve ser sempre no cerne essencial do homem.
A Palavra é guardada em nosso coração quando está presente continuamente, não meramente como
um preceito exterior, mas sim, como um poder interno motivador que se opõe ao nosso pensar e agir
egoísticos.” (COSTA, H. M. P. Santificação: A Vontade de Deus para o Seu Povo, São Paulo: 1995, p. 32-
33).

A Inspiração das Escrituras


II

A “INSUFICIÊNCIA” DAS ESCRITURAS?

Durante toda a história, a Palavra de Deus foi alvo dos mais diversos ataques,
entre eles, o mais comum é a suposição de sua falibilidade. No entanto um ataque
mais sutil que também permeou boa parte da história da Igreja é a concepção,
ainda que muitas vezes velada, de que as Escrituras não são suficientes para nos
dirigir e orientar.
Melanchthon (1497-1560) e Lutero (1483-1546) depararam-se explicita-
mente com esse problema bem no início da Reforma Protestante. Por volta de

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1520, na pequena, porém, próspera e culta cidade alemã de Zwickau, quando sur-
giu um grupo de homens “iluminados” – chamados por Lutero de “profetas de
Zwickau”239 –, que alegava ter revelações especiais vindas diretamente de Deus,
entendendo ter sido chamado por Deus para “completar a Reforma”. A sua reli-
gião partia sempre de uma suposta revelação interior do Espírito. Acreditavam
que o fim dos tempos estava próximo – os ímpios seriam exterminados – e que,
por isso, não era necessário estudar teologia visto que o Espírito estaria inspi-
rando os pobres e ignorantes. Combatiam também o batismo infantil. Assim
pensando, esses homens diziam:
de que vale aderir assim tão estritamente à Bíblia? A Bíblia! Sempre a
Bíblia! Poderá a Bíblia nos fazer sermão? Será suficiente para a nossa
instrução? Se Deus tivesse tencionado ensinar-nos, por meio de um
livro, não nos teria mandado do céu uma Bíblia? Somente pelo Espírito
é que poderemos ser iluminados. O próprio Deus fala dentro de nós.
Deus em pessoa nos revela aquilo que devemos fazer e aquilo que de-
vemos pregar.240

Um certo alfaiate, Nícolas Storck, escolheu doze apóstolos e setenta e dois discípulos,
declarando que, finalmente, tinham sido devolvidos à Igreja os profetas e apóstolos.241

239 Os principais líderes eram: Nícolas Storck, Marcos Tomás e Marcos Stübner. Tomás Münzer (c. 1490-
1525) tornar-se-ia o mais famoso dos que foram influenciados por esse círculo, tendo mais tarde as suas
idéias próprias, ainda que fiel aos mesmos princípios. (Vd. WILLIAMS, G. H. La Reforma Radical,
México: Fondo de Cultura Económica, 1983, p. 66ss; DELUMEAU, J. O Nascimento e Afirmação da
Reforma, São Paulo: Pioneira, 1989, p. 101).
240 Consultar referência.
241 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


97

Ele, acompanhado de Marcos Stübner e Marcos Tomás, foi a Wittenberg


(27/12/1521) – que já enfrentava tumultos liderados por Andreas B. von Carlstadt
(c. 1477-1541) e Gabriel Zwilling (c. 1487-1558) –, pregar o que considerava ser
a verdadeira religião cristã, contribuindo grandemente para a agitação daquela
cidade. Stübner, antigo aluno de Wittenberg, justamente por ter melhor preparo,
foi comissionado a representá-los. Melanchthon que conversou com Stübner,
interveio na questão, ainda que timidamente. Storck,242 mais inquieto, logo par-
tiu de Wittenberg; Stübner, no entanto permaneceu realizando ali um intenso e
eficaz trabalho proselitista; “era um momento crítico na história do cristianis-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mo”.243 Comentando os problemas suscitados pelos “espiritualistas”, o historiador


D’aubigné (1794-1872) conclui: “a Reforma tinha visto surgir do seu próprio seio
um inimigo mais tremendo do que papas e imperadores. Ela estava à beira do
abismo.”244 Daí ouvir-se em Wittenberg o clamor pelo auxílio de Lutero. E Lutero,
consciente da necessidade de sua volta, abandonou a segurança de Warteburgo,
retornando a Wittenberg245 a fim de colocar a cidade em ordem (1522), o que fez
com firmeza e espírito pastoral.246 Mais tarde, Lutero escreveria: “onde, porém,
não se anuncia a Palavra, ali a espiritualidade será deteriorada.”247
Não nos iludamos, essa forma de misticismo ainda está presente na Igreja e tem
sido extremamente perniciosa para o povo de Deus, acarretando um desvio espi-
ritual e teológico, deslocando o “eixo hermenêutico” da Palavra para a experiência
mística, afastando-nos, assim, da Palavra e, consequentemente, do Deus da Palavra.

242 Como resultado das supostas revelações diretas de Deus, Storck e seus companheiros sustentavam
que “dentro de cinco a sete anos os turcos invadiriam a Alemanha e destruiriam os sacerdotes e todos os
ímpios. Storck via-se como cabeça de uma nova igreja, designada por Deus para completar a Reforma
que Martinho Lutero deixara inacabada.” [WEAVER, J. D. Profetas de Zwickau: In: ELWELL, W. A. ed.
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, Vol. III, p. 657].
243 Consultar referência.
244 Consultar referência.
245 Justificando com o príncipe o motivo da sua volta, escreveu-lhe no dia de sua chegada a Wittenberg, 7
de março de 1522: “Não são acaso os Wittemberguenses as minhas ovelhas? Não mas teria confiado Deus?
E não deveria eu, se necessário, expor-me à morte por causa delas?” (apud D’AUBIGNÉ, J. H. M. História
da Reforma do Décimo-Sexto Século, Vol. III, p. 83).
246 Lutero, iniciando no dia 09/3/1522, pregou oito dias consecutivos em Wittenberg. Vd. o seu primeiro
sermão In: Lutero, M. Pelo Evangelho de Cristo: Obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma,
Porto Alegre/São Leopoldo, RS.: Concórdia Editora/Editora Sinodal, 1984, p. 153-161. Quanto aos
detalhes da sua volta, Vd: D’AUBIGNÉ, J. H. M., História da Reforma do Décimo-Sexto Século, III, p.
72ss.; ATKINSON, J. Lutero e o Nacimiento del Protestantismo, p. 254ss.
247 Consultar referência.

A Inspiração das Escrituras


II

O trágico é que justamente aqueles que supõem desfrutarem de maior “intimi-


dade” com Deus são os que patrocinam o distanciamento da Palavra revelada de
Deus. Davi enfatiza: “a intimidade do Senhor é para os que o temem, aos quais
ele dará a conhecer a sua aliança” (Sl 25.14). Portanto, a nossa intimidade com
Deus revela-se em nosso apego a Sua Palavra, a Sua aliança. Nesse texto, Calvino
faz uma aplicação bastante contextualizada:
...é uma ímpia e danosa invenção tentar privar o povo comum das san-
tas escrituras, sob o pretexto de serem elas um mistério oculto, como se
todos os que o temem de coração, seja qual for seu estado e condição

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em outros aspectos, não fossem expressamente chamados ao conheci-
mento da aliança de deus.248

Nós somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma; para nós, como para
os reformadores, a Palavra de Deus é a fonte autoritativa de Deus para o nosso
pensar, crer, sentir e agir: a Palavra de Deus nos é suficiente.

TRADIÇÃO & ESCRITURA?!

A. Novo Eixo Hermenêutico


Na Reforma, deu-se uma mudança de quadro de referência. O “eixo hermenêu-
tico” desloca-se da tradição da igreja para a compreensão pessoal da Palavra.
Há aqui uma mudança de critério de verdade que determina toda a diferença.
No entanto, conforme acentua Popkin, Lutero inicialmente confrontou a igreja
dentro da perspectiva da própria tradição da igreja, somente mais tarde é que ele
deu um passo crítico que foi negar a regra de fé da Igreja, apresentando
um critério de conhecimento religioso totalmente diferente. Foi neste
período que ele deixou de ser apenas mais um reformador atacando
os abusos e a corrupção de uma burocracia decadente, para tornar-se
o líder de uma revolta intelectual que viria a abalar os próprios funda-
mentos da civilização ocidental.249

248 Consultar referência.


249 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


99

B. “Sola Scriptura” x Tradição?


A tradição nunca foi rejeitada pelo simples fato de ser tradição. Na própria
Escritura, encontramos ênfase e crítica à tradição [para/dosij] (2Ts 2.15).250 A
questão básica é: a que tradição estamos nos referindo? “Lutero e os reformadores
não queriam dizer por Sola Scriptura que a Bíblia é a única autoridade da igreja.
Pelo contrário, queriam dizer que a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da
Igreja.”251 A autoridade dos Credos (Apostólico, Nicéia, Calcedônia) era indiscuti-
velmente considerada pelos reformadores – tendo inclusive Lutero [O Catecismo
Maior (1529) e O Catecismo Menor (1529)] e Calvino [Catecismo de Genebra
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(1536/37 e1541/2) e Confissão Gaulesa (1559)] elaborado Catecismos para a


Igreja –; contudo, somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas.
Quanto a nós, hoje, os Credos servem como desafio para que continuemos
nossa caminhada na preservação da doutrina e na aplicação das verdades bíbli-
cas aos novos desafios de nossa geração, integrando-nos, assim, à nobre sucessão
daqueles que amam a Deus e a Sua Palavra e que buscam entendê-la e aplicá-la,
em submissão ao Espírito, à vida da Igreja. Uma tradição saudável tem compro-
misso com o passado na geração do futuro. Portanto,
o conservadorismo criativo utiliza-se da tradição, não como autorida-
de final ou absoluta, mas como recurso importante colocado a nossa
disposição pela providência de Deus, a fim de nos ajudar a entender o
que a Escritura está nos dizendo sobre quem é Deus, quem somos nós,
o que é o mundo ao nosso redor e o que fomos chamados para fazer
aqui e agora.252

O Credo é uma resposta do homem à Palavra de Deus, sumariando os artigos


essenciais da fé cristã. Dessa forma, eles pressupõem fé, mas não a geram. Essa
é obra do Espírito Santo através da Palavra (Rm 10.17).

250 A tradição oral (para/dosij) [“transmissão”, “entrega”, “tradição”. A palavra é formada de “Para/”
(“junto a”, “ao lado de”) & “Di/dwmi” (Conforme o contexto: “dar”, “trazer”, “conceder”, “causar”, “colocar”,
etc.] consistia basicamente no que Jesus Cristo, os apóstolos e outros servos de Deus ensinavam por
meio de seus sermões, orientações e comportamento.(1Co 11.2, 23-25; Gl 1.14; 2Ts 2.15; 3.6/Rm 6.17;
16.17; 1Co 15.1-11; Fp 4.9; 1Ts 2.9, 13; 4.11,12). Nesses textos, evidenciam-se que a “tradição” recebida
e ensinada amparava-se numa certeza quanto à sua origem divina. Portanto, as “tradições” mencionadas
por Paulo distinguem-se daquelas inventadas e transmitidas pelos homens, as quais são recriminadas
por Cristo, visto que estes ensinamentos anulavam a Palavra de Deus (Cf. Mt 15.2,3,6; Mc 7.3,5,8,9,13). A
para/dosij é rejeitada todas as vezes que entra em choque com a Palavra de Deus.
251 Consultar referência.
252 Consultar referência.

A Inspiração das Escrituras


II

Os Credos baseiam-se na Palavra, porém não são a Palavra – nem jamais foi
isso cogitado pelos seus formuladores; eles não podem substituir a Palavra de
Deus; somente Ela gera vida pelo poder de Deus (1Pe 1.23; Tg 1.18).
Para nós, reformados, os Credos têm a sua autoridade decorrente da Palavra
de Deus; em outras palavras, o seu valor não é intrínseco, mas sim, extrínseco:
Eles são recebidos e cridos enquanto permanecem fiéis à Escritura; assim, a sua
autoridade é relativa.
Os Credos são somente uma aproximação e relativa exposição correta da
verdade revelada. Dessa forma, podem ser modificados pelo progressivo conhe-

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cimento da Bíblia a qual é infalível e inesgotável. Por isso, não devemos tomar
os Credos como autoridade final para definir um ponto doutrinário: os limites
de nossa reflexão teológica estão na Palavra, não nos Credos. Os Credos não
estabelecem o limite de nossa fé, antes a norteia. A Palavra de Deus sempre será
mais rica do que qualquer pronunciamento eclesiástico por melhor que seja ela-
borado e por mais fiel que seja às Escrituras. No entanto, como ressalta Packer,
“na verdade a abordagem impiedosa seria tentar aprender de Deus como cava-
leiro solitário que orgulhosamente ou impacientemente virasse as costas para
a igreja e sua herança: isso seria receita certeira para esquisitices sem fim!”.253
A Confissão de Westminster estabelece o paradigma que deve nos orientar:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de con-
cílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de
homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos
devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na
Escritura. (Confissão de Westminster, capítulo I, seção 10).

6. A IGREJA SOB AS ESCRITURAS

Calvino sempre manifestou um alto apreço pelas Escrituras. Elas são “a


Palavra pura de Deus”,254 a “Sagrada Palavra de Deus”,255 “Santa Palavra”,256

253 Consultar referência.


254 Consultar referência.
255 Consultar referência.
256 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


101

“Palavra da verdade”,257 “Palavra de Vida”,258 Infalível,259 que tem “segura cre-


dibilidade”260: é íntegra.261 Por isso, ela é a “norma da fé”,262 “infalível norma de
Sua sacra vontade”.263
Essa Palavra, portanto, antecede a Igreja: “se o fundamento da Igreja é a dou-
trina profética e apostólica, impõe-se a esta haver assistido certeza própria antes
que aquela começasse a existir”.264 Assim, como decorrência lógica, não é a Igreja
que autentica a Palavra por sua interpretação, como a igreja romana sustentou
em diversas ocasiões; “um testemunho humano falível (como o da igreja) não
pode moldar o fundamento da divina fé.”265 É a Bíblia que se autentica a si mesma
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como Palavra autoritativa de Deus, e é Ele mesmo Quem nos ilumina para que
possamos interpretá-la corretamente (Sl 119.18). Por isso, o Espírito não pode
ser separado da Palavra. Somente pela operação divina poderemos reconhe-
cer a Sua origem divina bem como compreendê-la salvadoramente. “A suprema
prova da Escritura se estabelece reiteradamente da pessoa de Deus nela a falar.”266
Portanto, a Igreja tentar subordinar a autoridade da Bíblia ao seu arbítrio consiste
em uma “blasfêmia”: “É chocante blasfêmia afirmar que a Palavra de Deus é falí-
vel até que obtenha da parte dos homens uma certeza emprestada.”267 Em outro
lugar: “...a Palavra do Senhor é semente frutífera por sua própria natureza.”268
Na Confissão Gaulesa (1559), redigida primariamente por Calvino (1509-1564),
no Capítulo IV, diz: “nós sabemos que esses livros [das Escrituras] são canônicos, e
a regra segura de nossa fé (Sl 19.9; 12.7), não tanto pelo comum acordo e consen-
timento da Igreja quanto pelo testemunho e persuasão interior do Espírito Santo”
(CONFISSÃO de Westminster, I.6; CONFISSÃO Belga,1561, Art 5).

257 Consultar referência.


258 Consultar referência.
259 Consultar referência.
260 Consultar referência.
261 Consultar referência.
262 Consultar referência.
263 Consultar referência.
264 Consultar referência.
265 Consultar referência.
266 Consultar referência.
267 Consultar referência.
268 Consultar referência.

A Inspiração das Escrituras


II

Cabe a nós submeter o nosso juízo e entendimento à verdade de Deus con-


forme testemunhada pelo Espírito.269A Palavra de Deus direcionada ao homem
revela a seriedade com que Deus nos trata: “sempre que o Senhor nos acerca com
sua Palavra, Ele está tratando conosco da forma mais séria, com o fim de mover
todos os nossos sentidos mais profundos. Portanto, não há parte de nossa alma
que não receba sua influência.”270

A INSPIRAÇÃO E A EVANGELIZAÇÃO

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No ato evangelizador da Igreja, ela prega a Palavra de Deus, conforme a ordem
divina expressa nas Escrituras, fala da salvação eterna oferecida por Cristo, con-
forme as Escrituras, proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras...
Ora, se a Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como, então,
poderá testemunhar de forma honesta?
Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá
ser uma igreja missionária.271 Como poderemos pregar a Palavra se não estiver-
mos confiantes do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se
nós mesmos não temos certeza se o que falamos procede da Palavra de Deus ou
está embasado em uma falácia?
Billy Graham (1974, p. 20), no Congresso de Lausanne, na Suíça, afirmou
corretamente: “se há uma coisa que a história da Igreja nos deveria ensinar, é a
importância de um evangelismo teológico derivado das Escrituras.”
Nesse sentido, encontramos a convicção de Paulo, o grande missionário, de
que a Palavra de Deus é fiel, por isso, ele a ensinava com autoridade (1Tm 1.15;
4.9/2Tm 4.6-8).

269 Consultar referência.


270 Consultar referência.
271 Não faço aqui nenhuma distinção entre “missão” e “evangelização” (Vd. KUIPER, R. B. Evangelização
Teocêntrica, p. 1). Costa, que diz haver uma confusão entre os termos, assim os distingue: “Missão e
evangelismo são, pois, dois lados da mesma moeda. A moeda é Deus (Sic) e Sua atividade redentora
em favor de toda a humanidade. Evangelismo é o anúncio dessa obra; missão é o mandamento que nos
compele a pôr em ação esse anúncio.” (COSTA, O. E. La Iglesia e Su Mision Evangelizadora, Buenos
Aires: La Aurora, 1971, p. 27). O autor acrescenta, de forma acertada, que a distinção equivocada entre
“missão” e “evangelização, tem levado a Igreja a ter uma visão unilateral de missão: ou apenas no exterior,
esquecendo-se do seu âmbito local, ou apenas local em detrimento daquela. (Vd. Ibidem. p. 33ss).
Nesse sentido, vejam-se as pertinentes observações de Francis A. Schaeffer (SCHAEFFER, F. A. Forma e
Liberdade na Igreja: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo/Belo Horizonte, MG. ABU/
Visão Mundial, 1982, p. 222).

O DEUS QUE SE REVELA


103

A grandiosidade da pregação consiste, basicamente, não nos recursos de retórica


(os quais certamente devem ser buscados), mas em sua pureza, em sua fidelidade à
Palavra.272 Como bem disse Charles H. Spurgeon (1834-1892), “se o que pregarem
não for a verdade, Deus não estará aí.”273 Assim sendo, a pregação grandiosa é
bíblica. Pois bem, se eu não creio na inspiração e inerrância da Bíblia, certamente,
poderei ter consciência da biblicidade da minha pregação (basta que pregue o que
está escrito), contudo como poderei ter certeza da veracidade daquilo que prego,
visto que, nesse caso, ser bíblico não é a mesma coisa que ser inerrante e, por isso,
verdadeiro? Se destruir os fundamentos, cai todo o edifício.
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Creio que Satanás, objetivando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem


usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras,
a fim de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, subs-
titua a pregação evangélica por discursos éticos, políticos e filosóficos.274 Aliás, a
Escritura sempre foi um dos alvos prediletos de Satanás (Vd. Gn 3.1-5; Mt 4.3,6,8,9;
2Co 4.3,4). Entretanto a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho,
conforme registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito por meio dos séculos
(2Tm 4.2). A Igreja prega o Evangelho, consciente de que Ele é o poder de Deus
para a salvação do pecador (Rm 1.16), por isso, recusar o Evangelho significa rejei-
tar o próprio Deus que nos fala (1Ts 4.8). Calvino, comentando Rm 1.16, diz que
aqueles que “se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente
rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los”.
(CALVINO, J. Exposição de Romanos, (Rm 1.16), 1997, p. 58). A Igreja proclama
a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age por
meio das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1Co 1.21;
1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14). A Igreja por si só não produz vida, todavia ela
recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), por meio da Sua Palavra vivificadora, desse
modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante as
Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.

272 Consultar referência.


273 SPURGEON, C. H. Firmes na Verdade, Lisboa, Edições Peregrino, 1990, p. 85. “O verdadeiro ministro
de Cristo sabe que o verdadeiro valor de um sermão está, não em seu molde ou modo, mas na verdade
que ele contém. Nada pode compensar a ausência de ensino; toda retórica do mundo é apenas o que
a palha é para o trigo, em contraste com o evangelho da nossa salvação. Por mais belo que seja o cesto
do semeador, é uma miserável zombaria, se estiver sem sementes.” (SPURGEON, A. Lições aos Meus
Alunos. São Paulo: PES. 1982, Vol. II, p. 88).
274 Consultar referência.

A Inspiração das Escrituras


II

Podemos resumir o sistema arminiano e calvinista, da seguinte forma:


CINCO PONTOS DO ARMINIANISM
1) O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que não possa
crer salvaticiamente no evangelho, uma vez que esse lhe seja apresentado.
2) O homem nunca é de tal modo controlado por Deus que não possa re-
jeitá-lo.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
3) A eleição divina daqueles que serão salvos alicerçar-se sobre o fato da
provisão divina de que eles haverão de crer, por sua própria deliberação.
4) A morte de Cristo não garantiu a salvação para ninguém, pois não garan-
tiu o dom da fé para ninguém (e nem mesmo existe tal dom); o que ela fez
foi criar a possibilidade de salvação para todo aquele que crê.
5) Depende inteiramente dos crentes manterem-se em um estado de gra-
ça, conservando a sua fé; aqueles que falham nesse ponto, desviam-se e se
perdem.

CINCO PONTOS DO CALVINISMO


1) O homem decaído, em seu estado natural, não tem capacidade alguma
para crer no evangelho, tal como lhe falta toda a capacidade para dar crédi-
to à lei, a despeito de toda indução externa que sobre ele possa ser exercida.
2) A eleição de Deus é uma escolha gratuita, soberana e incondicional de
pecadores, como pecadores, para que venham a ser redimidos por Cristo,
para que venham a receber fé e para que sejam conduzidos à glória.
3) A obra remidora de Cristo teve como sua finalidade e alvo a salvação dos
eleitos.
4) A Obra do Espírito Santo, ao conduzir os homens à fé, nunca deixa de
atingir o seu objetivo.
5) Os crentes são guardados na fé na graça pelo poder inconquistável de
Deus, até que eles cheguem à glória.

Fonte: Packer (1986, p. 6).

O DEUS QUE SE REVELA


105

AS ESCRITURAS, OS CREDOS E A REFORMA


PROTESTANTE

IMPORTÂNCIA E OBJETIVO DOS CREDOS

Os Credos da Reforma são as Confissões de Fé e Catecismos que surgiram no


período da Reforma ou por inspiração daquele movimento, refletindo uma teo-
logia semelhante.
O que foram os séculos 4º e 5º para a elaboração dos Credos, foram os sécu-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

los 16 e 17 para a confecção das Confissões e Catecismos. A razão nos parece


evidente: na Reforma, as Igrejas logo sentiram a necessidade de formalizar a sua
fé, apresentando sua interpretação sobre diversos assuntos que as distinguia da
igreja romana; com o passar do tempo, surgem outras denominações dentro da
Reforma, que, discordavam entre si sobre alguns pontos, daí a necessidade de
se estabelecer cada um por si os seus princípios doutrinários.
Calvino (1509-1564) já combatera a “fé implícita”275 – que era patente na teo-
logia católica – declarando que a nossa fé deve ser “explícita”. No entanto Calvino
ressalta que devido ao fato de que nem tudo foi revelado por Deus, bem como
a nossa ignorância e pequenez espiritual, muito do que cremos permanecerá
nesta vida de forma implícita.

275 Que chama de “espectro papista”, que “separa a fé da Palavra de Deus”. (CALVINO, J. Exposição de
Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, [Rm 10.17], p. 375).

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

Calvino depois de um extenso comentário, nos diz:


Certamente que não nego (de que ignorância somos cercados!) que
muitas cousas nos sejam agora implícitas, e ainda o hajam de ser, até
que, deposta a massa da carne, nos hajamos achegado mais perto à pre-
sença de Deus, cousas essas em que nada pareça mais conveniente que
suspender julgamento, mas firmar o ânimo a manter a unidade com a
Igreja.276 Com este pretexto, porém, adornar com o nome de fé à igno-
rância temperada com humildade, é o cúmulo do absurdo. Ora, a fé
jaz no conhecimento de Deus e de Cristo (Jo 17.3), não na reverência
à Igreja. (Calvino, João. As Institutas, III.I.3. (Vd. também III.2.5ss).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Pelas palavras de Calvino, podemos observar a necessidade latente do ensino e
estudo constante da Palavra de Deus, a fim de que cada homem, sendo como é,
responsável diante de Deus, tenha condições de se posicionar diante de Deus de
forma consciente; a fé explícita é patenteada pela Igreja por meio do ensino da
Palavra. Tillich (1986, p. 41), interpretando esse fato, diz:
Cada indivíduo deve ser capaz de confessar os próprios pecados, ex-
perimentar o significado do arrependimento, e se tornar certo de sua
salvação em Cristo. Essa exigência gerava um problema no protestan-
tismo. Significava que todas as pessoas precisavam ter o mesmo co-
nhecimento básico das doutrinas fundamentais da fé cristã. No ensino
dessas doutrinas não se emprega o mesmo método para o povo comum
e para os candidatos às ordens, ou para os futuros professores de teolo-
gia, com a prática do latim e grego, da história da exegese e do pensa-
mento cristão. Como se pode ensinar a todos? Naturalmente, apenas se
tornarmos o ensino extremamente simples.

Essa necessidade determina o uso cada vez mais evidente da razão, a fim de
apresentar, da forma mais razoável possível, a doutrina e, ao mesmo tempo, de
forma simples. Eis dois marcos do ensino ortodoxo: amplitude e simplicidade.
O ser humano é responsável diante de Deus; ele dará contas de si mesmo ao
seu Criador, portanto, tendo oportunidade, ele precisa conhecer devidamente a
Palavra de Deus em toda a sua plenitude revelada.

276 Foi com esse espírito que Calvino nos advertiu diversas vezes: “As cousas que o Senhor deixou recônditas
em secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos
condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra” (CALVINO, J. As
Institutas. Campinas, SP; Luz para o Caminho/Casa Editora Presbiteriana, 1985-1989, III.21.4). “Nem nos
envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à sabedoria imensa de Deus, que em Seus
muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é dado, nem é lícito saber, douta é a ignorância, a
avidez de conhecimento, uma espécie de loucura.” (CALVINO, J. As Institutas. III.23.8). ”Que esta seja a
nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha
seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais.”
[CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330].

O DEUS QUE SE REVELA


107

Essas declarações de fé precisavam ser, até certo ponto, completas, porém, ao


mesmo tempo, simples para que o crente comum (não iniciado nas questões teo-
lógicas) pudesse entender o que estava sendo dito, confrontando esse ensinamento
com a Palavra de Deus, tendo, assim, uma compreensão bíblica da sua fé. Em outras
palavras, a fé não deveria ser apenas “implícita”, mas, sim, “explícita”. Nesse contexto
e com objetivos eminentemente didáticos, surgem os Catecismos (Gr. Kathxe/w =
“ensinar”, “instruir”, “informar”. Cf. Lc 1.4; At 18.25; 21.21,24; Rm 2.18; 1Co 14.19;
Gl 6.6.), constituídos, ainda que não exclusivamente, com perguntas e respostas.
Até o século XVI, a palavra “catecismo” não tivera sido usada nesse sentido.277 Os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Catecismos visavam servir para instruir as crianças e os adultos; esse é o motivo que
contribuiu decisivamente para a sua proliferação, sendo que a maioria deles jamais
passou da forma manuscrita, visto que muitos pastores os elaboravam apenas para
a sua congregação local, visando atender as suas necessidades doutrinárias.278
O primeiro trabalho a receber o título de “Catecismo”, foi o de Andreas
Althamer (c. 1500), em 1528.279 Porém os mais influentes no século XVI foram
os de Lutero (1483-1546): O Catecismo Maior (1529) e O Catecismo Menor
(1529). No prefácio do Catecismo Menor, Lutero declara os motivos que o leva-
ram a redigir esse Catecismo e apresenta também sugestões de como ensiná-lo
à Congregação. No decorrer dos sete capítulos, ele quase sempre inicia dizendo:
“como o chefe de família deve ensiná-lo à sua casa”, “como o chefe de família deve
ensiná-lo com toda a simplicidade à sua casa” e expressões similares.
Transcreverei, apenas, o que Lutero disse a respeito das suas motivações:
A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente,
quando também eu fui visitador,280 é que me obrigou e impulsionou a
preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples
e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum sim-
plesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias.
E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes
para a obra do ensino. (...) Não sabem nem o Pai-Nosso, nem o Credo,
nem os Dez Mandamentos. (LUTERO, 1983, p. 363).

277 Consultar referência.


278 Daqui depreende-se que não foram somente eruditos que escreveram catecismos, mas também
pastores, que estavam preocupados especificamente com a sua comunidade local (Vd. WRIGHT, D.
F. Catechism: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, Louisville, Kentucky:
Westminster/John Knox Press, 1992, p. 60).
279 Consultar referência.
280 Lutero viajou pela Saxônia Eleitoral e por Meissen, entre 22/10/1528 e 09/01/1529.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

Mais tarde, Calvino (1509-1564) elaborou, em francês, durante o inverno de


1536-1537, um Catecismo, não sendo constituído em forma de perguntas e
respostas, escrito de modo que julgou acessível a toda Igreja. O seu objetivo
era puramente didático. Essa obra foi intitulada: Instrução e Confissão de Fé,
Segundo o Uso da Igreja de Genebra,281 sendo traduzida para o latim em 1538.
Posteriormente, Calvino a reviu – tornando a sua teologia mais acessível aos seus
destinatários: as crianças282 –, e a ampliou consideravelmente, mudando inclu-
sive a sua forma, passando, então, a ser constituída de perguntas e respostas,
contendo 373 questões.283 Essa nova edição foi publicada entre o fim de 1541 e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o início de 1542, tornando-se juntamente com a Instituição um sucesso edito-
rial. Em 1545,284 Calvino traduziu para o latim visando dar um alcance maior
aos seus ensinamentos, contribuindo, desse modo, para a maior unidade entre
as Igrejas Reformadas. A partir de 1561, esse Catecismo ganhou maior impor-
tância, visto que, desde então, todo ministro da Igreja deveria jurar fidelidade
aos ensinamentos nele expressos e comprometer-se a ensiná-los.285

281 Esse Catecismo (Em português: Instrução na Fé, Goiânia: Logos Editora, 2003) consistiu num resumo
da primeira edição das Institutas (1536). (Cf. LEITH, J. H. em prefácio à tradução da obra de Calvino e
Paul T. Fuhrmann em “prefácio histórico” à mesma obra, Instruction in Faith (1537), Louisville, Kentucky:
Westminster/John Knox Press, [1992], p. 10 e 16; Cf. LINDSAY, T. M. La Reforma y su Desarrollo Social,
Barcelona: CLIE., (s.d.), p. 101; MCNEILL, J. T. The History and Character of Calvinism, New York:
Oxford University Press, 1954, p. 140. Vd. também, p. 204). Esta foi a primeira “exposição sistemática do
pensamento calvinista na língua francesa.” (FREUNDT JUNIOR, A. H. Catecismo de Genebra: In: ELWELL,
W. A. ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 246).
Consultar referência.
282 Consultar referência.
283 Este Catecismo pode ser assim esboçado:
I - Fé (1-130).
Introdução (1-18).
Segue a exposição do Credo Apostólico, da seguinte forma:
a) Deus Pai (19-29).
b) Deus Filho (30-87).
c) Deus Espírito Santo (88-91).
d) A Igreja (92-130).
II - Os Dez Mandamentos (131-232).
III - A Oração (233-295) .
IV - A Palavra e os Sacramentos (296-373).
a) A Palavra e o Ministro (296-308).
b) Os Sacramentos (309-373).
- Definição e Significado (309-323).
- Batismo (324-339).
- Ceia do Senhor (340-373).
284 Consultar referência.
285 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


109

Quanto às Confissões, elas basicamente não foram feitas como um texto para
a instrução na fé Cristã, já que essa era a função dos Catecismos.286 Elas poderiam
ser produzidas por homens individualmente para o seu uso privado (A Segunda
Confissão Helvética), por um Concílio de uma Igreja em particular (Cânones de
Dort), por um indivíduo que age como representante de sua Igreja (Confissão
de Augsburgo), por um grupo de teólogos convocados pelo Estado (Confissão
de Westminster) ou escrita como uma defesa de sua fé em meio a uma terrível
perseguição (A Confissão dos Valdenses) etc. Com isso, estamos dizendo, que
não havia uma regra fixa para a elaboração de uma Confissão, os contextos eram
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variados e, apesar de haver motivações comuns a todas elas, existiam circuns-


tâncias especiais, que conduziam a determinadas ênfases, especialmente no que
se refere às questões relativas ao governo e à igreja romana.
Isso traz consigo o problema da unificação das Confissões. Por que não unifi-
cá-las? É uma pergunta pertinente. De fato, essa preocupação existiu. Por exemplo,
em 1530, Carlos V, Imperador da Alemanha, convoca a Dieta de Augsburgo.
Objetivo: unificação político-religiosa dos seus domínios. Daqui, saiu a Confissão
de Augsburgo, redigida por Ph. Melanchthon (1497-1560), o “preceptor da
Germânia”, com a aquiescência de Lutero (1483-1546), que fez um comentá-
rio ambíguo a respeito da sua leveza. Essa Confissão foi lida, em latim e alemão,
pelo Chanceler Christian Beyer, da Saxônia Eleitoral, perante toda a Dieta, no dia
25 de junho de 1530, às 15 horas. Mesmo o Imperador não a aceitando e proi-
bindo a sua divulgação, ela, em pouco tempo, foi propagada em toda Alemanha.
Calvino entende que a divergência em questões secundárias não deve servir
de pretexto para a divisão da Igreja, afinal, todos, sem exceção, estão envoltos de
“alguma nuvenzinha de ignorância”.
[...] são palavras do Apóstolo: ‘Todos quantos somos perfeitos sintamos o
mesmo; se algo entendeis de maneira diferente, também isto vos haverá
de revelar o Senhor’ [Fp 3.15]. Não está ele, porventura, a suficientemen-
te indicar que o dissentimento acerca destas cousas não assim necessárias
não deve ser matéria de separação entre cristãos? Por certo que estará em
primeira plana que em todas as cousas estejamos em acordo; mas, uma
vez que ninguém há que não esteja envolto de alguma nuvenzinha de
ignorância, impõe-se que ou nenhuma igreja deixemos, ou perdoemos o
engano nessas cousas que possam ser ignoradas não somente inviolada a
suma da religião, mas também aquém da perda da salvação.

286 Consultar referência.


As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante
II

Mas, aqui, não quereria eu patrocinar a erros, sequer os mais diminu-


tos, de sorte que julgue devam ser fomentados, com agir com compla-
cência e ser-lhes conivente. Digo, porém, que não devemos por causa
de quaisquer dissentimentozinhos abandonar irrefletidamente a Igreja,
em que somente se retenha salva e ilibada essa doutrina, mercê da qual
se mantém firme a incolumidade da piedade e conservado é o uso dos
sacramentos instituído pelo Senhor. (J. Calvino, As Institutas, IV.1.12).

“Não vejo, porém, nenhuma razão por que uma igreja, por mais universal-
mente corrompida, desde que contenha uns poucos membros santos, não
deva ser denominada, em honra desse remanescente, de santo povo de Deus.”

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Todavia, ainda quando a Igreja seja remissa em seu dever, não por isso será
direito de cada um em particular a si pessoalmente assumir a decisão de se-
parar-se.”

Após argumentar contra aqueles que chamavam os reformados de hereges, res-


salta que a unidade cristã deve ser na Palavra:
Com efeito, também isto é de notar-se: que esta conjunção de amor
assim depende da unidade de fé que lhe deva ser esta o início, o fim,
a regra única, afinal. Lembremo-nos, portanto, quantas vezes se nos
recomenda a unidade eclesiástica, isto ser requerido: que, enquanto
nossas mentes têm o mesmo sentir em Cristo, também entre si conjun-
gidas nos hajam sido as vontades em mútua benevolência em Cristo. E,
assim, Paulo, quando para com ela nos exorta, por fundamento assume
haver um só Deus, uma só fé e um só batismo [Ef 4.5]. De fato, onde
quer que nos ensina o Apóstolo a sentir o mesmo e a querer o mesmo,
acrescenta imediatamente: em Cristo [Fp 2.1,5] ou: segundo Cristo
[Rm 15.5], significando ser conluio de ímpios, não acordo de fiéis a
unidade que se processa à parte da Palavra do Senhor.(J. Calvino, As
Institutas, IV.2.5).287

287 CALVINO, J. As Institutas, IV.2.5. Calvino entendia que “onde os homens amam a disputa, estejamos
plenamente certos de que Deus não está reinando ali.” [CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios, São
Paulo: Edições Paracletos, 1996, (1Co 14.33), p. 436]. George comenta com acerto, que “Calvino não
estava disposto a comprometer pontos essenciais em favor de uma paz falsa, mas ele tentou chamar a
igreja de volta à verdadeira base de sua unidade em Jesus Cristo.” (George, T. Teologia dos Reformadores,
São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 182-183).

O DEUS QUE SE REVELA


111

Para os irmãos refugiados em Wezel (Alemanha), que sofriam diversas pressões


dos luteranos e sobreviviam em uma pequena Igreja Reformada, Calvino, em
1554, os consola mostrando que, apesar dos grandes problemas pelos quais pas-
savam no mundo, Deus lhes havia concedido um lugar no qual poderiam adorar
a Deus em liberdade. Também os desafia a não abandonarem a Igreja por peque-
nas divergências nas práticas cerimoniais, sendo tolerantes a fim de preservar a
unidade. Contudo os exorta a jamais fazerem acordos em pontos doutrinários.288
Portanto mesmo desejando a paz e a concórdia, Calvino entendia que essa
paz nunca poderia ser em detrimento da verdade, haja vista que, se assim fosse,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

essa dita paz seria maldita:


Naturalmente, há uma condição para entendermos a natureza desta paz,
ou seja, a paz da qual a verdade de Deus é o vínculo. Pois se temos de lutar
contra os ensinamentos da impiedade, mesmo se for necessário mover céu
e terra, devemos, não obstante, perseverar na luta. Devemos, certamente,
fazer que a nossa preocupação primária cuide para que a verdade de Deus
seja mantida em qualquer controvérsia; porém, se os incrédulos resistirem,
devemos terçar armas contra eles, e não devemos temer sermos respon-
sabilizados pelos distúrbios. Pois a paz, da qual a rebelião contra Deus é o
emblema, é algo maldito; enquanto que as lutas, indispensáveis à defesa do
reino de Cristo, são benditas. (Calvino, João. Exposição de 1 Coríntios, São
Paulo: Edições Paracletos, 1996, (1Co 14.33), p. 437.

Em 20 de março de 1552, Thomas Cranmer (1489-1556)289 escreveu a Calvino


– bem como a Melanchthon (1497-1560) e a Bullinger (1504-1575) –, convidan-
do-o para uma reunião em Palácio de Lambeth com o objetivo de preparar um
credo que fosse consensual para as Igrejas Reformadas.290 Cranmer tinha em vista
também a realização do Concílio de Trento que estava em andamento, estando
preocupado de modo especial com a questão da Ceia do Senhor.

288 Consultar referência.


289 Arcebispo de Canterbury que, em 1549, havia elaborado o Livro de Oração Comum, no qual dava
ênfase ao culto em inglês, à leitura da Palavra de Deus e, ao aspecto congregacional da adoração cristã.
290 Cranmer, na carta a Calvino, diz: “Como nada mais tende a separar as Igrejas de Deus que as heresias
e diferenças sobre as doutrinas de religião, assim nada mais eficazmente os une, e fortalece a obra de
Cristo mais poderosamente, que a doutrina incorrupta do evangelho, e união em opiniões reconhecidas.
Eu tenho freqüentemente desejado, e agora desejo que esses homens instruídos e piedosos que superam
outros em erudição e julgamento, constituissem uma assembléia em um lugar conveniente, onde se
realizasse uma consulta mútua, e comparando as suas opiniões, eles poderiam discutir todas as principais
doutrinas da igreja.... Nossos adversários estão agora organizando o seu concílio em Trento, no qual
eles podem estabelecer os seus erros. E devemos nós negligenciar convocar um sínodo piedoso que nos
possibilite refutar os erros deles, e purificar e propagar a verdadeira doutrina?” [Thomas Cranmer to
Calvin, “Letter,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (ALBANY, OR: Ages Software, 1998), 16.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

Calvino (abril de 1552), então, responde encorajando a Cranmer no seu


objetivo. A certa altura diz: “...Estando os membros da Igreja divididos, o corpo
sangra. Isso me preocupa tanto que, se pudesse fazer algo, eu não me recusaria
a cruzar até dez mares, se necessário fosse, por essa causa.”291
Todavia é importante que se diga que, em um primeiro momento, era impos-
sível qualquer tentativa nesse sentido, visto haver problemas geográficos, políticos,
objetivos circunstanciais diferentes e mesmo problemas doutrinários. Contudo,
já no século XVII, algum progresso desse teor é evidente, por meio de formu-
lações doutrinárias mais completas e, também, após passar o primeiro ardor

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apaixonado e exclusivista, ainda que surgissem novos debates teológicos nos
séculos XVII e XVIII durante o período denominado de “Ortodoxia Protestante”.
Mesmo assim, as diferenças permaneceram sem, contudo, ferir pontos cru-
ciais da Reforma, tais como: a Bíblia como autoridade final; a Justificação pela
graça mediante a fé; o Sacerdócio universal dos Santos; a Suficiência do sacri-
fício de Cristo para nos salvar etc. Assim, os Credos da Reforma tinham três
objetivos específicos:
a. Evidenciar os fundamentos bíblicos de seus ensinos.
b. Demonstrar que as suas doutrinas estavam em acordo com os principais
credos da Igreja (Apostólico, Niceno, Constantinopolitano).
c. Demarcar a sua posição teológica em relação à teologia romana e às demais
correntes provenientes da Reforma.

As Confissões provenientes da Reforma (Séculos XVI e XVII) são divididas em


dois grupos: Luteranas e Calvinistas (Reformadas).

291 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


113

PRINCIPAIS CATECISMOS E CONFISSÕES REFORMADOS: SUBSÍDIOS


HISTÓRICOS

A. Confissão Gaulesa (1559)


A Confissão Gaulesa, que não é muito conhecida e difundida em nosso meio,
exerceu grande influência doutrinária sobre outras Confissões Reformadas. Ela
foi escrita por Calvino (1509-1564) e seu discípulo Antoine de la Roche Chandieu
(De Chandieu) (1534-1591), provavelmente com a ajuda de Theodore Beza
(1519-1605) e Pierre Viret (1511-1571). Inicialmente, tinha 35 capítulos. No
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Sínodo Geral de Paris (26-28/05/1559), que congregou representantes de mais


de 60 igrejas, das mais de 100 que existiam na França – reunido secretamente –,
tendo como moderador Fraçois de Morel, essa Confissão foi revista e ampliada
em mais cinco capítulos, tendo um prefácio dedicado ao rei Francisco II (1560) e
posteriormente, também foi apresentada por Beza a Carlos IX (1561). Calcula-se
que à época, a França já possuía 400 mil protestantes292 ou, um sexto293 ou, um
quarto da população,294 existindo em fins de 1561, mais de 670 igrejas calvinis-
tas erigidas em território francês.295
Em 1571, tendo como moderador T. Beza (1519-1605), realizou-se o Sétimo
Sínodo Nacional de La Rochelle. À ocasião, estavam presentes: a Rainha de
Navarra, seu filho Henrique IV (1553-1610) e o Almirante Coligny (1519-1572),
que viria ser morto durante “o massacre de São Bartolomeu”, 23-24/08/1572.
Nesse Sínodo, a Confissão foi revisada, reafirmada e solenemente sancionada
por Henrique IV, passando, desde então a ser também chamada de “Confissão
de Rochelle”. A Confissão Gaulesa influenciou profundamente a Confissão Belga
(1561) e a Confissão dos Valdenses (1655).

292 Consultar referência.


293 Consultar referência.
294 Consultar referência.
295 Consultar referência.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

B. Confissão Escocesa (1560)


Essa Confissão foi escrita sob a liderança de John Knox (1505-1572), em qua-
tro dias por seis homens que tinham como prenome “John”: Spottiswoode,
Millock, Rowe, Douglas, Winram e Knox. A Confissão Escocesa foi adotada
pelo Parlamento escocês, em 17 de agosto de 1560, sendo ratificada em 1567,
quando o Parlamento a adotou por decreto. Em 1572, todos os Ministros tiveram
de subscrevê-la. Ela permaneceu como Confissão Oficial da Igreja Reformada
Escocesa até 1647, quando então, a Igreja adotou a Confissão de Westminster.

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C. Confissão Belga (1561)
A Confissão Belga que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559) foi escrita em
francês, em 1561, por Guido (ou Guy, Wido) de Brès (1523-1567), com a ajuda
de M. Modetus, Adrien de Saravia (1513-1613) – um dos primeiros protestan-
tes a advogar a ideia de missões estrangeiras e G. Wingen, sendo revisada por
Francis Junius (1545-1602) e publicada a sua tradução em holandês em 1562.
O pastor Guy de Brès escreveu uma carta de defesa aos magistrados.
Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente “Confession de
Foy” por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado
ao governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe,
mas ela chegou a ocupar um lugar de suma importância na Igreja Re-
formada holandesa.296

Ela. juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo


de Antuérpia (1566), realizado secretamente no Sínodo de Ambères (após revi-
são) (1566), em Wessel (1568), e adotada pelo Sínodo Reformado de Emden
(1571), pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo
grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão,
comparando a tradução holandesa com o texto francês e latino. Ela foi tradu-
zida para o holandês (1562) e para o inglês (1768).
A Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg são os símbolos de fé das Igrejas
Reformadas na Holanda e Bélgica, sendo também o padrão doutrinário da Igreja
Reformada na América e na Igreja Evangélica Reformada Holandesa no Brasil.

296 SCHALKWIJK, F. L. Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), Recife, Pe.: FUNDARTE,
(Coleção Pernambucana, 2ª Fase, Vol. 25), 1986, p. 27. Quanto à parte do teor da carta, Vd. FISHER, J. P.
Historia de la Reforma. Barcelona: CLIE., (1984), p. 291.

O DEUS QUE SE REVELA


115

D. XXXIX Artigos da Igreja da Inglaterra (1563)


Em 1552, o Arcebispo de Cantebury, T. Cranmer (1489-1556), elaborou, juntamente
com outros clérigos, Quarenta e Dois Artigos da Religião que foram, após uma
minuciosa revisão feita no mesmo ano, publicados, em 1553, sob a autoridade do
Rei da Inglaterra, Eduardo VI. Mais tarde, esses artigos foram revistos e reduzidos
a 39 pelo Arcebispo de Cantebury, por Matthew Parker (1504-1575) e outros bis-
pos. Essa última revisão e redução foi ratificada pelas duas Casas de Convocação,
sendo os Trinta e Nove Artigos publicados por autoridade do Rei em 1563.
Em 1571, tornou-se obrigatória a subscrição desses artigos por todos os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ministros ingleses. Os Trinta e Nove Artigos e o Livro de Oração Comum (1549)


são os Símbolos de Fé da Igreja Anglicana e, com algumas alterações, da Igreja
Episcopal Protestante dos Estados Unidos.

E. Catecismo de Heidelberg (1563)


Essa Confissão foi escrita por dois jovens teólogos: Caspar Olevianus (1536-c. 1587)
– quem recebeu influência de Melanchton (1497-1560) e de Peter Martyr Vermigli
(1500-1562) –, professor de teologia na Universidade de Heidelberg e Zacharias
Ursinus (1534-1583), que fora aluno de Melanchton, em Wittenberg (1550-1557),
bem como amigo de Calvino (1509-1564). Acusado de Criptocalvinismo (Calvinista
disfarçado), foi para Zurique (1560), em que dirigiu o Collegium Sapientiae (1561).
Posteriormente, exerceu o professorado de teologia em Heidelberg (1562-1568).
Schaff (1819-1893) diz que “Olevianus foi inferior à Ursinus na erudição, porém
foi superior no púlpito e no governo da igreja”.297
O Catecismo ficou pronto em janeiro de 1563, existindo um exemplar dessa
primeira edição na Biblioteca Nacional de Viena, datado de 19/01/1563. Nesse
mesmo ano, foram publicadas mais três edições, sendo a quarta considerada a
mais completa e definitiva de todas. No prefácio da primeira edição, Frederico
III, o “Piedoso” (1515-1576), estabeleceu três propósitos para esse Catecismo,
a saber: Instrução catequética; um guia para pregação e uma forma confessio-
nal de unidade. Frederico III foi o primeiro príncipe alemão a adotar um Credo
Reformado como distinto do Luterano.

297 SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, 6ª ed. revised and enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1977, Vol. I, p. 534. McNeill diz a mesma coisa com outras palavras, Vd. MCNEILL, J. T.
The History and Character of Calvinism, p. 270: “Ele (Olevianus) era dois anos mais jovem que Ursinus,
mais eloqüente e menos erudito.”.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

O Catecismo de Heidelberg foi adotado por um Sínodo de Heidelberg


(19/01/1563), sendo aceito também na Escócia, servindo de modo especial para
o ensino das crianças (até à época da adoção dos Catecismos de Westminster -
28/07/1648). O Sínodo de Dort também o aprovou. Heidelberg é o símbolo das
Igrejas Reformadas da Alemanha, da Holanda, dos Estados Unidos e do Brasil.
Esse Catecismo tem como dois de seus pontos fortes o seu aspecto não polê-
mico – com exceção da pergunta 80 –, e o tom pastoral com o qual ele foi escrito,
usando, muitas vezes, a primeira pessoa do singular, sendo as suas respostas uma
declaração pessoal de fé, tendo as verdades teológicas uma aplicação bem direta

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
às necessidades cotidianas do povo de Deus.
Ele foi traduzido para todas as línguas da Europa e muitas Asiáticas, sendo
amplamente usado. Devido a essa amplitude de traduções, Schaff (1819-1893)
diz que Heidelberg “tem o dom pentecostal de línguas em um raro grau.”298

F. Segunda Confissão Helvética (1562-1566)


A Segunda Confissão Helvética foi primariamente elaborada em latim, em 1562,
pelo amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), Henry Bullinger
(1504-1575). Em 1564, quando a peste voltou a atacar em Zurique, Bullinger
perdeu a esposa e as três filhas. Ele mesmo ficou doente, mas foi curado. Nesse
ínterim, ele fez a revisão da Confissão de 1562 e, como uma espécie de testa-
mento espiritual, anexou-a ao seu testamento para ser entregue ao magistrado da
cidade caso ele viesse a falecer. Essa confissão foi publicada, com algumas alte-
rações – aceitas por Bullinger –, em latim e alemão em 12 de março de 1566.

298 SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 536. Há aqui um dado importante; como sabemos,
os Holandeses estiveram no Brasil no período de 1630 a 1654; ainda que não fosse o âmbito religioso o seu
principal trabalho, não deixaram de atuar também nessa área. Em 1656, Antônio Paraupaba pede socorro
aos Estados Gerais em favor da nação indígena do Brasil que havia abraçado a religião Reformada; a
certa altura diz: “Ajudem agora! A luz da Palavra de Deus será apagada por falta de pastores”. [apud
SCHALKWIJK, F. L. Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654, p. 312]. O trabalho dos holandeses
na publicação de um Catecismo trilingue (holandês, português e tupi), intitulado: “Uma instrução simples
e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por
ordem e em nome da Convenção Elcesial Presbiterial no Brasil, com formulários para batismo e santa
ceia acrescentados” –, não deixa de ser extremamente interessante, considerando as suas vicissitudes, já
que o Presbitério de Amesterdã não o aprovara, não pelo que dissera, mas pelo que omitira, além de uma
possível suspeita, certamente infundada, de algum viés arminiano. Na realidade, o seu autor, o Rev. David
à Doreslaer com a ajuda do Rev. Vincentius J. Soler confessou ter problemas em expressar determinados
conceitos teológicos em línguas bárbaras. O que ele desejava era fazer um resumo do Catecismo de
Heidelberg (1563) adotado pela Igreja Reformada Holandesa. Assim, o Catecismo que tinha como alvo
principal os índios evangelizados, foi impresso na Holanda, em 1641, chegando em Recife em 1642. Ao
que parece, ele não teve grande utilidade devido aos debates provocados entre o Sínodo da Holanda
e a Companhia das Índias Ocidentais. Schalkwijk, conclui: “Provavelmente, os catecismos ficaram
empilhados em algum lugar, falados demais para serem usados, santos demais para serem queimados.”
(SCHALKWIJK, F. L. Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654, p.324).

O DEUS QUE SE REVELA


117

Ela foi traduzida para vários idiomas (inclusive o Árabe), tendo ampla aceitação
em diversos países nos anos seguintes, sendo também adotada na Escócia (1566),
na Hungria (1567), na França (1571), na Polônia (1578). Essa Confissão “veio
a ser o elo de união para as igrejas calvinistas espalhadas por toda a Europa.”299

G. Cânones de Dort (1618-1619)


O Sínodo de Dort reuniu-se por autoridade dos Estados Gerais dos Países Baixos,
em Dordrecht, Holanda, no período de 13/11/1618 a 9/5/1619, tendo 154 ses-
sões. O Sínodo foi constituído de 35 pastores, um grupo de presbíteros das
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igrejas holandesas, 5 catedráticos de teologia dos Países Baixos, 18 deputados


dos Estados Gerais e 27 estrangeiros, de diversos países da Europa, tais como:
Inglaterra, Alemanha, França e Suíça.
Dort rejeitou os cinco pontos apresentados pelos arminianos,300 conhecidos
como os “Cinco Pontos do Arminianismo”. Os Cânones de Dort foram aceitos
por todas as Igrejas Reformadas como expressão correta do sistema calvinista.301

H. Confissão e Catecismos de Westminster (1647-1648)


A Confissão de Westminster bem como os Catecismos Maior (1648) e Menor
(1647) foram redigidos na Inglaterra, na Abadia de Westminster, conforme
convocação do Parlamento Britânico. A Assembleia foi aberta no sábado, 1
de julho de 1643, pregando o Dr. William Twisse (1575-1646) – que iria ser
o moderador da Assembleia até a sua morte, em julho de 1646 –, baseando o
seu sermão no texto de Jo 14.18, “não vos deixarei órfãos, voltarei para vós”.
A Assembleia funcionou de 01/07/1643 até 22/02/1649, realizando 1163 ses-
sões regulares, sem contar as inúmeras reuniões de comissões e subcomissões.

299 Consultar referência.


300 Consultar referência.
301 Consultar referência.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

O objetivo primário dessa Assembleia era a revisão dos Trinta e Nove Artigos da
Igreja da Inglaterra. Trabalharam na elaboração da Confissão 121 teólogos e 30 leigos
nomeados pelo Parlamento, a saber: 20 da Casa dos Comuns e 10 da Casa dos Lordes
(nomeação feita em 12/06/1643) e também 8 representantes escoceses, 4 pastores e 4
presbíteros, “os melhores e mais preclaros homens que possuía”302 – sendo que dois deles
nunca tomaram assento –, que, mesmo sem direito a voto, exerceram grande influência.
Os principais debates dessa Assembleia não foram de ordem teológica, já que
praticamente todos eram Calvinistas, mas sim no que se refere ao governo da
Igreja. “Embora houvesse diversidade quanto à Eclesiologia, havia unidade

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
quanto à Soteriologia”.303
Nesse particular, havia quatro partidos representados. Os Episcopais: James
Ussher (1581-1656), Brownrigg, Westfield, Prideaux; Presbiterianos: T. Cartwright
(1535-1603), Walter Travers (c. 1548-1635) etc.; Independentes: (Congregacionais),
“Os cinco Irmãos Dissidentes”, conforme eram chamados, eram: Thomas Goodwin
(1594-1665), Philip Nye (1596-1672), Jeremiah Burroughs (1599-1646), William
Bridge (1600-1670), Sidrach Simpson; Erastianos: assim chamados por segui-
rem o pensamento do médico de Heidelberg, Thomas Erasto (1524-1583) – que
defendia a supremacia do Estado sobre a Igreja –, Thomas Coleman, John Selden
(1584-1654), Whitelocke, J. Lightfoot (1602-1675). Esses entendiam que o tra-
balho do pastor era basicamente o de ensino; o pastor é o mestre. Prevaleceu,
no entanto, o sistema Presbiteriano de Governo.
O Breve Catecismo foi elaborado para instruir as crianças; O Catecismo Maior,
especialmente para a exposição no púlpito, ainda que não exclusivamente. Eles
substituíram, em grande parte, os Catecismos e Confissões mais antigos adota-
dos pelas igrejas reformadas de fala inglesa. Apesar da teologia dos Catecismos
e da Confissão de Westminster ser a mesma, sendo, por isso, sempre adotados
os três, parece que os mais usados são o Catecismo Menor e a Confissão.
Esses Credos foram logo aprovados pela Assembleia Geral da Igreja da
Escócia (Confissão - 27/08/1647-, Catecismos Maior e Menor - 28/07/1648),
sendo esse ato homologado pelo Parlamento Escocês em 7 de fevereiro de 1749.

302 Consultar referência.


303 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


119

Eles tiveram e têm uma grande influência no mundo de fala inglesa, máxime
entre os Presbiterianos – embora também tenham sido adotados por diversas
igrejas batistas e congregacionais. No Brasil, esses Credos são adotados pela Igreja
Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana Independente e Presbiteriana Conservadora.

O USO DE CATECISMOS E CONFISSÕES REFORMADOS

A. Limites
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Creio ter ficado evidente a relevância dos Credos Evangélicos no que se refere
a sua formulação doutrinária. O ato de depreciar os Credos significa deixar de
usufruir as contribuições dos servos de Deus no passado referentes à compre-
ensão bíblica; “é uma negação prática da direção que no passado deu o Espírito
Santo à Igreja.”304
Por outro lado, os Credos têm o seu limite. O Credo é uma resposta do
homem à Palavra de Deus, sumariando os artigos essenciais da fé cristã. Dessa
forma, eles pressupõem fé,mas não a geram; essa é obra do Espírito Santo atra-
vés da Palavra (Rm 10.17).
Os Credos baseiam-se na Palavra, porém não são a Palavra – nem jamais foi
isso cogitado pelos seus formuladores; eles não podem substituir a Palavra de
Deus; somente ela gera vida pelo poder de Deus (1Pe 1.23; Tg 1.18).
Para os reformados, os Credos têm a sua autoridade decorrente da Palavra
de Deus; em outras palavras, o seu valor não é intrínseco, mas sim extrínseco:
eles são recebidos e cridos enquanto permanecem fiéis à Escritura, assim, a sua
autoridade é relativa. Se isso é assim, alguém poderia insistir: “para que, então,
os Credos se nós temos a Bíblia?”. O Dr. A. A. Hodge (1823-1886), apresenta
uma observação relevante:

304 Berkhof, L. Introduccion a la Teologia Sistematica, p. 22. Stott coloca bem esta questão: “Desrespeitar
a tradição e a teologia histórica é desrespeitar o Espírito Santo que tem ativamente iluminado a Igreja em
todos os séculos.” (STOTT, J. R. W. A Cruz de Cristo. Miami: Editora Vida, 1991, p. 8).

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

Todos os que estudam a Bíblia fazem isso necessariamente no próprio


processo de compreender e coordenar o seu ensino; e pela linguagem
de que os sérios estudantes da Bíblia se servem em suas orações e outros
atos de culto, e na sua ordinária conversação religiosa, todos tornam ma-
nifesto que, de um ou outro modo, acharam nas Escrituras um sistema
de fé tão completo como no caso de cada um deles lhe foi possível. Se
os homens recusarem o auxílio oferecido pelas exposições de doutrinas
elaboradas e definidas vagarosamente pela Igreja, cada um terá de fazer
seu próprio credo, sem auxílio e confiando só na própria sabedoria. A
questão real entre a Igreja e os impugnadores de credos humanos não é,
como eles muitas vezes dizem, uma questão entre a Palavra de Deus e os
credos dos homens, mas é questão entre a fé provada do corpo coletivo

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do povo de Deus e o juízo privado e a sabedoria não auxiliada do objetor
individual. (Hodge, A.A. Esboços de Theologia, 1895, p. 99).

Os Credos são somente uma aproximação e relativa exposição correta da verdade


revelada. Dessa forma, podem ser modificados pelo progressivo conhecimento
da Bíblia, que é infalível e inesgotável. Por isso, não devemos tomar os Credos
como autoridade final para definir um ponto doutrinário: os limites de nossa
reflexão teológica estão na Palavra, não nos Credos. Os Credos não estabelecem
o limite de nossa fé, antes, a norteia. A Palavra de Deus sempre será mais rica do
que qualquer pronunciamento eclesiástico, por melhor que seja elaborado e por
mais fiel que seja às Escrituras. A firmeza e vivacidade da Teologia Reformada
estão justamente em basear o seu sistema em todo o desígnio de Deus, subme-
tendo-o ao próprio Deus que fala por meio da Sua Palavra.
A Confissão de Westminster, capítulo I, seção 10, diz:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de con-
cílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de
homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos
devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na
Escritura. (Confissão de Westminster, capítulo I, seção 10, 1647).

B. Valor e importância
A ideia de Credos desagrada a muitas pessoas, porque os Credos pressupõem
caminhos a serem seguidos; imaginam os Credos como um empobrecimento
espiritual, um amordaçamento do Espírito. Dentro dessa perspectiva, a doutrina

O DEUS QUE SE REVELA


121

tem pouco valor, o que importa, de fato, é a “vida cristã”, por isso, as ênfases de
tais pessoas ou grupos nas “experiências” – que, via de regra, pretendem convali-
dar a Palavra – ou em um “evangelho” puramente ético-social. Todavia ambos os
comportamentos, que revelam o mesmo equívoco, pecam por não compreende-
rem que a base de uma vida cristã autêntica é uma sólida doutrina vivenciada (Vd.
1Tm 4.16). D. M. Lloyd-Jones (1899-1981), acentuou bem esse ponto, dizendo:
Toda a doutrina cristã visa levar, e foi destinada a levar a um bom resul-
tado prático. (...) A doutrina visa levar-nos a Deus, e a isso foi destinada.
Seu propósito é ser prática (...) a nossa vida cristã nunca será rica, se
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

não conhecermos e não aprendermos a doutrina.” (...) “Você não poderá


ser santo, se não conhecer bem a doutrina. Doutrina é a ligação direta
que leva à santidade. É somente quando compreendemos estas verdades
fundamentais que podemos atender ao apelo lógico para a conduta e o
comportamento agradáveis a Deus (LLOYD-JONES, 1992, p. 85-86).

Alinhemos, agora, alguns elementos que atestam a importância e o valor dos Credos:
1. Facilita a confissão pública de nossa fé.
2. Oferece-nos, de forma abreviada, o resultado de um processo cumula-
tivo da história, reunindo as melhores contribuições de diversos servos de
Deus na compreensão da verdade. Em outro lugar, referindo-nos à ciência,
enfatizamos que ela não tem pátria nem idade; não sendo privilégio de um
povo, menos ainda de um indivíduo; todo cientista – usando a figura de
João de Salisbury (c. 1110-1180)305 – equivale a um anão sobre os ombros
de gigantes, valendo-se das contribuições de seus predecessores, a fim de
poder enxergar um pouco além deles. Podemos aplicar essa figura à teo-
logia. Aliás, Packer já o fez, mais especificamente aplicando à tradição:
A tradição nos permite ficar sobre os ombros de muitos gigantes que
pensaram sobre a Bíblia antes de nós. Podemos concluir pelo consenso
do maior e mais amplo corpo de pensadores cristãos, desde os primeiros
Pais até o presente, como recurso valioso para compreender a Bíblia com
responsabilidade. Contudo, tais interpretações (tradições) jamais serão
finais; precisam sempre ser submetidas às Escrituras para mais revisão.306

305 ABBAGNANO, N.; VISALBERGHI, A. Historia de la Pedagogía. Novena reimpresión, México:


Fondo de Cultura Económica, 1990, p. 203. Parece que esta figura também foi empregada por outro
teólogo medieval, “que morreu quase 300 anos antes de Lutero nascer...”, Pedro de Blois. (Cf. GEORGE,
T. Teologia dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 23). Newton mais tarde, referindo-se a
Kepler (1571-1630), Galileu (1564-1643) e Descartes (1596-1650), entre outros, também faria uso desta
analogia. (Vd. ABBAGNANO, N.; VISALBERGHI, A. Historia de la Pedagogía, p. 280).
306 Consultar referência.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

3. É uma exigência natural da própria unidade da Igreja, que exige um acordo


doutrinário (Ef 4.11-14; Fp 1.27; 1Co 1.10; Jd 3/Tt 3.10/Gl 1.8,9; 1Tm 6.3-5).
4. Visto que o cristianismo é um modo de vida fundamentado na doutrina, os
Credos oferecem uma base sintetizada para o ensino das doutrinas bíblicas,
facilitando a sua compreensão, a fim de que todos os crentes sejam habili-
tados para a obra de Deus.
Não deixa de ser curioso o fato de Spener (1635-1705), o “fundador” do
“Pietismo” – que se opunha ao “Escolasticismo Protestante” –, insistir com os
pastores que ensinem às crianças e aos adultos, juntamente com as Escrituras,
o Catecismo,307 visto ser esse fundamental para a sedimentação da fé.308

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
5. Preserva a doutrina bíblica das heresias surgidas no decorrer da história,
revelando-se de grande utilidade, especialmente, nas questões controvertidas,
dando-nos uma exposição sistemática e norteadora a respeito do assunto.
6. No que se refere à compreensão bíblica, permite distinguir as nossas
Igrejas das demais.
7. Serve como elemento regulador do ensino ministrado na Igreja bem como
de seu governo, disciplina e liturgia.

James Orr (1844-1913), na sua obra prima, O Progresso do Dogma, escrevendo


sobre os “Credos da Reforma”, disse:
...a idade da Reforma se destacou por sua produtividade de credos. Fa-
remos bem se não menosprezarmos o ganho que resulta para nós destas
criações do espírito do século XVI. Cometeremos grave equívoco se, se-
guindo uma tendência prevalecente [1897], nos permitirmos crer que
são curiosidades arqueológicas. Estes credos não são produtos ressecados
como o pó, senão que surgiram de uma fé viva, e encerram verdades que
nenhuma Igreja pode abandonar sem certo detrimento de sua própria
vida. São produtos clássicos de uma época que se comprazia em formu-
lar credos, com o qual quero dizer, uma época que possuía uma fé que é
capaz de definir-se de modo inteligente, e pela qual está disposta a sofrer
se for necessário – e que, portanto, não pode por menos que expressar-
-se em formas que não tenham validade permanente –. [...] Estes credos
se têm mantido erguidos como testemunhos, inclusive em período de
decaimento, às grandes doutrinas sobre as quais foram estabelecidas as
Igrejas; têm servido como baluartes contra os assaltos e a desintegração;
têm formado um núcleo de reunião e reafirmação em tempos de aviva-
mento; e talvez têm representado sempre com precisão substancial a fé
viva da parte espiritual de seus membros... (JAMES, 1988, p. 226-227).

307 No caso, o Catecismo Menor de Lutero, 1529. Spener era luterano.


308 Consultar referência.

O DEUS QUE SE REVELA


123

8. Serve como desafio para que continuemos nossa caminhada na preser-


vação da doutrina e na aplicação das verdades bíblicas aos novos desafios
de nossa geração, integrando-nos, assim, à nobre sucessão daqueles que
amam a Deus e a Sua Palavra e que buscam entendê-la e aplicá-la, em
submissão ao Espírito, à vida da Igreja. Uma tradição saudável tem com-
promisso com o passado na geração do futuro.309 Portanto,
o conservadorismo criativo utiliza-se da tradição, não como autoridade
final ou absoluta, mas como recurso importante colocado à nossa dispo-
sição pela providência de Deus, a fim de nos ajudar a entender o que a
Escritura está nos dizendo sobre quem é Deus, quem somos nós, o que é o
mundo ao nosso redor, e o que fomos chamados para fazer aqui e agora.310
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O Antigo e o Novo Testamento usaram desse recurso para auxiliar os crentes na


sua vida doutrinária e prática cristã, expressando também o que a Igreja cria. Creio
que isso resume bem o nosso assunto. A Teologia Reformada honra a Palavra
de Deus e os Credos da Igreja enquanto esses permanecerem fiéis à Escritura.

“A comunicação que Deus tem com o homem é verdadeira, mas isto não
significa que seja exaustiva. Esta é uma distinção importante que precisa-
mos sempre ter em mente. Para conhecer qualquer coisa exaustivamente,
precisaríamos ser infinitos, como Deus. Mesmo na vida eterna não seremos
assim.”
Fonte: Schaeffer (1981, p. 143).

309 “A tradição é o sangue da teologia. Separada da tradição a teologia é como uma flor cortada sem suas
raízes e sem o solo, logo murcha na mão. Uma sã teologia nunca nasce de novo. Ao honrar a sã tradição,
se assegura a continuidade teológica com o passado. Ao mesmo tempo a tradição cria a possibilidade
de abrir novas portas para o futuro. Como diz o provérbio: ‘A tradição é o prólogo do futuro.’ Por isso,
toda dogmática que se preze como tal, deve definir sua posição em uma ou outra tradição confessional.”
(SPYKMAN, G. J. Teologia Reformacional: Um Nuevo Paradigma para Hacer la Dogmática, Jenison,
MI.: The Evangelical Leitarature League, 1994, p. 5).
310 Consultar referência.

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratamos, nesta segunda unidade, de um dos principais ensinos teológicos refor-


mados: a revelação de Deus. A Bíblia parte do pressuposto da existência de Deus.
E que é a Bíblia que se autentica a si mesma como Palavra autoritativa de Deus e
é Ele mesmo Quem nos ilumina para que possamos interpretá-la corretamente
(Sl 119.18). Por isso, o Espírito não pode ser separado da Palavra. Somente pela
operação divina poderemos reconhecer a Sua origem divina bem como com-
preendê-La salvadoramente.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
De forma abreviada, analisamos a tradição como o resultado de um pro-
cesso cumulativo da história, que reuniu as melhores contribuições de diversos
servos de Deus na compreensão da verdade e compreender pelo consenso do
maior e mais amplo corpo de pensadores cristãos, desde os primeiros pais até o
presente, como recurso valioso para compreender a Bíblia com responsabilidade.
Nesta unidade de estudo ainda, pensamos sobre essas características da reve-
lação, inspiração e iluminação para se conhecer a Deus, perpassando os principais
catecismos da tradição cristã protestante. Visto que o cristianismo é um modo
de vida fundamentado na doutrina, os Credos oferecem uma base sintetizada
para o ensino das doutrinas bíblicas, facilitando a sua compreensão, a fim de que
todos os crentes sejam habilitados para a obra de Deus.

O DEUS QUE SE REVELA


125

1. Partindo de nossos estudos nesta unidade, pesquise os pressupostos teológicos


e a origem da tradição histórica de sua denominação religiosa.
Os Cinco Solas da Reforma
Sola Scriptura, Sola Christus, Sola Gratia, Sola Fide, Soli Deo Gloria
SOLA SCRIPTURA: A Erosão da Autoridade
Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja, mas a igreja evangélica atual fez
separação entre a Escritura e sua função oficial. Na prática, a igreja é guiada, por ve-
zes demais, pela cultura. Técnicas terapêuticas, estratégias de marketing, e o ritmo do
mundo de entretenimento muitas vezes tem mais voz naquilo que a igreja quer, em
como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os pastores negligenciam
a supervisão do culto, que lhes compete, inclusive o conteúdo doutrinário da música. À
medida que a autoridade bíblica foi abandonada na prática, que suas verdades se en-
fraqueceram na consciência cristã, e que suas doutrinas perderam sua proeminência, a
igreja foi cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e discernimento.
Em lugar de adaptar a fé cristã para satisfazer as necessidades sentidas dos consumido-
res, devemos proclamar a Lei como medida única da justiça verdadeira, e o evangelho
como a única proclamação da verdade salvadora. A verdade bíblica é indispensável para
a compreensão, o desvelo e a disciplina da igreja.
A Escritura deve nos levar além de nossas necessidades percebidas para nossas necessi-
dades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens sedutoras,
clichês, promessas e prioridades da cultura massificada. É só à luz da verdade de Deus
que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para
a nossa sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os ser-
mões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensino, não a expressão de opinião ou
de idéias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.
A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser desvinculada da Escritura.
O Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte da Escritura nunca
teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A Palavra bíblica, e não a experiência
espiritual, é o teste da verdade.
Tese 1: Sola Scriptura
Reafirmamos a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita, única
para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para
nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser
avaliado.
Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de
um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está
exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser veículo de revelação.
127

SOLO CHRISTUS: A Erosão da Fé Centrada em Cristo


À medida que a fé evangélica se secularizou, seus interesses se confundiram com os da
cultura. O resultado é uma perda de valores absolutos, um individualismo permissivo, a
substituição da santidade pela integridade, do arrependimento pela recuperação, da ver-
dade pela intuição, da fé pelo sentimento, da providência pelo acaso e da esperança dura-
doura pela gratificação imediata. Cristo e sua cruz se deslocaram do centro de nossa visão.
Tese 2: Solus Christus
Reafirmamos que nossa salvação é realizada unicamente pela obra mediatória do Cristo
histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si só são suficientes para nossa justi-
ficação e reconciliação com o Pai.
Negamos que o evangelho esteja sendo pregado se a obra substitutiva de Cristo não
estiver sendo declarada e a fé em Cristo e sua obra não estiver sendo invocada. 
SOLA GRATIA: A Erosão do Evangelho
A Confiança desmerecida na capacidade humana é um produto da natureza humana
decaída. Esta falsa confiança enche hoje o mundo evangélico – desde o evangelho da
auto-estima até o evangelho da saúde e da prosperidade, desde aqueles que já transfor-
maram o evangelho num produto vendável e os pecadores em consumidores e aqueles
que tratam a fé cristã como verdadeira simplesmente porque funciona. Isso faz calar a
doutrina da justificação, a despeito dos compromissos oficiais de nossas igrejas.
A graça de Deus em Cristo não só é necessária como é a única causa eficaz da salvação.
Confessamos que os seres humanos nascem espiritualmente mortos e nem mesmo são
capazes de cooperar com a graça regeneradora.
Tese 3: Sola Gratia
Reafirmamos que na salvação somos resgatados da ira de Deus unicamente pela sua
graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é que nos leva a Cristo, soltando-nos de
nossa servidão ao pecado e erguendo-nos da morte espiritual à vida espiritual.
Negamos que a salvação seja em qualquer sentido obra humana. Os métodos, técnicas
ou estratégias humanas por si só não podem realizar essa transformação. A fé não é
produzida pela nossa natureza não-regenerada. 
SOLA FIDE: A Erosão do Artigo Primordial
A justificação é somente pela graça, somente por intermédio da fé, somente por causa
de Cristo. Este é o artigo pelo qual a igreja se sustenta ou cai. É um artigo muitas vezes
ignorado, distorcido, ou por vezes até negado por líderes, estudiosos e pastores que
professam ser evangélicos. Embora a natureza humana decaída sempre tenha recuado
de professar sua necessidade da justiça imputada de Cristo, a modernidade alimenta
as chamas desse descontentamento com o Evangelho bíblico. Já permitimos que esse
descontentamento dite a natureza de nosso ministério e o conteúdo de nossa pregação.
Muitas pessoas ligadas ao movimento do crescimento da igreja acreditam que um en-
tendimento sociológico daqueles que vêm assistir aos cultos é tão importante para o
êxito do evangelho como o é a verdade bíblica proclamada. Como resultado, as convic-
ções teológicas freqüentemente desaparecem, divorciadas do trabalho do ministério. A
orientação publicitária de marketing em muitas igrejas leva isso mais adiante, apegando
a distinção entre a Palavra bíblica e o mundo, roubando da cruz de Cristo a sua ofensa
e reduzindo a fé cristã aos princípios e métodos que oferecem sucesso às empresas se-
culares.
Embora possam crer na teologia da cruz, esses movimentos a verdade estão esvazian-
do-a de seu conteúdo. Não existe evangelho a não ser o da substituição de Cristo em
nosso lugar, pela qual Deus lhe imputou o nosso pecado e nos imputou a sua justiça. Por
ele Ter levado sobre si a punição de nossa culpa, nós agora andamos na sua graça como
aqueles que são para sempre perdoados, aceitos e adotados como filhos de Deus. Não
há base para nossa aceitação diante de Deus a não ser na obra salvífica de Cristo; a base
não é nosso patriotismo, devoção à igreja, ou probidade moral. O evangelho declara
o que Deus fez por nós em Cristo. Não é sobre o que nós podemos fazer para alcançar
Deus.
Tese 4: Sola Fide
Reafirmamos que a justificação é somente pela graça somente por intermédio da fé so-
mente por causa de Cristo. Na justificação a retidão de Cristo nos é imputada como o
único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus.
Negamos que a justificação se baseie em qualquer mérito que em nós possa ser achado,
ou com base numa infusão da justiça de Cristo em nós; ou que uma instituição que rei-
vindique ser igreja mas negue ou condene sola fide possa ser reconhecida como igreja
legítima. 
SOLI DEO GLORIA: A Erosão do Culto Centrado em Deus
Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha
sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre
foi por uma mesma razão. Nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fa-
zendo o trabalho dele a nosso modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja
de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em
entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom
em sentir-nos bem e a fidelidade em ser bem-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e
a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.
Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consu-
mo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em
nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no
culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos pró-
prios impérios, popularidade ou êxito.
129

Tese 5: Soli Deo Gloria


Reafirmamos que, como a salvação é de Deus e realizada por Deus, ela é para a glória de
Deus e devemos glorificá-lo sempre. Devemos viver nossa vida inteira perante a face de
Deus, sob a autoridade de Deus, e para sua glória somente.
Negamos que possamos apropriadamente glorificar a Deus se nosso culto for confundi-
do com entretenimento, se negligenciarmos ou a Lei ou o Evangelho em nossa prega-
ção, ou se permitirmos que o afeiçoamento próprio, a auto-estima e a auto-realização se
tornem opções alternativas ao evangelho.
Fonte: Declaração de Cambridge (online).
Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/cinco_solas/cinco_solas_refor-
ma_erosao.htm . Acesso em: 11 de janeiro de 2016.
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Deus que se Revela


Francis A. Schaeffer
Editora: Cultura Cristã
Sinopse: Deus que se revela (no original, He is there
and he is not silent) forma com a morte da razão e o
Deus que intervém a trilogia clássica de Schaeffer. É o
último da trilogia. Segundo o autor, “Este livro trata de
como podemos vir a saber e como podemos saber que
sabemos”. Assim, Schaeffer pondera que o pensamento
moderno está fundalmentamente errado em suas
posições quanto a como sabemos e o que sabemos.
Contrastando com o silêncio e desespero do homem
moderno, Schaeffer mostra que podemos de fato conhecer o Deus que intervém porque se
revela.
Comentário: ”Qual será, a longo prazo, a importância de Francis Schaeffer? Tenho certeza de
que não estarei errado ao saudar a Francis Schaeffer - que enxergou bem mais do que a maioria
de nós e agonizou sobre a sua percepção bem mais intensamente do que nós - como um dos
verdadeiramente grandes cristãos de meu tempo.” J. I. Packer

Apresentação: Monergismo.com é um ministério baseado na Internet, de iniciativa


exclusivamente pessoal e sem vínculos com qualquer igreja ou organização, com os seguintes
objetivos de equipar os cristãos na verdade, disponibilizando os melhores artigos clássicos e as
fontes da ortodoxia histórica. Isto é feito na esperança de que a Igreja abraçará, e redescobrirá as
verdadeiras doutrinas bíblicas da fé histórica.
Disponível em: <http://www.monergismo.com>. Acesso em: 30 jan. 2016.
Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa
Professor Me. Roney De Carvalho Luiz

III
UNIDADE
A DOUTRINA DA TRINDADE

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a definição da doutrina trinitária.
■■ Conhecer o panorama histórico sobre a teologia da Trindade.
■■ Estabelecer a importância de conhecer os fundamentos bíblicos da
teologia da Trindade.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Definição da doutrina
■■ A formulação doutrinária: os credos da igreja a busca de uma
compreensão bíblica
■■ Fundamentos bíblicos da doutrina
■■ A Trindade e a nossa Salvação
■■ A Trindade e as nossas orações
133

INTRODUÇÃO

Nesta terceira unidade de seu livro, trataremos sobre a doutrina cristã da Trindade.
Tal doutrina é peculiar ao cristianismo. E enquanto doutrina bíblica está inti-
mamente ligada com a nossa humanidade, pois são as doutrinas bíblicas que
determinam e pressupõem as experiências religiosas do povo de Deus.
Desde o início do cristianismo, encontramos fórmulas e frases que indicam
o caráter Trino de Deus. Essa ideia clássica da doutrina trinitária explica que
Deus tem “uma substância e três pessoas”. Ainda que essa fórmula não se encon-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tre explícita nas Escrituras, seu propósito é afirmar o que as Escrituras parecem
dizer a respeito: que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três – não é o mesmo
– mas um só Deus.
Nessa unidade de estudo, propomos um aprofundamento nesse conceito da
triunidade divina, observando de forma progressiva a construção dessa formu-
lação teológica e doutrinária no decorrer da história da igreja cristã.

Introdução
III

DEFINIÇÃO DA DOUTRINA

“Um único Deus é a Trindade.”


Décimo Primeiro Concílio de Toledo (675).311

Para expressar a verdade bíblica de que o Ser de Deus subsiste em três pessoas, a
teologia cristã usa o termo Trindade, palavra essa que não se encontra na Bíblia,
mas, sim, o seu ensinamento. A palavra Trindade é proveniente do latim trinitas,
derivando-se do termo trinus (= triplo), ao que veio corresponder outro sinô-

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nimo tríade, do grego tri/aj que significa um conjunto de três.
Até onde sabemos Teófilo de Antioquia (c. 115-181) – em uma apologia a
respeito do Cristianismo – foi possivelmente o primeiro a usar a palavra Trindade
(tri/aj).312 Tertuliano (c. 155-220) foi o primeiro a usar o termo latino Trinitas313
e, também, o primeiro a tentar sistematizar essa doutrina, ainda que o tenha feito
de forma deficiente, subordinando o Filho e o Espírito ao Pai.314
Em nosso estudo preferimos empregar a palavra Triunidade por acreditar
que ela expressa melhor o ensinamento bíblico de que há um só Deus que sub-
siste em três pessoas.
É necessário enfatizar que quando nos aproximamos desse tema para estu-
dá-lo, temos de fazê-lo com reverente temor e humildade, reconhecendo a
grandiosidade do assunto e a nossa limitação para entendê-lo de forma ade-
quada e explicá-lo de modo correto.
A palavra Triunidade traz em seu bojo quatro ideias fundamentais embasa-
das nas Escrituras, a saber:
1. O Pai é Deus;
2. O Filho é Deus;
3. O Espírito é Deus;
4. Esses três são um só Deus.315

311 Consultar referência da nota.


312 “Os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade [...]”. Consultar referência da nota.
313 Tertuliano foi pródigo na criação de neologismos na língua latina. Para ver as estatísticas, consultar
referência da nota.
314 Berkhof diz que “Tertuliano foi o primeiro a declarar claramente a tri-personalidade de Deus e a
manter a unidade substancial das três Pessoas. Mas não chegou a exprimir de forma clara a doutrina da
Trindade”. Consultar referência da nota.
315 Para uma classificação um pouco diferente consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
135

Vejamos agora algumas definições e exposições confessionais desta doutrina:

“Confessamos e reconhecemos um só Deus [...]. Um em substância e, con-


tudo, distinto em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo”. 316
“[...] Cremos e ensinamos que o mesmo Deus imenso, uno e indiviso é inse-
paravelmente e sem confusão, distinto em pessoa – Pai, Filho e Espírito
Santo – e, assim como o Pai gerou o Filho desde a eternidade, o Filho foi
gerado por inefável geração, e o Espírito Santo verdadeiramente procede
de um e outro, desde a eternidade e deve ser com ambos adorados.”
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“Assim, não há três deuses, mas três pessoas, consubstanciais, coeternas e


coiguais, distintas quanto às hipóstases e quanto à ordem, tendo uma prece-
dência sobre a outra, mas sem qualquer desigualdade. Segundo a natureza
ou essência, acham-se tão unidas que são um Deus, e a essência divina é
comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. 317
“Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância,
poder e eternidade – Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O
Pai não é de ninguém – não é nem gerado, nem procedente; o Filho é eter-
namente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai
e do Filho”. 318
“As igrejas ensinam entre nós com magno consenso que o decreto do
Concílio de Niceia sobre a unidade da essência divina e sobre as três pes-
soas é verdadeiro e deve ser crido sem qualquer dúvida. A saber, que há
uma só essência divina, a qual é chamada Deus e é Deus, eterno, incor-
póreo, impartível, de incomensurável poder, sabedoria, bondade, criador
e conservador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E, contudo, há três
pessoas, da mesma essência e poder, e coeternas o Pai, o Filho e o Espírito
Santo. E a palavra ‘pessoa’ usam-na no sentido em que a usaram, nessa ques-
tão, os escritores eclesiásticos, para significar não uma parte ou qualidade
em outra coisa, mas aquilo que subsiste por si mesmo”. 319

316 A Confissão Escocesa (1560). Consultar referência da nota.


317 A Segunda Confissão Helvética (1562-1566). Consultar referência da nota.
318 Confissão de Westminster, Catecismo Maior de Westminster e Catecismo Menor de Westminster.
Consultar referência da nota.
319 A Confissão de Augsburgo (1980). Consultar referência da nota.

Definição da Doutrina
III

Conforme essa verdade e essa palavra de Deus, cremos em um só Deus, que é um


único ser, em que há três pessoas o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Essas são, real-
mente e desde a eternidade, distintas conforme os atributos próprios de cada pessoa.
O Pai é a causa, a origem e o princípio de todas as coisas visíveis e invisí-
veis. O Filho é o verbo, a sabedoria e a imagem do Pai. O Espírito Santo, que
procede do Pai e do Filho é a eterna força e o poder.
Essa distinção não significa que Deus está dividido em três. Pois a Sagrada
Escritura ensina-nos que cada um desses três tem sua própria existência, dis-
tinta por seus atributos, de tal maneira, porém, que essas três pessoas são um só

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Deus. É claro, então, que o Pai não é o Filho e que o Filho não é o Pai; que, tam-
bém, o Espírito Santo não é o Pai ou o Filho.
Para Berkhof (1990, p.88-91),
Entretanto, essas Pessoas, assim distintas, não são divididas nem con-
fundidas entre si. Porque somente o Filho se tornou homem, não o
Pai ou o Espírito Santo. O Pai jamais existiu sem seu Filho e sem seu
Espírito Santo, pois todos os três têm igual eternidade, no mesmo ser.
Não há primeiro nem último, pois todos os três são um só em verdade,
em poder, em bondade e em misericórdia. 320

Essa doutrina pode se decompor nas seguintes proposições: 321

HÁ NO SER DIVINO UMA SÓ ESSÊNCIA INDIVISÍVEL

No “Shemá” 322 (“ouve”), o “credo judeu”, 323 que consistia na leitura de Dt 6.4-9;
11.13-21; Nm 15.37-41 e, possivelmente, Dt 26.5-9.324 O “Shemá” era repetido
três vezes ao dia,325 sendo usado liturgicamente em Sinagoga.326 A instrução ini-
ciava com a afirmação de que há somente um Deus “Ouve, Israel, o SENHOR,
nosso Deus, é o único SENHOR.” (Dt 6.4).

320 Confissão Belga. Consultar referência da nota.


321 Esquema adaptado de Berkhof. Consultar referência da nota.
322 É a primeira palavra que aparece em Dt 6.4, derivada do verbo ((m$) (Shãma’), “ouvir”, envolvendo
normalmente a ideia de ouvir com afeição, entender, obedecer. Consultar referência da nota.
323 Conforme expressão de Edersheim (1825-1889). Consultar referência da nota.
324 Consultar referência da nota.
325 Quanto ao emprego desta oração feita pelos judeus individualmente. Consultar referência da nota.
326 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
137

No Novo Testamento, Paulo instrui aos Efésios:


Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados
numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um
só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por
meio de todos e está em todos. (Ef 4.4-6). (Tg 2.19).

A compreensão da Igreja é de que não há diferença na essência de Deus. Deus é


um ser simples, não composto. A afirmação da Igreja, conforme veremos abaixo,
é de que há apenas uma essência na Trindade partilhada pelas três pessoas,327
havendo distinção, mas não separação entre elas.328 A essência “é o fundamento
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de sua unidade comum, apesar da distinção em suas manifestações exteriores”. 329

A. NO SER DE DEUS HÁ TRÊS PESSOAS

A Bíblia demonstra haver três pessoas na Trindade, entretanto, sabemos que o


termo Pessoa é uma palavra imperfeita e, portanto, inadequada para retratar a
mensagem bíblica. Naturalmente as palavras são limitadas330 para descrever o Ser
de Deus. O nosso esforço é no sentido de utilizar os termos que melhor expri-
mem o ensinamento bíblico. 331
As Escrituras afirmam haver um só Deus, mas, que subsistem em três pes-
soas. Calvino (1509-1564) define Pessoa “Designo como pessoa, portanto, uma
subsistência na essência de Deus que, enquanto relacionada com as outras, se
distingue por uma propriedade incomunicável”. 332
Adiante, acrescenta “Com efeito, em cada e qualquer das hipóstases a
natureza inteira se compreende, com isto, que lhe subjaz, a cada uma, a sua
propriedade específica. O Pai está todo no Filho, o Filho todo no Pai [...]” 333

327 “Pai, Filho e Espírito Santo, cada um possui toda a substância e todos os atributos da divindade. A
pluralidade de Deus não é, portanto, pluralidade de essência, mas de distinções hipostáticas ou pessoais”.
Consultar referência da nota.
328 Consultar referência da nota.
329 Consultar referência da nota.
330 “Tendo criado o homem para ser uma criatura sociável, Deus não só lhe inspirou o desejo e o colocou
na necessidade de viver com os de sua espécie, mas lhe outorgou igualmente a faculdade de falar,
faculdade que deveria constituir o grande instrumento e o laço comum desta sociedade. É daí que provêm
as palavras, as quais servem para representar, e até para explicar as ideias”. Consultar referência da nota.
331 Consultar referência da nota.
332 Consultar referência da nota.
333 Consultar referência da nota.
Definição da Doutrina
III

(Ver Mt 3.16-17; 4.1; Jo 1.1-3,18; 3.16; 5.20-22; 14.26; 15.26; 16.13-15).


Berkhof (1873-1957) comentando a primeira distinção feita por Calvino
observa:
Isso é perfeitamente permissível e pode proteger-nos de entendimen-
to errôneo, mas não deve levar-nos a perder de vista o fato de que as
auto-distinções do Ser Divino implicam um ‘Eu’ e ‘Tu’ no Ser de Deus,
que assumem relações pessoais uns para com os outros. (1990, p. 89).

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B. A ESSÊNCIA DE DEUS PERTENCE TOTALMENTE POR IGUAL A CADA
UMA DAS TRÊS PESSOAS

A essência divina não está dividida entre as três pessoas como se fossem modulares
e independentes. Deus é plenamente as três pessoas com todas as suas perfeições,
isso equivale, dizer que as Três Pessoas da Trindade têm a mesma essência - O
Deus Pai é tanto Deus Filho como Deus Espírito Santo. Portanto, não há subordi-
nação de essência (ontológica), não há nenhuma diferença em dignidade pessoal.
A única subordinação que podemos falar é da que se refere à ordem e à relação. 334

C. A IGREJA CONFESSA QUE A TRINDADE É UM MISTÉRIO QUE


TRANSCENDE A COMPREENSÃO DO HOMEM

A Trindade “é inteligível em algumas de suas relações e de seus modos de mani-


festação, mas é ininteligível em sua natureza essencial”. (BERKHOF, 1990, p. 91).
As especulações sobre o assunto no decorrer da história geraram heresias como
o triteísmo e o modalismo335 que ora negava a essência una de Deus, ora negava
as distinções pessoais dentro da essência. 336

334 Consultar referência da nota.


335 Termo introduzido por Adolf von Harnack (1851-1930) para descrever as heresias de Noetus, Práxeas e
Sabélio. Consultar referência da nota.
336 Como acentua Berkhof, “Os numerosos esforços feitos para explicar o mistério foram especulativos,
e não teológicos. Invariavelmente redundaram no desenvolvimento de conceitos triteístas ou modalistas
de Deus, na negação ou da unidade da essência divina ou da realidade das distinções pessoais dentre da
essência”. Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
139

É preciso que entendamos que não compete à Igreja explicar o mistério da


Trindade, ela, partindo da Escritura, apenas o descreve de forma mais ou menos
sistemática, formulando a doutrina de tal forma que evite os erros e as heresias.
Calvino, As Institutas, I.13.21, com a cautela costumeira diante do mistério
nos adverte pastoralmente sobre o perigo da especulação indevida:
Aqui, mui certamente, se alguma vez, em qualquer parte, nos recônditos
mistérios da Escritura, importa discorrer sobriamente e com muita mo-
deração, aplicada, ademais, muita cautela, para que, seja o pensamento,
seja a língua, não avance além do ponto a que se estendam os limites
da Palavra de Deus. Pois, como haja a mente humana, que ainda não
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pode estatuir ao certo de que natureza seja a massa do sol, que, entre-
tanto, diariamente com os olhos se vê, de à sua parca medida reduzir a
imensurável essência de Deus? (...) Pelo infelicíssimo resultado de qual
temeridade importa-nos ser advertidos, para que tenhamos o cuidado
de aplicar-nos a esta questão com docilidade mais do que com sutileza,
nem incutamos no espírito ou investigar a Deus em qualquer outra parte
que em Sua Sagrada Palavra, ou a Seu respeito pensar qualquer cousa, a
não ser que lhe vá à frente a Sua Palavra, ou falar que não o tomado dessa
mesma Palavra. Ora, se a distinção que em uma só é única divindade
subsiste de Pai, Filho e Espírito, posto que é difícil de apreender-se, causa
a certos espíritos mais dificuldade e problema do que é justo, lembrar-se
devem de que as mentes humanas penetram em um labirinto337 quando
cedem à sua curiosidade e, destarte, por mais que não alcancem a altura
do mistério, deixem-se reger dos oráculos celestes.338

337 Figura semelhante a Calvino empregou para falar a respeito da doutrina da Eleição. “[...] quando
os homens quiserem fazer pesquisa sobre a predestinação, é preciso que se lembrem de entrar no
santuário da sabedoria divina. Nesta questão, se a pessoa estiver cheia de si e se intrometer com excessiva
autoconfiança e ousadia, jamais irá satisfazer a sua curiosidade. Entrará em um labirinto do qual nunca
achará saída. Porque não é certo que as coisas que Deus quis manter ocultas e das quais Ele não concede
pleno conhecimento sejam esquadrinhadas dessa forma pelos homens. Também não é certo sujeitar a
sabedoria de Deus ao critério humano e pretender que este penetre a Sua infinidade eterna. Pois Ele quer
que a Sua altíssima sabedoria seja mais adorada que compreendida (a fim de que seja admirada pelo que
é). Os mistérios da vontade de Deus que Ele achou bom comunicar-nos, Ele nos testificou em Sua Palavra.
Ora, Ele achou bom comunicar-nos tudo o que viu que era do nosso interesse e que nos seria proveitoso”.
(As Institutas da Religião Cristã) “Aprendamos, pois, a evitar as inquirições concernentes a nosso Senhor,
exceto até onde Ele nos revelou através da Escritura. Do contrário, entraremos em um labirinto do qual o
escape não nos será fácil.” (Romanos). Consultar referência da nota.
338 Calvino combateu as especulações com veemência; em diversos lugares ele escreveu sobre o assunto.
Como exemplo: “Porque são mui poucos entre a ingente multidão de homens que existe no mundo os
que pretendem saber qual é o caminho para ir ao céu; porém todos desejam antes do tempo conhecer o
que é que se faz nele.” (As Institutas, III.25.11; Veja-se. também I.5.9). “As cousas que o Senhor deixou
recônditas em secreto não perscrutemos as que puseram a descoberto não negligenciemos, para que não
sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra.” (As Institutas,
III.21.4). “Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à sabedoria imensa de
Deus, que em Seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é dado, nem é lícito saber, douta
é a ignorância, a avidez de conhecimento, uma espécie de loucura.” (As Institutas, III.23.8). Consultar
referência da nota.

Definição da Doutrina
III

Santo Agostinho (354-430) conclui a sua monumental obra Da Trinitate – que se


tornaria decisiva para toda formulação cristológica posterior – com uma humilde
e reverente oração: “Senhor, único Deus, Deus Trindade, tudo o que disse de ti
nestes livros, de ti vem. Reconheçam-no os teus, e se algo há de meu, perdoa-
-me e perdoem-me os teus. Amém”. (1994, p. 557).

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A FORMULAÇÃO DOUTRINÁRIA: OS CREDOS DA
IGREJA A BUSCA DE UMA COMPREENSÃO BÍBLICA

Kuyper (2010, p. 57) diz que: “Deus permitiu aos heréticos fustigarem sua Igreja
exatamente para despertar a mente pelo conflito e para levá-la a buscar a Palavra
de Deus.”. Já Santo Agostinho (1991, p. 143) diz que: “A ciência da definição, da
divisão e da classificação, ainda que seja empregada muitas vezes para coisas fal-
sas, não é por si só falsa; nem foi instituída pelos homens, mas descoberta pela
própria razão das coisas.”.
Definir, segundo o sentido etimológico339 é delimitar. A definição procura deter-
minar a compreensão da ideia,340 circunscrevendo a sua abrangência, indicando
todos os seus elementos constitutivos. Como todo conceito possui um conteúdo,
a definição nada mais é do que a determinação da natureza desse conteúdo.
Aristóteles (384-322 a.C.), compreendia a definição como consistindo “no
gênero e nas diferenças; e se, por outro lado, não é um desses termos, evidente-
mente, será um acidente.” (1973, p. 17).
Do ponto de vista lógico, a ideia é igual a sua definição. A definição lógica
consiste de fato em delimitar exatamente a compreensão de um objeto, ou, em
outros termos, em dizer o que uma coisa é. Daí o princípio “A definição é a noção
(ideia) desenvolvida e [...] a noção é a definição condensada”. 341

339 As palavras gregas correspondentes são: o(/roj = “termo”, “limite” e o(rismo/j = “delimitação”, “acordo”,
“tratado”. Consultar referência da nota.
340 É a “expansão do conceito essencial das coisas”. “Definição é uma oração que manifesta a natureza de
uma coisa ou de um termo”. Consultar referência da nota.
341 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
141

A definição se propõe a nos fazer ver com maior clareza o assunto do qual
tratamos. A “indefinição” acarreta uma série de omissões e equívocos, justa-
mente, por não termos claro diante de nós o objeto do qual estamos tratando
ou, em que sentido nos aproximou de cada ideia.
Condillac (1715-1780) assim expressou essa questão: “A necessidade de defi-
nir é apenas a necessidade de ver as coisas sobre as quais se quer raciocinar e, se
fosse possível ver sem definir, as definições se tornariam inúteis”. (1973, p. 121). 342
Como toda a Lógica, a definição respalda-se no Princípio de Contradição
– “Nada pode simultaneamente ser e não ser”343 –, portanto, uma definição não
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pode ser contraditória com a própria essência do definido; antes, ela deve convir
a todo o definido e somente a ele. Assim sendo, será possível substituir a defi-
nição pelo definido sem possibilidade de equívoco, caso contrário não haveria
interesse na definição, tantas as confusões que ela provocaria.
A observação de Espinosa (1632-1677) nos orienta que “A verdadeira defini-
ção de cada coisa não envolve nem exprime senão a natureza da coisa definida.”344
O princípio que deve nos nortear é que a definição deve primar pela essência,
não pelos “acidentes” que normalmente são efêmeros e não indicam as qualida-
des intrínsecas do ser.345
Aristóteles (384-322 a.C.) está correto ao dizer “Uma definição é uma frase
que significa a essência de uma coisa.”346
O historiador Huizinga (1872-1945) apresenta-nos um bom princípio:
Uma boa definição deve ser concisa, ou seja, expor o conceito que se trata
de definir com toda precisão e de um modo completo, no menor núme-
ro de palavras. A definição descreve o significado de uma determinada
palavra, usada para designar um determinado fenômeno. Na definição
deve ficar inscrito, incluído o fenômeno em sua totalidade. Permanecem-
-se fora dela partes essenciais do fenômeno, a definição não é boa. Por
outro lado, uma definição não precisa entrar em detalhes. (1994, p. 87).

342 Consultar referência da nota.


343 Consultar referência da nota.
344 Consultar referência da nota.
345 Mesmo a “definição essencial” sendo a mais adequada, devemos ter em mente que de acordo com
a abordagem que faremos de um assunto, o “essencial” pode não ser o mais importante; neste caso,
propomos a “definição operacional” que seria aquela que nos daria os “elementos essenciais” para a nossa
abordagem (operação), para o fim almejado. Consultar referência da nota.
346 Consultar referência da nota.

A Formulação Doutrinária: os Credos da Igreja a Busca de uma Compreensão Bíblica


III

Os Credos e Confissões foram necessários, como veremos, para apresentar as


diretrizes teológicas da igreja conforme a sua compreensão bíblica.

ORIGEM E USO

A palavra “Credo” é derivada do latim “credo”, que denota uma postura ativa
de “eu creio”, uma confiança perene em Deus. Portanto, há na declaração cre-
dal um ato de adoração a Deus a quem damos crédito. Assim, os credos são

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
antes de tudo uma confissão de gratidão à glória de Deus.347 No credo a Igreja
declara a sua fé em Deus visto que somente Ele é absolutamente digno de crédi-
to.348 Curiosamente, em hebraico, confessar tem o sentido também de publicar,
anunciar os feitos de Deus: Davi, por exemplo, usa a palavra em dois dos sal-
mos penitenciais:349 “Confesso (dg;n")(nagad) 350 a minha iniquidade; suporto
tristeza por causa do meu pecado” (Sl 38.18). “Abre, Senhor, os meus lábios, e a
minha boca manifestará (dg;n")(nagad) os teus louvores” (Sl 51.15). A confissão
sincera é um ato de benevolência de Deus que inclina o nosso coração ao arre-
pendimento e à confissão. Quando, por graça, assim fazemos, rendemos graças
a Deus pela sua justiça e por sua graça. “A ideia de ‘confissão’ era ambivalente,
pois, ao reconhecer-se justo o julgamento, confessava-se o extravio e era dado a
esta declaração um tom de louvor a Deus”.351
Ainda mais ilustrativas são duas outras palavras hebraicas tam-
bém traduzidas por confissão; ([dy) (yada`)352, “conhecer”, “pensar”,
“reconhecer”, “discernir” e ([dy) (yadah)353, “confessar”, “dar graças”, “agradecer”.

347 Sugestivas observações de Thomas H. McDill no prefácio à obra: Paul T. Fuhrmann. Consultar
referência da nota.
348 Consultar referência da nota.
349 Os Salmos classificados como Penitenciais são: 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143. Neles encontramos forte
alento para o pecador perdoado. Consultar referência da nota.
350 O sentido básico é de “declarar”, “publicar”, “tornar conhecido”, “anunciar”, “manifestar” e “expor”.
351 Consultar referência da nota.
352 Consultar referência da nota.
353 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
143

Ambas comportam vários significados literais e figurados. ([dy) (yadah) tem tam-
bém o sentido de “declarar”, “confirmar”, “homologar”. Isso independe do teor da
declaração; podendo, portanto, ser uma confissão de fé ou de pecado354, envolvendo
a ideia de reconhecimento, especialmente de louvor.355 Uma das ideias prepon-
derantes, é o de “confessar ou declarar a glória de Deus”356. É por isso que ([dy)
(yadah) é traduzida muitas vezes por: a) Render graças: (Sl 7.17; 57.9; 107.1,8, 15,
21,31; 118.19,21, 28, 29; 119.7); b) Dar graças (Sl 30.4,12; 35.18; 52.9; 106.47; Is
12.1,4); c) Louvar (Sl 6.5; 9.1; 28.7; 30.9; 42.5,11; 43.4-5; 44.8; 45.17; 49.18; 54.6;
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67.3 (2 vezes); Is 25.1); d) Glorificar (Sl 18.49); e) Celebrar (Sl 33.2); f) Confessar
(os pecados) (Lv 16.21; 1Rs 8.33,35; Ed 10.1; Ne 1.6; 9.2-3; Sl 32.5; Dn 9.4,20);
g) Confessar (o nome de Deus) (2Cr 6.24,26).
A Bíblia apresenta diversas confissões que consistem em expressões de
fé, as quais eram ensinadas. Parece haver acordo entre os estudiosos no que
diz respeito às evidências neotestamentárias referentes a um corpo doutriná-
rio específico, considerado como “depósito sagrado da parte de Deus”357. No
Antigo Testamento, encontramos o “Shemá” 358 (“ouve”), o “credo judeu” 359,
que consistia na leitura de Dt 6.4-9; 11.13-21; Nm 15.37-41 e, possivelmente,
Dt 26.5-9.360 O “Shemá” era repetido três vezes ao dia361, sendo usado liturgi-
camente em Sinagoga362. No Novo Testamento deparamo-nos com abundante

354 Consultar referência da nota.


355 Consultar referência da nota.
356 “Louvor é uma confissão ou afirmação de quem Deus é, do que faz.” (Alexander). “A ação de graças
acompanha o louvor, pois quando alguém declara os atributos e obras de Deus, não pode deixar de
ser agradecido por isso. O louvor conduz regularmente à ação de graças”. (Alexander). “No Antigo
Testamento, a confissão frequentemente se reveste do caráter de louvor, quando o crente, agradecido,
declara o que Deus fez pela redenção de Israel ou pela sua própria alma. [...] A confissão pode levar
o crente a reconsagrar-se a Deus, a entoar-lhe hinos de louvor, a oferecer-lhe sacrifício de regozijo, e
infunde no crente o desejo de falar aos outros sobre a misericórdia de Deus e de Identificar-se com os
outros crentes na adoração ao Senhor”. (Torrance). Consultar referência da nota.
357 Consultar referência da nota.
358 É a primeira palavra que aparece em Dt 6.4, derivada do verbo (amf$) (Shãma’), “ouvir”, envolvendo
normalmente a ideia de ouvir com afeição. Consultar referência da nota.
359 Consultar referência da nota.
360 Consultar referência da nota
361 Quanto ao emprego desta oração feita pelos judeus individualmente. Consultar referência da nota.
362 Consultar referência da nota.

A Formulação Doutrinária: os Credos da Igreja a Busca de uma Compreensão Bíblica


III

material que indica a existência de um corpo doutrinário fixo da igreja cristã.


Temos referências às “tradições” (para/dosij) (2Ts 2.15), à “Doutrina dos após-
tolos” (At 2.42), à “palavra da vida” (Fp 2.16); à “forma (tu/pon = modelo) de
doutrina” (Rm 6.17), à “Palavra” (Gl 6.6), à “Pregação” (Rm 16.25; 1 Co 1.21)363,
à “fé evangélica” (Fp 1.27), à “fé” (Ef 4.5; Cl 2.6-7; 1Tm 6.20-21), às “sãs pala-
vras” (2Tm 1.13), ao “bom depósito” (2Tm 1.14/1Tm 6.20), à “sã doutrina” (2Tm
4.3/1Tm 4.6; Tt 1.9), à “verdade” (Cl 1.5; 2Ts 2.13; 2Tm 2.18,25; 4.4), à “tradição
(dos apóstolos)” (1Co 11.2;Cl 2.6; 1Ts 4.1; 2Ts 2.15), ao “Evangelho” (1Co 15.1;
Gl 1.9), à “Confissão” (Hb 3.1; 4.14; 10.23), à “fé que uma vez por todas foi entre-

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gue aos santos” (Jd 3/1Tm 1.19; Tt 1.13) e à “fé santíssima” (Jd 20).364
Outros textos parecem indicar as primeiras confissões da Igreja, tais como:
“Jesus, o Cristo” (At 5.42); “Jesus Cristo é Senhor” (Fp 2.11/1 Co 12.3); “Senhor é
Deus” (Jo 20.28); “Deus e Salvador Jesus Cristo” (At 2.13); “Senhor e Cristo” (At
2.36); “Jesus Cristo Filho de Deus” (At 8.37; Mt 16.16; 1Jo 4.15), etc.365 Vejam-se
também: Mt 28.19; 1Co 15.3-7; Fp 2.6-11; 1Co 11.23-27.
Os Credos em princípio não pretendem ser uma exposição exaustiva da fé,
antes consistem em uma declaração de fé dos pontos considerados essenciais à
existência da Igreja Cristã. Primitivamente, os Credos e Confissões eram empre-
gados principalmente da seguinte forma:

Doutrinariamente:
Serviam como ensino proposicional a respeito da fé cristã, ao mesmo tempo em
que combatiam ênfases ou ensinamentos essencialmente errados366, resguardando,
assim, a Igreja, de ensinamentos heréticos367 concedendo certa uniformidade de
fé nos convertidos368. No segundo século, eles eram conhecidos como “regra de

363 Consultar referência da nota.


364 Consultar referência da nota.
365 Consultar referência da nota.
366 Consultar referência da nota.
367 Consultar referência da nota.
368 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
145

fé”369.Os candidatos à Profissão de Fé estudavam a “doutrina” a fim de que pudes-


sem, na ocasião própria, declarar publicamente a sua fé de forma responsiva.
Os Credos também tiveram outra utilidade: Devido o medo da persegui-
ção, ao invés deles serem escritos, eram memorizados370 e quando necessário,
recitados como testemunho de sua fé. Dessa forma, os credos, assumiram papel
fundamental na vida dos fiéis que têm a sua fé alimentada e fortalecida na decla-
ração da promessa na qual ele crê. Para tanto, a promessa é a mesma, a fé tem o
mesmo fundamento, contudo, em situações diversas assumem contornos mais
contundentes e relevantes.
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369 Os “Pais da Igreja” e alguns Concílios usaram com certa frequência a expressão “cânon” que, via de
regra visava distinguir os ensinamentos da Igreja cristã das heresias que surgiam. Abaixo, poderemos
constatar, dentro da documentação disponível, alguns dos diversos e valiosos testemunhos dos Pais e
Concílios da Igreja. Clemente (c. 30-100), bispo de Roma (91-100), por volta do ano 95 AD., deparou-se
com uma grave dissensão na Igreja de Corinto, causada por alguns jovens que não estavam obedecendo
aos presbíteros da Igreja. Clemente então, no mesmo ano, escreveu uma carta à Igreja, na qual ele os
exorta à humildade e obediência, segundo o exemplo de Cristo, para que possam assim, chegar à unidade
e paz. Estimulando a Igreja arrependida a uma caminhada segura em Cristo, diz: “Prossigamos para
a gloriosa e venerável regra (kanw/n) de nossa tradição” (Clemente de Roma, Epístola aos Coríntios,
I.7.2). Clemente de Alexandria (c. 150-c. 215), chamou a harmonia entre o Antigo e o Novo Testamento
de “um cânon para a Igreja” (Clemente de Alexandria, The Stromata, VI.15. In: ANF., II, p. 506-511.
(Veja-se também, VI.11; VII.16)). Ele também escreveu um livro contra os judaizantes, intitulado,
“Cânon eclesiástico ou contra os judaizantes” (Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, VI.13.3. Irineu
(c.120-202), chama o “credo batismal” – que deveria ser guardado sem nenhuma modificação no
coração –, de “O cânon da verdade” (Irineu, Against Heresies, I.9.4. In: ANF., I, p. 330. Veja-se também,
Against Heresies, I.10.1; III.4.1). Policarpo (c. 70-155), refere-se ao “Evangelho” como “cânon da fé”
(Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, V.24.6). Entre os anos de 264 e 268, três Sínodos reuniram-
se sucessivamente em Antioquia, tendo como objetivo julgar a conduta e os ensinamentos de Paulo de
Samosata, bispo de Antioquia desde 260. O último dos três sínodos (268) o condenou e o excomungou
por “heterodoxia” (e(terodoci/an). A sua doutrina e conduta foram classificadas como sendo uma
“apostasia do cânon” (“a)posta\j tou= kano/noj”) (Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, VII.30.6); ou
seja, o abandono da fé ortodoxa. Como pudemos observar, o emprego da expressão “cânon” pelos Pais
e Concílios da Igreja, tinha o sentido de um padrão aprendido e recebido como verdadeiro. Uma outra
expressão usada e, pelo que deduzimos, tinha o mesmo significado, era: “regra de fé” (Cf. o uso feito por
Tertuliano, Da Prescrição dos Hereges, 13. In: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos
Padres, 2. ed. (revista e ampliada), São Paulo: Paulinas, 1980. § 254, p. 162 e ANF., III, p. 249; Novaciano,
Sobre a Trindade: In: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, § 309, p. 201) e,
“regra dos antigos” (Conforme uso de Basílio, Profissão de Fé: In: Cirilo Folch Gomes, (compilador).
Antologia dos Santos Padres, § 365, p. 239). Em outras palavras, o “cânon eclesiástico” (kanw\n th=j e)
kklhsi/aj), quando não se referia aos Livros da Bíblia, significava a doutrina ortodoxa da Igreja, aquilo que
a Igreja sustentava como verdade. (Para mais detalhes sobre este assunto, Veja-se: Hermisten M.P. Costa,
A Inspiração e Inerência das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1998). Consultar referência da nota.
370 Ambrósio de Milão (c. 334-397) escreveu: “Os santos apóstolos juntos fizeram um resumo da fé, a fim
de que pudéssemos compreender brevemente o elenco de toda a nossa fé. A brevidade é necessária, para
que ela seja sempre mantida na memória e na lembrança”. Consultar referência da nota.

A Formulação Doutrinária: os Credos da Igreja a Busca de uma Compreensão Bíblica


III

Liturgicamente:
a. Batismo: Os fiéis declaravam (no caso de serem adultos)371 responsiva-
mente a sua fé na ocasião do batismo372 (Veja em: At 8.37; Rm 10.9)373 e
declaratoriamente374.
b. Santa Ceia: Na Eucaristia a Igreja declarava a sua fé por meio de hinos,
orações e exclamações devocionais. (Veja em: 1Co 12.3; 16.22; Fp 2.5-11).
c. Culto: Ao que parece, a partir do quarto século, os credos passaram a ser
usados nos cultos regulares, sendo recitados após a leitura das Escrituras.

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Com o passar do tempo, os credos foram se tornando mais detalhados, isto por
três motivos: 1) Devido à compreensão mais aprimorada das doutrinas bíblicas;
2) Considerando o intenso crescimento da igreja (séc. III), instruir os neófitos
para que esses não fossem facilmente conduzidos pelas heresias; 3) Devido à
necessidade de, mediante o ensino cristão, combater as heresias375 que surgiam,
marcadamente, relacionadas com a Pessoa de Cristo.376 Nesse contexto, são ela-
borados quatro Credos que são considerados os mais importantes dos cinco
primeiros séculos que veremos no momento oportuno.

371 Consultar referência da nota.


372 Consultar referência da nota.
373 Consultar referência da nota.
374 Consultar referência da nota.
375 Consultar referência da nota.
376 “A cristologia, como a maioria das doutrinas do Novo Testamento, foi retirada da bigorna da
necessidade quando a igreja entrou em conflito com os ensinos errôneos”. Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
147

Segue abaixo a transcrição do Credo Niceno (Primitivo) e do Credo Niceno-


-Constantinopolitano, como é usado hoje:
CREDO NICENO (325)
Cremos em um só DEUS, o Pai Todo Poderoso criador de todas as coisas vi-
síveis e invisíveis.
E em um só Senhor JESUS CRISTO, o Filho de Deus; gerado como o Unigêni-
to do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verda-
deiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial com o Pai, me-
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diante o qual todas as coisas foram feitas, tanto as que estão no céu como
as que estão na terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu,
encarnou-se e se fez homem e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao
céu, e novamente virá para julgar os vivos e os mortos;
E no ESPÍRITO SANTO. E quantos dizem “Houve tempo em que não era”; e
“Antes de nascer, Ele não era”, ou que “Foi feito do que não existe”, bem como
quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência”, ou
“feito”, ou “mutável”, ou “alternável”, a todos esses a Igreja católica e apostó-
lica anatematiza.

CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO (381)


Cremos em um só Deus, o Pai Todo Poderoso Criador [do céu e da terra], de
todas as coisas, visíveis e invisíveis;
E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, o gerado do Pai
[antes de todos os séculos,] [Deus de Deus], Luz de Luz, Verdadeiro Deus
de Verdadeiro Deus, gerado e não feito, da mesma substância que o Pai,
por meio do qual todas as coisas vieram a ser; o qual, por nós, os homens, e
pela nossa salvação desceu [dos céus] e se encarnou [do Espírito Santo e da
Virgem Maria] e se fez homem [e foi por nós crucificado sob Pôncio Pilatos]
e padeceu [e foi sepultado] e ressuscitou ao terceiro dia, [segundo as Escri-
turas,] e subiu aos céus [e está sentado à direita do Pai] e virá de novo, [com
glória], a julgar vivos e mortos; [e do seu reino não haverá fim].
E no ESPÍRITO SANTO, o Senhor e Vivificador, o que procede do Pai e do
Filho, o que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o que
falou através dos profetas; e em uma só Igreja santa, católica e apostólica.
Confessamos um só batismo para remissão dos pecados, esperamos a res-
surreição dos mortos e a vida do século vindouro. Amém.
Fonte: Textos litúrgicos dos Credos.

Fundamentos Bíblicos da Doutrina


III

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA DOUTRINA

Onde o monoteísmo foi francamente reconhecido, isto é, no mundo


cristão, ele ocupou de imediato uma posição central e se impôs como
o princípio dos princípios. É a própria natureza dessa noção que exige
isso, porque, se há um Deus, e só um, é sempre a Ele que se deve referir
tudo o mais. (ÉTIENNE, 2006, p. 54).

Ainda que não encontremos no Antigo Testamento uma revelação completa da


existência da Triunidade de Deus, não podemos menosprezar as evidências ali

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encontradas dessa verdade que, especialmente, olhadas à luz do Novo Testamento,
adquirem maior eloquência e firmeza. Dentro da revelação progressiva de Deus,
encontramos gradativamente o desvelar da ação trinitária de Deus. Os compo-
nentes revelados dentro do organismo da revelação conferem forte evidência da
doutriana da Trindade. 377

NO ANTIGO TESTAMENTO 378

Há Textos nos quais Deus fala de Si Mesmo no Plural


Esses textos ainda que não sejam suficientes para “provar” a doutrina da Trindade,
demonstram que Deus existe como um ser plural que não vive solitariamente. 379
■■ Gênesis 1.26 – “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, con-
forme a nossa semelhança [...]”.380
■■ Gênesis 3.22 - “Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem se tor-
nou como um de nós [...]”.
■■ Gênesis 11.7 - “Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem,
para que um não entenda a linguagem de outro”.
■■ Isaías 6.8 - “Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem envia-
rei, e quem há de ir por nós?”.

377 Consultar referência da nota.


378 Neste tópico, segui de maneira bem próxima o esquema apresentado por Strong. Consultar a referência
da nota.
379 Consultar referência da nota.
380 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
149

A Ênfase Tripla no nome ou Santidade de Deus


■■ Números 6.24-26 - “24O SENHOR te abençoe e te guarde; 25 O SENHOR
faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti; 26 O
SENHOR sobre ti levante o rosto e te dê a paz.”.
■■ Isaías 6.3 - “E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o
SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”.
■■ Isaías 33.22 - “Porque o SENHOR é o nosso juiz; o SENHOR é o nosso
legislador; o SENHOR é o nosso Rei, ele nos salvará”.
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■■ Daniel 9.19 - “Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e


age sem tardar; por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade
e o teu povo são chamados pelo teu nome”.

O Nome Plural de Deus


Alguns textos usam a forma plural para Deus (‫‘( )םיהלא‬ĕlôhîym).
■■ Gênesis 1.1 - “No princípio criou Deus (‘elohiym) os céus e a terra”.
■■ Gênesis 20.13 - “Quando Deus (‘elohiym) me fez andar errante da casa de
meu pai, eu disse a ela Este favor me farás em todo lugar em que entrar-
mos, dirás a meu respeito Ele é meu irmão”.
■■ Gênesis 35.7 - “E edificou ali um altar e ao lugar chamou El-Betel; porque
ali Deus (‘elohiym) se revelou quando fugia da presença de seu irmão”.
■■ Isaías 54.5-6 - “5 Porque o teu Criador é o teu marido; o SENHOR (yehô-
vâh) dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é
chamado o Deus (‘elohiym) de toda a terra. 6 Porque o SENHOR (yehô-
vâh) te chamou como a mulher desamparada e de espírito abatido; como
a mulher da mocidade, que fora repudiada, diz o teu Deus (‘elohiym)”.

Deus faz uma distinção em Si mesmo


■■ Gênesis 19.24 - “Então, fez o SENHOR chover enxofre e fogo, da parte
do SENHOR, sobre Sodoma e Gomorra”.
■■ Oséias 1.7 - “Porém da casa de Judá me compadecerei e os salvarei pelo
SENHOR, seu Deus [...]”.

Fundamentos Bíblicos da Doutrina


III

Há Textos que falam de três Pessoas no Ser de Deus


■■ Isaías 48.16 - “Chegai-vos a mim e ouvi isto: Não falei em segredo desde
o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá.
Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito” – A impres-
são que se tem deste texto é da Segunda Pessoa da Trindade falando.

O Espírito de Deus é distinto de Deus


■■ Gênesis 1.1-2 - “No princípio, criou Deus os céus e a terra. 2A terra,
porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e

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o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”.
■■ Salmo 33.6 - “Os céus por sua (yehôvâh) palavra se fizeram, e, pelo sopro
(ruah) de sua boca, o exército deles”.
■■ Isaías 48.16 - “Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde
o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado
lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito”.
■■ Isaías 63.7-10 - “7Celebrarei as benignidades do SENHOR e os seus atos
gloriosos, segundo tudo o que o SENHOR nos concedeu e segundo a
grande bondade para com a casa de Israel, bondade que usou para com
eles, segundo as suas misericórdias e segundo a multidão das suas benig-
nidades. 8 Porque ele dizia: Certamente, eles são meu povo, filhos que não
mentirão; e assim ele se tornou o seu Salvador. 9 Em toda a angústia deles,
ele foi angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e
pela sua compaixão, ele os remiu; e os tomou e os conduziu todos os dias
da antiguidade. 10 Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito
Santo, pelo que se lhes tornou em inimigo e ele mesmo pelejou contra eles”.
■■ Ageu 2.4-5 - “4Ora, pois, esforça-te, Zorobabel, diz o SENHOR, e esforça-
-te, Josué, filho de Jozadaque, sumo sacerdote, e esforça-te, todo o povo da
terra, diz o SENHOR, e trabalhai; porque eu sou convosco, diz o SENHOR
dos Exércitos. 5 Segundo a palavra da aliança que fiz convosco, quando
saístes do Egito, o meu Espírito permanece no meio de vós; não temais.”

A DOUTRINA DA TRINDADE
151

Textos que se referem ao Anjo do Senhor


Gn 16.7-13. Nos versos 7, 9, 10 e 11, vemos a referência ao Anjo do Senhor
(mal’âk) e, no verso 13, o Anjo é chamado Deus (yehôvâh). No texto de Gn
18.1-19 encontramos no verso 2 referências a três homens; no verso 3 um deles
é chamado de Senhor (‘ădônây) e Jeová (yehôvâh) no verso 13. No verso 25 Ele
é chamado de juiz de toda terra e no 27 novamente é chamado de Senhor (‘ădô-
nây). No verso 14 o Anjo do Senhor fez uma distinção entre Si mesmo e Deus.
Quando esses homens partem para se encontrar com Ló, um deles perma-
neceu, indo apenas dois (Gn 18.22; 19.1). Em Êxodo 3.1-6, vemos a identificação
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do Anjo do Senhor como Deus “Vendo o SENHOR (yehovah) que ele se voltava
para ver, Deus (‘elohiym), do meio da sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés!
Ele respondeu: Eis-me aqui!” (Êx 3.4). Na sequência, o Anjo se identifica como
o Deus de Abraão, Isaque e Jacó “Disse mais Eu sou o Deus (‘elohiym) de teu pai,
o Deus (‘elohiym) de Abraão, o Deus (‘elohiym) de Isaque e o Deus (‘elohiym) de
Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus (‘elohiym)” (Êx 3.6).
Nesses e outros textos, podemos observar que o Anjo é identificado como
Deus (Gn 22.11,16; 31.11,13); o Anjo é distinguido de Deus (Gn 16.9,13; 48.15,16)
e, o Anjo aceita adoração devida somente a Deus (Êx 3.2; 4.5; Jz 13.20-22/Ap
22.8-9). 381

Textos que Descrevem a Sabedoria e a Palavra Divina


a. A Sabedoria é representada como distinta de Deus e coeterna com Ele

Pv. 8.1/Mt 11.19; Lc 7.35; 11.49; Pv 8.22, 30, 31/ Pv 3.19; Hb 1, 2.

b. A Palavra de Deus é executiva de Sua vontade


Sl 107.20; 119.89; 147.15-20; Is 55.10,11.

381 Consultar referência da nota.

Fundamentos Bíblicos da Doutrina


III

Textos que Descrevem o Messias


a. É um com Jeová
■■ Isaías 9.6 - “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo
está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro,
Deus (‫‘( )לא‬êl) Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”.
b. Ele é, em certo sentido, distinto de Jeová
■■ Salmo 45.6-7 - “O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; cetro de equi-
dade é o cetro do teu reino. 7Amas a justiça e odeias a iniquidade, por

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isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, como a nenhum
dos teus companheiros”.
■■ Malaquias 3.1 - “Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o
caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem
vós buscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz
o SENHOR dos Exércitos”.
c. Ele é Filho de Jeová
■■ Salmo 2.7 - “Proclamarei o decreto do SENHOR Ele me disse Tu és meu
Filho, eu, hoje, te gerei”.
■■ Provérbios 30.4 - “Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos
nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabele-
ceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome, e qual é o nome
de seu filho, se é que o sabes?”.

NO NOVO TESTAMENTO

Nas páginas do Novo Testamento, a doutrina da Triunidade é apresentada de


forma mais clara e completa, complementando aquilo que o Antigo Testamento
apenas alude. O Novo Testamento esclarece e completa o que o Antigo já reve-
lara. A figura do eminente teólogo de Princeton, Warfield (1851-1921) é útil aqui:

A DOUTRINA DA TRINDADE
153

Podemos comparar o Velho Testamento com um salão ricamente mo-


bilado, mas muito mal iluminado; a introdução de luz nada lhe traz que
nele não estivesse antes; mas apresenta mais, põe em relevo com maior
nitidez muito do que mal se via anteriormente, ou mesmo não tivesse
sido apercebido. O mistério da Trindade não é revelado no Velho Tes-
tamento; mas o mistério da Trindade está subentendido na revelação
do Velho Testamento, e aqui e acolá é quase possível vê-lo. (1967, p.
130-131).

De forma mais específica, podemos dizer que a salvação que era atribuída a Jeová
no Antigo Testamento (Jó 19.25. Sl 9.14; 78.35; 106.21; Is 41.14; 43.3,11,14; 47.4),
no Novo Testamento é atribuída ao Filho de Deus (Mt 1.21; Lc 1.76-79; 2.17; Jo
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4.42; At 5.3; Gl 3.13; 4.5; Fp 3.30).


No Antigo Testamento é Jeová quem mora no meio do Seu Povo e nos cora-
ções dos que o temem (Sl 74.2; 135.21; Is 8.18; 57.15; Ez 43.7-9; Jl 3.17,21; Zc
2.10,11); no Novo Testamento é o Espírito quem habita na Igreja, tornando-a
Seu templo (At 2.4; Rm 8.9,11; 1Co 3.16; 6.19; Gl 4.6). Além disso, há diversos
textos que falam mais claramente das Pessoas da Trindade Mt 28.19; 1Co 12.4-
6; 2Co 13.13; Ef 4.4-6; 1Pe 1.1-2; Jd 20-22; Ap 1.4-5.

A TRINDADE E A NOSSA SALVAÇÃO

Para Palmer (2009, p. 14),


É uma grande bênção ter um Deus que não é uma Pessoa senão três.
Constitui uma Trindade abundante. Porque não só um Pai que nos ama
e cuida de nós, senão também um Cristo que trouxe salvação e inter-
cede por nós e um Espírito Santo que mora dentro de nós e aplica a
salvação à nossa vida.

A Trindade e a Nossa Salvação


III

“É somente sob a direção do Espírito que tomamos posse de Cristo e de todos os


seus benefícios” 382. O Espírito é chamado de “Espírito da Graça” (Hb 10.29/Zc
12.10)383, porque é Ele quem aplica a graça de Deus aos pecadores eleitos, con-
duzindo-os progressivamente à conformação da imagem de Cristo. O Espírito
é “comunicador da graça” 384.
Esse ministério tem início, quando o Espírito nos leva a aceitar a mensa-
gem de perdão dos nossos pecados. O Espírito anuncia que chegou o tempo
da salvação, o qual é caracterizado pelo perdão para todos aqueles que se arre-
pendem de seus pecados. Portanto, quando tratamos desse tópico, não estamos

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simplesmente especulando, antes, mostrando como esta doutrina (Trindade)
está amparada nas Escrituras e como ela tem uma relação direta com a experi-
ência do cristão resultante da sua salvação em Cristo385.
Sem as obras da Trindade, jamais seríamos salvos pela graça. A graça de
Deus, que é personificada em Cristo, é apenas um lado das obras redentoras
do Deus Triúno. Toda a Trindade está comprometida na salvação do Seu povo,
tendo cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade, conforme o Conselho tri-
nitário, um papel fundamental.
A obra do Espírito é distinta da obra do Pai e do Filho, porém, não é inde-
pendente. A Trindade opera conjuntamente, tendo o mesmo propósito eterno
a glória do próprio Deus por intermédio da salvação do Seu povo (Is 43.7/Ef
1.6; 1Pe 2.9,10) 386. A Teologia Reformada, fiel aos ensinamentos das Escrituras,
ensina esta verdade. Packer comentando esse ponto, disse:
Deus – O Jeová Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo; três pessoas traba-
lhando em conjunto, em sabedoria, poder e amor soberanos, a fim de
realizar a salvação de um povo escolhido. O Pai escolhendo, o Filho
cumprindo a vontade do Pai de remir, o Espírito executando o propó-
sito do Pai e do Filho mediante a renovação do homem. (1986, p. 9) 387.

382 Consultar referência da nota.


383 Consultar referência da nota.
384 Consultar referência da nota.
385 Consultar referência da nota.
386 Consultar referência da nota.
387 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
155

É precisamente isso que estamos dizendo, quando declaramos que a nossa sal-
vação é por Deus - O Deus Triúno - autor e o executor da nossa salvação; do
princípio ao fim, a salvação é obra do Deus da graça. Paulo estimulando os fili-
penses, inspirado por Deus, fala de sua convicção inabalável “Estou plenamente
certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia
de Cristo Jesus” (Fp 1.6) 388.
A Obra do Espírito torna efetivo em nós aquilo que Cristo realizou definitiva-
mente por nós. Podemos afirmar que sem as operações do Espírito, o Ministério
Sacrificial de Cristo não teria valor objetivo para os homens, visto que os méri-
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tos redentores e salvadores de Cristo não seriam comunicados aos pecadores389.


Calvino (1509-1564) afirmou, corretamente, que é necessário que Cristo
habite em nós para que compartilhe conosco o que recebeu do Pai. Ele conclui
dizendo que “O Espírito Santo é o elo pelo qual Cristo nos vincula efetivamente a
Si.” 390. Em outro lugar declara “Sabemos que nosso bem, nossa alegria e repouso
é estar unido ao Filho de Deus” 391.
Cristo cumpriu perfeitamente as demandas da lei e adquiriu todas as bênçãos
que envolvem a salvação. A Obra do Espírito consiste em aplicar os merecimen-
tos de Cristo aos pecadores, capacitando-os a receberem a Graça da salvação392.
Somente através do Espírito “recebemos todos os bens e dons que nos são dados
em Jesus Cristo”.393 É Ele quem derrama sobre nós, as bênçãos da graça, obtidas
pela obra eficaz de Cristo.

388 “A graça começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma pessoa.” (SPURGEON,
1992, p. 45). “[...] Em sua inteireza a nossa salvação procede do Senhor. É sua realização. Ele mesmo
apresenta Sua noiva a Si mesmo por que ninguém mais pode fazê-lo, ninguém mais é competente
para fazê-lo. Somente Ele pode fazê-lo. Ele fez tudo por nós, do princípio ao fim, e concluirá a obra
apresentando-nos a Si mesmo com toda esta glória aqui descrita.” (LLOYD-JONES, 1991, p. 137). Do
mesmo modo acentua Murray (1993, p. 98): “A salvação é do Senhor, tanto em sua aplicação como em sua
concepção e realização”. Consultar referência da nota.
389 A aplicação da redenção pelo Espírito Santo não pode, em nenhum sentido, ser transformada na
aquisição da redenção, pois, embora o Espírito Santo receb a todas as coisas de Cristo, a aplicação nesse
campo de operação é tão necessária e tão importante quanto à aquisição. (...) E, a esse respeito, a aquisição
e a aplicação estão tão fortemente ligadas que a primeira não pode ser concebida nem existir sem a
segunda e vice-versa”. (BAVINCK, 2012, p. 221). Consultar referência da nota.
390 Consultar referência da nota.
391 Consultar referência da nota.
392 “De fato a graça reina, mas uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas
também inconcebível”. (MURRAY, ANO, p. 19). Consultar referência da nota.
393 Consultar referência da nota.

A Trindade e a Nossa Salvação


III

Dessa forma, podemos dizer que o Ministério soteriológico do Espírito se


baseia nos feitos de Cristo e, que o Ministério Sacrificial de Cristo reclama a
ação do Espírito (Jo 7.39/Jo 14.26; 16.13-14). Segundo Hodge (2001, p. 390), “A
obra do Espírito na aplicação da redenção de Cristo é descrita como tão essen-
cial quanto à própria redenção”.
Já Bruner diz que (2012, p. 179) “A condição prévia indispensável para a
outorga do Espírito é a obra de Cristo”. A Palavra nos ensina que o Espírito Santo
é o Espírito de Cristo (Gl 4.6; Fp 1.19), por isso, a presença do Espírito em nós,
é a presença do Filho (Rm 8.9). Quando evangelizamos o fazemos confiantes de

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que Deus, pelo Espírito, aplicará os méritos de Cristo no coração do Seu povo.
Portanto, aqui, está a nossa responsabilidade e o nosso conforto, conforme bem
observou Graham (1982, p. 30):
O Espírito Santo é o grande comunicador do Evangelho, usando como
instrumento pessoas comuns como nós. Mas é dele a obra. Assim,
quando o Evangelho é fielmente proclamado, o Espírito Santo é quem
o envia como dardo flamejante aos corações dos que foram prepara-
dos. 394

Portanto, desprezar esta doutrina bíblica equivaleria a perder o significado do


Evangelho, sustentando uma fé indefinida e, por isso mesmo, superficial, não
condizente com a plenitude da revelação bíblica.
Lembremo-nos “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não
permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai,
como o Filho” (2Jo 9).

394 A consciência de que os “resultados” da Evangelização dependem do Deus soberano, traz como
implicação a nossa ousada confiança em Deus, não em nossos métodos. (GRAHAM, 1982). Packer
analisou bem este ponto, fazendo aplicações complementares: “Se esquecermos que a prerrogativa
de Deus é produzir resultados quando o evangelho é pregado, acabaremos pensando que é nossa
responsabilidade assegurá-los. E, se nos esquecermos de que somente Deus pode infundir fé, acabaremos
pensando que a conversão, em última análise, depende não de Deus, mas de nós, e que o fator decisivo é
a maneira como evangelizamos. E essa linha de pensamento, coerentemente seguida, nos fará desviar em
muito.” (PACKER, 1990, p. 22). Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
157

A TRINDADE E AS NOSSAS ORAÇÕES

Segundo Calvino (2001, p.288), “Quando o Espírito nos testifica que somos filhos
de Deus, ele, ao mesmo tempo, imprime esta confiança em nossos corações, para
que ousemos invocar a Deus como nosso Pai”. O Espírito é quem nos ensina a
orar como convém, ou seja, orar segundo a vontade de Deus. A oração é educa-
tiva, pois nos desafia a confiar nas promessas de Deus registradas na Sua Palavra
e, assim, na medida em que confiamos, podemos amadurecer a nossa fé através
do aprendizado experiencial, de que Deus cumpre fielmente as Suas promessas.
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Ainda Calvino diz que “Com a oração encontramos e desenterramos os


tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo Evangelho”. Portanto, esse
tesouro não pode ser negligenciado como se enterrado e oculto no solo. “Agora,
quanto é necessário, e de quantas maneiras o exercício da oração é útil para nós,
não se pode explicar satisfatoriamente com palavras”.
Outro ponto relevante, é que a oração do Espírito é sempre por intermédio
de Cristo, isso significa que quando oramos, o fazemos por iniciativa do Espírito,
por meio de Cristo, no nome de Cristo, portanto, fazer tal oração significa har-
monizar a nossa vontade com a do Filho.
Para Pink (1977, p. 134) diz que ao
solicitar algo a Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe algo
em harmonia com a natureza de Cristo! Pedir algo em nome de Cristo,
a Deus Pai, é como se o próprio Cristo estivesse formulando a petição.
Só podemos pedir a Deus aquilo que Cristo pediria. Pedir em nome de
Cristo, pois, significa deixar de lado nossa vontade própria, aceitando
a vontade do Senhor!

O Espírito nos dirige para que não usemos o nome do Filho em vão porque
somente Ele pode nos mostrar qual é a vontade de Deus e nos capacitar a acei-
tá-la com fé. Quando oramos no Espírito estamos confessando a nossa pequenez
e, ao mesmo tempo, testemunhando a nossa fé na soberania de Deus.
“O Espírito constrói uma determinada atmosfera em torno de toda a oração
autêntica, e dentro desse círculo próprio é que a oração vive e triunfa; fora dele,
a oração é apenas uma formalidade morta”, comentou Spurgeon. (1987, p. 85).

A Trindade e as Nossas Orações


III

Agostinho (354-430), comentando o Salmo 102.2 – quando o salmista diz


“... inclina-me os teus ouvidos; no dia em que eu clamar; dá-te pressa em acudir-
-me” –, faz uma paráfrase “Escuta-me prontamente, pois peço aquilo que queres
dar. Não peço como um homem terreno bens terrenos, mas já redimido do pri-
meiro cativeiro, desejo o reino dos céus”. (1998, p.12).
Paulo, discorrendo sobre a fraqueza humana, exemplifica na vida cristã no
fato de nem ao menos sabermos orar como convém (Rm 8.26-27). Por isso, o
Espírito que em nós habita nos auxilia em nossas orações, fazendo-nos pedir o
que convém, capacitando-nos a rogar de acordo com a vontade de Deus. A ora-

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ção eficaz é aquela que tem o Espírito como seu autor. Sem o auxílio do Espírito,
jamais oraremos com discernimento.
Calvino (1509-1564), analisando o fato de que pedimos tantas coisas erradas
a Deus e que, se Ele nos concedesse o que solicitamos, traria muitos males sobre
nós395, enfatiza “Não podemos nem sequer abrir a boca diante de Deus sem grande
perigo para nós, a não ser que o Espírito Santo nos guie à forma devida de orar” 396.
A oração genuína é sempre precedida do senso de necessidade e de uma fé
autêntica nas promessas de Deus. Graças a Deus porque todos nós, em Cristo,
temos o Espírito de oração (Zc 12.10), porque sem Ele jamais poderíamos orar
de modo aceitável ao Pai. “A própria oração é uma forma de adoração”, segundo
Sproul (1997, p. 187).
Por outro lado, o auxílio do Espírito não deve servir de pretexto para a nossa
indolência e irresponsabilidade espiritual. Interpreta Calvino (As Institutas, III.1.1),
Aqui não se diz que, lançando o ofício da oração sobre o Espírito de
Deus, podemos adormecer negligentes ou displicentes, como alguns se
acostumaram a blasfemar, dizendo Devemos ficar à espera, sem nenhu-
ma preocupação, até que o Espírito chame a atenção da nossa mente,
até então ocupada e distraída com outras coisas. Muito ao contrário,
aqui somos induzidos a desejar e a implorar tal auxílio, com aversão e
desgosto por nossa preguiça e displicência.397

395 Claraval (1090-1153), disse: “Não permitam que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o que
desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis julgamentos do mundo.” Consultar
referência da nota.
396 Comentando o texto de Romanos 8.26, Calvino diz: “O Espírito, portanto, é Quem deve prescrever a
forma de nossas orações”. (Calvino, 1997, p. 291). Consultar referência da nota.
397 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
159

E ainda nos exorta dizendo: “Quando nos sentirmos frios, e indispostos para
orar, supliquemos logo ao Senhor que nos inflame com o fogo de seu Espírito,
pelo qual sejamos dispostos e suficientes para orar como convém”398. Muitas
vezes, estamos tão confusos diante das opções que temos, que não sabemos nem
mesmo como apresentar os nossos desejos e as nossas dúvidas diante de Deus.
Todavia o Espírito nos socorre. Ele “ora a nosso favor quando nós mesmos deve-
ríamos ter orado, porém não sabíamos para que orar”399.
Comentando o Salmo 91.12, diz que: “Nunca podemos aquilatar os sérios
obstáculos que Satanás poria contra nossas orações não nos sustentasse Deus
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da maneira aqui descrita”400. Ele ilustra a sua tese:


Chamo tentação espiritual quando não somente somos açoitados e afli-
gidos em nossos corpos; senão quando o diabo opera de tal modo em
nossos pensamentos que Deus se nos convertem em inimigo mortal,
ao que já não podemos ter acesso, convencidos de que nunca mais terá
misericórdia de nós. (CALVINO, J. As Institutas, III.1.1)401

Precisamos, portanto, “Que o mesmo Deus nos ensine, conforme ao que Ele
sabe que convém, e que Ele nos leve guiando como que pela mão, e que nós
o sigamos. 402” (CALVINO, J. As Institutas, III.1.1). Orar como convém é orar
segundo a vontade de Deus, colocando os nossos desejos em harmonia com o
santo propósito de Deus403; isto só é possível pelo Espírito de Deus que se conhece
perfeitamente (1Co 2.10-12)404. Assim, toda oração genuína é sob a orientação
e direção do Espírito (Ef 6.18; Jd 20).

398 Consultar referência da nota.


399 Consultar referência da nota.
400 Consultar referência da nota.
401 Sermon nº 1: El Carácter de Job. (CALVINO, 1988, p. 28). Consultar referência da nota.
402 Consultar referência da nota.
403 A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a
Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade a de Deus. É pela oração
que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-a e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma
variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade’.” (Stott,1982, p. 159). Consultar referência da nota.
404 Leenhardt comenta: “Para orar ‘como convém’ é preciso orar ‘segundo a vontade de Deus’; isto,
entretanto, não pode advir senão de Deus, Que só Se conhece. O mais é ação estéril.” (1969, p. 226).
Consultar referência da nota.

A Trindade e as Nossas Orações


III

O Catecismo Maior de Westminster diz que:


Não sabendo nós o que havemos de pedir, como convém, o Espírito nos
assiste em nossa fraqueza, habilitando-nos a saber por quem, pelo quê,
e como devemos orar; operando e despertando em nossos corações
(embora não em todas as pessoas, nem em todos os tempos, na mesma
medida) aquelas apreensões, afetos e graças que são necessários para o
bom cumprimento do dever. 405

O Espírito ora conosco e por nós. Ele, juntamente com Cristo, em esferas dife-
rentes, intercede por nós, como contrasta Kuyper (1837-1920)406:
Cristo intercede por nós no céu, e o Espírito Santo na terra. Cristo

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nosso Santo Cabeça, estando ausente de nós, intercede fora de nós; o
Espírito Santo nosso Consolador intercede em nosso próprio coração
quando Ele o santifica como Seu templo. (1995, p. 670)

A intercessão de Cristo respalda-se nos seus merecimentos, obtendo para os Seus


eleitos, os frutos da Sua Obra expiatória (Rm 8.34; Hb 7.25; 1Jo 2.1). O Espírito
intercede por nós considerando as nossas necessidades vitais e costumeiramente
imperceptíveis aos nossos próprios olhos.
Calvino (1509-1564) observou que na oração, “a língua nem sempre é neces-
sária, mas a oração verdadeira não pode carecer de inteligência e de afeto de
ânimo”407, a saber,
“O primeiro, que sintamos nossa pobreza e miséria, e que este senti-
mento gere dor e angústia em nossos ânimos. O segundo, que esteja-
mos inflamados com um veemente e verdadeiro desejo de alcançar mi-
sericórdia de Deus, e que este desejo acenda em nós o ardor de orar.” 408

Spener (1996, p.119), falando sobre a oração, segue uma linha semelhante “Não é
suficiente que se ore exteriormente, com a boca, pois a oração verdadeira e mais
necessária acontece no nosso ser interior, podendo expressar-se em palavras ou
permanecer na alma, mas, de qualquer maneira, lá acha e encontra Deus.” 409

405 Consultar referência da nota.


406 Consultar referência da nota.
407 Para uma interpretação alternativa do texto de Romanos 8.26-27, consulte Grudem (1999, p. 916) que
associa a passagem a “suspiros e gemidos inarticulados que nós mesmos emitimos em oração, que então o
Espírito Santo transforma em intercessão efetiva diante do trono divino”. Consultar referência da nota.
408 Consultar referência da nota.
409 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
161

O Espírito, que procede do Pai e do Filho, é quem nos guia em nossas ora-
ções, fazendo-nos orar corretamente ao Pai. De fato, Deus propiciou para nós
todos os elementos fundamentais para a nossa santificação (2Pe 1.3); a ação do
Espírito aponta nesta direção, indicando também, que as nossas orações são
“imperfeitas, imaturas e insuficientes”, por isso Ele nos auxilia, ensinando-nos
a orar como convém.
Paulo fala que nós, os crentes em Cristo, recebemos o Espírito de ousada
confiança em Deus, que nos leva, na certeza de nossa filiação divina, a clamar
”Aba, Pai”. ”Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra
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vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual cla-


mamos Aba, Pai” (Rm 8.15). O fato de Paulo usar a mesma expressão de Cristo
para nós significa que, quando Jesus deu a Oração Dominical aos Seus discí-
pulos, também lhes deu autoridade para segui-lo em se dirigirem a Deus como
‘abbã’, dando-lhes, assim, uma participação na sua condição de Filho. Somente
pelo Espírito, poderemos nos dirigir a Deus dessa forma, como uma criança que
se lança sem reservas nos braços do seu Pai amoroso.
Quando oramos, sabemos que estamos falando com o nosso Pai. Dessa
forma, a oração é uma prerrogativa dos que estão em Cristo. Somente os que
estão em Cristo pela fé têm a Deus como o seu legítimo Pai (Jo 1.12; Rm 8.14-
17; Gl. 4.6; 1Jo 3.1-2). De onde se segue que esta oração Pai Nosso, apesar de
não mencionar explicitamente o nome de Cristo, é feita no seu nome, visto que
somos filhos de Deus – e é nessa condição que nos dirigimos a Deus – através
de Cristo Jesus (Gl 3.26).
Portanto, quando oramos o Pai Nosso, sinceramente, na realidade estamos
orando no nome de Jesus Cristo, pois, foi Ele mesmo quem nos ensinou a fazê-lo.
Assim, devemos, pelo Espírito – nosso intercessor –, no nome de Jesus – nosso
Mediador –, orar “Pai nosso que estás no céu [...]”. O Espírito que em nós habita
e nos leva à oração testemunha em nós que somos filhos de Deus. “O próprio
Espírito testifica (summarture/w) com o nosso espírito que somos filhos de
Deus” (Rm 8.16); O Pai Nosso é a “Oração dos Filhos” 410.

410 Conforme expressão de Lloyd-Jones (1984, p. 358). A relação feita por Calvino entre a oração e a
convicção de nossa filiação divina. (CALVINO, s/d, p. 279-280)

A Trindade e as Nossas Orações


III

Orar ao Pai não significa simplesmente usar o seu nome, mas, sim, diri-
gir-nos de fato a Ele conforme os seus preceitos, em submissão à sua vontade.
Uma oração francamente oposta aos ensinamentos de Jesus não pode ser con-
siderada de fato uma oração dirigida ao Pai, por mais que usemos e repitamos
o nome de Jesus.
O problema, dentro do contexto vivido por Jesus, é que muitos dos judeus,
na realidade, ofereciam as suas orações aos homens, mesmo usando o nome de
Deus. Usar o nome de Deus não é garantia de estarmos nos dirigindo a Ele. Do
mesmo modo, podemos estar tão preocupados com a forma de nossas orações

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que nos esquecemos do Pai. É a Ele que a nossa oração é destinada, portanto,
cabe a Ele, que vê em secreto, julgá-la. A nossa oração não necessita ter publi-
cidade para que Deus a ouça. Ele vê em secreto e nos recompensa conforme o
que vê. (Mt 6.6).
No Antigo Testamento, por intermédio de Isaías, Deus recrimina os judeus
dizendo que eles sacrificavam simplesmente porque gostavam de fazê-lo, não por-
que quisessem agradá-lo. O ritual é que era prazeroso, não a satisfação de Deus:
Como estes escolheram os seus próprios caminhos, e a sua alma se de-
leita nas suas abominações, assim eu lhes escolherei o infortúnio e farei
vir sobre eles o que eles temem; porque clamei e ninguém respondeu,
falei, e não escutaram; mas fizeram o que era mau perante mim, e esco-
lheram aquilo em que eu não tinha prazer. (Is 66.3-4).

Bonhoeffer (1906-1945) comenta,


Uma criança aprende a falar porque seu pai fala com ela. Ela aprende
a falar a língua paterna. Assim também nós aprendemos a falar com
Deus, porque Deus falou e fala conosco. Pela palavra do Pai no céu seus
filhos aprendem a comunicar-se com Ele. Ao repetir as próprias pala-
vras de Deus, começamos a orar a Ele. Não oramos com a linguagem
errada e confusa de nosso coração, mas pela palavra clara e pura que
Deus falou a nós por meio de Jesus Cristo, devemos falar com Deus, e
Ele nos ouvirá. (1995, p. 12-13)411.

411 Consultar referência da nota.

A DOUTRINA DA TRINDADE
163

“Orar é exercitar a nossa confiança no Deus da Providência, sabendo que nada


nos faltará, porque Ele é o nosso Pai” 412. A oração tem sempre uma conotação
de submissão confiante. Portanto, orar ao Pai, significa sintonizar a nossa von-
tade com a dele; sabendo que Ele é santo e a sua vontade também o é (Mt 6.9,10).
A presença e direção do Espírito na vida do povo de Deus é uma realidade.
Desconsiderar esse fato significa desprezar o registro bíblico e o testemunho do
Espírito em nós (Rm 8.16). “A vida cristã é companheirismo com o Pai e com o
Filho, Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo” 413. O Espírito em nós é uma fonte
de consolo e estímulo à perseverança e obediência devida a Deus. Consideremos
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esse fato – à luz da Palavra e da nossa experiência – em todos os nossos cami-


nhos, e o Espírito mesmo nos iluminará.

“A comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa o protótipo da


comunidade humana sonhada pelos que querem melhorar a sociedade e
assim construí-la para que seja à imagem e semelhança da Trindade”.
Fonte: Boff (1999, p.17).

412 Consultar referência da nota.


413 Consultar referência da nota.

A Trindade e as Nossas Orações


III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na terceira unidade tratou-se a respeito da doutrina cristã da Trindade e do con-


ceito de Credo, que denota uma postura ativa de uma confiança perene em Deus.
Os Credos e Confissões foram necessários para apresentar as diretrizes teoló-
gicas da igreja conforme a sua compreensão bíblica. Estudamos que a Trindade
opera conjuntamente, tendo o mesmo propósito eterno a glória do próprio Deus
por intermédio da salvação do seu povo.
Portanto, desprezar essa doutrina bíblica equivaleria a perder o significado

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do Evangelho, sustentando uma fé indefinida e, por isso, mesmo superficial, não
condizente com a plenitude da revelação bíblica. Compreendemos que nas pági-
nas do Novo Testamento a doutrina da Triunidade é apresentada de forma mais
clara e completa, ampliando aquilo ao que o Antigo Testamento apenas alude.
Nessa unidade de estudo, propusemos um aprofundamento nesse conceito
da triunidade divina, observando que o Espírito de Deus é distinto de Deus de
forma progressiva a construção dessa formulação teológica e doutrinária no
decorrer da história da igreja cristã.

A DOUTRINA DA TRINDADE
165

1. Como analisar a sociedade e agir nela a partir da dimensão trinitária da fé


eclesial?
2. Como relacionar com a Trindade o impulso comunitário na sociedade e na
Igreja?
3. Como pensar a Trindade como mistério de inclusão?
PRINCIPAIS CREDOS DA IGREJA

A. Credo Apostólico
O credo dos apóstolos tem a sua origem no credo Romano Antigo, elaborando no se-
gundo século, tendo algumas declarações doutrinárias acrescentadas no decorrer dos
primeiros séculos, chegando à sua forma como temos hoje, por volta do sétimo. Paul
Tillich (1886-1965), comentando a primeira declaração de fé deste credo – “Creio em
Deus pai todo-poderoso criador do céu e da terra” -, diz que “deveríamos pronunciar es-
sas palavras com grande reverência porque por meio dessa confissão, o cristianismo se
separou da interpretação dualista da realidade presente no paganismo [...]. O primeiro
artigo do credo é a grande muralha que o cristianismo ergueu contra o paganismo. Sem
essa separação, a cristologia teria inevitavelmente se deteriorado em um tipo de gnos-
ticismo no qual o Cristo não seria mais do que um dos poderes cósmicos entre outros,
embora, talvez, o maior deles”.
O Credo Apostólico era usado na preparação dos catecúmenos, professado durante o ba-
tismo, servindo também para a devoção privada dos cristãos. Posteriormente, passou a ser
recitado com a Oração do Senhor no culto público. No nono século, ele foi sancionado pelo
Imperador Carlos Magno para uso na Igreja e, o papa o incorporou à liturgia Romana.
A Reforma valorizou esse Credo, sendo ele usado liturgicamente em muitas de nossas
igrejas ainda na atualidade. A analogia feita por P. Schaff (1819-1893) parece resumir
bem o significado desse Credo “Como a Oração do Senhor é a Oração das orações, o
Decálogo a Lei das leis, também o Credo dos Apóstolos é o Credo dos credos”.

B. Credo Niceno-Constantinopolitano
O Credo Niceno primitivo foi elaborado no Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia
(20/05/325), na Bitínia, no ano 325. Esse Concílio teve uma representação significativa
(especialmente das igrejas do Oriente) 300 ou 318 bispos; cerca de 1/6 de todos os bis-
pos (estima-se a existência de 1800 bispos em toda a Igreja). O Concílio foi convocado
e subvencionado pelo Imperador Constantino – quem presidiu a sessão inaugural, fa-
zendo um discurso sobre o perigo da dissensão dentro da Igreja, tendo também, ampla
participação no decorrer do Concílio – visando tratar da questão Ariana que prejudicava
a união da Igreja e, consequentemente, do Império.
O Concílio, depois de amplo debate, declarou a igualdade essencial entre o Pai e o Filho.
Os ensinamentos de Ário foram condenados e ele, foi deportado para o Ilírico. Posterior-
mente, o Concílio de Constantinopla (381), convocado pelo Imperador Teodósio I, – sendo
presidido, inicialmente, por Melécio de Antioquia (310-381) –, constituído tradicionalmen-
te por 150 bispos, ampliou o Credo Niceno, daí o nome de Credo Niceno-Constantinopoli-
tano. Esse Credo “ampliado” foi lido e aprovado no Concílio de Calcedônia (451).
167

C. O Credo de Calcedônia
O Quarto Concílio Ecumênico foi realizado em Calcedônia, perto de Constantinopla
(atual Istambul). Reunido de 8 a 31 de outubro de 451, contou com a presença de mais
de 500 bispos e vários delegados papais, que como de costume o representavam. Nessa
reunião, a já aludida “Carta Dogmática” ou “Tomo” redigida pelo bispo Leão I, o “Grande”
de Roma (13/06/449), foi decisiva na elaboração de seu Credo.
Como vimos, Calcedônia ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381).
O seu objetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja. A sua declaração teo-
lógica foi rascunhada em 22 de outubro, por uma comissão presidida por Anatólio de
Constantinopla († 458), encontrando a sua redação final, possivelmente na 5ª Sessão,
na quinta-feira, de 25 de outubro. Calcedônia rejeitou o Nestorianismo (duas pessoas e
duas naturezas) e o Eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus
Cristo é uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas
naturezas). “[...] Calcedônia pronunciou-se não só contra a separação como contra a fu-
são” das duas naturezas de Cristo. Todavia, a noção de mistério esteve presente nessa
confissão, por isso, ela não tentou explicar o que as Escrituras não esclareciam.
Como já escrevemos em outro lugar, “Um decreto ou uma declaração teológica, por
mais relevantes que sejam, não põe fim, imediatamente, a um sistema; a ortodoxia, por
sua vez, não é criada através de pronunciamentos oficiais, embora saibamos que todos
eles sejam necessários e relevantes para nortear a Igreja. Com isso, estamos apenas que-
rendo indicar que, do mesmo modo que Nicéia não colocou um ponto final na questão
Trinitária, Calcedônia, não determinou o fim dos problemas Cristológicos.
Como já indicamos, as heresias permaneceram em diversas regiões, especialmente na Igreja
Oriental. Contudo, Calcedônia se constitui em um marco decisório na vida da Igreja, esta-
belecendo uma compreensão Cristológica que, se não é a final, é a que pôde ser alcançada,
pelo Espírito, dentro da revelação. No entanto, a Palavra é a fonte de toda a genuína teologia,
portanto, Calcedônia estabeleceu balizas, e graças a Deus por isso, devemos permanecer
sempre atentos à Palavra de Deus, à luz da qual nós e a nossa teologia seremos julgados.
Hendriksen está essencialmente correto ao declarar “A relação entre as duas naturezas
sempre permanecerá sendo um mistério muito além de nossa compreensão, mas, pro-
vavelmente nunca seja encontrada uma formulação melhor do que a que é encontrada
no Símbolo de Calcedônia”.

D. Credo Atanasiano
Também conhecido como “Symbolum Quicunque”, porque esta é a sua primeira palavra
em latim “Quicunque vult salvus esse” (“Todo aquele que quiser ser salvo...”). Esse Credo
que reflete a teologia dos quatro primeiros sínodos ecumênicos tem sentenças breves
que são “artisticamente arranjadas e ritmicamente expressadas. Ele é um credo musical
ou salmo dogmático.”
Segundo a tradição, ele teria sido escrito por Atanásio (295-373), Bispo de Alexandria
(328-373), conhecido como “Pai da Ortodoxia”. Segundo a mesma tradição, Atanásio o
elaborara durante o seu exílio em Roma, tendo-o oferecido ao papa Julius como sua
confissão de fé. Todavia, essa tradição tem sido rejeitada por muitos estudiosos desde o
século XVII, quando o holandês Gerhard Jan Vossius (1577-1649), apresentou em 1642,
as suas conclusões que contrariavam a referida crença, o mesmo fazendo James Usher
(1581-1656), em 1647.
A teoria mais aceita hoje é a de que esse Credo foi escrito por volta do ano 500, no
sul da Gália ou África do Norte ou, até mesmo em dois lugares e momentos diferentes.
Apesar de várias hipóteses quanto à sua autoria (Ambrósio, Hilário de Arles, Virgílio de
Tapsus, Vicente de Lérins, Paulinus de Aquileja, entre outros), ninguém conseguiu provar
de modo incontestável a identidade do seu autor. A ênfase desse Credo é a defesa da
Cristologia e da doutrina da Trindade conforme foram definidas nos Concílios de Ni-
céia (325), Constantinopla (381) e Calcedônia (451), refletindo visivelmente a teologia
de Agostinho (354-430).
Fonte: o autor.
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Trindade e A Sociedade
Leonardo Boff
Editora: Vozes
Sinopse: O mistério da Santíssima Trindade sempre
ficou distante da piedade dos fiéis, pois se acentuava
tanto seu caráter de mistério que a grande maioria
preferia ficar apenas com o conceito de um só Deus,
onipotente, criador do céu e da Terra. Assim se
perdia a singularidade da fé cristã em um Deus que
é Trindade de Pessoas que se unem pela comunhão
e pelo amor. O presente livro mostra como a
comunhão e as relações eternas de inclusão entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo podem inspirar relações
sociais mais participativas, igualitárias e includentes. Cada pessoa na medida em que vive em
comunhão com os outros participa da comunhão trinitária.
Comentário: Para Boff, o Deus cristão, o Deus da vida, sempre é a Trindade de Pessoas: a
comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O conceito pericórese é colocado em intrínseca
significação com os conceitos bíblicos de comunhão, amor e vida, pois a interpenetração
dinâmica entre as Pessoas da Trindade é o resultado do amor e da vida que constituem a essência
da Trindade. A Trindade seria modelo e inspiração para a organização da sociedade e para as lutas
por justiça e pela vida humana.

As Institutas
João Calvino
Editora: Cultura Cristã
Sinopse: Um dos tratados teológicos mais
influentes da história do Cristianismo, Instituição
da religião cristã é a obra máxima de Calvino, autor
universalmente reconhecido e estudado - inclusive
por Weber e Marx - como um dos pilares da Reforma
Protestante.
Comentário: O nome Institutas é uma tradução do
título original em latim da obra, Institutio christianae
religionis. Institutas quer dizer instrução, ensino. Um
nome mais simples para a obra poderia ser Ensino Sobre o Cristianismo, aliás, título utilizado
em um resumo da obra feito pelo teólogo J. P. Wiles. O nome Institutas, portanto, não é de
forma alguma ligado a instituições de qualquer tipo, como o nome por vezes é erroneamente
compreendido e divulgado.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Apresentação:
O artigo publicado com o título: LEONARDO BOFF E JOÃO CALVINO: DIFERENTES PERSPECTIVAS
CONCERNENTES À SANTÍSSIMA TRINDADE tem como objetivo comparar o pensamento de dois
teólogos, João Calvino e Leonardo Boff, acerca da doutrina da Trindade. Tendo sido formados por
escolas diferentes e havendo um abismo de quase cinco séculos entre os dois, é considerável que
tais pensadores apresentem concepções distintas acerca desse assunto.
LINK: Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Boff-Calvino-Trindade_Daniel-
Leite.pdf
Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa

IV
UNIDADE
A SOBERANIA DE DEUS

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o conceito teológico de soberania de Deus.
■■ Conceituar os pressupostos a respeito da liberdade de Deus
manifestada em Sua graça.
■■ Estabelecer o entendimento sobre Imagem e Semelhança, Pecado e
Depravação total.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A liberdade soberana de Deus
■■ O poder soberano de Deus na Criação
■■ O poder soberano e gracioso de Deus na Salvação e Restauração de
seu povo
173

INTRODUÇÃO

Olá! Determinadas doutrinas bíblicas tornam-se bastante conhecidas em nosso


meio. Elas passam a identificar determinado grupo ou denominação. Tornam-se
emblemáticas. O ideal é que essa doutrina distintiva passe a ser crida não sim-
plesmente como uma premissa teológica, mas como uma realidade extraída das
Escrituras, crida e vivenciada pelo povo de Deus.
Como veremos, a liberdade é um dos atributos da soberania. Deus é sobe-
rano e, por isso mesmo, é livre na manifestação da Sua graça. Aliás, esse conceito
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é fundamental à ideia bíblica de graça, pois, se a graça não fosse livre, não seria
graça; graça que é obrigatória não é graça, é obrigação.
Veremos ainda que, apesar dessa Graça, o homem pecou. O pecado com-
prometeu de forma gravíssima todas as faculdades originais do ser humano, o
homem não deixou de ser a imagem e semelhança de Deus – visto que isso impli-
caria em deixar de ser homem.
Terminaremos a unidade descrevendo que a nossa salvação é decorrente do
Pacto da Graça, por meio do qual Deus confiou o Seu povo ao Seu Filho para
que Este viesse entregar a Sua vida por ele. Cristo deu a Sua vida em favor de
todos aqueles que o Pai Lhe confiara na eternidade.
Portanto o nosso assunto nesta unidade é a soberania de Deus e a sua rela-
ção com a liberdade humana. Creio que todos nós cremos nessa verdade bíblica,
mas quanto experimentamos isso em nossa vida? Vamos ao estudo.

Introdução
IV

O melhor é dizer que ambos são misteriosamente verdadeiros – Deus


determina todas as coisas e os humanos têm liberdade. Podemos deixar
aberto o enigma porque sabemos que existe uma resposta, mesmo que
não consigamos racionalizá-la (EDGAR, 2000, p. 117).

Se nosso coração se encontra plenamente cativo à autorrevelação de


Deus como o Criador, não mais podemos imaginar que exista uma
zona neutra e segura fora do alcance de Deus (DOOYEWEERD, 2010,
p. 258).

O crente que não vive confiante na soberania de Deus carecerá de Sua


paz e será deixado no caos de um coração atormentado. Mas nossa
constante confiança no Senhor nos permitirá agradecer-Lhe em meio

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
às provações, porque temos a paz de Deus atuando para proteger nos-
sos corações (MACARTHUR, 2001, p. 30).

O homem, como ser paradoxal414 que é, tende a nutrir posições diferentes sobre
o mesmo assunto, dependendo das circunstâncias que, amiúde, são de caráter
passional. Posso, por exemplo, defender a supremacia da lei, até que eu mesmo
a tenha quebrado. Do mesmo modo, posso sustentar determinados princípios
liberais ou conservadores, desde que a minha família não esteja em jogo ou que
outros interesses políticos não sejam afetados. Ou seja: tendemos a ser mais sub-
jetivos do que imaginamos ou estaríamos dispostos a admitir. Lamentavelmente,
temos de admitir que somos mais dados a interesses do que a princípios. E o
pior: o princípio é o meu interesse. Daí, o meu interesse ser o meu princípio de
pensamento e ação.
Uma doutrina que facilmente é objeto de posicionamentos contraditórios
é a soberania de Deus415. Gostamos de alardear a nossa liberdade, a nossa capa-
cidade de escolha e persuasão. Quando assim fazemos, falar em soberania de
Deus parece diminuir um pouco nossa autoconfiança e suposta autonomia; desse
modo, consideramos ser melhor deixá-la guardada em alguma gaveta para onde
empurramos os papéis que não estão sendo utilizados e não sabemos bem o
que fazer com eles. No entanto, quando percebemos que estamos sem recursos,
sem perspectivas favoráveis, sem saber o que fazer, podemos, sem talvez nos dar
conta, nos contentar com uma fé singela no cuidado de Deus e podemos, então,

414 “O ser humano tende a ser paradoxal”. Consultar referência da nota.


415 Pink (1977, p. 19) lamenta: “Hoje, porém, mencionar a soberania de Deus em muitos ambientes, é falar
uma língua desconhecida”. Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
175

dizer para nós mesmos: “Deus é soberano, Ele sabe o que faz”; “nada acontece
por acaso...”. Na verdade, nós mesmos, crentes em Cristo, com certa frequên-
cia, tendemos a adotar atitude semelhante. Calvino (1509-1564) capta bem isso
ao dizer: “Mesmo os santos precisam sentir-se ameaçados por um total colapso
das forças humanas, a fim de aprenderem, de suas próprias fraquezas, a depen-
der inteira e unicamente de Deus”416.
Mas, afinal, Deus é ou não soberano? Parece que esta é uma das doutrinas
mais repudiadas pelo homem natural e, ao mesmo tempo, é a doutrina mais
consoladora para todos nós que cremos em Cristo Jesus, especialmente nos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

momentos de aflição. Uma das grandes dificuldades dos homens em todos os


tempos é deixar Deus ser Deus417; recebê-lo tal qual Ele Se revela, não cedendo
à tentação de construí-lo dentro de nossos pressupostos culturais ou mesmo do
nosso gosto pessoal418. Estamos dispostos a fabricar nossos deuses para que estes
possam cobrir, preencher as brechas de nossa compreensão.
Sendo assim, quando consigo dominar a realidade, já não preciso de Deus;
quando não, invoco este meu deus para justificar as minhas crenças, expectati-
vas e, ao mesmo tempo, a minha falta de fé. Dentro dessa perspectiva, onde há
ciência, não precisamos de Deus419, onde reina a ignorância, há um espaço para
um ser transcendente, destituído de sua glória, é verdade, mas, assim mesmo,
um “ser superior”. Aqui há o esquecimento proposital, de que o ateísmo é tam-
bém uma questão de fé420. Posso crer que Deus existe, como também crer que
Ele não existe. Em ambos os casos, a fé é essencial.
No Antigo Testamento, os judeus, insensíveis aos seus próprios pecados,
tomaram o aparente silêncio de Deus como uma aprovação tácita de seus erros,
projetando em Deus o seu comportamento. Considerando que eles mesmos

416 Consultar referência.


417 Consultar referência.
418 Consultar referência.
419 Este otimismo secular foi sustentado primariamente por Nietzsche. Consultar referência da nota.
420 “O ateísmo é uma questão de fé tanto quanto o cristianismo” (MCGRATH, 2001, p. 23). “Portanto,
os homens que rejeitam ou ignoram a Deus o fazem não porque a ciência ou a razão requeira que o
façam, mas pura e simplesmente porque querem fazê-lo” (MORRIS, 1971, p. 16 apud KENNEDY, 1977,
p. 33). “.... não vejo como é possível não acreditar em Deus e considerar que não se pode comprovar
Sua existência, e depois a acreditar firmemente na inexistência de Deus, pensando poder prová-Lo”
(ECO; MARTINI, 1999, p. 85). “Pode-se negar que a existência de Deus seja demonstrável. Não se pode
demonstrar que Deus não existe” (LACOSTE, 2004, p. 204).

As Escrituras, os Credos e a Reforma Protestante


IV

procediam desse modo, pensavam que Deus fosse igual a eles. No entanto Deus,
no momento próprio, exporia diante deles os seus delitos: “Tens feito estas coisas,
e eu me calei; pensavas que eu era teu igual; mas eu te arguirei e porei tudo à tua
vista” (Sl 50.21). Calvino (2002, p. 549) diz que o homem pretende usurpar o lugar
de Deus: “Cada um faz de si mesmo um deus e virtualmente se adora, quando
atribui a seu próprio poder o que Deus declara pertencer-lhe exclusivamente”.
De fato, os homens estão dispostos a reconhecer espontaneamente diversas
virtudes em Deus: o seu amor, sua graça, bondade, perdão, tolerância, provisão
etc. Agora, a sua soberania, jamais421. Pink (1886-1952) entende que “negar a

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soberania de Deus é entrar em um caminho que, seguindo até à sua conclusão
lógica, leva a manifesto ateísmo”422. A nossa dificuldade está em reconhecer a
Deus como o Senhor que reina423. A Palavra, por sua vez, nos desafia a aprender
com Ela a respeito de Deus e de Seu Reino. O nosso Deus, entre tantas perfeições,
é o Deus soberano, sem esse atributo, Deus não seria Deus: “Verdadeiramente
reconhecer a soberania de Deus é, portanto, contemplar o próprio Deus sobe-
rano” (PINK, 1977, p. 138).
No entanto Jó demonstra a dificuldade de nossa compreensão, ao indagar:
“Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos
ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.14). Mas o
fato que faz parte amplamente da experiência cristã é que somente aquele que
confia intensamente na soberania de Deus poderá encontrar a paz em meio às
vicissitudes da vida424.
Como mais um ingrediente de cautela, devemos entender que o nosso conhe-
cimento a respeito de Deus é um “conhecimento-de-servo” delimitado pelo
próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano. Em outras palavras:

421 Kennedy diz precisamente isso: “O motivo por que tantas pessoas se opõem a essa doutrina
(predestinação) é que elas querem um Deus que seja qualquer coisa, menos Deus. Talvez permitam-lhe
ser algum psiquiatra cósmico, um pastor prestativo, um líder, um mestre, qualquer coisa, talvez... contanto
que Ele não seja Deus. E isso por uma razão muito simples... elas mesmas querem ser Deus. Essa sempre
foi a essência do pecado – o fato que o homem pretende ser Deus” (KENNEDY, 1981, p. 31).
422 Em outro lugar: “Os idólatras do lado de fora da cristandade fazem ‘deuses’ de madeira e de pedra,
enquanto que os milhões de idólatras que existem dentro da cristandade fabricam um Deus extraído de
suas mentes carnais. Na realidade, não passam de ateus, pois não existe alternativa possível senão a de um
Deus absolutamente supremo, ou nenhum deus” (PINK, 1985, p. 28). “Defender a crença num ‘poder do
alto’ nebuloso é balançar entre o ateísmo e um cristianismo total com suas exigências pessoais” (SPROUL,
1986, p. 48).
423 Ver o sermão de Spurgeon sobre Mt 28.15, citado por Pink. Consultar referência da nota.
424 Consultar referência.

A SOBERANIA DE DEUS
177

“É um conhecimento acerca de Deus como Senhor, e um conhecimento que está


sujeito a Deus como Senhor”425. O nosso conhecimento nunca é autorreferente
com validade própria e por iniciativa nossa426. “Visto que somos seres finitos e
não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa perspectiva da
realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”427.
Poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa de graça divina, mas nunca
somos ou seremos o padrão de verdade, antes, precisamos sempre validar o
nosso pensamento na Palavra, que é a verdade (Jo 17.17). Só pensamos verda-
deiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, conhecer a Deus é algo
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singular, porque somente Deus é soberano e somente a partir Dele podemos


conhecê-lo. Conhecer a Deus em Sua soberania, portanto, é um dom da graça
do soberano Deus. Esse conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possa-
mos conhecer a nós mesmos e as demais coisas da realidade.
O nosso assunto é a soberania de Deus e a sua relação com a liberdade
humana. Creio que todos nós cremos nessa verdade bíblica, mas quanto expe-
rimentamos isso em nossa vida? Vamos ao estudo.

A LIBERDADE SOBERANA DE DEUS

Uma das doutrinas fundamentais de toda Escritura Sagrada é a Soberania de


Deus. “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso...”, esta tem sido a declaração feita
pelos cristãos desde o século II, por meio do Credo Apostólico. A Igreja, ampa-
rada nas Escrituras, tem afirmado a sua fé no Deus Todo-Poderoso, Senhor de
todas as coisas e que, ao mesmo tempo, é o nosso Pai Bondoso428.

425 Consultar referência.


426 A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo
do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o
cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque,
enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o
Evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (LLOYD-JONES, 2004, p. 68).
427 Consultar referência.
428 Consultar referência.

A Liberdade Soberana de Deus


IV

Um dos aspectos fundamentais da soberania é a independência. Quando a


nossa suposta independência depende de algo alheio ao nosso controle, percebe-
mos, então, que a nossa pretensa capacidade de decidir livremente está ameaçada
ou sofre de limitações que podem ser bastante comprometedoras. Na realidade,
somente em Deus há a autonomia total e absoluta. Spurgeon (1834-1892) enfa-
tiza corretamente: “Deus é independente de tudo e de todos. Ele age de acordo
com Sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘Eu farei’, o que quer que diga será
feito. Deus é soberano, e Sua vontade, não a vontade do homem, será feita”429.
O poder de Deus é soberanamente livre. Ele não tem primariamente com-

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promissos com terceiros. Em outras palavras: Deus é soberano em Si mesmo, a
onipotência faz parte da sua essência. Por isso mesmo, para Ele não há impos-
síveis. Apesar de qualquer oposição, Ele executa o Seu plano430. Tudo o que Ele
deseja, pode realizar (Mt 19.26; Jó 23.13)431. No entanto Deus não precisa exer-
citar o Seu poder para ser o que é.
Deus Se apresenta nas Escrituras como de fato é, o Deus Todo-Poderoso
(Onipotente), com capacidade para fazer todas as coisas conforme a Sua von-
tade (Sl 115.3; 135.6; Is 46.10; Dn 4.35; Ef 1.11)432. Ele pode fazer tudo o que
quer ou venha a querer, na forma e no tempo que determinar433. Deus também
Se mostra coerente com as demais de Suas perfeições, ou seja, Deus exercita o
Seu Poder em harmonia com todas as perfeições de Sua natureza (2Tm 2.13), a
Sua vontade é eticamente determinada. O poder de Deus se harmoniza perfei-
tamente com a Sua vontade434.

429 Consultar referência.


430 Consultar referência.
431 Stott coloca nestes termos: “... A liberdade de Deus é perfeita, no sentido de que Ele é livre para fazer
absolutamente qualquer coisa que Ele queira” (STOTT, 1997, p. 58).
432 “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR,
ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “... O meu conselho permanecerá
de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em
nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem
lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos
também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o
conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
433 Consultar referência.
434 “Deus tem poder para fazer tudo quanto Ele queira; e com certeza a pessoa que tenta separar o poder de
Deus de Sua vontade, ou retratá-lo como incapaz de fazer o que Ele queira, o que o tal faz é simplesmente
tentar rasgá-lo em pedaços” (CALVINO, p. 212). “Quanto a nós, basta-nos lembrar apenas duas coisas
importantes: de um lado, o direito de Deus é supremo e absoluto, e acima do qual não podemos pensar
nem falar, e Ele pode fazer com o que é seu tudo quanto lhe apraz; de outro, Ele é sempre santo e
agradável à natureza perfeitíssima de Deus, de modo que em seu uso Ele nada faz em oposição à sua
sabedoria, bondade e santidade” (TURRETINI, 2011, p. 336).

A SOBERANIA DE DEUS
179

Em outras palavras: “A vontade de Deus é uma com seu ser, sua sabedoria,
bondade e todas as suas outras perfeições”435.
A soberania de Deus se manifesta no fato de Ele poder fazer tudo o que
faz (poder ordenado) e mesmo aquilo que não realiza, visto que não determi-
nou fazê-lo (poder absoluto). O poder absoluto de Deus envolve o seu poder
ordenado436 e o poder ordenado delimita o poder absoluto pela própria decisão
restritiva de Deus: quando Deus decide fazer o que faz, delimitou a sua ação de
forma que não mais pode fazer o que não determinou fazer. O poder de Deus é
sempre condizente com a totalidade de Seus atributos.
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Deus exerce o Seu poder no cumprimento do que decretou e nas obras da


providência. Aliás, as obras da Providência consistem na execução temporal dos
decretos eternos de Deus437. Contudo o que Deus realiza não serve de limites
para o Seu poder. “Destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão”, adverte
João Batista aos arrogantes descendentes da carne, mas não da fé de Abraão (Mt
3.9). Na Criação e preservação, temos uma magnífica amostragem da majestade
de Deus e de Seu poder, não, contudo, a totalidade. O poder de Deus trans-
cende infinitamente o Seu poder revelado. O seu poder é maior do que tudo o
que criou. Todavia o Seu poder sempre será, em ato e potência, consoante com
as suas eternas perfeições438.
Analisemos, agora, alguns aspectos do poder de Deus.

Liberdade de Existência: Poder de Existência


Os homens, por mais poderosos que sejam, na realidade, estão poderosos em
decorrência de alguma posição que ocupam, das riquezas e/ou prestígio que pos-
suem, do sucesso de suas realizações ou até mesmo devido à proximidade com
pessoas influentes que, por sua vez, se encaixam em alguma das colocações supra-
mencionadas439. Entretanto quando a Bíblia fala do poder soberano de Deus, ela
se refere não a um estado determinado por fatores externos, tais como dinheiro,

435 Consultar referência.


436 Consultar referência.
437 No “Catecismo Maior de Westminster” (1647), temos a pergunta 14: “Como executa Deus os seus
decretos?” Responde: “Deus executa os seus decretos nas obras da criação e da providência, segundo a sua
presciência infalível e o livre e imutável conselho da Sua vontade”. Consultar referência.
438 Consultar referência.
439 Consultar referência.

A Liberdade Soberana de Deus


IV

fama, prestígio etc., mas, sim, à Sua própria natureza. Deus não deriva o Seu
poder de nada além de Si mesmo. Deus não simplesmente está poderoso: Ele é
o próprio Poder. Por isso, se manifesta poderosamente: “Uma vez falou Deus,
duas vezes ouvi isto: Que o poder pertence a Deus” (Sl 62.11).
A “Confissão de Fé de Westminster” (1647) resume:
Deus tem em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade e
bem-aventurança. Ele é todo suficiente em si e para si, pois não precisa
das criaturas que trouxe à existência, não deriva delas glória alguma,
mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre
elas. Ele é a única origem de todo o ser; dele, por ele e para ele são todas

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as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas,
para elas e sobre elas tudo quanto quiser (II.2).

Deus é tão eterno quanto o Seu poder. Ele sempre foi e será o que é, indepen-
dentemente de qualquer elemento externo a Ele. Deus existe eternamente por
Si próprio440. “Somente em Deus a existência e a essência são uma coisa só”441.
A existência de Deus é autoexistente por sua própria determinação. A vontade
de Deus é o fundamento último de todas as coisas. Isso nos basta. Somente Ele
é absoluto e, de fato, é o fim de todas as coisas.
Por isso que a Bíblia não tenta explicar a existência de Deus, ela parte ape-
nas do fato consumado de que Deus existe, manifestando o Seu poder em Seus
atos criativos (Gn 1.1).
Portanto, as coisas são o que são porque Deus assim as criou. A realidade,
como tudo, encontra sentido em Deus e nos Seus propósitos, visto que todas as
coisas foram feitas por Ele e para Ele (Pv 16.4; Rm 11.36).
De acordo com Spurgeon (Veja: Ex 3.14; At 17.25; 1Tm 6.15,16):
O poder de Deus é como Ele mesmo, auto-existente, autossustentado. O
mais poderoso dos homens não pode acrescentar sequer uma sombra de
poder ao Onipotente. Ele não se firma sobre nenhum trono reforçado;
nem se apoia em nenhum braço ajudador. Sua corte não é mantida por
Seus cortesãos, nem toma Ele emprestado das Suas criaturas o Seu esplen-
dor. Ele próprio é a grande fonte central e o originador de toda energia442.

440 Veja uma boa discussão sobre isso em: SPROUL, R. C. Razão para Crer. São Paulo: Mundo Cristão,
1986, p. 80-83.
441 Consultar referência.
442 Consultar referência.

A SOBERANIA DE DEUS
181

Liberdade de Decisão: Poder de Determinação


Pelo fato de Deus ser Todo-Poderoso, Ele pode determinar livremente as Suas
ações, o que, de fato, faz, manifestando tal poder nos Seus decretos. Deus eter-
namente tem diante de Si uma infinidade de possibilidades de “decisões” sobre
todas as coisas; entretanto Ele “decidiu”443 fazer do modo como fez por Seus pró-
prios motivos, sem que haja a possibilidade de influência de ninguém, nem de
anjos, nem de homens, visto que nenhum deles fora ainda criado e, também,
porque Deus não necessita de conselhos (Is 40.13,14; Rm 11.33-36). O plano de
Deus é sempre o melhor, porque foi Ele Quem sábia e livremente O escolheu!
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Desse modo, podemos dizer que as coisas que existem, existem por deci-
são de Deus, pois somente Ele, como Criador que é, pode também preservar
todas as coisas. Bavinck (1854-1921), de forma sumária, afirma: “Sem Ele, não
há existência nem propriedade. Somente Ele tem autoridade absoluta. Sempre
e em toda parte Ele decide”444.

Liberdade de Execução: Poder Executivo


Sem esta capacidade, Deus não seria Deus. De que adiantaria poder deliberar “pro-
jetos” sem ter poder para executá-los? De que serviria ser misericordioso se não
pudesse exercer misericórdia? No máximo poderia demonstrar a sua sabedoria,
bondade e ótimos projetos, no entanto grande parte frustrada por não conseguir
levar adiante o que planejou. Podemos até imaginar um Deus amargo por ver
a situação do homem e, ao mesmo tempo, nada poder fazer ainda que tivesse a
solução, mas não dispunha de recursos para executá-la. Seus propósitos, eter-
nos, portanto, seriam inúteis e meros sentimentos bem intencionados. Dentro
de uma perspectiva puramente humana, porém verdadeira, Pascal (1623-1662)
assinala que “A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica”445.
A Escritura, no entanto, demonstra que Deus executa o Seu plano por inter-
médio do Seu poder, conforme a Sua vontade (Mt 8.2; Jr 32.17). Não podemos
marcar hora e lugar para Deus fazer isto ou aquilo. Deus opera como e quando

443 Reconheço que a palavra decisão não é a melhor, pois pressupõe a ideia de algo anterior à decisão;
no entanto não disponho de outra melhor. A ideia é que eternamente Deus sempre teve, diante de Si, as
escolhas e eternamente as fez livre e soberanamente.
444 Consultar referência.
445 Consultar referência.

A Liberdade Soberana de Deus


IV

quer, dentro de Suas próprias deliberações. Deus age sempre conforme o Seu
Decreto, não dependendo de nenhum meio externo para realizá-lo, a menos que
Ele assim O determine. Ele é o incansável Todo-Poderoso. Escreve Isaías: “Não
sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra,
nem se cansa, nem se fatiga?....” (Is 40.28).
Ontologicamente, Deus não precisa de nada fora de Si mesmo, Ele se basta
a Si. Ele é “independente e verdadeiramente autopoderoso”446. A criação nada
lhe acrescenta ou diminui. Nenhuma alteração ocorre no Seu ser. O prazer e a
suficiência de Deus estão nEle mesmo. Deus não precisa de meios para execu-

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tar o que quer. “Esta simples ideia da onipotência de Deus, de que Ele pode fazer
sem esforço, mediante volição, tudo o que quer, é a ideia de poder mais elevada e
mais claramente apresentada nas Escrituras”447. Contudo, por graça, Ele se agen-
cia também por intermédio das causas externas para concretizar o Seu propósito.
Por exemplo: Deus poderia, se quisesse, salvar a todos os homens, indepen-
dentemente da Palavra (Bíblia) e da fé em Cristo, entretanto Ele assim não faz;
esta não é a Sua forma ordinária de agir porque sábia e livremente estabeleceu
o critério de salvação, que é pela graça, sempre pela graça, que opera mediante
a fé, por meio da Palavra (Rm 10.17; Ef 2.8). Deus sempre age de forma compa-
tível com a sua perfeita justiça. Bavinck (1854-1921), mais uma vez, é-nos útil
aqui ao escrever: “Sua vontade é idêntica ao seu ser, e a teoria do poder absoluto,
que separa o poder de Deus de suas outras perfeições, é somente uma abstração
vazia e impermissível”448.
Jesus Cristo se encarnou a fim de que Deus pudesse ser justo e, ao mesmo tempo,
o justificador daqueles que confiam em Jesus para a salvação (Rm 3.26); portanto,
para nós que cremos, Ele se tornou justiça, santificação e redenção (1Co 1.30). Desse
modo, sem a graça de Deus, amparada no sacrifício de Cristo449, ninguém será salvo!

446 Consultar referência. Veja também o instrutivo e edificante capítulo de MacArthur em: MACARTHUR
JR., J. F. Deus: face a face com Sua Majestade. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 2013, p. 91-107.
447 Consultar referência.
448 Consultar referência.
449 “Devemos buscar refúgio na graciosa promessa da misericórdia que nos é oferecida em Cristo, para
que saibamos com certeza que somos considerados justos aos olhos de Deus” (CALVINO, 1996, p. 131).
“A maior desonra que alguém poderia lançar sobre Seu nome é a de contestar Sua justiça” (CALVINO, p.
417). “Deus, que é justo, pode perdoar pecado porque Ele já puniu o pecado na Pessoa de Seu unigênito
Filho. (...) Deus proclama Sua eterna justiça e ainda pode perdoar os pecados daqueles que crêem em
Jesus – eis uma terribilíssima, uma profundíssima declaração” (LLOYD-JONES, 1997, p. 420).

A SOBERANIA DE DEUS
183

Deus tem poder para executar toda a Sua deliberação450. Ele é o Todo-
Poderoso (Gn 17.1) e nenhum dos Seus planos pode ser frustrado (Jó 42.2). Ele
determinando, quem o impedirá? A Palavra de Deus é poderosa no cumpri-
mento do que Deus Se propôs (Is 55.11), porque provém do Deus onipotente.
Jurou o SENHOR dos Exércitos, dizendo: Como pensei, assim suce-
derá, e, como determinei, assim se efetuará. Quebrantarei a Assíria na
minha terra e nas minhas montanhas a pisarei, para que o seu jugo se
aparte de Israel, e a sua carga se desvie dos ombros dele. Este é o desíg-
nio que se formou concernente a toda a terra; e esta é a mão que está
estendida sobre todas as nações. Porque o SENHOR dos Exércitos o
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determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem,


pois, a fará voltar atrás? (Is 14.24-27).

Agostinho (354-430) resume: “(...) A vontade de Deus (...) é (...) a natureza de


cada coisa criada”451. Inspirado em Agostinho, Bavinck afirma: “A vontade de
Deus é o fundamento final de todas as coisas”452.

Liberdade de Limitação: Poder Autolimitante


Algumas pessoas ficam desconfiadamente impressionadas pelo fato de falarmos
de Deus, que é Todo-Poderoso, como sendo isto ou aquilo, fazendo e não fazendo,
podendo e não podendo. O raciocínio de tais pessoas, que a priori pode parecer lógico,
é o seguinte: Se Deus é soberano, Livre e Todo-Poderoso, Ele pode muito bem, con-
forme a Sua vontade, mudar “as regras do jogo”453, modificando as leis, Seus princípios
de ação, Seus critérios; enfim, alterar aquilo que Ele mesmo revelou e fez registrar na
Sua Palavra. Pois bem, se esse poder pertencesse a um homem, deveríamos temer.
A História tem demonstrado que o pensamento de Lorde Acton (1834-1902) é ver-
dadeiro em muitos casos, visto que, amiúde, o poder que originalmente faz parte da
nossa imagem e semelhança divinas, mal utilizado, tende a corromper454.

450 “O poder de Deus é a sua capacidade de fazer aquilo que deseja e determina que aconteça, seja na área
física, moral ou espiritual. É a capacidade de ação onipotente que esteja de acordo com a Sua vontade”
(CAMPOS, 1999, p. 384).
451 Veja também: SANTO AGOSTINHO. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1994, III. 6-9.
452 Consultar referência.
453 Atitude muito comum nas crianças, que, quando estão perdendo o jogo, formam uma nova regra para
se beneficiar, dizendo que o que antes não podia, “agora pode”. Diga-se de passagem, que essa atitude
infelizmente não caracteriza somente as crianças; muitas vezes, nós, adultos, quando estamos investidos
de alguma autoridade, somos com frequência – com uma imaturidade maldosa – “levados” a mudar as
normas e as leis, obedecendo a casuísmos que, “coincidentemente”, nos beneficiam.
454 A frase completa é a seguinte: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe de modo
absoluto. Os grandes homens são quase sempre homens maus” (ACTON).

A Liberdade Soberana de Deus


IV

Afinal, Deus poderia fazer tudo isso ou não?! Deus estaria sujeito à corrup-
ção resultante do mau uso do poder? Retardemos um pouco mais a resposta.
Geralmente, quem raciocina da forma apresentada anteriormente tem em
mente a ação do homem como modelo – cometendo o mesmo equívoco de mui-
tos gregos na Antiguidade –, tomando o homem como parâmetro para uma
comparação, como se o “homem fosse a medida de todas as coisas”455. Esse tipo
de raciocínio encontra alento em Thomas Hobbes (1588-1679), que entendia
que “o soberano de uma República, seja ele uma assembleia ou um homem, não
está absolutamente sujeito às leis civis. Pois tendo o poder de fazer ou desfazer

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as leis, pode, quando lhe apraz, livrar-se desta sujeição revogando as leis que o
incomodam e fazendo novas”456. De fato, apesar de essa atitude não ser apreciá-
vel em si, ela ocorre com frequência na esfera humana.
Respondemos agora: de fato, os homens são tão fracos em suas condições
de poderosos que não conseguem controlar os seus ímpetos, por isso, agem por
paixões das mais variadas, tais como: preconceito, vaidade, ódio, interesses etc.
Deus, no entanto, é tão perfeito em Seu poder que as suas eternas perfeições se
constituem em “limites” para Si mesmo! Por isso, quando afirmamos que Deus
não mente, não se contradiz, não muda, não peca e não pode salvar fora de
Jesus Cristo, não pretendemos estabelecer limites para Deus, mas, sim, reconhe-
cer os próprios limites ou critérios que Ele declarou a respeito de Si mesmo em
Sua relação consigo e com o universo. Esses critérios são decorrentes das Suas
perfeições, pois, se Deus é perfeitamente poderoso, é também perfeitamente ver-
dadeiro, justo, fiel, sábio, amoroso, bondoso e santo.
Deus é tão poderoso que nos trata conforme as perfeições do Seu ser e nos deu
a conhecer tais perfeições a fim de que pudéssemos nEle confiar e as Suas virtudes
proclamar (Ml 3.6; 1Pe 2.9,10). O poder de Deus está sob o controle de Sua sábia e
santa vontade. “Deus pode fazer tudo o que Ele deseja, porém Ele não deseja fazer
tudo o que pode”457 (Ex 3.14; Nm 23.19; 1Sm 15.29; At 4.12; 2Tm 2.13; Hb 6.18;

455 O sofista grego Protágoras (c. 480-410 a.C.) afirmara: “O homem é a medida de todas as coisas, da
existência das que existem e da não existência das que não existem” (PROTÁGORAS apud PLATÃO). O
Humanismo Renascentista tomou este dito como lema na sua “virada antropológica” (Veja: HERMISTEN,
M. P.).
456 Consultar referência.
457 Consultar referência.

A SOBERANIA DE DEUS
185

Tg 1.13,17)458. “Deus é lei para Si próprio, de modo que tudo quanto Ele faz é jus-
to”459. O poder absoluto de Deus não é incoerente com a Sua essência. A vontade
de Deus é santa. Não há propósitos e atitudes contraditórios em Deus. O sobe-
rano poder de Deus somente é limitado pelo absurdo ou pelo autocontraditório e
por ações imorais460. “Deus é o padrão para a moralidade humana, assim Ele não
pode ser menos que perfeito em Sua santidade, bondade, e retidão”461. Portanto,
Ele não pode realizar coisas autoexcludentes em si mesmas: não pode deixar de
ser Deus, não pode ser diferente de Si mesmo, fazer um círculo quadrado. Lewis
(1898-1963) argumenta de forma ácida, porém correta: “Não é possível nem a
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Deus nem à mais fraca de suas criaturas executar duas alternativas que se excluem
mutuamente; não porque o seu poder encontre um obstáculo, mas porque a tolice
continua sendo tolice mesmo quando é falada sobre Deus”462.
O poder de Deus é executado em completa harmonia com a Sua perfeita e
gloriosa dignidade, enfim, com o seu caráter sábio e santo. A perfeição da natu-
reza de Deus permeia todas as Suas obras. “Deus age consistentemente consigo
mesmo, e jamais poderá desviar-se do que Ele disser”463. Desse modo, as Suas pro-
messas sempre serão cumpridas, visto que Ele é poderoso para cumprir tudo o
que promete. Por Deus ser fiel, justo e poderoso, o que Ele promete, cumprirá464.
“Seja o que for que Deus tenha que fazer, inquestionavelmente o fará, se Ele o
tiver prometido”465. Esse fato nos enche de alegre confiança em Deus.

458 “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU
me enviou a vós outros” (Êx 3.14). “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que
se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm
23.19). “Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se
arrependa” (1Sm 15.29). “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum
outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). “Se somos infiéis,
ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13). “Para que, mediante
duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos
para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta” (Hb 6.18). “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou
tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (Tg 1.13).
“Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir
variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17).
459 Em outro livro, o mesmo autor escreve: “Afirmamos que Deus não está sujeito a nenhuma regra ou lei
fora da sua própria vontade e natureza e que Deus é a sua própria lei, não tendo qualquer obrigação de
prestar contas dos seus propósitos a quem quer que seja” (PINK, 1977, p. 21).
460 Consultar referência.
461 Consultar referência.
462 Consultar referência.
463 Consultar referência.
464 Consultar referência.
465 Consultar referência.

A Liberdade Soberana de Deus


IV

H. Bavinck resume bem esse ponto, dizendo:


A vontade de Deus é idêntica à sua existência, sua sabedoria, sua bon-
dade e todos os seus atributos. E é por essa razão que o coração e a
mente do homem podem descansar nessa vontade, porque é a vontade,
não da sina cega, nem da energia obscura da natureza, mas de um Deus
onipotente e de um Pai misericordioso. Sua soberania é uma soberania
de ilimitado poder, porém é também uma soberania de sabedoria e
graça. Ele é Rei e Pai ao mesmo tempo. (BAVINCK, 1955, p. 235).

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O PODER SOBERANO DE DEUS NA CRIAÇÃO

Portanto, por mais que ao homem, com sério propósito, convenha vol-
ver os olhos a considerar as obras de Deus, uma vez que foi colocado
neste esplendíssimo teatro para que fosse seu espectador, todavia, para
que fruísse maior proveito, convém-lhe, sobretudo, inclinar os ouvidos
à Palavra (CALVINO, J. As Institutas. I.6.2).

...este mundo é semelhante a um teatro no qual o Senhor exibe diante


de nós um surpreendente espetáculo de sua glória (CALVINO, 1996,
p. 63).

Uma doutrina da criação é o alicerce da cosmovisão bíblica e cristã. A


criação não deve ser deificada nem desprezada, mas, como ‘teatro da
glória de Deus’, deve ser desfrutada e usada com ponderação. Ela é a
boa criação de Deus (BAVINCK, 2012, p. 415-416).

A Bíblia parte do pressuposto da existência de Deus. “Antes que os montes nas-


cessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és
Deus”, escreveu Moisés (Sl 90.2). Moisés, por revelação direta de Deus, registra
de forma inspirada (2 Pe 1.20-21), narrando os atos criadores de Deus, sem se
preocupar em falar com mais detalhes a respeito Daquele que, mediante a Sua
Palavra, faz com que, do nada, surja a vida, criando o universo, estabelecendo
suas leis próprias e avaliando a Sua criação como boa. Moisés apenas apresenta
o Deus Todo-Poderoso exercitando o Seu poder de forma criadora, segundo o
Seu eterno propósito. Deus existe, esse é o fato pressuposto em toda a narrativa

A SOBERANIA DE DEUS
187

da Criação. Deus cria segundo a Sua Palavra e isso nos enche de admiração e
reverente temor: a Palavra de Deus é o verbo criador que manifesta a determi-
nação e o poder de Deus (Gn 1.1,26, 27; Sl 33.6,9; Jo 1.1-3; Hb 11.3)466, o Qual
criou as coisas com sabedoria (Pv 3.19).
O “Catecismo Maior de Westminster”, respondendo à pergunta, “Qual é a
obra da criação?”, resume: “A obra da criação é aquela pela qual, no princípio
e pela palavra do seu poder, Deus fez do nada o mundo e tudo quanto nele há,
para si, no espaço de seis dias, e tudo muito bom”467 (Gn 1; Rm 11.36; Ap 4.11).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A Narrativa Bíblica
Kuyper (1837-1920) nos chama a atenção para um ponto que costumeiramente
é esquecido.
Quando Deus criou a Adão, Ele nos criou também. Na natureza de
Adão Ele produziu a natureza que agora vivemos. Gênesis 1 e 2 não é
história de estranhos mas de nós mesmos – com respeito à carne e ao
sangue que levamos conosco, à natureza humana em que nos sentamos
para ler a Palavra de Deus468.

Portanto, tratar da criação do homem significa falar de nós mesmos, de nossa


origem, da nossa história por meio de nossos primeiros pais. É impossível fazer
isso de forma indiferente. À frente, Kuyper continua: “As primeiras páginas de
Gênesis contam a história, não de um estranho, mas, de nós mesmos” (KUYPER,
2010, p. 35).
A doutrina da Criação e da Queda é fundamental à teologia e fé cristã. Daí,
em especial, o caráter decisivo da historicidade dos três primeiros capítulos de
Gênesis. Deus age no tempo que Ele mesmo cria e preserva. Ele é senhor do tempo.
Deus cria o homem e a mulher e, por meio deles, toda a humanidade. O pecado,
resultado da desobediência, ocorreu na história. Daí todo o desenvolvimento da

466 “No princípio, criou Deus os céus e a terra. (...) 26 Também disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. 27 Criou
Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.1,26-
27). “6 Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. (...) 9 Pois ele falou, e
tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 36,6,9).
467 Consultar referência.
468 Consultar referência.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

história, em consonância com a promessa de Deus da vinda daquele que esma-


garia a cabeça da serpente (Gn 3.15). A encarnação ocorreu na história, assim
como a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Desprezar a doutrina da Criação
significa uma falta de compreensão bíblica do propósito de Deus, que faz todas
as coisas conforme a Sua determinação e graça. Sem a Criação não teria sen-
tido a encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus.
A doutrina da Criação nos fala do poder todossuficiente de Deus e de nossa
total dependência dAquele que nos criou e preserva. Somente Deus, pelo Seu
poder, pode, do nada, tudo criar469.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A concepção cristã da criação do homem encontra a sua base e fundamento
na Palavra de Deus, por isso, é essencial à nossa consideração o que o Espírito
Santo fez registrar no Livro de Hebreus: “Pela fé entendemos que o universo foi
formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das cousas
que não aparecem” (Hb 11.3).
Nessa passagem bíblica, subjazem algumas verdades que devem ser destacadas:
4. Deus é o Ser eterno que antecede a toda criação.
5. A fé é que deve dirigir a nossa compreensão a respeito da criação. Calvino
(1509-1564), conclui: “É tão somente pela fé que chegamos a entender
que o mundo foi criado por Deus”470.
6. A criação é um ato livre da vontade soberana de Deus. Não há pressões
externas ou necessidades internas que O impulsionem a criar471. Deus fez
o que fez, quando fez, e como fez, por Sua livre determinação. “A criação
do mundo não foi um ato arbitrário, senão que serviu para fins elevados
e dignos, e esses fins estiveram de acordo com a bondade e sabedoria infi-
nitas do Criador472.
7. Nada pode existir sem que tenha sido criado por Deus (Jo 1.3). Os Céus
e a Terra são obras de Deus, não há independência fora de Deus.

469 “A doutrina da criação a partir do nada ensina a absoluta soberania de Deus e a absoluta dependência
humana. Se uma partícula não tivesse sido criada do nada, Deus não seria Deus” (BAVINCK, 2012, p.
427).
470 “As mentes humanas são cegas a essa luz da natureza, a qual resplandece em todas as coisas criadas,
até que sejam iluminados pelo Espírito de Deus e comecem a compreender pela fé, que jamais poderão
entendê-lo de outra forma” (CALVINO, p. 299).
471 Consultar referência.
472 Consultar referência.

A SOBERANIA DE DEUS
189

8. A Palavra de Deus é o verbo criador.


9. A criação primária foi gerada do nada. A possibilidade de algo vir a existir
fora de Deus elimina a Deus como Deus. Não há dualismo, nem siner-
gismo na criação. Deus cria do nada o que veio a existir. Aqui temos a
confissão de um mistério, não a sua explicação. Tudo o que porventura
possa ter existido anterior à criação descrita em Gn 1 deve ser compre-
endido dentro da esfera da criação como todo, porque somente Deus tem
poder para chamar “... à existência as coisas que não existem" (Rm 4.17).
10. A criação se distingue de Deus, não sendo sua emanação ou extensão,
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mas o resultado de Sua vontade e poder.

Algumas dessas verdades se depreendem também das narrativas da Criação,


registradas em Gn 1.1-2.25473 e de outros textos bíblicos, tais como:
Neemias 9.6: Só tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu
exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os
preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora.
Jó 26.7: Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a terra sobre o nada.
Salmo 90.2: Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o
mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus.
Salmo 102.25: Em tempos remotos, lançaste os fundamentos da terra; e os
céus são obra das tuas mãos.
Salmo 148.1-5: Aleluia! Louvai ao SENHOR do alto dos céus, louvai-o nas
alturas. 2 Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes. 3
Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes. 4 Louvai-o, céus dos céus
e as águas que estão acima do firmamento. 5 Louvem o nome do SENHOR, pois
mandou ele, e foram criados.
Mateus 19.4-5: 4 Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde
o princípio, os fez homem e mulher 5 e que disse: Por esta causa deixará o homem
pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?

473 Quanto à distinção dos nomes empregados para Deus nas primeiras narrativas de Gênesis.
Para um estudo mais detalhado a respeito dos nomes bíblicos usados para Deus, entre uma ampla
bibliografia disponível, veja: BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura
Cristã, 2012, 2 v. p. 97-150. Consulte também: BRUNNER, E. Dogmática. São Paulo: Novo Século, 2004,
1 v. p. 155ss.; 159ss. Consulte também: H. BIETENHARD. In: KITTEL, G.; G. Friedrich, eds. Theological
Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), 5 v. p. 242-283.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Lucas 3.38: Cainã, filho de Enos, Enos, filho de Sete, e este, filho de Adão,
filho de Deus.
João 1.1-5: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por intermé-
dio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. 4 A vida estava nele e a vida era a luz
dos homens. 5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela.
Romanos 1.20,25: 20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu
eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhe-
cem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que

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foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis (...). 25 pois eles muda-
ram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do
Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!
Colossenses 1.16-17: 16 pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus
e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer
principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. 17 Ele é
antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.
Hebreus 1.1-2: Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas,2 nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.
Apocalipse 4.11: 11Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a
honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade
vieram a existir e foram criadas.
As Confissões e Catecismos Reformados, sensíveis aos ensinamentos bíbli-
cos, pelo Espírito, confessam tal verdade:
O “Catecismo de Heidelberg” (1563), à pergunta 26, “Que é que crês, quando
dizes: ‘Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra’?”, responde:
Que o eterno Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do nada criou o
céu e a terra com tudo que neles há, que também os sustenta e governa
pelo seu Filho – meu Deus e meu Pai. Confio nele tão completamente
que não tenho nenhuma dúvida de que Ele proverá de todas as coisas
necessárias ao corpo e à alma...

A “Segunda Confissão Helvética” (1562-1566), no capítulo VII, declara:

A SOBERANIA DE DEUS
191

Este Deus bom e onipotente criou todas as coisas, visíveis e invisíveis,


pela sua Palavra co-eterna, e as preserva pelo seu Espírito co-eterno,
como Davi testificou, quando disse: ‘Os céus por sua palavra se fizeram,
e pelo sopro de sua boca o exército deles’ (Sl 33.6).

Do mesmo modo, ensina “A Confissão de Westminster” (1647):


Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito santo, para a
manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar
ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e
tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis (IV.1)474.

A Escritura Sagrada foi-nos dada com propósitos específicos. Dentro desses pro-
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pósitos, ela é suficiente e eficaz. Sabemos, por exemplo, que a Bíblia não tem a
pretensão de fazer ciência; ela não é um manual científico que pretende ensinar-
-nos a respeito de Química, Física, Biologia, Botânica, Astronomia etc. Entretanto
cremos que o que ela diz no campo científico, como em qualquer outro, é a ver-
dade do ponto de vista fenomenológico475, não havendo divergência real entre
a genuína ciência e a correta interpretação da Bíblia476, já que Deus é o Senhor
de toda a verdade.
O próprio Calvino (1509-1564) destacou isso quando, comentando Gênesis
1.14, disse: “É necessário relembrar, que Moisés não fala com agudez filosófica
sobre os mistérios ocultos, porém relata aquelas coisas que em toda parte obser-
vou, e que igualmente são comuns aos homens simples”477. Ou seja, Moisés,

474 Veja também: Catecismo Maior de Westminster. Pergunta 15.


Catecismo Menor de Westminster. Pergunta 9.
475 Strong, de forma irônica, pergunta a respeito da descrição do texto de Gn 24.63: “Seria preferível, no
Antigo Testamento, se o texto dissesse: ‘Quando a revolução da terra sobre o seu eixo fez com que os raios
do luminário solar impingissem horizontalmente sobre a retina, Isaque saiu para meditar’?” (STRONG,
1993, p. 223). Consulte: GERSTNER, J. H. A Doutrina da Igreja Sobre a Inspiração Bíblica. In: BOICE, J.
M. O Alicerce da Autoridade Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 26-27. Consulte também: SPROUL,
R. C. Razão Para Crer. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 15-25.
476 Tomás de Aquino (1225-1274), com discernimento, comentou: “Já que a palavra de Deus ultrapassa
o entendimento, alguns acreditam que ela esteja em contradição com ele. Isto não pode ocorrer” (SÃO
TOMÁS DE AQUINO, 1973, p. 70). Consulte: HODGE, A. A. Esboços de Theologia. Lisboa: Barata &
Sanches, 1895, p. 7.
477 Veja: Gn 1.15, p. 85-86. Curiosamente, Tomás de Aquino (1225-1274) havia usado argumento
semelhante ainda que com propósitos diferentes, referindo-se aos leitores de Moisés como “ignorantes”,
daí a sua condescendência. Após tratar de Gn 1.6, acrescenta: “Deveríamos antes considerar que Moisés
estava a falar para gente ignorante, e que condescendendo à sua fraqueza só lhes apresentou coisas tais
que fossem aparentes aos sentidos. Ora, mesmo os menos instruídos podem perceber pelos seus sentidos
que a Terra e a água são corpóreas, embora não seja evidente para todos que o ar também é corpóreo (...)
Moisés, então, embora mencionasse expressamente a água e o ar, não faz qualquer menção explícita do ar
pelo nome, para evitar apresentar a pessoas ignorantes algo que estava para além do seu conhecimento”
(AQUINA, 2000, p. 819). Ver no mesmo volume: Questão 61, p. 724 e Questão 66, p. 791-792. Consulte
também: SCHAFF, P.; SCHAFF, D. S. History of the Christian Church. Peabody, Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1996, v. 8. p. 680.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

inspirado por Deus, escreveu do ponto de vista de como os fenômenos são per-
cebidos, sem a preocupação – já que este não era o seu objetivo –, de registrar
com terminologia científica os fatos. Acrescentaríamos: na hipótese de Moisés
ter escrito conforme os padrões científicos de sua época – o que de fato não fez,
sendo isso extremamente impressionante se considerarmos que ele teve uma
formação primorosa dentro dos moldes egípcios e conseguiu romper com ela –,
certamente o que dissesse seria ridicularizado hoje por ser considerado fruto de
uma concepção pré-científica. Por outro lado, se redigisse o relato da Criação de
forma científica absoluta, que certamente não era a dos egípcios e, também, não

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é a nossa, perguntamos: entenderíamos hoje o que ele teria dito? A resposta é:
não! As Escrituras continuariam sendo ridicularizadas, nesse caso, simplesmente
pela nossa ignorância científica. A linguagem descritiva dos fatos, conforme se
apresentam à nossa percepção, é o melhor modo de tornar algo compreensível
a todas as épocas, assim, Deus Se designou fazer e O fez.
Acreditamos na coerência de toda a realidade, considerando inclusive o
pecado humano conforme registrado nas Escrituras; por isso, a ciência genuína
nunca nos afastará de Deus, antes ela só encontrará o seu sentido pleno nAquele
que é o Seu Senhor e para onde todo o real converge e encontra o seu verdadeiro
significado. Aliás, como bem acentuou Bavinck (1854-1921):
Qualquer ciência, filosofia ou conhecimento que suponha poder fir-
mar-se em suas próprias pressuposições, deixando Deus de fora de suas
considerações, transforma-se em seu próprio opositor e desilude a to-
dos que constroem suas expectativas nisto478.

Portanto, nós não temos medo dos fatos, porque sabemos que os fatos são de
Deus, nem temos medo de pensar, porque sabemos que toda verdade é verdade
de Deus. A razão corretamente conduzida e o exercício da genuína ciência não
oferecem perigo à fé, antes, são suas aliadas.
Charles Hodge (1797-1878), um dos grandes teólogos norte-americanos do
século XIX, escreveu:

478 Consultar referência.

A SOBERANIA DE DEUS
193

Ele [Deus] não ensinou astronomia ou química aos homens, porém Ele
deu-lhes os fatos externos sobre os quais aquelas ciências são constru-
ídas. Tampouco ensinou-nos teologia sistemática, porém Ele deu-nos
na Bíblia as verdades que, propriamente compreendidas e organizadas,
constituem a ciência da Teologia (HODGE, 1986, p. 3).

Desse modo, a nossa compreensão bíblica é determinada pela própria Revelação


de Deus contida na Bíblia. Não interpretamos a Bíblia simplesmente à luz da his-
tória ou de seus condicionantes políticos, sociais, econômicos e culturais; antes,
olhamos a história a partir da perspectiva das promessas divinas.
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A Criação do Homem foi conforme o Sábio Conselho da Trindade


De acordo com Dooyeweerd (2010, p. 248), “A questão: quem é homem? Contém
um mistério que não pode... ser explicado pelo próprio homem”. O Salmo 8 exalta
a majestade do nome de Deus manifesta na Criação. Aliás, a majestade de Deus e
o Seu nome são aqui poeticamente sinônimos (Sl 8.1). É um hino que, de forma
analítica, por meio da Criação e do homem em especial, dignifica a majestade
de Deus. Esse salmo, em sua brevidade e simplicidade lírica, “é um hino à gló-
ria de Deus criador”479.
É possível que Davi tenha composto este Salmo na juventude, quando era
apenas um pastor de ovelhas, quando as suas lutas eram bastante complexas na
simplicidade de sua vida480. Nessa fase de sua vida, certamente passava muitas
noites dormindo ao relento, contemplando as estrelas no firmamento e refle-
tindo sobre o poder de Deus. Essa mesma fé amadurecida pelas experiências
com o Senhor o acompanhará.

479 Consultar referência da nota. Veja: BOICE, J. M. Psalms: an expositional commentary. Grand Rapids,
MI.: Baker Book House, 1994, 1 v. (Sl 8), p. 67. Consulte também: HOEKEMA, A. Criados à Imagem de
Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 30-32.
Para uma visão panorâmica das interpretações desse Salmo ao longo da história, veja: WALTKE, B. K.;
HOUSTON, J. M.; MOORE, E. The Psalms as Christian Worship: A Historical Commentary. Grand
Rapids, MI.: Eerdmans, 2010, p. 234-254.
480 “32 Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu servo irá e pelejará contra
o filisteu. 33 Porém Saul disse a Davi: Contra o filisteu não poderás ir para pelejar com ele; pois tu és ainda
moço, e ele, guerreiro desde a sua mocidade. 34 Respondeu Davi a Saul: Teu servo apascentava as ovelhas
de seu pai; quando veio um leão ou um urso e tomou um cordeiro do rebanho, 35 eu saí após ele, e o feri,
e livrei o cordeiro da sua boca; levantando-se ele contra mim, agarrei-o pela barba, e o feri, e o matei. 36
O teu servo matou tanto o leão como o urso; este incircunciso filisteu será como um deles, porquanto
afrontou os exércitos do Deus vivo. 37 Disse mais Davi: O SENHOR me livrou das garras do leão e das do
urso; ele me livrará das mãos deste filisteu. Então, disse Saul a Davi: Vai-te, e o SENHOR seja contigo”
(1Sm 16.32-37).

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Outra ocasião provável é quando, um pouco mais maduro, já ungido rei481,


é foragido de Saul, que queria matá-lo. Nesse período, teve oportunidade, ainda
que com o coração angustiado, de experimentar a mesma sensação de ver e
refletir sobre a imensidão do céu diante dos seus olhos: “Ó SENHOR, Senhor
nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a
tua majestade. (...) 3 Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua
e as estrelas que estabeleceste” (Sl 8.1,3).
O salmista, à noite, tendo o céu estrelado diante de si, contempla parte da
criação e exulta demonstrando que em toda a terra o nome de Deus é exaltado.

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Ele ultrapassa a visão apenas local de Israel, para reconhecer que o testemunho
de Deus na Criação se estende a toda a terra (Sl 8.1). “O mundo foi originalmente
criado para este propósito, que todas as partes dele se destinem à felicidade do
homem como seu grande objeto”482.
O salmista percebe que este reconhecimento da majestade de Deus só se tor-
nou possível pela revelação de Deus na Criação: “Pois expuseste nos céus a tua
majestade” (Sl 8.1). É Deus mesmo Quem sempre inicia o processo e os meios
de comunicação entre Ele e nós. A Sua comunicação é sempre um ato de graça.
Após a queda, envolve também a Sua misericórdia, visto que esta é uma mani-
festação da bondade de Deus para com aqueles que estão em miséria483.
Davi, ciente de que a Criação não é uma mera extensão da essência de Deus484,
não se detém na Criação, antes, vai além, reconhecendo a glória de Deus nEla.
Argumentando de forma espacialmente dedutiva485, faz uma pergunta retó-
rica: “Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?”
(Sl 8.4).
A sensação é de pequenez diante do vasto universo, do qual podemos con-
templar, ainda hoje, uma minúscula parte. O sistema solar é apenas um pequeno
ponto no universo do qual apenas conhecemos limitadamente. No entanto, até

481 Veja a argumentação de Keil e Delitzsch, em favor da redação do Salmo após a unção de Davi.
Consultar referência.
482 Consultar referência da nota.
483 Consultar referência da nota. “Misericórdia é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a
buscar o bem temporal e a salvação eterna dos que se opuseram à vontade dele, mesmo a custo do
sacrifício próprio” (STRONG, 2003, p. 431).
484 Consultar referência da nota.
485 “Nem mesmo o mundo todo pode ter o mesmo valor de um homem” (BAVINCK, 2012, p. 19).

A SOBERANIA DE DEUS
195

onde a ciência pôde ir, não há nada mais complexo do que o cérebro humano486,
ainda que este não seja o aspecto mais amplo e completo do ser humano criado
à imagem de Deus.
Aqui vemos de forma refletida o paradoxo da existência humana: grandeza
e limitação; finitude e transcendência; prodigialidade e animalidade. A ciência
esbarra sempre na questão enfatizada por Blaise Pascal487, detectada por Bavinck:
“A ciência não pode explicar essa contradição no homem. Ela reconhece apenas
sua grandeza e não sua miséria, ou apenas sua miséria e não sua grandeza”488.
Sem a Palavra de Deus, nenhuma ciência ou mesmo a arte, nem mesmo a jun-
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ção de todas as ciências e o idealismo da arte conseguem apresentar um quadro


completo do significado do homem e da vida. Somente por meio da revelação
de Deus, o nosso Criador, podemos ter uma visão clara e abrangente do signi-
ficado da vida, do homem, do tempo e da eternidade. Somente a cosmovisão
cristã tem algo a dizer de forma compreensiva e significativa a respeito da tota-
lidade da vida489.
Séculos depois de Davi, encontramos admiração semelhante entre os gre-
gos. Todavia a admiração dos gregos ao contemplar o universo os conduziu em
outra direção. Eles diziam que a admiração conduz o homem à filosofia.
Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) estão acordes nesse ponto.
Platão escreveu: “A admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem
outra origem a filosofia”490.

486 “Não há outra estrela ou planeta no universo cuja importância para Deus se compare à da Terra. O
próprio homem, no sentido biológico, é infinitamente mais complexo do que as estrelas. É absurdo
apequenar o homem só por causa de seu tamanho. Embora grande, uma estrela é muito simples,
composta em sua maior parte de hidrogênio e hélio. A medida do significado no universo não é o
tamanho, mas a ordem e a complexidade, e o cérebro humano, até onde a ciência pode determinar, é,
de longe, o mais complexo agregado de matéria do universo. Em sentido estritamente físico, a Terra é o
mais complexo agregado de matéria inanimada que conhecemos no universo, e se destina exclusivamente
a servir de lar para o homem” (MORRIS, 1986, p. 21-22). “Os seres humanos são infinitamente mais
complexos do que processos físicos, químicos e biológicos. A partir de uma perspectiva teísta cristã, pode-
se afirmar também essa complexidade em virtude do fato de que as pessoas são criadas à própria imagem
de Deus. Cada pessoa é única, e as exceções podem ser citadas para qualquer paradigma ou modelo”
(PAZMIÑO, 2008, p. 13).
487 “É perigoso fazer ver demais ao homem quanto ele é igual aos animais, sem lhe mostrar a sua grandeza.
É ainda perigoso fazer-lhe ver demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É ainda mais perigoso deixá-lo
ignorar uma e outra. Mas é muito vantajoso representar-lhe ambas” (PASCAL, 1973, p. 139).
488 Consultar referência.
489 Consultar referência da nota.
490 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Aristóteles, na mesma linha, declara:


Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no
começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas
dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até
resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da Lua, as
do Sol e dos astros e a gênese do universo491.

Diferentemente, a admiração de Davi o conduziu a glorificar a Deus e, num


ato subsequente, a indagar sobre o homem nesta vastidão da Criação. A sua
pergunta assume, também, uma conotação metafísica492, não podendo ser res-

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pondida apenas a partir de um referencial material. “O homem é um enigma
cuja solução só pode ser encontrada em Deus”493. Deus revelou de forma mag-
nífica o homem ao homem494.
O salmista reverentemente se admira do fato de Deus se lembrar de nós (Sl
8.4) , tendo o sentido de “prestar atenção”, sustentar, cuidar, manifestar a sua
495

graça ou juízo496. Admira-se também de Deus nos visitar. A palavra pode ter o
sentido de passar em revista, observar (Êx 3.16)497, supervisionar, vir ao encon-
tro498. O significado no texto é de uma visita providente, abençoadora e salvadora
(Gn 21.1; 50.24-25/Êx 13.19; Êx 4.31; Sl 17.3; 65.9; 80.15; 106.4)499. Jó, também,

491 Consultar referência da nota.


492 “Homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade,
é, em suma, uma síntese” (Kierkegaard, S.A. O Desespero Humano, Doença Até à Morte, São Paulo: Abril
Cultural (Os Pensadores, Vol. XXXI), 1974, p. 337).
493 Consultar referência da nota. Do mesmo modo, conforme citamos, Dooyeweerd: “A questão: quem é
homem?, contém um mistério que não pode ser explicado pelo próprio homem” (DOOYEWEERD, 2010,
p. 248). Veja também a página 265.
494 Consultar referência da nota.
495 “Que é o homem, que dele te lembres (rk;z”) (zakar)? E o filho do homem, que o visites (dq;P’)
(paqad)?” (Sl 8.4).
496 Ver as indicações de referências de obras. Essas obras, em geral, indicam ampla bibliografia
especializada.
497 “Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o
Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me apareceu, dizendo: Em verdade vos tenho visitado (dq;P’) (paqad) e
visto o que vos tem sido feito no Egito” (Êx 3.16).
498 Ver as indicações de referências de obras. Do mesmo modo, essas obras indicam ampla bibliografia
especializada.
499 “Visitou (dq;P’) (paqad) o SENHOR a Sara, como lhe dissera, e o SENHOR cumpriu o que lhe havia
prometido” (Gn 21.1). “Disse José a seus irmãos: Eu morro; porém Deus certamente vos visitará (dq;P’)
(paqad) e vos fará subir desta terra para a terra que jurou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó. 25José fez jurar
os filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará (dq;P’) (paqad), e fareis transportar os meus
ossos daqui” (Gn 50.24-25). “Também levou Moisés consigo os ossos de José, pois havia este feito os
filhos de Israel jurarem solenemente, dizendo: Certamente, Deus vos visitará (dq;P’) (paqad); daqui, pois,
levai convosco os meus ossos” (Êx 13.19). “E o povo creu; e, tendo ouvido que o SENHOR havia visitado
(dq;P’) (paqad) os filhos de Israel e lhes vira a aflição, inclinaram-se e o adoraram” (Êx 4.31). “Tu visitas

A SOBERANIA DE DEUS
197

de forma poética, mas com sentimentos confusos, indaga: “17 Que é o homem,
para que tanto o estimes, e ponhas nele o teu cuidado, 18 e cada manhã o visites, e
cada momento o ponhas à prova?” (Jó 7.17-18). Deus considera tanto o homem
que tem o seu coração nele, cuidando, protegendo e guardando. Ainda que na
intensidade da angústia de Jó isso o incomode circunstancialmente − visto que
o cuidado, dentro dessa perspectiva, soa como uma “inspeção” −, o fato é que
Deus cuida atentamente de Seu povo (Sl 144.3,4,15).
A Bíblia atesta que Deus faz todas as coisas conforme o conselho da Sua von-
tade (Ef 1.11): conforme o Seu santo prazer e deliberação (Sl 115.3;135.6). Todos
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os Seus atos, livres como são, constituem-se em manifestações do Seu soberano


poder e da Sua infinita sabedoria (Pv 3.19; Rm 11.33).
Jeremias escreve: “O Senhor fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo
por sua sabedoria, e com a sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10.12). No
livro de Jó, lemos: “Eis que Deus se mostra grande em Seu poder!” (Jó 36.22). A
Criação é resultado da vontade e do poder criador de Deus, revelando aspectos
da grandeza de Deus. (Gn 1.1,26,27; Sl. 148.5; Is 44.24; Jr 32.17; Rm 1.20; 4.17;
2Co 4.6; Hb 11.3; Ap 4.11).
No relato da criação do homem, encontramos o registro inspirado: “Também
disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...”
(Gn 1.26). Deus Se aconselha consigo mesmo e delibera de forma verbal. Aqui
podemos ver a singularidade da criação do homem; em nenhum outro relato
encontramos essa forma relacional500. Conforme acentua Bavinck:
“Ao chamar à existência as outras criaturas, nós lemos simplesmente
que Deus falou e essa fala de Deus trouxe-as à existência. Mas quando
Deus está prestes a criar o homem Ele primeiro conferencia consigo
mesmo e decide fazer o homem à Sua imagem e semelhança. Isso indi-
ca que especialmente a criação do homem repousa sobre a deliberação,
sobre a sabedoria, bondade e onipotência de Deus. (...) O conselho e a
decisão de Deus são mais claramente manifestos na criação do homem
do que na criação de todas as outras criaturas”501.

(dq;P’) (paqad) a terra e a regas; tu a enriqueces copiosamente; os ribeiros de Deus são abundantes de
água; preparas o cereal, porque para isso a dispões” (Sl 65.9). “Lembra-te de mim, SENHOR, segundo a
tua bondade para com o teu povo; visita-me (dq;P’) (paqad) com a tua salvação” (Sl 106.4).
500 Consultar referência da nota.
501 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Aqui temos o decreto Trinitário que antecede o tempo e que, agora, se executa
historicamente conforme o eternamente planejado.
O “Façamos” de Deus, conforme usado em Gênesis 1.26, (he&A(an) (na’aseh), o
qual, imperfeito, indica que o homem foi criado ou será criado502 após deliberação
ou consulta, como explica Calvino: “Até aqui Deus foi introduzido simplesmente
a ordenar; agora, quando se aproxima da mais excelente de suas obras, ele passa
à consulta”503.
Calvino diz que Deus poderia ter criado o homem ordenando, pela sua simples
palavra, o que desejasse que fosse feito, “porém prefere comunicar este atributo à

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excelência do homem: que ele, de certa maneira, faz uma consulta concernente
à criação”504. A que Deus consulta? Perguntaríamos. Deus consulta a Si mesmo:
Mas desde que o Senhor não necessita de conselheiro, não há dúvida
de que ele consultou a si mesmo. (...) Deus não convoca conselheiro
alheio; daí nós inferimos que ele acha em si mesmo alguma coisa dis-
tinta; como, na verdade, sua eterna sabedoria e poder residem nele505.

O fato de Deus ter criado o homem após deliberação tem dois objetivos na con-
cepção de Calvino: 1) nos ensinar que o próprio Deus se encarregou de fazer
algo grande e maravilhoso; 2) dirigir a nossa atenção para a dignidade de nossa
natureza. Assim, ele conclui:
Na verdade, há muitas coisas nesta natureza corrompida que pode-
riam induzir ao desdém; mas, se o leitor pesar corretamente todas as
circunstâncias, o homem é, entre outras criaturas, um certo espécime
preeminente da sabedoria, justiça e bondade divinas, de modo que ele é
merecidamente chamado pelos antigos mikri/kosmoj, ‘um mundo em
miniatura’506.

Comentando Gênesis 5.1, Calvino diz que Moisés repetiu o que ele havia dito
antes, porque

502 “Esta forma pode ser traduzida como um futuro simples (nós faremos). Se entendido assim, o texto
está registrando um anúncio de Deus” (GRONINGEN, 2002, p. 75). “Embora o tempo aqui usado seja o
futuro, todos devem reconhecer que esta é a linguagem de alguém que aparentemente delibera” (CALVIN,
1996, p. 91).
503 Consultar referência da nota.
504 Consultar referência da nota.
505 Consultar referência da nota.
506 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
199

a excelência e dignidade deste favor não podiam ser suficientemente


celebradas. Já era uma grande coisa que se desse ao homem um lugar
primordial entre as criaturas; mas é uma nobreza muito mais exalta-
da que ele portasse semelhança com seu Criador, como um filho com
seu pai. Deveras não era possível que Deus agisse mais liberalmente
para com o homem senão lhe imprimindo sua própria glória, assim
fazendo-o, por assim dizer, uma imagem viva da sabedoria e justiça
divinas507.

Em Adão, temos uma demonstração eloquente da justiça divina: Adão foi ini-
cialmente criado à imagem de Deus, para que pudesse refletir, como por um
espelho, a justiça divina.
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“Façamos”. É a Trindade quem delibera, sem qualquer intervenção ou con-


sulta feita aos anjos; é a execução autodeliberada de Deus em criar o homem;
desse modo, na criação em geral e do homem em especial, encontramos a con-
cretização precisa do decreto eterno de Deus. O homem é o produto da vontade
de Deus. “Tudo quanto aprouve ao Senhor ele o fez, nos céus e na terra, no
mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). Assim, o homem não foi criado por um
insensível acaso, por uma catástrofe cósmica ou por uma complicada mistura
de gases e matérias. O homem foi formado por Deus de acordo com a Sua sábia
e soberana vontade (Gn 2.7; Rm 11.33-36)508. “Louvem o nome do Senhor, pois
mandou ele, e foram criados” (Sl 148.5)509. O Poder de Deus “é a primeira coisa
evidente na história da criação (Gn 1.1)”510. E a criação do nada nos fala de Seu
infinito e incompreensível poder.
Davi, contemplando a majestosa criação de Deus, escreveu: “Graças te dou,
visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as suas obras
são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem” (Sl 139.14).
Embora a Bíblia não declare o método usado por Deus, a ideia de uma evo-
lução teísta está fora de questão. O texto de Gn 1.26,27 implica na criação do
homem não a partir de seres criados, nem como resultado de uma suposta evo-
lução de seres inferiores. O verbo )frfB, usado em Gn 1.26,27, no qual é sempre

507 Consultar referência da nota.


508 “A origem da humanidade não é, de acordo com o nosso texto [Gn 1.26], o resultado de acontecimentos
fortuitos que ocorreram por meio de eras prolongadas de tempo” (GRONINGEN, 2002, p. 76).
509 Como indicativo histórico do conceito judeu referente à criação do mundo como sendo proveniente do
nada, citamos o livro apócrifo de Macabeus, que diz: “Suplico-te, meu filho, que olhes para o céu e para a
terra e para todas as coisas que há neles, e que penses bem que Deus as criou do nada, assim como a todos
os homens” (2Mac 7.28).
510 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

teológico, apresentando Deus como o sujeito da ação, que do nada, pelo Seu
poder, faz vir à existência algo novo, que antes não existia (Cf. Gn 1.1; 2.4; Sl
51.10;102.18; 148.5; Is 41.20; 48.6-7; 65.17, Am 4.13 etc.)511, contrapondo-se,
também, aos deuses pagãos (Ez 28.13, 15)512.
O homem como criação secundária (em termos de ordem, não de impor-
tância) foi formado com maestria e habilidade de matéria previamente criada
por Deus (Gn 3.19); entretanto ele recebeu diretamente de Deus o fôlego da
vida (Gn 2.7), passando, ao mesmo tempo, a ter uma origem terrena e celestial.
Isto nos persuade que, criação direta (imediata), o homem recebeu a im-

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pressão da imagem divina; que na criação as Pessoas divinas, cada uma
efetuou uma obra distinta; e finalmente, que a criação do homem com
referência ao seu destino se realizou pelo sopro do fôlego de Deus513.

Agostinho (1973, p. 238-239), no final do 4º século (c. 395-398), extasiado com


a criação de Deus, escreveu de modo poético:
De que modo, porém, criastes o céu e a terra, e qual foi a máquina de
que Vos servistes para esta obra tão imensa, se não procedestes como
o artífice que forma um corpo doutro corpo, impondo-lhe, segundo a
concepção da sua mente vigorosa, a imagem que vê em si mesma, com
os olhos do espírito? Donde lhe viria este poder, se Vós lhe não tivésseis
criado a imaginação?

O artífice impõe a forma à matéria – a qual já existia e já a continha –


isto é, à terra, ou à pedra, ou à madeira ou ao ouro ou a qualquer coisa
material. Mas donde proviriam estes seres, se os não tivésseis criado?
(...). Mas de que modo as fazeis? Como fizestes, meu Deus, o céu e a
terra? Sem dúvida, não fizestes o céu e a terra no céu ou na terra, nem
no ar ou nas águas, porque também estes pertencem ao céu e à terra.
Nem criastes o Universo no Universo, porque, antes de o criardes, não
havia espaço, onde pudesse existir. Nem tínheis à mão matéria alguma
com que modelásseis o céu e a terra. Nesse caso, donde viria essa maté-
ria que Vós não criáreis e com a qual pudésseis fabricar alguma coisa?

511 Consultar referência da nota. Outras características do verbo e seu emprego no AT. podem ser
encontradas em: W. H. SCHMIDT. )frfB: In: JENNI, E.; WESTERMANN, C. Diccionario Teologico
Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, 1 v. p. 489-490. BAVINCK, H.
Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 2 v. p. 425.
TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 1 v. p. 548.
WALTKE, B. K.; FREDERICKS, C. J. Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 1.1), p. 67-68. Quanto
ao costumeiro exagerado peso dado ao verbo, consultar referência.
512 Consultar referência da nota. Veja também: FOERSTER, W. kti/zw. In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G.
Theological Dictionary of the New Testament. 3 v. p. 1005-1028.
513 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
201

Que criatura existe que não exija a vossa existência?

Portanto, é necessário concluir que falastes, e os seres foram criados (Sl


33.6,9). Vós os criastes pela vossa palavra!

Mas como é que falastes? (...). Efetivamente, qualquer que seja a subs-
tância com que produzistes essa voz, de modo algum poderia existir,
se a não tivésseis criado. Mas que palavra pronunciastes para dar ser à
matéria com que havíeis de formar aquelas palavras?

Charnock (1628-1680)514 observa que o fato da criação de Deus ter em si a capa-


cidade de se propagar, conforme a ordem divina: “Sede fecundos, multiplicai-vos
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e enchei as águas dos mares; e, na terra, se multipliquem as aves” (Gn 1.22), revela
o Poder do Criador. Deus, por Sua Palavra, cria o mundo e, segundo o exercí-
cio desse mesmo poder, capacita as suas criaturas a se propagarem, tornando “o
ser humano como co-criador criado”515.
Como indicativo da posição elevada em que o homem foi colocado, o Criador
compartilha com ele – abençoando e capacitando-o516 – do poder de nomear os
animais, envolvendo, nesse processo, inteligência e não arbitrariedade517, e tam-
bém de dar nome à sua mulher (Gn 2.19,20,23; 3.20).
E mais: Deus delega-lhes poderes para cultivar (db;[‘) (‘abad) (lavrar, servir,
trabalhar o solo) e guardar (rm;v’) (shãmar) (proteger, vigiar, manter as coisas)518
o jardim do Éden (Gn 2.15/Gn 2.5; 3.23), demonstrando a sua relação de domínio,
não de exploração e destruição, antes, um cuidado consciente, responsável e preser-
vador da natureza:519 “6 Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés
tudo lhe puseste: 7 ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; 8 as aves
do céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares” (Sl 8.6-8).
Aqui o primeiro casal, atendendo ao mandato cultural, em uma atividade
familiar exclusivamente humana, pode desenvolver e aprimorar a sua capacidade
e potencialidades, refletindo a sua condição de imagem e semelhança de Deus.

514 CHARNOCK, S. Discourses Upon The Existence and Attributes of God. 2 v. p. 47ss.
515 Devo esta expressão ao teólogo luterano Philip J. Hefner. No entanto deve ser observado que o autor
emprega a expressão em uma acepção distinta da minha. Consultar referência da nota.
516 Consultar referência da nota.
517 É muito interessante a abordagem deste exercício de Adão analisado pelo campo da semiótica. Veja:
ECO, U. A Busca da Língua Perfeita na Cultura Européia. 2. ed. Bauru/SP: EDUSC, 2002, p. 25ss.
518 Consultar referência da nota.
519 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Cabe-lhe desenvolver não somente a agricultura, a horticultura e a


criação de animais, mas também, a ciência, a tecnologia e a arte520. À
frente, continua Hoekema: Mas o homem ‒ isto é nós mesmos ‒, deve
dominar a natureza de tal modo que seja também seu servo. Devemos
preservar os recursos naturais e fazer o melhor uso possível deles. De-
vemos evitar a erosão do solo, a destruição temerária das florestas, o
uso irresponsável da energia, a poluição dos rios e dos lagos e a polui-
ção do ar que respiramos. Devemos ser mordomos da terra e de tudo o
que há nela e promover tudo o que venha a preservar a sua utilidade e
beleza para a glória de Deus521.

Todavia todas essas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com

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o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça
providente e capacitante de Deus. É nesse particular – domínio – que o homem
foi bastante aproximado de Deus pelo poder que lhe foi outorgado.
Ao homem foi conferido o poder de ir além da matéria, podendo raciocinar,
estabelecer conexão e visualizar o invisível. “O pensamento e o conhecimento do
homem, apesar de serem extraídos de seu cérebro, são, todavia, em sua essên-
cia uma atividade inteiramente espiritual, pois transcendem aquilo que ele pode
ver e tocar”522.
Ao homem, portanto, foi concedido o privilégio responsabilizador de pen-
sar, analisar, escolher livremente o seu caminho de vida523, verbalizar os seus
pensamentos e emoções, podendo, assim, dialogar com o seu próximo (Gn 3.6)
e com Deus (Gn 3.9-13), sendo entendido por Ele e entendendo a Sua vontade.
Portanto, desde o início estava constituída uma comunidade, já que: “Comunicar
é uma maneira de compreensão mútua”524.
Quando usamos adequadamente dos recursos que Deus nos confiou para
dominar a terra, estamos cumprindo o propósito da criação, glorificando a Deus.
É necessário, portanto, que glorifiquemos a Deus em nosso trabalho pela forma
legítima como o executamos. Devemos estar atentos ao fato de que o nosso domí-
nio está sob o domínio de Deus. A Criação pertence a Deus por direito; a nós

520 Consultar referência da nota.


521 Consultar referência da nota.
522 Consultar referência da nota.
523 Consultar referência da nota.
524 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
203

por delegação de Deus (Sl 24.1; 50.10-11; 115.16)525. Ele mesmo compartilhou
conosco esse poder, contudo não abriu mão dele526. Teremos de Lhe prestar contas.
Por isso, ainda que o nosso domínio seja demonstrado, especialmente pelo
avanço da ciência, novos desafios surgem. Encontramos a plenitude desse domí-
nio em Cristo Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Algo admirável no Salmo 8 é que o salmista em seu hino começa com Deus,
glorificando o nome de Jeová (hwhy), e conclui tornando a Ele, testemunhando
com júbilo a magnificência de Seu nome em toda a terra: “Ó SENHOR, Senhor
nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua
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majestade. (...) 9 Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o


teu nome!” (Sl 8.1,9). A Criação revela de forma majestosa o nome de Deus. No
homem, de modo especial, tal majestade é vista de forma ainda mais eloquente527.

O Homem foi Criado à Imagem e Semelhança do Deus Triúno


Os seres criados por Deus (peixes, aves, animais domésticos, animais selváti-
cos etc.) o foram conforme as suas respectivas espécies. Por isso, toda a Criação
revela, de algum modo, aspectos da glória de Deus, vestígios de Seu Autor. O
homem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio Deus Criador (Gn 1.26;
Ef 4.24), sendo distinto, assim, de todo o resto da Criação, partilhando com Deus
de uma identidade desconhecida por todas as outras criaturas, visto que somente
o homem foi criado “à imagem e semelhança de Deus”. Somente o homem pode
partilhar de um relacionamento pessoal, voluntário e consciente com Deus.
Embora todas as criaturas exibam vestígios de Deus, somente o ser hu-
mano é a imagem de Deus. Ele inteiro é essa imagem, alma e corpo, em
suas faculdades e capacidades, em todas as condições e relações. O ser
humano é a imagem de Deus porque, e na medida em que, é verdadei-
ramente humano; e é verdadeiro e essencialmente humano porque, e
na medida em que, é a imagem de Deus528.

No homem, como reflexo de Seu Criador, Deus deve ser visto, quer em Sua natu-
reza que expressa Deus, quer em seus atos, visto que ele está comprometido com

525 Consultar referência da nota.


526 Consultar referência da nota.
527 “O homem, por haver sido criado à imagem de Deus, nos revela muito sobre o ser do Criador”
(MEETER, (s.d.), p. 26).
528 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

os interesses de Deus. O seu propósito é glorificar a Deus, a quem ama e obedece.


Quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com a qual
ele possa se relacionar de forma pessoal – já que não se encontra em todo o resto
da criação –, a solução é uma nova criação, tirada da costela de Adão e transfor-
mada por Deus em uma auxiliadora idônea, com a qual Adão se completará529,
passando a haver uma “fusão interpessoal”, “unidade essencial”, constituindo-se
os dois uma só carne (Gn 2.20-24; Mc 10.8), unidos por Deus (Mt 19.6).
A constatação de Deus é que não seria bom para o homem permanecer só. É
Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda imperceptível ao homem. Tudo

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na criação era bom, exceto a solidão do homem. “Deus pôs o dedo na única defi-
ciência existente no Paraíso”530.
Waltke “acentua que a declaração é altamente enfática. Essencialmente, é
ruim para Adão viver sozinho”531. Com essa constatação, inicia-se uma belís-
sima descrição do cuidado de Deus para sua criatura:
As cenas da criação são pintadas como se um artista as visualizasse:
Deus, como o oleiro, formando o homem; como jardineiro, designando
um jardim de beleza e abundância; e como um edificador de templo,
tomando a mulher da costela do homem532.

O paraíso não era o céu533. O homem ainda não havia percebido isso, no entanto
Deus sabe que a solidão lhe fará mal. A carência vai se tornar evidente: Deus
passou diante de Adão todos os animais, para que este pudesse nominá-los, dis-
tinguindo cada espécie. Aqui vemos, de passagem, a inteligência de Adão, tendo
condições de discernir as espécies, exercitando a sua capacidade de julgar, atri-
buindo nomes que, certamente, estavam relacionados a características essenciais
dos animais534. Entre toda a Criação, não há uma companheira a altura do homem.

529 Consultar referência da nota.


530 Consultar referência da nota.
531 Consultar referência da nota.
532 Idem. p. 104.
533 Consultar referência da nota.
534 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
205

Como ser sociável que é535, o homem necessitará de compartilhar conhecimen-


tos e afetos, amar e ser amado. O homem, de fato, foi criado por Deus para viver
em companhia de seus semelhantes, mantendo uma relação de ideias, valores
e sentimentos. A permanecer assim, os seus sentimentos mais profundos per-
manecerão guardados, ele não terá um ser igual com quem possa compartilhar,
amar, se emocionar, ensinar, aprender, se divertir. No entanto o mesmo Deus que
criou o homem propõe-se a criar a sua companheira (Gn 2.21-22).
Deus, como uma espécie de “pai da noiva”536 (“padrinho de casamento”),
leva-a até o noivo (Gn 2.22)537. Adão aprovou a nova criação de Deus. As pri-
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meiras palavras do homem, registradas nas Escrituras, se configuram de forma


poética: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á
varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23). Agora se tornou possível uma
relação satisfatória para o homem e, ao mesmo tempo, eles poderão se perpe-
tuar por meio da procriação – como ato que reflete a sua identidade de amor e
complemento –, enchendo a terra e sujeitando-a, conforme a ordem divina (Gn
1.28). O Paraíso está pronto para se expandir538.
Palmer Robertson comenta: “O ‘ser uma só carne’ descrito nas Escrituras
não se refere simplesmente aos vários momentos da consumação marital. Em
vez disto, esta unidade descreve a condição permanente de união alcançada pelo
casamento”539.

535 Consultar referência da nota. Calvino (1509-1564) escreveu: “O homem é um animal social de
natureza, consequentemente, propende por instinto natural a promover e conservar esta sociedade e,
por isso, observamos que existem na mente de todos os homens impressões universais não só de uma
certa probidade, como também de uma ordem civil” (CALVINO). Em outro lugar, entendendo que o
princípio de que não seja bom que o homem viva sozinho não se restringe a Adão, diz que “o homem foi
formado para ser um animal social”, acrescenta: “Mas ainda que Deus declarasse, no que respeita a Adão,
que não lhe seria proveitoso viver sozinho, contudo não restrinjo a declaração unicamente à sua pessoa,
mas, antes, a considero como sendo uma lei comum da vocação do homem, de modo que cada um deve
recebê-la como dita a si próprio: que a solidão não é boa, excetuando somente aquele a quem isenta como
que por um privilégio especial” (CALVIN, p. 128).
536 Consultar referência da nota.
537 Consultar referência da nota.
538 Diz a Confissão de Westminster: “O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de marido e
mulher, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma semente santa,
e para evitar-se a impureza” Gn 2.18 e 9.1; Ml 2.15; 1Co 7.2,9. Consultar referência.
539 Consultar referência da nota. “A relação em ‘uma só carne’ envolve mais do que sexo; é a fusão de duas
vidas em uma; é consentir em compartilhar a vida juntos, através do pacto do casamento; é a completa
entrega de si mesmo a um novo círculo de existência, ao lado de um companheiro” (ORTLUND JR apud
PIPER; GRUDEM, p. 39).

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

A Criação da Mulher, a Companheira do homem (Gn 2.18)


Não foi feita da sua cabeça, como para ter domínio sobre ele, nem de
seus pés, como para não ser pisoteada por ele, senão de seu lado, para
ser igual a ele, de debaixo de seu braço para ser protegida, e de junto ao
coração para ser amada (HENRY, 2000, p. 58-59).

A mulher foi criada para ser companheira do homem. Desse modo, percebe-se
a ideia de complemento. O homem sozinho estaria no paraíso, contudo perma-
neceria só, sem uma companheira. O paraíso sem a mulher seria um paraíso
incompleto, insatisfatório. No céu, seremos como os anjos, não nos casaremos

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(Mt 22.30). Adão, no seu estado terreno, ainda precisa do auxílio de uma esposa.
Visto que a mulher completaria o homem, esta tornar-se-ia da mesma forma
incompleta se não cumprisse a sua missão. Vemos então aqui que somente os
dois juntos, tornando-se uma só carne, se encaminham para a plenificação como
imagem e semelhança de Deus por meio da geração de filhos, a proliferação da
raça humana e o uso de seus talentos de forma criativa e construtiva.
O rabino Cassuto (2010, p. 105) colocou isso de forma poética: “Assim como
a costela se encontra no lado do homem e lhe é anexa, da mesma forma a boa
esposa, a costela de seu esposo, fica a seu lado para ser sua auxiliar-sósia, e sua
alma faz fronteira com a dele”540.

Auxiliadora idônea
“Far-lhe-ei uma auxiliadora (rz<[e) (‘ezer)541 que lhe seja idônea (dg<n<)
(neged)” (Gn 2.18), é a solução encaminhada por Deus.

Auxiliadora
(rz<[e) (‘ezer): “Auxiliadora”, “ajudadora”. Esta palavra que, nos tempos moder-
nos, é com frequência olhada como se fosse uma diminuição da mulher, tem, na
realidade, um tom extremamente significativo. Ela é empregada especialmente
para descrever a ação de Deus que vem em socorro do homem. Deus mesmo é o
ajudador dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl 10.14/Jó 29.12); daqueles que não
podem contar com mais ninguém (Sl 22.11). Por isso, podemos contar com Deus

540 Consultar referência da nota.


541 A Septuaginta traduz por bonqo\n, proveniente de bonqo/j, “útil”, “auxiliador”, “ajudador” (*Hb 13.6).

A SOBERANIA DE DEUS
207

nos momentos de enfermidade (Sl 28.7), nas opressões de inimigos (Sl 54.4) e em
períodos de grande aflição (Sl 86.17). Aqueles que vivem fielmente, buscando
seu amparo em Deus, podem ter a certeza do Seu cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21),
sendo a Sua lei e as Suas mãos os seus auxílios (Sl 119.173,175)542. Por isso, os
servos de Deus suplicam a Sua ajuda na batalha e nas aflições (Dt 33.7/Sl 20.2;
30.10; 79.9; 109.26; 119.86). O rei Uzias tornou-se famoso internacionalmente
porque por trás de todos os seus empreendimentos estava a maravilhosa ajuda
de Deus (2Cr 26.15). Por outro lado, quando Israel deixou de confiar no sustento
de Deus e buscou aliança com os egípcios para a sua proteção, Deus diz que isso
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de nada adiantaria contra a Babilônia (Is 30.5,7; 31.3/Os 13.9). Somos desafiados,
então, a confiar em Deus, porque Ele cuida de nós, é o nosso amparo (Sl 33.20;
70.5; 72.12; 115.9-11; 124.8; Is 44.2): de Deus vem o nosso socorro (Sl 121.1-2).
Israel é feliz porque tem a Deus como aquele que o socorre (Dt 33.26,29). Felizes
são todos aqueles que têm a Deus por auxílio (Sl 146.5). Devido ao Seu socorro,
devemos entoar louvores ao Seu nome (Sl 28.7).
Dentro das profecias messiânicas de Isaías, vemos a confiança do Ungido do
Senhor. Certo do socorro do Senhor, sabe que não será envergonhado (Is 50.7,9).
Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação: “Que papel importante
Deus dá a mulher. Ela se coloca ao lado do seu marido como auxiliadora, assim
como Deus se coloca ao lado de seu povo”543.

Idônea
(dg<n<) (neged): “Idônea” tem o sentido de “correspondente a ele”, “con-
forme”, “aquilo que corresponde“,“sua contrária”. Significa também “estar em
frente”, “defronte” (Êx 19.2; Js 3.16; 6.5,20; Dn 6.11).
A mulher foi formada como uma “contraparte” do homem, é uma seme-
lhança perfeita dele, ainda que lhe seja oposta, no sentido de complemento. O
homem aprovou a criação de Deus, porque pôde perceber a mulher “não como
sua rival mas como sua companheira, não como uma ameaça mas como a única
capaz de realizar seus desejos íntimos”544.

542 “173Venha a tua mão socorrer-me, (rz:[‘)(‘azar) pois escolhi os teus preceitos. (…) 175 Viva a minha alma
para louvar-te; ajudem-me (rz:[‘)(‘azar) os teus juízos” (Sl 119.173, 175).
543 Consultar referência da nota.
544 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Robertson analisa:
O propósito da existência do homem como ser criado não é ser um
auxílio para a mulher no casamento. Mas o propósito da existência da
mulher como ser criado é glorificar a Deus sendo um auxílio para o
homem.

.... A mulher deve ser, na verdade, uma auxiliadora do homem. Mas


deve ser auxiliadora ‘correspondente a ele’. O todo da criação de Deus
serviria de auxílio ao homem de uma ou outra maneira. Mas em parte
alguma da criação poder-se-ia achar um auxiliar ‘correspondente’ ao
homem (Gn 2.20). Somente a mulher como ser criado do homem cor-

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respondeu a ele de tal maneira que fez dela o auxílio adequado de que
ele necessitava.

Este traço distintivo da mulher indica que ela não é menos significativa
do que o homem com respeito à pessoa dela. De maneira igual ao ho-
mem, ela traz em si mesma a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27).
Somente como igual em pessoalidade podia a mulher ‘corresponder’ ao
homem (ROBERTSON, O. P. Cristo dos Pactos. 1997, p. 69).

A igualdade entre o homem e a mulher


Os textos também revelam a prioridade social e governamental do homem, não
a sua superioridade essencial (Ef 5.22; 1Co 11.3-12; 1Pe 3.6,7)545. É necessário
não confundirmos a primazia e liderança com o domínio tirânico.
A masculinidade e a feminilidade identificam seus respectivos papéis.
Conforme Deus determinou, o homem, em virtude de sua masculini-
dade, é chamado a liderar; e a mulher, em virtude de sua feminilidade,
é chamada para ajudar. (...) Mas, observe: dominação masculina é uma
falha pessoal e moral, não uma doutrina bíblica546.

Deus, ao criar a mulher, não a fez inferior; ela também foi feita conforme a ima-
gem e semelhança de Deus (Gn 1.27). A ordem divina quanto ao povoar a terra,
dominar, guardar e cultivar é responsabilidade de ambos. Os dois partilham dos
deveres e responsabilidades conferidos por Deus. Sozinhos, ambos são insufi-
cientes para cumprirem o propósito de Deus em sua vida.

545 Consultar referência da nota.


546 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
209

Harriet e Gerard comentam:


A passagem [Gn 1.26-31] claramente indica que na sua origem a fêmea
foi criada da mesma substância do macho; ela não é inferior quanto
ao seu ser ou pessoa. Ela não é inferior como portadora da imagem,
representante ou espelho de Deus na vida diária. A mulher é uma pes-
soa tanto quanto o homem. Assim como o macho é, a fêmea é feita à
imagem e semelhança do Deus triúno e consequentemente tem o seu
próprio relacionamento pessoal e espiritual com Deus. Neste particular
ela é absolutamente igual ao homem. Ela também recebeu o mesmo
mandato que o seu marido recebeu. Ele deveria cultivar o jardim com
ele, dominar sobre ele e com o marido, ser frutífera e povoar a terra.
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No capítulo 2 ela, juntamente com o seu marido, recebeu o mandato


espiritual de continuar a andar com Deus. Ela e o seu marido são proi-
bidos de comer do fruto da árvore. Ambos recebem o mandato social
de serem frutíferos. (HARRIET; GRONINGEN, G. V. A Família da
Aliança. 1997p. 94).

Significado dos termos: Imagem e Semelhança


Os termos imagem meelec (Tsëlëm)547 e semelhança tUm:D (Demüthn) usa-
dos no texto de Gênesis, são entendidos, ainda que não o sejam perfeitamente,
como sinônimos sendo empregados para se referirem, de forma enfática, ao ser
humano como um todo, com todas as suas características essenciais; uma “ver-
dadeira imagem”.
Calvino (1509-1564), após criticar àqueles que procuravam fazer uma dis-
tinção inexistente entre palavras, diz:
Quando, pois, Deus decretou criar o homem à Sua imagem, porque
não era tão claro, explicitamente o repete nesta breve locução: à se-
melhança, como se estivesse a dizer que iria fazer um homem no qual,
mediante insculpidas marcas de semelhança, se haveria de a Si Próprio
representar como em uma imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco
depois, Moisés repete duas vezes a frase imagem de Deus, omitida a
menção de semelhança548.

547 A LXX traduz aqui por ei)kwn.


548 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

Do mesmo modo, Von Rad: “A segunda [palavra] interpreta a primeira, salien-


tando a noção de correspondência e de semelhança”549. Seguindo Bavinck, talvez
possamos dizer que imagem aponta para uma espécie de protótipo. A seme-
lhança indica um ideal espiritual550.
Em geral, as duas palavras são simplesmente explicativas uma da outra;
uma define a outra, denotando uma semelhança exata, correspondendo ao ori-
ginal divino. Por isso, imagem e semelhança são usadas indistintamente nas
Escrituras, referindo-se ao homem (Veja: Gn 5.1,3; 9.6; 1Co 11.7; Cl 3.10; Tg
3.9)551. Portanto, seja qual for a possível diferença existente entre os termos, nada

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de essencial indica.

A Imagem e Semelhança Criadas


“A essência da natureza humana é seu ser criado à imagem de Deus” (BAVINCK,
2012, p. 540).
Aqui, a título de advertência, devemos frisar que temos algumas pistas bíbli-
cas – suficientes, é verdade – para orientar-nos quanto ao significado da imagem
e semelhança de Deus no homem. No entanto essas indicações não são sistemá-
ticas ao ponto de possibilitar um estudo exaustivo e definitivo sobre o assunto552.
Calvino afirma que existem alguns teólogos que procedem com um pouco
mais de sutileza e dizem que a imagem de Deus não é corpórea, porém erram ao
manterem “que a imagem de Deus está no corpo do homem, porque sua admi-
rável estrutura brilha aí fulgurantemente”553. No entanto “o homem foi feito
conforme a Deus não mediante influxo de substância, mas pela graça e poder
do Espírito”554.

549 Consultar referência. Veja também: RAD, G. V. El Libro del Genesis. Salamanca: Sigueme, 1977, p. 69.
550 Consultar referência da nota.
551 “1Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança (tUm:D)
(Demüth) de Deus o fez; (…) 3 Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança (tUm:D)
(Demüth), conforme a sua imagem (meelec) (Tsëlëm), e lhe chamou Sete” (Gn 5.1,3). “Se alguém derramar
o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem
(meelec) (Tsëlëm)” (Gn 9.6). “Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem
e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem” (1Co 11.7). “E vos revestistes do novo homem
que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). “Com ela,
bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus”
(Tg 3.9/Pv 14.31).
552 Consultar referência da nota.
553 Consultar referência da nota.
554 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
211

Assim sendo, o homem não foi feito da mesma substância de Deus, apenas
foi-lhe concedido alguns de Seus atributos. Continuando essa linha de raciocí-
nio, diz: “Contemplando a glória de Cristo, estamos sendo transformados, como
pelo Espírito do Senhor, Que, certamente, opera em nós, na mesma imagem Sua,
contudo, não assim que nos renda consubstanciais a Deus”555.
O homem foi criado por Deus segundo o próprio modelo divino (Ef 4.24)556,
isso não significa que o homem seja fisicamente igual a Deus. Deus não tem
forma, é espírito (Jo 4.24)557, nem significa que seja da mesma essência, visto que
esta é incomunicável558. A imagem e semelhança refletem, em Adão, característi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cas próprias por intermédio das quais ele poderia relacionar-se consigo mesmo,
com o mundo e com Deus. A imagem de Deus é uma precondição essencial para
o seu relacionamento com Deus e expressa, também, a sua natureza essencial: o
homem é o que é por ser a imagem de Deus. Não existiria humanidade senão pelo
fato de ser a imagem de Deus, esta é a nossa existência autêntica e toda inclusiva.
Barth (2010, p. 184), com propriedade, escreveu: “Ele não seria homem
se não fosse a imagem de Deus. Ele é a imagem de Deus pelo fato de que ele é
homem”559. Desse modo, “ser humano é ser a imagem de Deus. Portanto, imago
Dei descreve nosso estado normal. Não assinala algo que está dentro de nós, ou
a algo acerca de nós, senão a nossa humanidade”560. A imagem de Deus não é
algo colado ou anexado a nós, podendo ser tirado ou recolocado. Antes, é algo
essencial ao nosso ser. “A imagem de Deus é intrínseca à humanidade. Não sería-
mos humanos sem ela. De toda a criação, somente nós somos capazes de ter um
relacionamento pessoal consciente com o Criador e de reagir a Ele”561. Portanto,

555 Consultar referência da nota.


556 “Deus é o protótipo do qual o homem e a mulher são meras cópias, réplicas (Selem, ‘estátua ou cópia
lavrada ou trabalhada’) e fac-símiles (demût, ‘semelhança’)” (KAISER JR., p. 78). Para uma interpretação
diferente do conceito de imagem e semelhança, apontando na direção de o homem ser “como” Deus, seu
representante apenas, nada indicando ontologicamente, consulte: MERRILL, E. H. Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo: Shedd Publicações, 2009, p. 175ss.
Para uma crítica a essa posição, consulte também: HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 84ss.
557 Consultar referência da nota.
558 Consultar referência da nota.
559 Consultar referência da nota.
560 Consultar referência da nota.
561 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

o homem não simplesmente possui a imagem de Deus como algo externo ou


acessório, antes ele é a própria imagem de Deus562.
A “Confissão de Westminster” (1647), capítulo IX, seção 2, declara:
Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho
e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-os de inteligência,
retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei
de Deus escrita em seus corações e o poder de cumpri-la, mas com a
possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade de sua pró-
pria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações
receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do mal; enquanto obedeceram este preceito, foram felizes em sua co-
munhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas.

Estudemos algumas características do homem como imagem de Deus, dentro


de uma perspectiva estrita:
1) Personalidade: O homem foi criado como um ser pessoal que tem cons-
ciência e determinação própria. Diferentemente de todos os outros animais,
faz a distinção entre o eu, o mundo e Deus; daí a capacidade de se relacionar
com Deus (Gn 3.8-14; Jr 29.13; Mt 11.28-30) e com o seu semelhante, podendo
entender (racionalmente) a vontade de Deus, fazer-se entender e avaliar todas
as coisas (Gn 1.28-30; 2.18,19).
2) Justiça e Santidade: O homem não foi criado como um ser neutro entre
o bem e o mal, ele foi formado bom, santo, como Deus o é de forma absoluta.
Daí que, segundo a própria avaliação do seu Autor, tudo “era muito bom” (Gn
1.31). Ele foi formado em “retidão” e “verdadeira santidade” (Ec 7.29; Ef 4.24; Cl
3.10). O homem tinha condições de entender a Palavra de Deus, a Sua lei563. A
santidade e retidão, originais do homem, não significam simplesmente inocên-
cia, mas, sim, o desejo inerente de ter maior comunhão com Deus e agradar-Lhe;
havia uma perfeita harmonia entre o seu ser e a Lei Divina. O homem conhecia e
tinha prazer na vontade divina. A justiça e a santidade eram derivadas de Deus,
dependiam fundamentalmente dessa sua comunhão com o Criador. Portanto, ao

562 Consultar referência da nota.


563 Consultar referência da nota. Olivier segue esta interpretação: OLIVIER, H. Ysr. In: VANGEMEREN,
W. A. (Org.). Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, 2 v. p. 564.

A SOBERANIA DE DEUS
213

mesmo tempo em que não era impossível ao homem pecar, também não havia
nele nada que o constrangesse a fazê-lo564. O homem é a “expressão mais nobre e
sumamente admirável de Sua justiça, e sabedoria e bondade”565. Calvino explica
o que significa “retidão” e “verdadeira santidade”: “Portanto, por esta palavra
se designa a perfeição de toda nossa natureza, como apareceu quando Adão
foi dotado com um reto juízo, tinha os afetos em harmonia com a razão, tinha
todos os seus sentidos íntegros e bem regulados e realmente excedia em tudo o
que é bom”566. Em outro lugar: “Do quê concluímos que, de início, a imagem
de Deus foi conspícua na luz da mente, na retidão do coração e na saúde de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

todas as partes do ser humano”567.


3) Liberdade: Adão e Eva dispunham de plena liberdade dentro do que lhe
foi permitido escolher, não havendo em sua natureza a semente do pecado para
influenciá-los à desobediência, ao uso inadequado dessa liberdade. C. S. Lewis
coloca a questão nestes termos:
Se uma coisa é livre para ser boa, também é livre para ser má. E o li-
vre-arbítrio foi o que tornou possível o mal. Por que Deus deu então o
livre-arbítrio? Porque o livre-arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é
também a única coisa que faz com que todo amor, bondade ou alegria
valham a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que trabalhas-
sem como máquinas, não valeria a pena ser criado568.

A liberdade pressupõe a responsabilidade. Deus criou o homem livre e respon-


sável pelos seus atos (Gn 2.16,17; 3.6-24)569. Aliás, seja qual for a escolha que o
homem faça, ele não perde a sua responsabilidade, ainda que sua resposta seja
a negação do uso das capacidades que lhes foram conferidas, quer a negação do
próprio Deus Criador570. Agostinho (354-430) coloca a questão em termos poé-
ticos: “A pena me acompanha, porque me deste livre-arbítrio. Se, pois, não me
tivésseis dado o livre-arbítrio, e desta forma não me tivesses feito melhor do que

564 Consultar referência da nota.


565 Consultar referência da nota.
566 Consultar referência da nota.
567 Consultar referência da nota. “O primeiro homem foi criado por Deus em retidão; em sua queda,
porém, arrastou-nos a uma corrupção tão profunda, que toda e qualquer luz que lhe foi originalmente
concedida ficou totalmente obscurecida” (CALVINO, p. 579).
568 Consultar referência da nota.
569 Consultar referência da nota.
570 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

os animais, não sofreria justa condenação ao pecar. Então, pelo livre-arbítrio me


elevaste, e por justo juízo me derrubaste”571.
4) Conhecimento Espiritual: Cl 3.10572. Adão, antes de pecar, tinha uma
compreensão genuína a respeito de Deus. No entanto, “após a sua rebelião, ficou
privado da verdadeira luz divina, na ausência da qual nada há senão tremenda escu-
ridão”573. O seu conhecimento tornou-se totalmente nulo quanto à salvação574. É
bom lembrar que a compreensão não era exaustiva, visto ser Deus infinito e ines-
gotável e, também, que Adão ignorava, em seu primeiro estado, aspectos do Ser
de Deus, tais como: o Seu amor redentor, o Seu plano salvífico, a Sua misericórdia

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
etc. A queda trouxe sérias consequências: a morte e a escravidão. “Como a morte
espiritual não é outra coisa senão o estado de alienação em que a alma subsiste
em relação a Deus, já nascemos todos mortos, bem como vivemos mortos até que
nos tornamos participantes da vida de Cristo”575. O homem perdeu totalmente
seu discernimento espiritual: ele está morto! O pecado traz, em outro estágio, a
idolatria, visto que o homem sozinho não consegue se relacionar com Deus e até
mesmo ignora o Deus verdadeiro (At 17.22-29). João Amós Comênio comenta:
É evidente que todo o homem nasce apto para adquirir conhecimento
das coisas: Primeiro, porque é imagem de Deus. Com efeito, a imagem,
se é perfeita, apresenta necessariamente os traços do seu arquetípico,
fiou então não será uma imagem. Ora, uma vez que, entre os atribu-
tos de Deus, se destaca a onisciência, necessariamente brilhará no ho-
mem algo de semelhante a ela. (...) A tal ponto a mente do homem é de
capacidade inesgotável que, no conhecimento, se apresenta como um
abismo....

[No entanto] após a queda, que o obscurece e confunde, é incapaz de


se libertar pelos seus próprios meios; e aqueles que deveriam ajudá-lo
não contribuem senão para aumentar embaraço em que se encontra.
(COMÊNIO, 1985, p. 102).

571 Consultar referência da nota.


572 Consultar referência da nota.
573 Consultar referência da nota.
574 “Depois da Queda do primeiro homem, nenhum conhecimento de Deus valeu para a salvação sem o
Mediador” (CALVINO).
575 Consultar referência da nota. “O gênero humano, depois que foi arruinado pela queda de Adão, ficou
não só privado de um estado tão distinto e honrado, e despojado de seu primevo domínio, mas está
também mantido cativo sob uma degradante e ignomínia escravidão” (CALVINO, 1999, p. 171). “O
primeiro homem foi criado por Deus em retidão; em sua queda, porém, arrastou-nos a uma corrupção
tão profunda, que toda e qualquer luz que lhe foi originalmente concedida ficou totalmente obscurecida”
(CALVINO, p. 579). “Todos nós estamos perdidos em Adão” (CALVINO, p. 24).

A SOBERANIA DE DEUS
215

O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta 6, responde:


Deus criou o homem bom e à sua imagem, isto é, em verdadeira jus-
tiça e santidade, a fim de que ele conhecesse corretamente a Deus, seu
Criador, o amasse de todo coração e vivesse com ele em eterna bem-
-aventurança, louvando-o e glorificando-o (Catecismo de Heidelberg ,
1563, pg. 248).

5) Imortalidade: O homem foi criado para viver eternamente – corpo e alma


–576, ele teve princípio, mas não teria fim. Fomos criados para viver eternamente
em comunhão com Deus (Gn 2.17; 3.19; Rm 5.12; 6.23; 1Co 15.20,21)577. Calvino
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sustenta que a consciência que discerne entre o bem e o mal respondendo ao


juízo de Deus é um sinal do senso de imortalidade do homem578. Devemos enfa-
tizar que a fonte de nossa vida não estaria em nós mesmos, mas em Deus, o único
que é eterno e possui a imortalidade (1Tm 6.16).
6) Espiritualidade: (Gn 2.7) O homem não é apenas corpo, ele foi criado
e dotado de corpo e alma, com anseios espirituais que se concretizam na sua
comunhão com o Criador579. O homem, como parte da criação, é tomado do pó
da terra; todavia, como imagem de Deus, recebe deste uma alma eterna e imor-
tal, a qual retornará ao Seu Criador (Ec 12.7). Van Groningen amplia o conceito,
dizendo que homem e mulher são “extracósmicos no sentido de que não devem
ser considerados só como matéria que pode funcionar de uma maneira altamente
desenvolvida. Ser espiritual é ser capaz de se comunicar e exercer comunhão
íntima com Deus ‘que é Espírito’ (Jo 4.24)”580.

576 Pensam de igual modo, entre outros: SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Petrópolis, RJ/São
Paulo: Vozes/Federação Agostiniana Brasileira, 1990, 2 v. Livro XIV.1. p. 131.
Consultar os outros na referência desta nota.
577 Consultar referência da nota.
578 Consultar referência da nota.
579 Ainda que a compreensão de Brunner (1889-1966) seja limitante, visto que interpretou a Criação
em termos simplesmente existencialistas, portanto, não crendo na historicidade da Criação e Queda,
identificando o conceito de imagem e semelhança como a capacidade de relacionar-se com Deus em amor,
o que diz aqui é relevante (BRUNNER, 2006, p. 107-115; 364-367). Compare com outros, encontrados na
referência desta nota. “O homem que através de sua mente pode pensar o universo, descobrir suas leis, e
estimar sua extensão, é maior do que o universo. (...) A verdadeira grandeza do homem não é sua razão,
pela qual aprende a conhecer, mas consiste no fato de que foi feito para a comunhão com Deus e com
os demais indivíduos” (BRUNNER, 2006, p. 100). Para uma resenha crítica da posição de Brunner, veja:
HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 66-72.
580 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

7) Domínio Sobre a Natureza: Um dos aspectos da imagem de Deus no


homem é o seu domínio legítimo, pacífico e prazeroso sobre a Criação (Gn
1.26,27; Sl 8.5-8)581. “Deus criou Adão e Eva e os colocou nele [reino cósmico]
para serem seus representantes e agentes. Ele os fez ser realeza; Ele lhes deu um
status real”582. Desse modo, a Criação estava naturalmente sob o seu domínio.
Deus demonstrou o poder concedido ao homem, partilhando amorosamente583
com ele, conforme vimos, o direito de dar nome (classificando as espécies,
revelando um conhecimento das características distintivas de cada uma)584 aos
animais (Gn 2.19,20)585. Por derivação da autoridade divina, “ao homem competia

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
refletir o governo de Deus mediante um governo real exercido sobre a terra”586.
Portanto, o domínio sobre a Criação não significa destruição e matança, antes o
conhecimento e o interesse587 próprio pelo que nos fora confiado e o desejo de
preservá-lo para poder apresentar a Deus o resultado de nosso trabalho, feito
em obediência à Sua vontade e, portanto, realizado para a Sua glória. O homem
glorifica a Deus cumprindo o propósito de Deus para a Sua Criação.
Renunciar a esse governo ou transformá-lo em destruição significa rejeitar
algo de característico na sua natureza essencial de imagem de Deus588.
8) Corporeidade: Deus não tem corpo, nem por isso o corpo humano é
menos importante do que a sua alma. Deus é Quem cria o espírito e a matéria.
É por meio de seu corpo que o homem reflete as maravilhas de ter sido criado
à imagem de Deus. Não há no homem uma espiritualização em detrimento do
corpo. O homem é um ser integral. A salvação é integral, assim como será a nossa
morada eterna após a nossa ressurreição final. Portanto, cremos que a imagem de
Deus abrange o seu corpo. Jesus Cristo se encarnou para salvar o homem todo.

581 Consultar referência da nota.


582 Consultar referência da nota.
583 Consultar referência da nota.
584 “Nomear implica conhecer, um conhecimento íntimo e particular do que alguma coisa é” (DYKE, 1999,
p. 124). Veja: TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 1 v.
p. 326-327.
585 “O homem constitui o auge da grande obra de criação de Deus. Não há nada superior ao homem. O
homem foi feito ‘senhor da criação’, o ser supremo na terra, depois de Deus” (LLOYD-JONES, 1991, p.
72).
586 Consultar referência da nota. “O homem não é chamado para um domínio absoluto, arbitrário, da
natureza, mas para um domínio que permaneça sob a ordem do Criador, e, portanto, honra e ama o
universo criado como criação de Deus” (BRUNNER, 2006, p. 102).
587 Consultar referência da nota.
588 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
217

Herman Bavinck escreve:


O corpo não é uma prisão, mas uma peça de arte maravilhosa produ-
zida pela mão do Todo-Poderoso e tão constituinte da essência da hu-
manidade quanto a alma (Jó 10.8-10; Sl 8; 139.13-17; Ec 12.2-7; Is 64.8).
Ele é nossa morada terrena (2Co 5.1), nosso órgão ou instrumento de
serviço, nossa ferramenta (1Co 12.18-26; 2Co 4.7; 1Ts 4.4) e os mem-
bros do corpo são as armas com as quais pelejamos na causa da justiça
ou da injustiça (Rm 6.13). Ele é tão integral e essencialmente parte de
nossa humanidade que, embora tenha sido violentamente arrancado
da alma pelo pecado, será reunido com ele na ressurreição dos mortos.
(...) Ora, esse corpo, que está tão intimamente ligado à alma, também
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pertence à imagem de Deus. (...) O corpo humano é uma parte da ima-


gem de Deus em sua organização como instrumento da alma, em sua
perfeição moral, não em sua substância material como carne. (...) A en-
carnação de Deus é prova de que os seres humanos, e não os anjos, são
criados à imagem de Deus e que o corpo humano é um componente
essencial dessa imagem (BAVINCK, 2012, p. 568-569).

Em essência, se queremos saber mais sobre a imagem e semelhança de Deus,


olhemos para Cristo, porque nEle temos, de forma inconfundível e perfeita, “a
imagem do Deus invisível” (Cl 1.15).

O Homem Caído: A Imagem Desfigurada


Na verdade, o que torna o pecado humano realmente grande é o fato de
que ele ainda é alguém que traz a imagem de Deus. O que faz o pecado
tão hediondo é que o homem está prostituindo dons tão esplêndidos.
Corruptio optimi pessima: a corrupção do que é ótimo é pior (HO-
EKEMA, 1999, p. 101-102).

O coração da rebelião de satanás e do homem estava no desejo de ser


autônomo (SCHAEFFER, 2002, p. 256).

A natureza de Satanás consiste em pensar, falar e agir em constante e


maliciosa oposição a Deus, o Criador, e, por conseguinte, em oposição
ao povo de Deus também (PACKER, 1994, p. 78).

Como os nossos primeiros pais foram levados ao pecado em uma atmosfera


perfeita?589 Talvez devido ao “interesse existencial”590 do problema é que essa per-

589 “Apesar de ter sido colocado num Paraíso, cercado de abundantes bênçãos de Deus, o homem escolheu
resistir ao direito de Deus de governar sobre ele” (LAWSON, 2012, p. 76).
590 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

gunta tem atravessado os séculos. A resposta é simples e me contento com ela;


não pelo prazer da ignorância, antes como uma confissão de meu limite dentro da
esfera do revelado na Escritura:591 não sei. O meu “não saber” não invalida o fato,
nem elimina a razão de sua existência, apenas resume uma ignorância pessoal.
A Palavra relata que Adão e Eva, criados em perfeita retidão, tendo perfeita
liberdade de escolha, optaram por desobedecerem a Deus e comeram da árvore
do bem e do mal que lhes fora expressamente proibida por quem tinha poderes
para fazê-lo (Gn 2.15-17).
No Paraíso, Satanás tentou os nossos primeiros pais por meio do desejo,

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que certamente de alguma forma cultivavam, de serem iguais a Deus. Eles se
esqueceram de todo o histórico de sua relação com o Deus fiel, amoroso, justo e
sábio592; o seu desejo falou mais alto aos seus corações. O desejo, ainda que por
vezes momentâneo, tende a eternizar-se na brevidade de seu ardor. Aqui eles
conceberam o que pode ser chamado de mal moral593.
Paulo, interpretando o acontecimento histórico registrado em Gênesis, diz:
“Mas receio que, assim como a serpente enganou (e)capata/w = desviou, sedu-
ziu, desencaminhou) a Eva com a sua astúcia (panourgi/a594 = “ardil”, “truque”,
“maquinação”, “trapaça”), assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e
se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2Co 11.3). Novamente:
“A mulher, sendo enganada, (e)capata/w) caiu em transgressão” (1Tm 2.14).
O verbo grego595 tem o sentido de enganar completamente, conseguindo
totalmente o seu objetivo; desse modo, Eva, conforme o texto nos diz, foi comple-
tamente enganada por Satanás. Assim, quando ela cede à tentação, está plenamente
convencida de que o que faz é certo dentro de seus objetivos duvidosos. Daqui
podemos concluir que a certeza subjetiva não significa necessariamente a cor-
reta interpretação dos fatos. Satanás enganou Eva e Adão. Após isso, os fez crer

591 Devo pontuar que entendo a teologia como uma sistematização do revelado na Palavra, a fim de tornar
mais compreensível a plenitude da revelação. A teologia, portanto, nada tem a dizer além das Escrituras.
Ela não a substitui, nem a completa, antes, deve ser a sua serva. A teologia brota dentro da intimidade da
fé daqueles que cultuam a Deus e comprometem-se com a edificação da igreja.
592 “O pecado original foi o pecado de esquecer Deus. Adão e Eva deram as costas a Ele – daí os
problemas” (LLOYD-JONES, 2004, p. 47).
593 “Mal moral é o mal resultante das escolhas e das ações dos seres humanos” (NASH apud BECKWITH
et al., 2006, p. 247).
594 Ocorre 5 vezes no NT.: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14.
595 e)capata/w (exapatáõ)* Rm 7.11; 16.18; 1Co 3.18; 2Co 11.3; 2Ts 2.3; 1Tm 2.14.

A SOBERANIA DE DEUS
219

que a mentira em que creram era a verdade. Satanás, que tem pretensões divi-
nas, fez com que Eva o seguisse. Adão a seguiu. Ninguém seguiu Deus. O caos
se instalara. Nossos primeiros pais demonstraram que seguiriam a um novo
senhor. As consequências viriam de forma intensamente perceptível. A proximi-
dade de Satanás os afastara cada vez mais de Deus. No tempo próprio, que não
demoraria, eles se esconderiam da presença de Deus (Gn 3.8-10). A presença
abençoadora e alegre de Deus, no cair da tarde, tornou-se uma presença terri-
ficante e assombrosa. Deus continuava a ser o mesmo. O homem, todavia, não.
O pecado nos afasta de Deus, rejeitando a Sua presença que, por si só, revela o
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nosso estado de desobediência, tornando notória a nossa infelicidade conquis-


tada autonomamente.
Na realidade, Eva e Adão desejaram a autonomia, ter um conhecimento inde-
pendentemente de Deus, queriam ser iguais a Deus, autossuficientes. O limite é,
com frequência, o atrativo maior do desejado596. Mas, ao mesmo tempo, o limite
é o teste de nossa fidelidade e caminho de crescimento.
Na insinuação diabólica, há sempre uma tentativa de mostrar que o nosso
caminho, a nossa opção é a melhor, a sua proposta sempre se configurará como
a mais lógica e atraente. A desobediência a Deus de fato é, com frequência, o
caminho que nos parece mais objetivo e prático, além de encontrarmos uma incli-
nação natural para ele. No entanto a vontade de Deus para nós é que resistamos
a essas tentações e continuemos crendo em Deus e na Sua Palavra, seguindo a
rota proposta; o caminho de vida por Ele traçado para nós.
A heresia normalmente surge assim: Satanás, que cita a Palavra de Deus597,
insinua que há algo mais profundo e rápido do que o árduo estudo das Escrituras,
ele propicia “revelações especiais”, sonhos, “luz interior”. Ele nos diz que, por
intermédio desses meios, podemos chegar a conhecer mais do que todos os
homens, que finalmente descobrimos o “método” de Deus para o nosso “cresci-
mento espiritual”, para adquirir uma visão mais abrangente do mundo que nos

596 “Os homens pecaminosos nunca se dispõem a andar dentro das fronteiras que Deus impõe às suas
criaturas. Em sua arrogância, declaram sua suposta liberdade e reivindicam ser senhores de seus próprios
destinos” (HARMAN, 2011, p. 79).
597 Bonhoeffer, com argúcia, disse que: “Também Satanás sabe empregar a Palavra de Deus como arma na
luta” (BONHOEFFER, 1968, p. 52).

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

circunda. Satanás é o grande divulgador da “autoajuda”598. Faça você mesmo,


sem necessidade de Deus e da sua Palavra, essa é a sua insinuação. “Satanás, fur-
tivamente, se move sobre nós e gradualmente nos alicia por meio de artifícios
secretos, de modo tal que quando chegamos a extraviar-nos, não nos aperce-
bemos de como o fizemos. Escorregamo-nos gradualmente, até finalmente nos
precipitarmos na ruína”599.
O alvo constante de Satanás é a Palavra de Deus. Ele procura tirá-la de nós
ou, senão, dar-nos uma visão distorcida do seu teor. Em seu argumento sempre
há algo de verdadeiro, contudo a sua dialética, que pode se valer das Escrituras,

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tem um referencial totalmente excludente, o qual ele dilui muito bem a fim de
dar-nos a impressão de que a sua conclusão é coerente com a Palavra600. Como
bem disse Bonhoeffer (1906-1945): “A fraude, a mentira do diabo consiste na sua
tentativa de fazer o homem acreditar que poderia viver sem a Palavra de Deus”
(BONHOEFFER, 1968, p. 60).
Com esse propósito, ele também age por intermédio de falsos mestres, dizen-
do-nos que pode nos levar à verdade plena muito superior a que nos é proposta
pela Escritura. Foi isso que ocorreu na Igreja de Corinto: os falsos mestres usa-
dos por Satanás fizeram muitos crentes acreditarem que o apóstolo Paulo era
desprezível, portanto não poderia dar-lhes ensinamento profundo. Nós sabemos
quanto sofrimento isso trouxe à Igreja e a Paulo, quanta dor e desvios doutriná-
rios e, consequentemente, um distanciamento de Deus. Satanás sempre objetiva
nos afastar de Deus e, quando damos crédito às suas insinuações, ele alcança o
seu objetivo.
O pecado é enganoso, dando-nos a impressão, em um primeiro momento, de
plena e completa satisfação. Ele tende a satisfazer os nossos desejos mais imedia-
tos, muitos dos quais até legítimos em determinadas circunstâncias – ainda que
nem sempre –; no entanto fornece-nos caminhos que conflitam com a Palavra

598 Outro mal contemporâneo é aquilo que MacArthur chama de “teologia da autoestima” e “psicologia da
autoestima”. Consulte: MACARTHUR JR., J. Sociedade sem Pecado. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2002, p. 74ss.
599 Consultar referência da nota.
600 “O credo alternativo do diabo contém, frequentemente, alguns elementos da verdade, escolhidos com
cuidado – mas sempre diluídos e totalmente misturados com falsidades, contradições, deturpações,
distorções e qualquer outra perversão imaginável da realidade. E, somando tudo isso, o resultado final é
uma grande mentira” (MACARTHUR JR., 2008, p. 71).

A SOBERANIA DE DEUS
221

de Deus, que nos conduzem ao fracasso ou à perda da oportunidade de nosso


amadurecimento, da lapidação do nosso caráter e vida espiritual.
Na narrativa bíblica da Criação, lemos: “Do solo fez o SENHOR Deus bro-
tar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a
árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal
([r;)(ra`)” (Gn 2.9).
Lemos também a respeito da proibição divina aos nossos primeiros pais:
“16E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem (hw"c') (tsavah): De toda árvore do
jardim comerás livremente, 17mas da árvore do conhecimento do bem e do mal
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([r;)(ra`) não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente mor-
rerás” (Gn 2.16-17).
Eles desobedeceram. A chave da questão não está na árvore, antes, na deso-
bediência à ordem de Deus: “Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas
nu? Comeste da árvore de que te ordenei (hw"c') (tsavah) que não comesses?”
(Gn 3.11)601.
Observe a ênfase dada à ordem divina. Somente Deus tem autoridade para
estabelecer leis e critérios para a Sua criação. Na realidade, pouco importaria para
Deus o que o homem comeria no Jardim do Éden, exceto pelo fato de Ele estabe-
lecer a Sua proibição como sinal de Sua autoridade absoluta, demarcando o limite
que caracterizaria a obediência ou não do homem e da mulher, Suas criaturas602.
Apesar de o pecado ter comprometido de forma gravíssima todas as faculda-
des originais do ser humano, o homem não deixou de ser a imagem e semelhança
de Deus – visto que isso implicaria em deixar de ser homem. Nele “esses atributos
ainda estão presentes em ‘pequenas reservas’ remanescentes da sua criação”603.
Contudo ele se tornou uma imagem desfigurada, pervertida, desfocalizada, mais
propriamente uma “caricatura” do Seu Criador604. Em outras palavras: conti-
nuamos sendo homens, ainda que em franca rebelião contra Deus. Perdemos,

601 “E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara (hw"c')
(tsavah) não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de
tua vida” (Gn 3.17). O contraste posterior com Noé é evidente. Este, fez tudo quando o Senhor ordenara
(hw"c') (tsavah) (Gn 6.22, 7.5,9,16). Os mandamentos de Deus são para serem literalmente cumpridos: “Tu
ordenaste (hw"c') (tsavah) os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca” (Sl 119.4).
602 Consultar referência da nota.
603 Consultar referência da nota.
604 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

assim, algo de nossa humanidade. Agora a sua maneira de perceber a realidade


e responder a ela passou por uma mudança drástica, sofreu uma virada antro-
pológica. O homem deseja satisfazer unicamente seus interesses. A realidade
tornou-se egorreferente. A condição de pecador é a expressão negativa por
livre escolha, de ser e existir criado à imagem de Deus. A consciência da esco-
lha torna-se real e relevante na condição de pecador. Na obediência em amor,
não ocorre a possibilidade da desobediência. Portanto, o pecado nos identifica
como criados à imagem de Deus e, ao mesmo tempo, como alguém que usou
terrivelmente desse privilégio.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Calvino (1509-1564), comentando esse assunto, disse que:
Quando de seu estado [original] decaiu Adão, não há mínima dúvida
de que por esta defecção se haja alienado de Deus. Pelo que, embora
concedamos não haja sido nele aniquilada e apagada de todo a imagem
de Deus, foi ela, todavia, corrompida a tal ponto que, o que quer que
resta é horrenda deformidade605.

O pecado como consequência da desobediência voluntária do homem (Gn 3.1-


6; Is 48.8; Rm 1.18-32) trouxe sobre ele efeitos danosos, tornando-o necessitado
de salvação, a qual estava além de sua capacidade de obtê-la. Analisemos agora
o significado do pecado e as suas consequências.

O Significado do Pecado
O “Catecismo Menor de Westminster” define bem a questão: “Pecado é qual-
quer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão desta
lei”606 (Veja: Tg 2.10; 4.17; 1Jo 3.4).

605 Consultar referência da nota. Em outro lugar, escreve Calvino: “O primeiro homem foi criado por Deus
em retidão; em sua queda, porém, arrastou-nos a uma corrupção tão profunda, que toda e qualquer luz
que lhe foi originalmente concedida ficou totalmente obscurecida. (...) Só quando aliado ao conhecimento
de Deus é que alguns dos dotes a nós conferido do alto se pode dizer que possui alguma excelência real.
À parte disso, eles se acham viciados por aquele contágio do pecado que não deixou sequer um vestígio
no homem de sua integridade original” (CALVINO, 1999, p. 579). “Tão logo Adão alienou-se de Deus
em consequência de seu pecado, foi ele imediatamente despojado de todas as coisas boas que recebera”
(CALVINO, 1997, p. 57). “É verdade que ela (a imagem de Deus no homem) não foi totalmente extinta;
mas, infelizmente, quão ínfima é a porção dela que ainda permanece em meio à miserável subversão e
ruínas da queda” (CALVINO, 1999, p. 169).
606 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
223

Pecar significa agir de maneira contrária aos princípios expressos por Deus
em Sua Palavra607. No pecado de nossos primeiros Pais, encontramos a expres-
são da falta de amor por Deus que eles já cultivavam em seus corações608.

O Pecado é universal
Todos pecaram. O homem, além de não querer, nada pôde fazer para deixar
de pecar. Após a queda, a natureza humana se corrompeu total e intensamente,
estendendo essa contaminação a todas as áreas da sua vida. O pecado trouxe
um quadro de irreversibilidade pecaminosa que se perpetuou em todos os seres
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humanos devido o seu pecado. Ou seja: o homem continuou nessa prática (Gn
6.5; 8.21; Is 64.6; Rm 3.9-12). A Escritura nos fala que o pecado, comum a todos
nós (Rm 3.23), nos fez cativos (Jo 8.34; Rm 6.20; 7.23), habitando em nós (Rm
7.17,20), mantendo-nos sob o seu domínio. Portanto, negar a nossa condição
de pecadores é negar a própria Palavra de Deus, que diz: “Se dissermos que não
temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso e a sua palavra não está em nós”
(1Jo 1.10). “Não ser consciente de pecado algum é o pior pecado de todos”609.
O pecado é o grande nivelador de toda a humanidade: todos pecaram, todos
estão no mesmo nível610, não há lugar para arrogância ou supostas boas obras
justificadoras (Rm 3.19-20)611. Se todos pecaram, isso significa que nós também
pecamos; se todos precisam de salvação, significa que nós também precisamos.
“Pecado não é algo peculiar a uns poucos, senão que permeia o mundo intei-
ro”612. O pecado nos impossibilita totalmente de nos salvar a nós mesmos.
Na “Oração do Senhor”, temos um indicativo da universalidade do pecado. “O
fato de Jesus ensinar a todas as pessoas a fazerem esta oração demonstra a univer-
salidade do pecado; e para repetir esta oração se requer um sentido de pecado”613.

607 “O pecado não é um lapso lamentável de padrões convencionais; a sua essência é a hostilidade para com
Deus (Romanos 8.7), manifesta em rebeldia ativa contra Ele” (STOTT, 1991, p. 80).
608 “O pecado de Adão consistiu no fato de que ele baniu todo o amor por Deus do seu coração. (...)
Quando Adão deixou de amar a Deus, ele começou a odiá-lo” (KUYPER, 2010, p. 361).
609 Consultar referência da nota.
610 Consultar referência da nota.
611 “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo
o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em
razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19-20).
612 Consultar referência da nota.
613 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

A Comunhão com Deus foi interrompida


O pecado gerou a separação entre o homem e o Deus Santo, Justo, Puro e Sublime
(Is 59.2). O homem encontra-se em um estado de rebelião contra Deus (Is 65.2).

O Homem está morto


O pecado como algo universal trouxe como justo pagamento a morte de todos:
“o salário do pecado é a morte” (Rm 5.12; 6.23).
A sentença que foi imposta como resultado do pecado de Adão in-
clui mais do que a mera decomposição do corpo. A palavra ‘morte’, tal

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como é usada nas Escrituras com referência às consequências do peca-
do, inclui todas as formas de mal que são infligidas como castigo desse
pecado. (...) Significa, pois, a miséria eterna do inferno (...) juntamente
com o antegozo dessas misérias que são os males e penalidades que
passamos neste mundo614.

A Bíblia nos fala de três tipos de morte decorrentes do pecado:


1) A Morte Física: Separação da alma e corpo pela qual todos os homens −
com exceção dos que estiverem vivos quando Cristo retornar em Glória − terão
de passar (Ec 12.7; 1Co 15.51-52; Hb 9.27)615. Adão e Eva, ao desobedecerem a
Deus, tiveram a sua sentença de morte decretada. Eles morreram espiritualmente
imediatamente – ficando separados de Deus –,todavia a morte física, que veio
também como consequência do pecado (Gn 2.16,17; 3.11-24; Rm 5.12), não foi
imediatamente executada, porque Deus usou de Sua graça comum, protelando,

614 Consultar referência da nota.


615 Quanto à morte física como consequência do pecado, consultar referência da nota. “Todos os povos ou
puxam Deus panteisticamente para baixo, na direção daquilo que é criado, ou o elevam deisticamente,
colocando-o infinitamente acima da criatura. Em nenhum dos casos se chega a uma verdadeira
comunhão, a uma aliança, a uma religião genuína. No entanto, a Escritura insiste em ambos: Deus é
infinitamente grande e condescendentemente bom; Ele é soberano, mas também é Pai; Ele é Criador, mas
também é Protótipo. Em uma palavra, Ele é o Deus da aliança” (BAVINCK, 2012, p. 573ss. p. 187-190).
Todos esses autores entendem que a morte física foi uma consequência do pecado. Eu os acompanho
nesse ponto. Quanto a uma posição contrária, consultar referência da nota. No passado, o bispo Celéstio,
discípulo de Pelágio, foi mais longe do que seu mestre, defendendo que Adão foi criado mortal e,
portanto, teria morrido, quer tivesse pecado, quer não.
Consulte também: KELLY, J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã: origem e desenvolvimento. São Paulo:
Vida Nova, 1994, p. 273.
WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1967, 1 v. p. 243.
K.S. LATOURETTE, K. S. Historia del Cristianismo. 4. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones,
1978, 1 v. p. 96.
Há também aqueles que não se definem, como: MORRIS, L. L. Morte. In: DOUGLAS, J. D. (Org.). O Novo
Dicionário da Bíblia, 2 v. p. 1073.
SUMMERS, R. A Vida no Além. 2. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1979, p. 25.

A SOBERANIA DE DEUS
225

adiando a plena execução da Sua sentença (Gn 3.15,19)616, concedendo oportu-


nidade para o arrependimento do homem (textos que ilustram esse princípio: Is
48.9; Jr 7.23-25; Lc 13.6-9; Rm 2.4; 9.22; 2Pe 3.9)617. Entretanto o Seu juízo entrou
em processo de concretização, tornando a vida uma caminhada para a morte618.
A condenação de Deus indica como Deus leva a sério o pecado.
O pecado passou a ser o selo de todas as suas obras: “Viu o SENHOR que a mal-
dade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau ([r;)
(ra`) todo desígnio do seu coração” (Gn 6.5)619. Desde então, o pecado sujeitou o
homem ao juízo histórico e eterno (Mt 5.21-22; 12.36; Rm 5.16; 1Tm 5.24); por isso,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

parte desse juízo já é manifesto nessa vida (Jo 3.16-18), mas não totalmente; daí a
perplexidade de alguns servos de Deus em determinados momentos da história,
quando o mal parece oprimir e esmagar o bem (Sl 73.1-14; Hc 1.1-17; Ml 3.14-15)620.
As consequências, portanto, não foram simplesmente visivelmente imedia-
tas. Elas ainda iriam aparecer. A natureza humana foi corrompida. O juízo de
Deus entrou em processo de concretização, tornando a vida uma caminhada
para a morte 621. O processo de morte entrou em cena na vida humana. A morte,
portanto, soa como algo anormal622, contrária ao nosso desejo de viver. O nosso
desejo vislumbra a perpetuidade da vida; os nossos esforços se concentram nesse
ideal, enquanto que o nosso organismo caminha de forma cada vez mais célere
para a morte. Essa é a terrível geografia da humanidade. “O que distingue os
humanos de todas as outras criaturas é a autoconsciência. Sabemos que esta-
mos vivos e que morreremos, e não conseguimos deixar de questionar por que
a vida é assim e qual é o seu significado”623.

616 Consultar referência da nota.


617 Consultar referência da nota. Consultar também: HOEKEMA, A. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana, 1989, p. 107-108.
618 Consultar referência da nota. Ver também: HOEKEMA, A. A Bíblia e o Futuro. p. 107-108.
619 “E o SENHOR aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por
causa do homem, porque é mau ([r;)(ra`) o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade; nem
tornarei a ferir todo vivente, como fiz” (Gn 8.21).
620 Ver: CALVINO, J. As Institutas. II.10.17ss.
LLOYD-JONES, D. M. Por Que Prosperam os Ímpios? São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
1983, 145p.
621 Consultar referência da nota.
622 “A Bíblia confirma nosso sentimento instintivo de que, no seu sentido mais profundo, toda morte é
anormal” (PACKER, 1994, p. 185).
623 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

2) A Morte Espiritual: Interrupção da comunhão com Deus. O pecado gerou


a quebra de nossa comunhão com Deus, isso significa a nossa morte espiritual,
pois a vida está em Deus, e sem comunhão com Ele estamos mortos (Is 59.2; Ef
2.1,5; Cl 2.13)624, expressando em nossa vida, paradoxalmente, as propriedades
próprias de um cadáver625 . “Uma vez que, de acordo com as Escrituras, o signifi-
cado mais profundo da vida é a comunhão com Deus, o significado mais profundo
da morte tem de ser a separação de Deus”, conclui Hoekema (1989, p. 108)626.
3) A Morte Eterna: A interrupção eterna e definitiva da comunhão com Deus.
Os homens que morrem fisicamente, estando mortos espiritualmente, estão mortos

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eternamente para Deus, não tendo mais oportunidade de arrependimento (Hb 9.27).
Em síntese, o pecado lançou o homem em um estado de miséria espiritual contra
o qual ele nada pode fazer (Mt 19.25,26; Gl 2.16; Ef 2.9). Isso torna todos os homens
dependentes única e exclusivamente da salvação de Deus manifestada em Cristo.

Depravação total
O homem após a Queda prolifera o pecado, gerando filhos à sua imagem caída:
“Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme
a sua imagem, e lhe chamou Sete” (Gn 5.3). E assim se sucedeu com os filhos de
seus filhos, até à nossa geração (Gn 8.21; Sl 50.5; 58.3).
Calvino comenta com maestria:
Ao dizer que Sete gerou um filho conforme sua própria imagem, em
parte a referência é à primeira origem de nossa natureza; ao mesmo
tempo deve-se notar sua corrupção e poluição, as quais, sendo con-
traídas por Adão, por sua queda, inundou toda sua posteridade. Se
permanecesse íntegro, teria transmitido a todos os seus filhos o que
havia recebido; agora, porém, lemos que Sete, bem como os demais, foi
maculado, porque Adão, que decaíra de seu estado original, a ninguém
podia gerar senão seres semelhantes a ele próprio (CALVIN, 1981, p.
228-229).

624 “.... as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o
seu rosto de vós, para que vos não ouça” (Is 59.2). “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos
e pecados (...) E estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça
sois salvos” (Ef 2.1,5). “E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão
da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos” (Cl 2.13). “Porque
pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que
ninguém se glorie” (Ef 2.8-9).
625 Consultar referência da nota.
626 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
227

O pecado, portanto, atingiu a toda a humanidade e corrompeu o homem inteiro:


o intelecto, a vontade e a faculdade moral de toda a raça humana. Por isso, o
homem está morto espiritualmente, sendo escravo do pecado (Gn 6.5; 8.21; Is
59.2; Jo 8.34,43,44 Rm 3.9-12,23; Ef 2.1,5; Cl 1.13; 2.13). Nada pode fazer – e na
realidade nem sequer deseja – para retornar à comunhão perdida. Como disse
o Senhor Jesus Cristo: “Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete
pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34) (Veja: Is 64.6; Rm 6.6). Agora, “O homem
peca com o consentimento de uma vontade pronta e disposta”627. A depravação
total é justamente isto: a contaminação de todas as nossas faculdades pelo pecado.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Perdemos totalmente a nossa capacidade de percepção espiritual. As cousas de


Deus soam como loucura (1Co 1.18-21; 2.6-8; 12-16). A nossa lógica tão hábil
para desvendar os mistérios do saber e desmantelar sofismas se mostra totalmente
inadequada e incapaz para perceber a realidade da Palavra que nos fala de Deus
e do que somos. O homem pelo seu próprio conhecimento não pode conhecer
a Deus. É por isso que a loucura de Deus, que tanto humilha o homem em sua
tentativa de autossuficiência, é o caminho estabelecido por Deus para conhe-
cê-Lo salvadoramente (1Co 1.21). “O intelecto do homem está de fato cegado,
envolto em infinitos erros e sempre contrário à sabedoria de Deus; a vontade,
má e cheia de afeições corruptas, odeia a justiça de Deus; e a força física, inca-
paz de boas obras, tende furiosamente à iniquidade”628.
Ainda que o homem não seja absolutamente mau − não é tão mau quanto
poderia −, é extensivamente mau, todo o seu ser está contaminado pelo pecado629.
O pecado nos domina completamente. Na linguagem do profeta Isaías, “toda a
cabeça está doente e todo o coração enfermo. Desde a planta do pé até à cabeça
não há nele cousa sã, são feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras
não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo” (Is 1.5-6). “Não teremos

627 Consultar referência da nota.


628 Consultar referência da nota. Consulte também: LLOYD-JONES, D. M. O supremo propósito de
Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 338.
“Admito plenamente que o homem tenha ainda grandes e nobres faculdades, e que demonstre imensa
capacidade nas artes, ciências e literatura. Porém, permanece o fato que nas coisas espirituais o homem
está totalmente ‘morto’, destituído de qualquer conhecimento, amor ou temor a Deus. As excelências do
homem estão de tal modo entremeadas e mescladas com a corrupção que o contraste somente põe em
destaque a verdade e a extensão da queda” (RYLE, 1987, p. 24).
629 “Lembremos, não à natureza em si, em sua condição original, para que não lhe lancemos a acusação
contra o próprio Deus, autor dessa natureza” (CALVINO).

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

uma ideia adequada do domínio do pecado, a menos que nos convençamos dele
como algo que se estende a cada parte da alma, e reconheçamos que tanto a
mente quanto o coração humano se têm tornado completamente corrompidos”
(CALVINO, 1981, p. 431). Calvino, interpretando Rm 8.7, diz:
...nada, senão a morte, procede dos labores de nossa carne, visto que os
mesmos são hostis à vontade de Deus. Ora, a vontade de Deus é a nor-
ma da justiça. Segue-se que tudo quanto seja contrário a ela é injusto; e
se é injusto, também traz, ao mesmo tempo, a morte. Contemplamos a
vida em vão, caso Deus nos seja contrário e hostil, pois a morte, que é
a vingança da ira divina, deve necessariamente seguir de imediato a ira

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
divina (CALVINO, 1981, p. 266-267).

J. Exposição de Romanos (Rm 8.7), p. 266-267).

O homem foi criado essencialmente como ser social630. O pecado alienou-nos de


Deus e de nosso semelhante631. Assim, o pecado, de certa forma, desumanizou-
-nos. A Queda trouxe consequências desastrosas à imagem de Deus refletida no
homem. Após a queda, mesmo o homem não regenerado, continua sendo ima-
gem e semelhança de Deus (aspecto metafísico)632: apesar de o pecado ter sido
devastador, Deus não apagou a sua “imagem”, ainda que a tenha corrompida633,
alienando-o de Deus. O pecado trouxe como implicação a perda do aspecto
ético da imagem de Deus634.

630 “O homem foi formado para ser um animal social” (CALVIN, 1981, p. 128). Em outro lugar: “O
homem é um animal social de natureza, consequentemente, propende por instinto natural a promover e
conservar esta sociedade e, por isso, observamos que existem na mente de todos os homens, impressões
universais não só de uma certa probidade, como também de uma ordem civil” (CALVINO).
631 “Pelo pecado estamos alienados de Deus” (CALVINO, p. 32). “Tão logo Adão alienou-se de Deus
em consequência de seu pecado, foi ele imediatamente despojado de todas as coisas boas que recebera”
(CALVINO, 1997, p. 57). “Como a vida espiritual de Adão era o permanecer unido e ligado a seu Criador,
assim também o dEle alienar-se foi-lhe a morte da alma” (CALVINO).
632 Podemos também chamar de aspecto “lato”, “estrutural” ou “formal”. Para uma visão panorâmica do uso
desses termos, consultar referência da nota.
633 Consultar referência da nota.
634 Podemos também chamar de aspecto “estrito”, “funcional” ou “material”. Para uma visão panorâmica do
uso desses termos, consultar: HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1999, p. 84-88,101. “Ele é a criatura que, inicialmente, foi criada à imagem e semelhança de Deus,
e essa origem divina e essa marca divina nenhum erro pode destruir. Contudo, ele perdeu, por causa do
pecado, os gloriosos atributos de conhecimento, justiça e santidade que estavam contidos na imagem de
Deus. Todavia, esses atributos ainda estão presentes em ‘pequenas reservas’ remanescentes da sua criação;
essas reservas são suficientes não somente para torná-lo culpado, mas também para dar testemunho
de sua primeira grandeza e lembrá-lo continuamente de seu chamado divino e de seu destino celestial”
(BAVINCK, 2001, p. 17-18).

A SOBERANIA DE DEUS
229

A nossa vontade, como agente de nosso intelecto635, agora é oposta à vontade de


Deus. O propósito divino de santidade para nós foi contraposto pelo desejo peca-
minoso do homem de seguir seu próprio caminho à revelia de Deus e de Seus
mandamentos. “Observemos aqui que a vontade humana é em todos os aspectos
oposta à vontade divina, pois assim como há uma grande diferença entre nós e
Deus, também deve haver entre a depravação e a retidão”636. A imagem que agora
refletimos estampa mais propriamente o caráter de Satanás637. O homem está eti-
camente sob o seu domínio638. Calvino é enfático sobre a depravação humana:
Portanto, que os homens reconheçam que, conquanto são nascidos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Adão, são criaturas depravadas, e por isso só podem conceber pensa-


mentos pecaminosos, até que se tornem nova feitura de Cristo, e sejam
formados por seu Espírito para uma nova vida. E não se deve nutrir
dúvida de que o Senhor declara que a própria mente do homem é de-
pravada e totalmente infectada com pecado; de modo que todos os
pensamentos que procedem daí são maus. Se tal é o defeito na própria
fonte, segue-se que todos os afetos humanos são maus e suas obras co-
bertas com a mesma poluição, visto que, necessariamente, têm laivos
de seu original. Porquanto Deus não diz meramente que os homens às
vezes pensam mal; mas a linguagem é sem fronteira, circunscrevendo
a árvore com seus frutos. (...) Pois visto que sua mente seja corrompida
com descaso de Deus, com orgulho, amor próprio, ambição, hipocri-
sia e fraude, ela não pode proceder de outra forma, senão que todos
os seus pensamentos se acham contaminados com os mesmos vícios.
Além disso, não podem tender para um fim correto; donde sucede de-
vam ser julgados como sendo o que realmente são: pervertidos e per-
versos. Pois tudo quanto há em tais homens, que nos deleita sob o ma-
tiz de virtude, é como o vinho deteriorado pelo odor do tonel. Porque
(como já se disse) as próprias afeições da natureza, que em si mesmas

635 Consultar referência da nota. Agostinho (354-430), comentando o Salmo 148, faz uma analogia
muito interessante: “Como nossos ouvidos captam nossas palavras, os ouvidos de Deus captam nossos
pensamentos. Não é possível agir mal quem tem bons pensamentos. Pois as ações procedem do
pensamento. Ninguém pode fazer alguma coisa, ou mover os membros para fazer algo, se primeiro não
preceder uma ordem de seu pensamento, como do interior do palácio, qualquer coisa que o imperador
ordenar, emana para todo o império romano; tudo o que se realiza através das províncias. Quanto
movimento se faz somente a uma ordem do imperador, sentado lá dentro? Ao falar, ele move somente
os lábios; mas move-se toda a província, ao se executar o que ele fala. Assim também em cada homem, o
imperador acha-se no seu íntimo, senta-se em seu coração; se é bem e ordena coisas boas, elas se fazem; se
é mau, e ordena o mal, o mal se faz” (SANTO AGOSTINHO, 1998, p. 1126-1127).
636 Consultar referência.
637 “Moral e espiritualmente, o caráter do homem estampa a imagem de Satanás, e não a de Deus. Ora, é
precisamente isso o que a Bíblia quer dizer quando fala sobre o homem caído no pecado como ‘filho do
diabo’ (Jo 8.44; Mt 13.38; At 13.10 e 1Jo 3.8)” (PACKER, 1994, p. 67).
638 Consultar referência.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

são louváveis, contudo estão viciadas pelo pecado original, e, em razão


de sua irregularidade, têm se degenerado de sua natureza peculiar; tal é
o amor mútuo de pessoas casadas, o amor de pais para com seus filhos,
e daí por diante. E a cláusula adicionada, ‘desde sua mocidade’, declara
mais plenamente que os homens já nascem maus; a fim de mostrar que,
tão logo atingem a idade em que começam a formar pensamentos, já
revelam a corrupção radical da mente. (...) Devemos, pois, aquiescer ao
juízo de Deus, o qual pronuncia o homem como estando tão escravi-
zado pelo pecado, que não pode produzir nada são e sincero. Todavia,
ao mesmo tempo devemos recordar que não se deve lançar nenhuma
culpa sobre Deus por aquilo que tem sua origem na defecção do pri-
meiro homem, pela qual a ordem da criação foi subvertida. E, além

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do mais, deve-se notar que os homens não são isentados de culpa e
condenação mediante o pretexto desta servidão; porque, embora todos
se apressem para o mal, contudo não são impelidos por qualquer força
extrínseca, e sim pela inclinação direta de seus próprios corações; e,
por fim, pecam não de outro modo, senão voluntariamente (CALVIN,
1981, p. 284-286).

Por intermédio de Isaías, Deus faz uma analogia extremamente forte para ilus-
trar a nossa situação. Ele toma dois animais difíceis de trato: o boi e o jumento.
Mostra que a obtusidade, a teimosia e a dificuldade de condução desses animais
dão-se pela sua própria natureza; no entanto assim mesmo eles sabem reconhe-
cer os seus donos, aqueles que lhes alimentam. O homem, por sua vez, como
coroa da criação639, cedendo ao pecado, perdeu totalmente o seu discernimento
espiritual. Já não reconhecemos nem mesmo o nosso Criador, antes lhe volta-
mos as costas e prosseguimos em outra direção:640
O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedou-
ra; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende. Ai des-
ta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de malignos,
filhos corruptores; abandonaram o SENHOR, blasfemaram do Santo
de Israel, voltaram para trás (Is 1.3-4).

Com o pecado, o homem tornou-se positivamente mau (Gn 6.5; 8.21; Mt 7.11)
e incapaz de:

639 “Não é arrogância humana acreditar que seja a coroa, o alvo da criação. Ela o é, não apenas porque seja
a última numa série ascendente, mas porque, pela sua natureza, foi estabelecida para isso” (BRUNNER,
2006, p. 99).
640 Lloyd-Jones explora com vivacidade a analogia do texto. Veja: LLOYD-JONES, D. M. O Caminho de
Deus, não o nosso. p. 43-46.

A SOBERANIA DE DEUS
231

a) Fazer o Bem: O homem é mau, por isso não pode produzir bons frutos
(Jó 14.4; Jr 13.23; Mt 7.17-18; Jo 15.4-5; Rm 3.9-18). Diante do escrutínio
perfeito de Deus, os atos de “bondade” praticados pelo homem natural são
frutos da Graça Comum de Deus, a qual atua sobre todos indistintamente.
b) Entender o Bem: Se Deus não iluminar o homem natural, ele jamais com-
preenderá a mensagem salvadora do Evangelho: nós um dia fomos salvos,
porque Deus abriu os nossos olhos para a Sua Palavra (Jo 1.11; 8.43-44; At
16.14; 1Co 2.14; Sl 119.18; 1Jo 4.5-6). O conhecimento que Adão e Eva pas-
saram a ter após o pecado foi virtualmente diferente (Gn 2.25; 3.7), nada
havia ali de um “conhecimento salvador”.
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Calvino (1981, p. 134-135) resume:


No tocante ao reino de Deus e a tudo quanto se acha relacionado à vida
espiritual, a luz da razão humana difere pouquíssimo das trevas; pois,
antes de ser-lhe mostrado o caminho, ela é extinta; e sua perspicácia
não é mais digna que a cegueira, pois quando vai em busca do resulta-
do, ele não existe. Pois os princípios verdadeiros são como as centelhas;
essas, porém, são apagadas pela depravação da natureza antes que se-
jam postas em seu verdadeiro uso641.

c) Desejar o Bem: O homem natural, além de não fazer e não entender o bem,
nem sequer o deseja. A sua vontade está sob o domínio tirânico do pecado e, por
isso, quando o homem deseja a Cristo sinceramente, já indica a ação primeira
de Deus: a iniciativa é sempre de Deus (Mt 7.18; Jo 3.3; 5.40; Jo 6.44,65; 8.43;
15.4-5). A. A. Hodge (1823-1886) diz: “Sua essência está na inabilidade da alma
de conhecer, escolher e amar o que é bom espiritualmente, e seu fundamento
está nessa corrupção moral da alma que a torna cega, insensível e totalmente
adversa para tudo quanto é bom espiritualmente”. (HODGE, 1895, p. 315)

Dessa forma, todas as escolhas “livres” do homem natural estão na realidade a


serviço do pecado642, como escreveu Seaton: “Somos como Lázaro em seu túmulo,
mãos e pés amarrados; fomos tomados pela corrupção. Assim como não havia
qualquer lampejo de vida no corpo morto de Lázaro, assim também não há ‘cen-
telha interna receptiva’ em nossos corações”643.

641 Consultar referência da nota.


642 Consultar referência da nota.
643 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano de Deus na Criação


IV

No entanto parece-nos pertinente a constatação de Calvino:


Deus, ao criar o homem, deu uma demonstração de sua graça infinita
e mais que amor paternal para com ele, o que deve oportunamente ex-
tasiar-nos com real espanto; e embora, mediante a queda do homem,
essa feliz condição tenha ficado quase que totalmente em ruína, não
obstante ainda há nele alguns vestígios da liberalidade divina então de-
monstrada para com ele, o que é suficiente para encher-nos de pasmo
(CALVINO, 1981, p. 173-174).

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O PODER SOBERANO E GRACIOSO DE DEUS NA
SALVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE SEU POVO

A benevolência divina se estende a todos os homens. E se não há um


sequer sem a experiência de participar da benevolência divina, quanto
mais aquela benevolência que os piedosos experimentarão e que espe-
ram nela! (CALVINO, 1998, p. 120-121).

Satanás, também, vive sempre pronto a engendrar todo gênero de calú-


nia com o fim de lançar ao descrédito a doutrina da graça (CALVINO,
1997, p. 201).

A razão porque a graça é tão pouco apreciada nos nossos dias é porque
a majestade transcendente e a soberania e a santidade de Deus são tão
pouco estimadas. Nós enxergamos pouco mais do que meio palmo en-
tre Deus e o nosso ego pecaminoso (MARTIN, 2001, p. 17).

Autonomia: A Liberdade de Deus na manifestação de Sua graça


Como vimos, a liberdade é um dos atributos da soberania. Deus é soberano e, por
isso mesmo, é livre na manifestação da Sua graça. Aliás, esse conceito é fundamen-
tal à ideia bíblica de graça, pois se a graça não fosse livre, não seria graça; graça que
é obrigatória não é graça, é obrigação. Deus tem misericórdia de quem Lhe aprouve
(Ex 33.19). “A graça é absolutamente livre de toda a nossa influência, ou então não

A SOBERANIA DE DEUS
233

é graça de modo algum”644. Deus nos olha com graça porque assim O decidiu; o
homem não pode exercer nenhuma influência sobre isso, todavia Deus é gracioso
para com o homem porque determinou em Si mesmo considerar a necessidade
do Seu povo, manifestando essa Sua santa perfeição. Aqui, o homem é totalmente
passivo. Como morto, está inerte, inerme e em estado de putrefação espiritual645.
Packer corretamente declarou:
A graça é livre, no sentido de ser auto-originada e de proceder de Al-
guém que podia ou não conceder graça. Somente quando se percebe
que o que decide o destino do homem é o fato de Deus resolver ou não
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

salvá-lo de seus pecados – sendo esta uma decisão que Ele não é obri-
gado a tomar em nenhum caso – é que se começa a apreender a ideia
bíblica da graça (PACKER, 1980, p. 119).

Se Deus, soberana e livremente, estabelecesse a Lei como sendo o caminho da


graça - embora saibamos que a doação da Lei é por si só uma manifestação da
graça divina -, a graça continuaria sendo graça, todavia não haveria salvação
para o homem, já que o padrão de Deus é a perfeição.
A graça reina livremente, justamente por ser soberana!
“A fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a
graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm
5.21). “Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim
de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna”
(Hb 4.16). Veja também: 1Rs 8.23; Is 55.3; Jr 9.24; Rm 3.24; 9.15-18.

Paralelas: A Graça que se manifesta em Obra


Somente quando a soberania e a graça de Deus são mantidas em equi-
líbrio adequado, a teologia reformada é fiel ao ensino da Escritura e aos
seus melhores instintos (MCGOWAN apud LOGAN JR., 2015, p. 247).

Jesus Cristo é a personificação da graça, Ele encarna a graça e a verdade.


Nele encontramos o fundamento do que é verdadeiro: Ele é a verdade eterna
que valida o que é, desmistificando os nossos padrões equivocados e, por isso
mesmo, transitórios de verdade e, também, cumpre as promessas de Deus em

644 Consultar referência da nota. Do mesmo modo, Parker: “Se a graça fosse uma obrigação da parte de
Deus, já não seria graça. Porém é em Sua divina liberdade que Deus nos mostra sua graça” (PARKER,
1985, p. 254b).
645 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano e Gracioso de Deus na Salvação e Restauração de seu Povo


IV

graça (Jo 1.17; 14.6). Ele é a causa, o conteúdo e a manifestação da graça de Deus;
falar de Cristo é falar da graça646.
Os profetas do Antigo Testamento falavam de uma salvação futura que ocorre-
ria pela graça (1Pe 1.10). Jesus Cristo, a graça de Deus encarnada, veio na plenitude
do tempo (Gl 4.4), na plenitude da graça (2Tm 1.9/Jo 1.16; 1Co 1.4; Ef 1.6,7; 2Tm
2.1). A autoentrega de Jesus pelos pecados dos pecadores eleitos foi um dom da
graça que fora profetizada (1Pe 1.10-11/Rm 5.15; Hb 2.9). A pobreza assumida
por Cristo revela a riqueza da Sua graça (2Co 8.9). Desse modo, Ele, somente Ele
nos dá acesso à graça (Hb 4.14-16), convidando-nos: “Vinde a mim” (Mt 11.28).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por isso, como vimos, Jesus Cristo se encarnou a fim de que Deus pudesse ser
justo e, ao mesmo tempo, o justificador daqueles que confiam em Jesus para salvação
(Rm 3.26). Ele assim se tornou para os que creem em justiça, santificação e reden-
ção (1Co 1.30). “O Cristianismo se distinguiu unindo justiça e amor na cruz”647.
Calvino resume bem a relação entre o Deus soberano e gracioso, revelado
de forma plena em Seu Filho, Jesus Cristo:
Visto que todo homem é indigno de se dirigir a Deus e de se apresentar
diante de Sua face, a fim de nos livrar da vergonha que sentimos ou que
deveríamos sentir, o Pai celeste nos deu Seu Filho, o nosso Senhor Jesus
Cristo, para ser o nosso Mediador e Advogado para com Ele, para que, por
meio dele, pudéssemos aproximar-nos livremente dele (1Tm 2.5; 1Jo 2.1;
Hb 8.6 e 9.15). Com isso nos certificamos de que, tendo tal Intercessor, o
qual não pode ser recusado pelo Pai, também nada nos será negado de tudo
o que pedirmos em Seu nome (Hb 4.14-16). Seguros também de que o tro-
no de Deus não é somente trono de majestade, mas também de Sua graça,
podendo nós comparecer perante ele com toda a confiança e ousadia, em
nome do Mediador e Intercessor, para rogar misericórdia e encontrar graça
e ajuda, em toda necessidade que tivermos (CALVINO, 2006, p. 101-102).

646 “A plenitude do ser de Deus é revelada nEle. Ele não apenas nos apresenta o Pai e nos revela Seu nome,
mas Ele nos mostra o Pai em Si mesmo e nos dá o Pai. Cristo é a expressão de Deus e a dádiva de Deus.
Ele é Deus revelado a Si mesmo e Deus compartilhado a Si mesmo, e portanto Ele é cheio de verdade e
também cheio de Graça” (BAVINCK, 2001, p. 25-26).
647 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
235

A graça de Deus não é barata648. Nós, muitas vezes, nos comportamos como
filhos que, amados e agraciados com presentes de seus pais, se esquecem de que
se aquilo que ganhamos foi “fácil”, “generoso”, sem mérito algum de nossa parte,
custou muitas vezes um alto preço para os pais: privação de adquirir outro bem
para si, filas, crediários, juros, economias etc. A graça de Deus tem um outro
lado que, com frequência, nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo.
É um erro lamentável julgar toda a verdade considerando apenas a parte que
nos compete do todo. A graça de Deus se evidencia nas obras da Trindade. O
Pacto da Graça, por meio do qual somos salvos, foi Pacto de Obras para Cristo649.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A nossa salvação é muito cara, custou o precioso sangue de Cristo (1Pe 1.18-
20/At 20.28; 1Co 6.20). Como bem expressou Calvino: “... Nós dizemos que [a
Redenção] é gratuita para nós, mas não para Cristo, a quem custou altíssimo
preço, uma vez que Ele pagou o resgate com o seu santo e precioso sangue, por-
que não existe nenhum outro preço que possa satisfazer à justiça de Deus”650.
Isso, longe de apontar para o suposto valor inerente de nossas almas, revela
o amor gracioso de Deus que confere valor a nós.
Deus não quebra a Sua justiça por amor; antes, cumpre a justiça em amor, a
graça reina pela justiça (Rm 5.21). O amor de Deus não desconsidera o pecado,
antes o penaliza em Cristo, o Amado (Ef 1.6-7), em Quem temos a plenitude da
graça do Deus Triúno. “De fato a graça reina, mas uma graça reinante à parte
da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível”651.
Abraham Booth (1734-1806), escrevendo sobre esse assunto, assim se
expressou:

648 Posteriormente, li MacArthur comentando a respeito da expressão “graça barata”. Consultar:


MACARTHUR, J. O Evangelho Segundo os Apóstolos. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 2011, p.
68-90). Dentro de uma perspectiva complementar, escreveu Bonhoeffer: “A graça barata é inimiga mortal
de nossa igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo,
perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da
Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo.
(...) A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo
de Deus. (...) A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina
de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é absolvição sem confissão pessoal.
A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado”
(BONHOEFFER, 1984, p. 9-10).
649 “Em última análise a justificação é por obras no sentido que somos justificados pelas obras de Cristo”
(SPROUL, 2009, p. 61).
650 Consultar referência da nota.
651 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano e Gracioso de Deus na Salvação e Restauração de seu Povo


IV

A graça de Deus está fundamentada na obediência perfeita e meritória


de Cristo (...) Ainda que este perdão seja gratuito para os pecadores,
nunca devemos nos esquecer de que Cristo pagou um alto preço por
ele. Perdão para a menor das nossas ofensas só se tornou possível por-
que Cristo cumpriu as mais aflitivas condições – Sua encarnação, Sua
perfeita obediência à lei divina e Sua morte na cruz. O perdão que é
absolutamente gratuito ao pecador teve um alto custo para o Salvador
(BOOTH, A. Somente pela Graça. 1986, p. 31).

“A graça de Deus vem a nós não porque Deus revela o fato da Sua lei ser quebrada
por nós, mas porque a Sua lei foi plenamente satisfeita pelos atos de justiça que
Cristo fez a nosso favor (...) “Ele cumpriu perfeitamente a lei de Deus” (BOOTH,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A. Somente pela Graça. 1986, p. 56-57).

Causalidade amorosa: Graça e Paz


“Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo”
(Ef 1.2). Esta é uma saudação comum a Paulo em suas epístolas: “graça” (xá/rij) e
“paz” (ei)rh/nh). Sem dúvida, não há início melhor. Começamos sempre pela graça.
A paz com Deus só é possível pela graça. Aqui temos a essência do Cristianismo652.
É impossível haver paz sem a consciência de nossa restauração à comunhão com
Deus, removendo assim toda a culpa do pecado e o medo da punição divina653.
Watson (c. 1620-1686) exulta: “A paz pode suavizar todas as nossas aflições e
transformar nosso fel em vinho. Quão feliz é uma pessoa justificada que tem o
poder de Deus para guardá-la e a paz de Deus para confortá-la”654.
Mas o que significa graça? Graça pode ser definida como um favor imerecido,
manifestado livre e continuamente por Deus aos pecadores que se encontravam
em um estado de depravação e miséria espirituais, merecendo o justo castigo
pelos seus pecados655 (Rm 4.4/Rm 11.6; Ef 2.8,9).
Paulo destaca que a Graça é do Pai e do Senhor Jesus Cristo (Ef 1.2). O nosso
Deus é “O Deus de toda graça” (1 Pe 5.10). A graça é uma das gloriosas perfeições
da Santíssima Trindade: Perfeição do Pai (Cl 1.2); Perfeição do Filho (Rm 16.20;

652 Lutero, comentando Gl 1.3, escreveu: “Esses dois vocábulos, graça e paz, abraçam o cristianismo
universal. A graça perdoa o pecado, a paz tranquiliza a consciência” (LUTERO, p. 48).
653 Consultar referência da nota.
654 Consultar referência da nota.
655 Consultar outras definições na referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
237

Fm 25; Ap 22.21)656, Perfeição do Espírito Santo (Hb 10.29). A graça origina-se


em Deus mesmo, tornando-se a fonte de todas as Suas bênçãos. Deus é gracioso
em Si mesmo, independentemente de Sua relação conosco; o que Deus mani-
festa em Sua relação com o Seu povo é a expressão exata daquilo que Ele é em
Si mesmo: A graça faz parte da essência de Deus. Baudraz está correto, quando
diz: “A graça divina não se separa de Deus, mas é uma relação pessoal que Deus
estabelece entre si mesmo e os homens: Ele os encara com favor e com bonda-
de”657. Veja também: Êx 34.6; Nm 14.18-19; 2Sm 7.15; Sl 31.16; 33.22; 42.8)658. “A
doçura da graça” de Deus é a tônica da Sua relação com o Seu povo659. Tudo que
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temos, somos e seremos é pela graça (1Co 15.10). A riqueza da graça de Deus
se manifesta de modo superabundante em nós (2Co 9.14; Ef 1.7; 2.7); todavia
ela não foi revelada em toda a sua plenitude; por isso, aguardamos o regresso
triunfante de Jesus Cristo, quando Ele mesmo revelará a graça de forma mais
completa (1Pe 1.13), concluindo a nossa salvação (Fp 1.6/1Pe 1.3-5).
Tornando ao texto de Efésios, podemos observar que Paulo toma essas duas
palavras – Graça (= saúde), que era a saudação dos gregos, e Paz, saudação dos
judeus –, conferindo um sentido teológico: a paz é resultado da graça de Deus.
Notemos que nas saudações de Paulo, ele nunca inverte esta ordem: a paz com
Deus é resultado de Sua própria graça. Devemos observar, contudo que a paz
aqui, deve ser entendida como o equivalente hebraico, {Olf$ (shãlôm), “prosperi-
dade espiritual”660. A paz como resultado da graça pressupõe um estado anterior
de inimizade. Conforme vimos, o pecado nos colocou num estado de inimi-
zade, hostilidade e ódio para com Deus: estávamos separados de Deus (Is 59.2).
O homem encontrava-se em um estado de rebelião contra Deus (Is 65.2).
A graça de Deus concretiza-se em Cristo, por meio de Seu sacrifício vicário.

656 Em 2Ts 1.2, a palavra “Graça” é associada a Deus e a Jesus Cristo.


657 Consultar referência da nota.
658 Em todos esses textos, a palavra hebraica usada é iHeisedh.
659 Packer diz que “graça” é “a palavra-chave do cristianismo” (PACKER, 1994, p. 85).
660 Shãlôm, que ocorre certa de 250 vezes no Antigo Testamento, tem o sentido de: “inteireza, integridade,
harmonia e realização”. Na forma de saudação, podemos observar que, desejar shãlôm é o mesmo que
abençoar (2Sm 15.27); retê-lo, equivale a amaldiçoar (1Rs 2.6). “Shalõm realmente significa tudo quando
contribui para o bem do homem, tudo que faz com que a vida seja verdadeiramente vida” (BARCLAY,
1985, p. 82-83). No entanto o principal sentido da palavra está relacionado à atividade de Deus na aliança
da graça: “Em quase dois terços de suas ocorrências, shãlôm descreve o estado de plenitude e realização,
que é resultado da presença de Deus” (LLOYD apud HARRIS et al., 1998, p. 1573). A origem dessa paz
está em Deus mesmo.

O Poder Soberano e Gracioso de Deus na Salvação e Restauração de seu Povo


IV

Paulo diz que Ele é a nossa paz:


Em Cristo Jesus, vós [gentios], que antes estáveis longe, fostes aproxi-
mados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz (ei)rh/nh), o qual
de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que esta-
va no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos
na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um
novo homem, fazendo a paz (ei)rh/nh), e reconciliasse ambos em um só
corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimiza-
de. E, vindo, evangelizou paz (ei)rh/nh) a vós outros que estáveis longe
[gentios] e paz (ei)rh/nh) também aos que estavam perto [judeus]; por-
que, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2.13-18).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Veja também: Cl 1.20-22.
Paulo nos ensina que, em Cristo, passamos a ter paz com Deus e também
com o nosso próximo. Dentro do propósito imediato de Paulo, ele demonstra
que os gentios, distantes das promessas de Israel, e os judeus agora têm acesso
livre a Deus em Cristo, pelo mesmo e único Espírito.
Notemos que em tudo isso a iniciativa é de Deus. O Deus Triúno deseja a
paz e providencia os meios para isso. “Tudo provém de Deus, que nos reconci-
liou consigo mesmo por meio de Cristo (...). Deus estava em Cristo reconciliando
consigo o mundo...” (2Co 5.18,19). “A cruz trouxe a paz, embora não houvesse
paz na cruz. Foi uma cena caótica, mas a cruz proporcionou a justiça que, por
si só, traz a paz verdadeira”661.
Portanto, a graça que nos vem por Cristo Jesus propiciou de forma eficaz
a nossa reconciliação com Deus, conduzindo-nos à paz. Agora, reconciliados
com Deus, vivemos em paz, confiando inteiramente em Sua promessa. A paz da
reconciliação conduz-nos à paz interior e, em todas as nossas relações:662
Não há nenhuma paz genuína que seja desfrutada neste mundo senão
na atitude repousante nas promessas de Deus. Os que não lançam mão
delas podem ser bem-sucedidos por algum tempo em abafar ou expul-
sar os terrores da consciência, mas sempre deixarão de desfrutar do
genuíno conforto íntimo663.

A graça de Deus sempre antecede a paz. Fomos reconciliados com Deus por Sua
graça. Somos, portanto, agraciados com a paz. “O primeiro e mais importante

661 Consultar referência da nota.


662 Consultar referência da nota.
663 Consultar referência da nota.

A SOBERANIA DE DEUS
239

aspecto desta paz com Deus não é a paz do nosso coração, mas o fato de que
Deus está em paz conosco”664.

Dulcíssimo e eterno fruto: A Graça e a Salvação


A graça é o começo da nossa fé; a paz é o fim da nossa fé. A graça é o
manancial, a fonte, a origem. É aquele local particular da montanha do
qual o caudaloso rio que vocês veem rolando para o mar começa a sua
carreira; sem ela não haveria nada. A graça é a origem, a procedência
e a fonte de tudo o que há na vida cristã (LLOYD-JONES, 1996, p. 35).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ao invés de ser um obstáculo para a evangelização, as doutrinas da


graça constituem uma explosiva motivação para o testemunho cristão
de Jesus Cristo (LAWSON, 2012, p. 666).

Calvino diz que a graça é um antídoto contra a corrupção de nossa natureza665.


Em outro lugar: “O acesso à salvação a ninguém é vetado, por mais graves e ultra-
jantes sejam seus pecados”666. A nossa salvação é decorrente do Pacto da Graça,
por meio do qual Deus confiou o Seu povo ao Seu Filho para que Este viesse
entregar a Sua vida por ele. Cristo deu a Sua vida em favor de todos aqueles que
o Pai Lhe confiara na eternidade667 (Is 42.6/2Tm 1.9; Jo 6.39; 17.1,6-26). Assim,
todos os homens – judeus e gentios – tanto no Antigo como no Novo Testamento,
foram salvos pela graça. Assim declara o Apóstolo Pedro: “Mas cremos que fomos
salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram” (At 15.11).
Mérito e graça são conceitos que se excluem: “E, se é pela graça, já não é
pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). “A graça divina e o
mérito das obras humanas são tão opostos entre si que, se estabelecermos um,
destruiremos o outro”, conclui Calvino668. Portanto, continua: “Que se evapore,
pois, o sonho daqueles que imaginam uma justiça mesclada de fé e abras”669.
De fato, a graça tem sempre como pressuposto a indignidade daquele que a
recebe670. A graça brilha nas trevas do pecado; dessa forma, a ideia de mereci-
mento está totalmente excluída da salvação por graça (Ef 2.8,9; 2Tm 1.9). Não

664 Consultar referência da nota.


665 Consultar referência da nota.
666 Consultar referência da nota.
667 Consultar referência da nota.
668 Consultar referência da nota.
669 Consultar referência da nota.
670 Consultar referência da nota.

O Poder Soberano e Gracioso de Deus na Salvação e Restauração de seu Povo


IV

há mérito humano na fé. É justamente aqui onde há um certo incômodo para o


ser humano. Apreciamos a graça, contudo ela vai de encontro ao nosso orgulho
e convencimento de merecimento. A salvação é pela graça. Essa realidade reco-
nhece, portanto, a glória como sendo de Deus, não do homem671.
Lá no fundo estamos convencidos de que merecemos, nem que seja a graça
gratuita! Barth coloca essa questão de forma elucidativa:
Nós não amamos viver pela graça; há sempre em nós alguma coisa que
se insurge violentamente contra a graça. Nós não amamos receber a
graça, nós amaríamos, no máximo, atribuí-la a nós mesmos. A vida

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
humana é feita desse vai-e-vem entre o orgulho e o desespero, que ape-
nas a fé pode eliminar. Se contar consigo mesmo, o homem não pode
chegar a ela, uma vez que não podemos, nós mesmos, nos libertar do
orgulho e da angústia. Se formos libertos é graças a uma ação que não
depende de nós (BARTH, 2006, p. 23).

A Palavra de Deus nos ensina que a nossa salvação é por Deus porque é Ele Quem
faz tudo672, por isso, o homem não pode criar a graça, antes, ela lhe é outorgada,
devendo ser recebida sem torná-la vã em sua vida (2Co 6.1; 8.1-3/1Co 15.10).
Uma manifestação mais intensa da graça de Deus para conosco equivale um
maior peso de culpa sobre nós, se porventura viermos a desprezá-la.
A graça de Deus abre o nosso coração, fazendo-nos ver a necessidade da sal-
vação, passando a desejá-la ardentemente desde então673, a graça de Deus promove
a paz em nosso coração por intermédio da nossa reconciliação com Deus (Rm
5.1; 2 Co 5.18-21/Rm 1.7; 1Co 1.3; 2Co 1.2). Em paz com Deus, somos agencia-
dores dessa paz por meio da proclamação do Evangelho (Sl 34.14; Mt 5.9; Rm
12.18; 2Co 13.11; Hb 12.14/2Co 5.20) e, também, por meio de nossa conduta.
Agora vivemos na esfera do Reino da graça, estando sob a graça, em um estado
de graça, em uma nova posição em Cristo (Rm 5.2; 6.14; Ef 1.20; 2.6; Cl 1.13).
O Novo Testamento ensina claramente que a nossa salvação é resultado da graça
de Deus. Além dessa declaração abrangente, podemos encontrar ainda nas pági-
nas do Novo Testamento a relação de vários elementos da “ordem da salvação”.

671 Consultar referência da nota.


672 Consultar referência da nota.
673 “A graça de Deus não só salva o homem: também mostra ao homem sua necessidade de ser salvo e
introduz em seu coração o desejo de salvação” (BARCLAY, 1978, p. 164).

A SOBERANIA DE DEUS
241

A História de um Hino: Maravilhosa Graça


Amazing Grace  é, sem dúvida, um dos grandes hinos cristãos. Seu autor,
o pastor inglês, em Olney, na Inglaterra (1764 a 1780), um ex-traficante de
escravos. John Newton (1725-1807), que na época era “traficante de escra-
vos”, estava viajando pelo mar, quando seu navio foi fortemente atacado por
uma tempestade. O marinheiro que guiava a embarcação foi jogado ao mar,
por isso ele próprio precisou guiar o navio. Mais tarde, ele comentou que na-
quele momento se sentiu tão frágil e desamparado que concluiu: “Somente
a graça de Deus poderia ter me salvado”. Logo depois desse acontecimento,
resolveu abandonar o Tráfico de escravos e tornou-se cristão! John Newton
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

faleceu com a idade de 82 anos, em 21 de dezembro de 1807. Ele resumiu


sua vida e escreveu seu próprio epitáfio, que diz em parte:
John Clerk Newton, 
Uma vez um infiel e libertino,
Um servo de escravos na África,
Foi pela misericórdia de nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo
Preservado, restaurado, perdoado,
E nomeado para pregar a fé que ele
Tinha se esforçado muito para destruir.
Provavelmente escreveu  Amazing Grace  entre 1760 e 1770. Baseado em
I-Crônicas 17:16-17, passagem em que o rei Davi rememora a misericórdia
de Deus para com um homem tão insignificante e pecador como ele. Foi
escrita para ilustrar um sermão no dia de ano novo de 1773 e fez parte dos
“Hinos Olney”, hinário de músicas compostas por John Newton e seu amigo,
o poeta William Cowper. A melodia talvez seja de uma música entoada pelos
negros escravos que viajavam nos navios ingleses.
Nos Estados Unidos, Amazing Grace foi amplamente utilizada durante o Se-
gundo Grande Despertar no início do século 19. Tem sido associada com
mais de 20 melodias. Jonathan Aitken, um biógrafo de Newton, estima que
o hino seja tocado cerca de 10 milhões de vezes por ano. Sua mensagem
universal tem sido um fator significativo em sua passagem na música secu-
lar. Amazing Grace ressurgiu em popularidade nos EUA durante a década de
1960 e foi registrada milhares de vezes durante e desde o século 20, às vezes
aparecendo nas paradas de música popular.
Fonte: Edwards (2001, p.61)

Considerações Finais
IV

“A liberdade humana não se torna impossível por causa da onipotência divi-


na, mas existe em virtude dela”.
Fonte: Strong (2003, p. 429).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Determinadas doutrinas bíblicas tornam-se bastante conhecidas em nosso meio.
Elas passam a identificar determinado grupo ou denominação. Tornam-se emble-
máticas. O ideal é que essa doutrina distintiva passe a ser crida não simplesmente
como uma premissa teológica, mas como uma realidade extraída das Escrituras,
crida e vivenciada pelo povo de Deus.
Como vimos, o conceito teológico da soberania de Deus é livre na manifesta-
ção da Sua graça. Aliás, esse conceito é fundamental à ideia bíblica de graça, pois
se a graça não fosse livre, não seria graça; graça que é obrigatória não é graça, é
obrigação. Aprofundamos o conhecimento a respeito da Graça e da depravação
total do homem como consequência do pecado, o qual comprometeu de forma
gravíssima todas as faculdades originais do ser humano, estabelecendo um enten-
dimento sobre Imagem e Semelhança, Pecado e Depravação total.
Finalizamos esta unidade resumindo a ideia sobre a soberania de Deus e a
sua relação com a liberdade humana. Ainda descrevemos que a nossa salvação
é decorrente do Pacto da Graça, por meio do qual Deus confiou o Seu povo ao
Seu Filho para que Este viesse entregar a Sua vida por Ele. Cristo deu a Sua vida
em favor de todos aqueles que o Pai Lhe confiara na eternidade.

A SOBERANIA DE DEUS
243

1. Sabemos que o poder de Deus é soberanamente livre e que Ele não tem prima-
riamente compromissos com terceiros. Em outras palavras: Deus é soberano em
Si mesmo, a onipotência faz parte da sua essência. Por isso mesmo, para Ele não
há impossíveis. Apesar de qualquer oposição, Ele executa o Seu plano. Reflita e
explique qual a finalidade da oração de súplica.
Liberdade e graça no pensamento de Agostinho
Agostinho sempre insistiu na ideia de que de um mal pode surgir um bem. Parece que seu
debate com Pelágio acerca do poder do livre arbítrio foi um desses males, que lhe garantiu
projeção, que se iniciou em sua pequena Tagaste e se espalhou pelo mundo inteiro até os
dias de hoje. A polêmica iniciou-se quando, após ler algumas obras de Pelágio, Agostinho
aproveitou a festa de São João Batista, realizada em Cartago, em junho de 413, para iniciar
suas críticas ao pensamento pelagiano. Os estudos de Agostinho enfatizando o livre-arbí-
trio humano, a boa e a má vontades, o desenvolvimento das virtudes foram aproveitados
por Pelágio e seu discípulo Celestio. De fato, em uma passagem da obra “O livre-arbítrio”,
Agostinho volta a dizer: “Porque os pecados, como já expusemos longamente, não devem
ser atribuídos senão à própria vontade. E não é para se buscar outra causa além dessa.”
Afirmações como essa foram utilizadas por Pelágio, que asseverava que todo ser humano
nasce livre do pecado original; o pecado de Adão e Eva era de responsabilidade exclusiva
deles; cada um responde por seus atos, sem herança pecaminosa. De acordo com seu pro-
ceder, cada um receberá recompensa ou castigo. Recompensa pela manifestação da boa
vontade; castigo, pelo exercício da má vontade. E a escolha da manifestação de vontade,
se boa ou má, reside no livre-arbítrio humano, o que torna cada pessoa responsável por
suas escolhas, de modo que cada um pode alcançar a salvação ou se entregar a perdição,
conforme lhe apraz. Como se nota, o ponto de contato entre o ensino de Agostinho e o de
Pelágio é o livre-arbítrio. Para Agostinho, entretanto, esta vontade já não se encontra tão
livre depois da queda, impossibilitando o ser humano de alcançar a justiça e a salvação por
si só. Assim, impossibilitado de agradar a Deus, o ser humano carece de uma força vinda
de Deus, que promova essa aproximação, de modo que, em que pese nossa vontade ser
sempre livre, somente será boa quando auxiliada pela graça de Deus, que transforma uma
vontade má em boa. Há, por assim dizer, uma crescente aproximação de Deus, que se
inicia no momento em que se deseja segui-lo. Então por que muitos querem guardar os
mandamentos divinos e não conseguem? Responde Agostinho que é porque ainda não
querem retamente. E é preciso reconhecer essa deficiência do querer, confessá-la a Deus
e rogar para que Ele conceda uma vontade boa. Quando essa vontade se manifesta, ainda
fraca e incapaz de nos levar a cumprir os mandamentos, é necessário que lhe peçamos
mais graça, porque somente com sua cooperação essa vontade se torna forte e decidi-
da a ponto de nos possibilitar uma vida. Discorda Pelágio, para quem o ser humano é o
único responsável pelo seu destino. Para isso Deus lhe deu o livre-arbítrio e o dotou de
inteligência racional, de modo que tenha condições de ponderar acerca do bem e do mal
e optar por qual caminho seguirá. A pessoa deve labutar todos os dias, esmerando-se por
negar o mal e praticar o bem, ou seja, Pelágio entende que por seu esforço pessoal, qual-
quer um pode sim viver isento de pecado, tanto que o Antigo Testamento silencia acerca
dos pecados de algumas pessoas, dando a entender que não pecaram. Agostinho não
descarta a possibilidade de alguém viver sem pecar, apenas entende que isso somente
seria factível depois que essa pessoa fosse justificada mediante a graça de Deus, acres-
centando que, exceto Jesus Cristo, nunca houve, não há e provavelmente nunca haverá
quem viva neste mundo sem pecar. Pelágio insiste que não nega a graça de Deus, mas
que a compreende de um outro modo. Para ele, a graça é reconhecida em nosso livre-ar-
245

bítrio, na lei e na doutrina, e nos é acrescentada na medida em que nos esforçamos para
agradar a Deus. Mas essa concepção, segundo Agostinho, tira da graça o seu mérito, por
transformá-la em retribuição feita por Deus ao esforço humano e, desse modo, já não seria
graça, porquanto já não seria gratuita, mas pagamento. A argumentação de Agostinho em
relação à impossibilidade de o ser humano, por si só, conseguir praticar os mandamentos
reside em sua tese acerca da hereditariedade do pecado original. Por causa desse pecado,
a natureza humana ficou pervertida e sua vontade tendenciosamente má, de modo que,
sem o auxílio divino, por meio da graça, ninguém alcança a salvação. Sequer terá vonta-
de de não pecar, porque essa vontade eficaz, que o capacita a ser um cristão, é dada por
Deus, também mediante a graça. Portanto, sem a graça, a pessoa nem ao menos consegue
querer ser cristão, quanto mais conseguirá ser de fato cristão. Somente o batismo é capaz
de redimir a pessoa desse pecado. Por isso, todos os que morrem sem recebê-lo, morrem
sem salvação, incluso as crianças. Essa graça, uma vez concedida, capacita a pessoa a se
achegar a Deus. Pode-se afirmar então que ela está salva? Diz Agostinho que algumas sim,
outras, apenas aparentam estar salvas, porquanto não receberam de Deus o dom da per-
severança. Logo, a vontade de servir a Deus e o cumprimento dessa vontade, mediante a
prática do bem, a guarda dos mandamentos, provêm da graça de Deus, que a concede aos
batizados. Mas para que prossigam na graça até a morte, dependem de terem recebido o
dom da perseverança, que não é dado a todos, mas somente aos predestinados à salva-
ção, o que implicará na doutrina dos excluídos. Com isso, afirma Agostinho que também
a fé é um dom de Deus. Mas não é por que concedeu um dom que tem de conceder os
demais. O conhecimento da Lei não garante o recebimento do dom da fé, pois não basta
conhecer a vontade de Deus para ser justificado; é necessário querer amar essa vontade
e isso implica fé. Por isso nem todos os “cristãos” são salvos, porque nem todos receberam
essa fé salvífica, fé para amar os mandamentos de Deus e amar o próprio Deus. Por sua
presciência divina, Deus já sabia na eternidade os que o amariam e concedeu-lhes por
graça a fé. Essa fé é, portanto, obra da graça de Deus, que a concede aos que previu que
a abraçariam e os predestinou para a Sua salvação. Em síntese, ensina Agostinho que, em
sua presciência, predestinou Deus aqueles aos quais haveria de conceder sua graça afim
de que fossem salvos. Os demais estão eternamente condenados e, ainda que queiram
crer e, por algum tempo, trilhem os caminhos da Verdade, não permanecerão, ante a falta
do dom da perseverança, que não lhes foi concedido porquanto não estão predestinados
à salvação. Pelágio, por seu turno, ao negar o pecado original e insistir na responsabilida-
de individual pela escolha do bem ou do mal, mediante o uso racional do livre-arbítrio,
apregoava uma natureza humana apta a servir ao criador e de praticar o bem, ainda que
passível de pecar. Mas uma vez perdoado seu pecado, voltava a desfrutar daquela nature-
za provida de vontade eficaz para guiá-lo pelo caminho do bem ao encontro do Criador,
de modo que o batismo tem uma outra conotação e sua falta não priva ninguém, muito
menos os infantes, da glória de Deus. Quanto à perseverança, também é responsabilidade
de cada um, pois, se ao ser perdoado o ser humano volta a desfrutar da paz com Deus,
basta que se esforce até o fim de seus dias para manter uma vida de santidade.
Fonte: OLIVEIRA, M. Liberdade e graça no pensamento de Agostinho DISCERNINDO - Re-
vista Teológica Discente da Metodista 47, v. 2, n. 2, p. 35-52, jan./dez. 2014.
MATERIAL COMPLEMENTAR

A soberania de Deus e a responsabilidade do homem


Theo G. Donner
Editora: Hagnos
Sinopse: Na história da igreja cristã, o tema é causa de debates teológicos e de
importantes divisões eclesiásticas. As expressões ‘predestinação’ e ‘livre-arbítrio’,
para muitos, são indicadores de posições teológicas incompatíveis. Para outros,
até contraditórias.

Jornada pela liberdade


Em pleno século 18, William Wilbeforce (Ioan Gruffudd), membro parlamentar
do poderoso Império Britânico, luta por uma reforma social na Europa. Para dar
dignidade aos imigrantes africanos que vivem como escravos, Wilbeforce enfrenta
a aristocracia e os preconceitos da época como líder abolicionista na criação de
uma lei para acabar com o tráfico negreiro. Sua missão é dificultada pela falta de
apoio da maioria branca, que exerce enorme influência sobre as leis e acredita
que a escravidão está ligada à estabilidade do império britânico.

Comentário: O filme “Jornada pela Liberdade”, o qual tem por título original
“Amazing Grace”, é um grande clássico do cinema cristão mundial. O longa-
metragem conta a história do parlamentar britânico William Wilberforce, um
cristão piedoso que lutava internamente entre a sua vida pública e o ministério
eclesiástico, até que, em uma visita ao ex-capitão de um navio negreiro Inglês −
autor da música Amazing Grace − o ajudou a decidir pela vida pública.

Veja o sermão de Gênesis 50.19, 20 - A soberania de Deus e a responsabilidade humana, narrado


pelo pastor Ed René Kivitz, que integra a Igreja Batista de Água Branca, São Paulo/SP
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JYoYOBv-9LQ>. Acesso em: 02 fev. 2016.
Professor Dr. Hermisten Maia Pereira Da Costa

A PESSOA E A OBRA DE

V
UNIDADE
CRISTO

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a Cristologia como tema central do cristianismo.
■■ Conceituar Jesus como personagem histórica e divina.
■■ Entender o senhorio de Jesus Cristo.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus
■■ Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro homem
■■ Fé no Senhor Jesus: Uma única Pessoa
■■ Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor
■■ Jesus e a Ressurreição
■■ O sacerdócio de Cristo
■■ A ascensão de Jesus Cristo
249

INTRODUÇÃO

No contexto atual, diferentes grupos de cristãos têm se preocupado com a auten-


ticidade da mensagem evangélica e com a respectiva fidelidade dela ao núcleo
central e histórico-teológico da fé cristã. Dentre numerosos desafios teológicos,
está a busca de uma cristologia que ofereça bases teóricas para discernimento
das variadas mensagens acerca de Jesus.
Ao contrário da concepção presente no senso comum, “Jesus Cristo” não é
nome próprio (e Cristo não é sobrenome de Jesus), mas trata-se de uma expres-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

são dupla que professa e proclama fé: Jesus de Nazaré é compreendido e aceito
como o Cristo, o Messias prometido, o Ungido de Deus. Isso faz com que a
conhecida relação entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé” seja complexa e
teologicamente desafiadora. Resumidamente, compreende-se que o “Jesus his-
tórico” é o Jesus que pode ser reconstituído pela investigação histórica, aquele
homem que viveu e morreu na Palestina do século I, ocupada pelos romanos.
O “Cristo da fé” é aquele anunciado pela Igreja depois da Páscoa, o Cristo dos
símbolos de fé e das declarações dogmáticas.
Nesta unidade trataremos a compreensão da Cristologia como tema central
do cristianismo. Analisaremos a pessoa de Jesus como personagem histórica e
divina, sendo criado pelos cristãos como único e verdadeiro Senhor. Concluiremos
a unidade estudando, ainda, Sua ressurreição, sacerdócio e ascensão.

Introdução
V

FÉ NO SENHOR JESUS: VERDADEIRO DEUS674

Todos quantos pensam que conhecem algo de Deus à parte de Cristo


inventam para si um ídolo no lugar de Deus (CALVINO, 2010, (Cl 2.1-
5), p. 532).

A fé em Jesus Cristo não é uma categoria abstrata ou corriqueira, essencialmente


ou circunstancialmente irrelevante, como dizer: tal ônibus passa em tal avenida,
enquanto, na realidade, a minha locomoção invariável é de automóvel.Por vezes,
é mais fácil pensar e falar abstratamente do que concretamente.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A fé em Jesus Cristo como Senhor envolve a compreensão de que Ele é senhor
de todas as coisas. Portanto, o é também de minha vida. Falar do senhorio de
Cristo significa, portanto, não apenas tratar um tanto vagamente sobre o mundo
ou sobre a igreja, mas, também, que Ele é o meu Senhor. E mais: a Pessoa de Cristo
está associada determinantemente à Sua obra. Jesus Cristo só pode, de fato, nos
salvar, com todas as implicações dessa palavra, se verdadeiramente Ele for Deus
e Deus encarnado. Em outras palavras, não podemos separar arbitrariamente a
Cristologia da Soteriologia675. Todas as Suas reivindicações só podem ser con-
sistentes se Ele, de fato, for o que disse ser. Analisemos aspectos da Sua pessoa.
Vamos nos deter um pouco a “divindade” do Senhor Jesus, o Deus encarnado.

A SUA DIVINDADE FOI RECONHECIDA

A. Pelo Pai e pelo Espírito Santo


No seu batismo, temos o registro inspirado de Mateus: “16 Batizado Jesus, saiu
logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo
como pomba, vindo sobre ele. 17E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu
Filho amado, em quem me comprazo” (Mt, 3.16-17).

674 Para uma abordagem exaustiva desse assunto, recomendo: HARRIS, M. J. Jesus as God: The New
Testament use of Theos in Reference to Jesus. Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2008.
675 PANNENBERG, W. Fundamentos de Cristologia. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1973, p. 49-50. Para
uma visão abrangente das questões cristológicas levantadas ao longo da história, tratando da identidade
de Cristo e da salvação, veja-se: MCGRATH, A. E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma
introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 401-501.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


251

Na sequência, Jesus é levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo
diabo (Mt, 4.1). As duas primeiras tentações descritas tem início com a argu-
mentação provocativa de satanás: “Se és Filho de Deus” (Mt, 4.3,6).

B. Por Ele mesmo


A reivindicação de Jesus Cristo de ser Deus foi feita não em ambiente pagão,
repleto de deuses, o que passaria despercebido, considerando o número de deuses.
Isso porque na Antiguidade não era raro ou anormal um homem ser chamado de
“filho de deus”. O mundo estava cheio de homens considerados divinos, semideu-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ses e heróis nascidos de “casamentos” dos deuses com os mortais. Tais homens
se diziam filhos de deus e, por isso, eram, em alguns casos, até mesmo adorados,
como manifestações da divindade. Mesmo o Novo Testamento apresenta alguns
indícios desse costume entre os pagãos (At, 8.9-11; 12.21,22; 14.11,12; 28.6)676.
No entanto Ele declara a sua divindade no contexto judeu fortemente mono-
teísta e que, ao longo da história, foi ridicularizado e perseguido por causa de sua
fé tão exclusivista. O curioso é que Ele conseguiu que pessoas de níveis sociais
dos mais diversificados, homens, mulheres, jovens, anciãos, sacerdotes e pesca-
dores, consentissem em segui-lo, convencidos da realidade de seu testemunho.
Jesus declara: “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho,
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o
quiser revelar” (Mt, 11.27).

676 COSTA, H. M. P. Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p.
285ss. As palavras de Herman Bavinck (1854-1921) são contundentes e biblicamente esclarecedoras: “O
nome Filho de Deus, quando é atribuído a Cristo, tem um significado mais profundo que o teocrático: Ele
não foi um simples rei de Israel que no curso do tempo foi adotado como Filho de Deus; nem tampouco
foi Ele chamado Filho de Deus por causa do Seu nascimento sobrenatural, como os socinianos e Hofman
afirmavam; nem é Ele Filho de Deus no sentido meramente ético, como outros supõem; nem recebeu o
título de Filho de Deus por causa da sua obra expiatória e ressurreição, interpretação que amparam em
Jo 10.34-36; At 13.32-33 e Rm 1.4; porém Ele é o Filho de Deus no sentido metafísico: por natureza e
desde a eternidade. Ele é exaltado muito acima dos anjos e profetas (Mt 13.32; Mt 21.27; 22.2) e mantém
uma verdadeira relação especial com Deus (Mt 11.27). Ele é o Filho amado no qual o Pai tem prazer (Mt
3.17; 17.5; Mc 1.11; 9.7; Lc 3.22; 9.35); é o Filho unigênito (Jo 1.18; 3.16, 1Jo 4.9ss); é o próprio Filho de
Deus (Rm 8.32); o Filho eterno (Jo 17.5, 24); Hb 1.5; 5.5; ao qual o Pai concedeu o ter vida em si mesmo
(Jo 5.26); igual ao Pai em conhecimento (Mt 11.27), em honra (Jo 5.23), em poder criador e redentor (Jo
1.3, 5.21, 27), em coração (Jo 10.30) e em domínio (Mt 11.27; Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10); por causa
dessa Filiação, Ele foi condenado a morte (Jo 10.33; Mt 26.63ss) (BAVINCK, H., The Doctrine of God.
Translated, edited and outlined by William Hendriksen. Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth
Trust, © 1951, 2003 (Reprinted), p. 270.

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus


V

Após a incisiva pergunta de Jesus Cristo feita a seus discípulos, encontramos a


narrativa: “16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
17
Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi
carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt, 16.16-17).
Na Oração Sacerdotal, diante de seus discípulos, ora ao Pai, aludindo à Sua
glória eterna: “(...) Glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive
junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo, 17.5).

C. Pelos Seus discípulos

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Após o Senhor Jesus acalmar o vento forte que ameaçava fazer com que Pedro se
afogasse no mar, tendo também caminhado por sobre as águas, lemos: “E os que esta-
vam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus!” (Mt, 14.33).
No prólogo do Evangelho de João temos a descrição de profundo signifi-
cado teológico:
1
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas
por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. (...) 14 E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e
vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. (...) 18 Ninguém
jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o
revelou (Jo, 1.1-3,14,18).

Quando João diz que “No princípio era o Verbo”, indica uma existência eterna,
não uma transformação ou aprimoramento. O Verbo sempre foi o que é. No
verso 14, aí sim, encontramos o Verbo se tornando algo que não era: “E o Verbo
se fez carne e habitou entre nós (...)” (Jo 1.14). Desse modo, antes da Criação,
“no princípio” (Gn 1.1), o Verbo já existia.
Owen (1616-1683) escreveu:
Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo em nossa natureza,
Ele se tornou aquilo que nunca havia sido antes, mas não deixou de ser
aquilo que sempre tinha sido em Sua natureza divina. Ele, que é Deus,
não pode deixar de ser Deus. A glória da Sua natureza divina estava
velada, de forma que aqueles que O viram não acreditaram que Ele era
Deus (OWEN, 1989, p. 30).

Deus não pode deixar de ser o Deus glorioso. Na encarnação, Ele ocultou exter-
namente a sua glória aos olhos dos homens.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


253

D. Pelos próprios demônios


“28 Tendo ele chegado à outra margem, à terra dos gadarenos, vieram-
-lhe ao encontro dois endemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a
tal ponto furiosos, que ninguém podia passar por aquele caminho. 29 E
eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui
atormentar-nos antes de tempo?” (Mt, 8.28-29).

“23Não tardou que aparecesse na sinagoga um homem possesso de espírito imundo,


o qual bradou: 24Que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos?
Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Mc, 1.23-24).
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A SUA DIVINDADE DEMONSTRADA

A. Títulos Divinos
Jesus Cristo recebeu designações aplicáveis somente a Deus, sendo identificado
como Deus. “1No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. (...) 18 Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do
Pai, é quem o revelou” (Jo, 1.1,18).
Após a ressurreição, Tomé que ainda não vira o Senhor, duvidou do teste-
munho dos demais discípulos (Jo, 20.24-25). A narrativa prossegue:
26
Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos,
e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no
meio e disse-lhes: Paz seja convosco! 27E logo disse a Tomé: Põe aqui o
dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado;
não sejas incrédulo, mas crente. 28Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e
Deus meu! (Jo, 20.26-28).

B. Perfeições Divinas
A Palavra atribui a Cristo diversas perfeições que são próprias do Ser de Deus,
as quais veremos a seguir.

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus


V

1) Onisciência
2
E eis que lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Vendo-lhes
a fé, Jesus disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho; estão perdoados
os teus pecados. 3Mas alguns escribas diziam consigo: Este blasfema.
4
Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais
o mal no vosso coração? (Mt, 9.2-4).

Devemos observar que, à frente, quando Jesus diz que não sabia o dia da Sua
volta (Mc 13.32), não anula o que afirmamos anteriormente. Entendemos que o
Verbo encarnado, durante o Seu estado de humilhação, não tinha conhecimento

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disso, porque não era da vontade de Seu Pai, e Jesus Cristo limitava-se a fazer
e a conhecer aquilo que era do agrado do Pai; todavia, no Seu estado de exalta-
ção, a partir da Sua ressurreição, isso já era conhecido, mas Ele não quis revelar
(At 1.6,7). No Seu estado de humilhação, ainda que não saibamos compreender
adequadamente isso, a Sua onisciência foi usada de forma restrita (confira: Mc
2.8; 5.32; 9.21, 33-34; 10.33-34; 11.12-13).

2) Onipresença
“Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio
deles” (Mt 18.20). “(...) E eis que estou convosco todos os dias até à consuma-
ção do século” (Mt 28.20).
A encarnação do Verbo não significa o encarceramento do Logos ao corpo
de Jesus; a Segunda Pessoa da Trindade está de fato encarnada, mas, também,
continua presente em todos os lugares, sustentando todas as coisas com o Seu
poder677. Aqui, vemos um dos atributos de Deus revelado: a imensidão. “Ora,
ninguém pode estar no céu e na terra ao mesmo tempo, senão aquele que enche
céu e terra. (...) Portanto, lemos que Ele desceu do céu por meio da encarnação,
Ele que esteve sempre no céu por sua imensidão”678.

677 CATECISMO de Heidelberg, p. 47-48; GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova,
1999, p. 462.
678 TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 375-376.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


255

3) Onipotência
Após a ressurreição, antes de enviar seus discípulos a todo o mundo, o Senhor
lhes disse: “(...)Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18).
26
Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu
ao Filho ter vida em si mesmo. 27E lhe deu autoridade para julgar, por-
que é o Filho do Homem. 28 Não vos maravilheis disto, porque vem a
hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e
sairão: 29os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os
que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” (Jo, 5.26-29).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

4) Eternidade
“João testemunha a respeito dele e exclama: Este é o de quem eu disse: o que vem
depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim” (Jo,
1.15). “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que
Abraão existisse, EU SOU” (Jo, 8.58).
O tempo presente dessa declaração assinala a continuidade de Sua existência
eterna679. E, também, “Jesus usou o Nome divino pelo qual Deus se havia reve-
lado a Moisés na sarça ardente”680.
Jesus Cristo reivindica a mesma eternidade divina do Deus Pai. Portanto, ou
Ele é de fato Deus ou um louco. As Escrituras demonstram que Ele não usurpou
ou pretendeu usurpar o lugar de Deus ou ser igual a Deus, antes, Ele é o pró-
prio Deus (Fp 2.5-11)681.
“Vim do Pai e entrei no mundo; todavia, deixo o mundo e vou para o Pai”
(Jo, 16.28). “Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste” (Cl, 1.17).

5) Imutabilidade
“Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb, 13.8).

C. Obras Divinas
A Palavra atribui a Jesus Cristo a realização de obras que são prerrogativas divinas:

679 MACLEOD, D. A Pessoa de Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 49.
680 BOICE, J. M. Fundamentos da Fé Cristã. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 237.
681 PIPER, J. Um homem chamado Jesus Cristo. São Paulo: Vida, 2005, p. 25-29.

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus


V

1) Autoridade para perdoar pecado


“Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoa-
dos” (Mc 2.5). “Porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado
em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt, 26.28).
Pedro, pregando na casa de Cornélio, declara: “Dele todos os profetas dão
testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remis-
são de pecados” (At 10.43).

2) Poder sobre os demônios

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“31Então, os demônios lhe rogavam: Se nos expeles, manda-nos para a
manada de porcos. 32Pois ide, ordenou-lhes Jesus. E eles, saindo, passa-
ram para os porcos; e eis que toda a manada se precipitou, despenha-
deiro abaixo, para dentro do mar, e nas águas pereceram” (Mt, 8.31-32).

3) Poder sobre a natureza


Então, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram. E eis que so-
breveio no mar uma grande tempestade, de sorte que o barco era var-
rido pelas ondas. Entretanto, Jesus dormia. Mas os discípulos vieram
acordá-lo, clamando: Senhor, salva-nos! Perecemos! Perguntou-lhes,
então, Jesus: Por que sois tímidos, homens de pequena fé? E, levan-
tando-se, repreendeu os ventos e o mar; e fez-se grande bonança. E
maravilharam-se os homens, dizendo: Quem é este que até os ventos e
o mar lhe obedecem? (Mt, 8.23-27).

4) Ressurreição do Seu povo


“De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele
crer tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo, 6.40).

5) Juízo Final
“21Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus,
mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. 22Muitos,
naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos
nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios,
e em teu nome não fizemos muitos milagres? 23Então, lhes direi expli-
citamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniquidade” (Mt, 7.21-23).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


257

37
Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo co-
meçado desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou, 38como
Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual
andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos
do diabo, porque Deus era com ele; 39e nós somos testemunhas de tudo
o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também ti-
raram a vida, pendurando-o no madeiro. 40A este ressuscitou Deus no
terceiro dia e concedeu que fosse manifesto, 41não a todo o povo, mas
às testemunhas que foram anteriormente escolhidas por Deus, isto é, a
nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os
mortos; 42e nos mandou pregar ao povo e testificar que ele é quem foi
constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos (At, 10.37-42).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Outro fato que atesta a divindade de Cristo é a adoração tributada a Ele, bem
como as orações. Biblicamente, somente Deus deve ser adorado e o próprio Jesus,
no Seu confronto com satanás, cita o texto de Dt 6.13, dizendo: “Ao Senhor teu
Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mt 4.10). Entretanto, Ele aceita ser ado-
rado e o Novo Testamento ensina esta prática explicitamente (Mt 14.33; 15.25;
28.9,17; 1Co 1.2; Fp 2.9-11).
Se formos sinceros em nossa investigação bíblica, não restam muitas alternati-
vas para nós. Ou Jesus Cristo é, de fato, Deus, conforme o seu próprio testemunho
e, assim, podemos então considerá-lo de forma decorrente como um grande mes-
tre, um bom homem, justo e misericordioso ou, senão, Ele é um farsante ,não
merecendo a nossa fé, nem mesmo o nosso respeito. Barth (1886-1968) coe-
rentemente afirma que a Escritura não nos deixa vagueando em nossa fé, antes,
quando nos fala de Deus, aponta para Jesus Cristo, em Quem nossa atenção e
pensamentos devem se concentrar682. Stott (apud DUDLEY, 2006, p. 44) coloca
a questão nestes termos: “Jesus deve ser adorado ou apenas admirado? Se Ele é
Deus, é digno de nossa adoração, fé e obediência; se não é Deus, dedicar a ele
essa devoção é idolatria”683.

682 BARTH, K., Church Dogmatics. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, II/2, p. 52.
683 DUDLEY, T. Cristianismo autêntico: 968 textos selecionados das obras de John Stott. São Paulo:
Editora Vida, 2006, p. 44. C.S. Lewis escreveu de forma contundente: “Um homem que fosse só homem,
e dissesse as coisas que Jesus disse, não seria um grande mestre de moral: seria ou um lunático, em pé de
igualdade com quem diz ser um ovo cozido, ou então seria o Demônio. Cada um de nós tem que optar
por uma das alternativas possíveis. Ou este homem era, e é, Filho de Deus, ou então foi um louco, ou
cuspir nele e matá-lo como um demônio; ou podemos cair a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas
não venhamos com nenhuma bobagem paternalista sobre ser Ele um grande mestre humano. Ele não
nos deu esta escolha. Nem nunca pretendeu” (LEWIS, C. S. A essência do Cristianismo. São Paulo: ABU
Editora, 1979, p. 29).

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Deus


V

FÉ NO SENHOR JESUS: VERDADEIRO HOMEM

A mitologia grega abunda em histórias de deuses que andaram na ter-


ra como homens. Pareciam pessoas. Agiam como pessoas. Mas numa
ocasião crítica punham de lado o seu disfarce e, usando o poder divi-
no, mostravam-se tais quais eram. Nunca chegavam a ser homens, mas
deuses disfarçados (MORRIS, 1979, p. 63).

Para a execução de sua tarefa infinitamente difícil, era mister que o


Mediador fosse ungido pelo Espírito Santo, pois deve-se ter em mente
que o Filho de Deus era também o filho do homem. A segunda pessoa

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da Trindade, sendo verdadeiramente divina, possui duas naturezas: a
divina e a humana. A natureza divina não necessita de fortalecimento,
porém a natureza humana, sim. Portanto, todas as qualificações neces-
sárias foram conferidas ao Mediador quando, em seu batismo, o Es-
pírito Santo, simbolizado por uma pomba, desceu sobre ele em plena
medida (HENDRIKSEN, 2001, p. 307).

O episódio narrado por Lucas em Atos 14.8-18 ilustra bem a crença do povo.
E, nesse caso, há algo curioso: Júpiter e Mercúrio, os quais foram identificados
pelo povo como sendo Barnabé e Paulo, respectivamente (At 14.12), eram asso-
ciados à região pela literatura latina.
Ovídio (42 a.C.-18 d.C.), em sua obra principal, Metamorfoses, narra que o
pobre casal, Filemon e Báucis, hospedou em sua humilde casa Júpiter e Hermes
(= Mercúrio), que vieram à sua cidade disfarçados de mortais à procura de uma
hospedagem, e que não conseguiram pousada em nenhuma das mil casas da
região, exceto na do casal. Filemon e Báucis, por esse ato de hospitalidade, con-
ta-nos Ovídio, foram recompensados, sendo poupados do dilúvio que destruiu
as casas de seus vizinhos não hospitaleiros, tendo, inclusive, num ato simultâ-
neo, a sua pequena casa transformada num templo e, a pedido, receberam a
incumbência de serem sacerdotes e guardiães do santuário de Júpiter e, con-
forme solicitaram, Filemon e Báucis morreram juntos684.
Essa lenda que já era bem conhecida nos tempos de Paulo e Barnabé, escla-
rece porque tão prontamente o povo os identificou com tais divindades após o

684 OVÍDIO. As Metamorfoses. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1983, Livro VIII, p. 214-216.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


259

milagre realizado por Deus por intermédio deles685. Além disso, a ideia de que
as divindades assumissem temporariamente uma forma humana já fazia parte
da religiosidade do povo. Homero, o grande poeta grego, em sua Odisséia,
escrita por volta no séc. IX a.C., disse: “Os deuses tomam às vezes a figura de
estrangeiros, vindos de longes terras e, sob aspectos diversos, vão de cidade em
cidade, a fim de ficarem conhecendo quais os homens soberbos e quais os jus-
tos” (HOMERO, 1979, p. 162).
Em outra passagem, na mesma obra, Homero narra como a deusa Palas
Atena, filha de Zeus (= Júpiter) se aproximou em determinado momento do seu
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

protegido, Ulisses. “Dele se abeirou Atena, sob o aspecto de um adolescente pas-


tor de ovelhas, gentil como são os filhos dos príncipes, os ombros recobertos de
dupla e fina capa, trazendo nos pés reluzentes sandálias e na mão um cajado”
(HOMERO, 1979, p. 123).
Ulisses, no diálogo que se sucede após a identificação da deusa, diz: “Deusa,
quando te aproximas de um mortal, muito dificilmente este te reconhecerá, por
hábil que seja, porque tomas todos os aspectos” (HOMERO, 1979, p. 125).
Ao que parece, já no final do primeiro século, surge dentro do cristianismo
um grupo um tanto amorfo que, partindo do princípio filosófico de que a maté-
ria é essencialmente má, afirmava que Jesus não tinha corpo real; desse modo,
ele era uma espécie de fantasma, sem carne e sangue reais. Jesus era uma ilusão;
parecia homem, mas não era (docetismo)686; o filho de Deus, que era real, apenas
usava o Jesus humano como meio de expressão; a encarnação, portanto, era ape-
nas uma ilusão687. Por trás desse conceito estava a concepção de que Deus não
pode sofrer; logo, se Cristo sofreu, ele não era Deus; e se ele era Deus, não pode-
ria sofrer. Então, o sofrimento de Cristo teria sido apenas na aparência, não real.

685 Stott (1994, p. 258) informa-nos que: “Duas inscrições e um altar de pedra foram encontrados perto
de Listra, e eles indicam que Zeus e Hermes eram adorados juntos, como divindades padroeiras locais”
(STOTT, J. R. W. A Mensagem de Atos: até os confins da terra, São Paulo: ABU, 1994, (At 14.11-15a)).
686 Como sabemos, esse nome é derivado do verbo grego doke/w = “parecer”. Esse ensinamento foi
primariamente difundido, por volta do ano 85, por Cerinto, natural de Alexandria, discípulo de Fílon.
687 TENNEY, M.C. Docetismo: In: HARRISON, E. F. ed. Diccionario de Teologia. Michigan: T.E.L.L.,
1985, p. 175.

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

Inácio, bispo de Antioquia, no início do segundo século (c. 110), combateu


ferreamente o docetismo, afirmando a divindade e a humanidade de Cristo688.
Do mesmo modo, Policarpo (c. 75-c. 160), bispo de Esmirna, escreve aos
filipenses: “Qualquer que não confesse que Jesus Cristo veio em carne, é um anti-
cristo. E quem não confessa o testemunho da cruz, é do diabo”689.
Alguns diziam que, quando Ele andava, não deixava pegadas, porque seu
corpo não tinha peso nem substância. João, de modo especial, combateu esse
tipo de conceito em seus escritos690 (veja: Jo 1.14; 20.30-31; Cl 1.19; 2.9; 1Jo 2.22;
4.1-3,15; 5.1,5,6; 2Jo 7).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Curiosamente, Jesus Cristo era tão humano aos olhos dos que o viam e con-
viviam com Ele que a afirmação e a demonstração de sua divindade geravam
reações contrastantes: ódio, incredulidade, ressentimento, admiração e adoração.
A perplexidade de grupos e pessoas diante da figura de Jesus Cristo se revela
por meio de indagações variadas que faziam a respeito de sua identidade. Algumas
delas são descritas nas páginas do Novo Testamento.
Assim, encontramos: Os escribas e fariseus, após presenciarem seus atos
miraculosos e declarar perdoado o paralítico que fora curado, indagam: “Quem
é este que diz blasfêmias (Blasfhmi/a)?691 Quem pode perdoar pecados, senão

688 Veja suas Cartas: Aos Efésios, 7,18,19,20; Aos Magnésios, 11; Aos Tralianos, 9; Aos Esmirnenses, 1-3,
7. (Veja-se a coleção de Cartas em: Cartas de Santo Inácio de Antioquia. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
1984). Devemos mencionar que, apesar de Inácio combater os “docetas”, esse nome só iria aparecer como
designação desse tipo de pensamento por volta do ano 200, em Serapião, que denomina esse grupo de
Dokhta\j (Cf. CESAREA, E. de. Historia Eclesiastica. Madrid: La Editorial Catolica, Biblioteca de Autores
Cristianos, v. 349-350, 1973, VI.12.6).
689 POLYCARP. The Epistle of Polycarp to the Philippians, VII. In: ROBERTS, A.; DONALDSON, J. eds.
The Ante-Nicene Fathers. 2. ed. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, v. 1, p. 34.
(Quanto a um testemunho antigo sobre o procedimento de Policarpo, consulte IRINEU. Irineu de Lião.
São Paulo: Paulus, 1985, III.1.3. p. 251-252).
690 Notemos que nem todo “docetismo” era gnóstico, no entanto, como essa era uma das características do
gnosticismo, os termos foram identificados.
691 Esse substantivo ocorre também em: Mt 15.19; 12.31-32; 26.65; Mc 2.7; 3.28; 7.22; 14.64; Jo 10.33; Ef
4.31; Cl 3.8; 1Tm 6.4; Jd 9; Ap 2.9; 13.1,5,6; 17.3. O verbo, Blasfhme/w é empregado mais vezes no
Novo Testamento (35 vezes) e aquele que blasfema, Bla/sfhmoj, é utilizado 5 vezes (At 6.11,13; 1Tm
1.13 (aqui de forma substantivada); 2Tm 3.2; 2Pe 2.11). O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de
“injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”, “falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado
de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw = “injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/
= “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a entender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação
negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má reputação” etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama”
* 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8) (Eu)/ & fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos:
“Nem a nobre palavra encobre a má ação, nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”.
Em Platão (427-347 a.C.), é considerada blasfêmia atribuir aos deuses determinadas formas humanas,
conforme fizeram primariamente os poetas e as mães, que assim aprendiam e transmitiam aos seus
filhos essas estórias (A República. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, II, 381e). No
Novo Testamento, esse grupo de palavras é usado predominantemente no sentido religioso: “caluniar”,

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


261

Deus?” (Lc 5.21 (Mc 2.7)/Lc 7.49; Jo 5.12).


Os discípulos, após presenciarem o seu controle sobre a natureza: “E eles,
possuídos de grande temor, diziam uns aos outros: Quem é este que até o vento
e o mar lhe obedecem?” (Mc, 4.41).
João Batista, preso, recebendo informações dos milagres feitos por Jesus,
envia dois discípulos com uma pergunta direta feita a Jesus: “18Todas estas coi-
sas foram referidas a João pelos seus discípulos. E João, chamando dois deles,
19
enviou-os ao Senhor para perguntar: És tu aquele que estava para vir ou have-
mos de esperar outro?” (Lc, 7.18-19). Alguns de seus ouvintes incrédulos: “Então,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

lhe perguntaram: Quem és tu?” (Jo, 8.25).


Herodes, tetrarca da Galiléia, diante dos boatos a respeito de uma figura tão
enigmática, assim se expressa: “(...) Eu mandei decapitar a João; quem é, pois, este
a respeito do qual tenho ouvido tais coisas? E se esforçava por vê-lo” (Lc, 9.9).
O sumo sacerdote no seu julgamento: “Tornou a interrogá-lo o sumo sacer-
dote e lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?” (Mc, 14.61). Pilatos,
governador romano, o interroga: “És tu o rei dos judeus?” (Mc, 15.2).
O próprio Jesus sabendo das percepções variadas das pessoas, indaga a seus
discípulos a respeito da compreensão deles: “Quem dizem os homens que sou
eu?” (Mc, 8.27).
A Bíblia declara e demonstra de forma enfática que Jesus Cristo é, também,
perfeitamente homem; ou seja, Ele viveu como um homem sujeito aos mesmos
limites do ser humano. Todavia, o que em geral causa muita confusão em nos-
sas mentes é o fato de nos esquecermos que Ele era um homem sem pecado (Jo,
8.46; 2Co 5.21; Hb 4.15) e também porque todo o nosso referencial existencial

“difamar”. O verbo Blasfhme/w, empregado de forma absoluta, indica uma blasfêmia contra Deus (Cf.
Mt 26.65a; Mc 2.7; Jo 10.36); do mesmo modo ocorre com o substantivo Blasfhmi/a (Cf. Mt 26.65b;
Mc 14.64; Lc 5.21; Jo 10.33, etc.). “No NT o conceito de blasfêmia é controlado completamente pelo
pensamento de violação do poder e majestade de Deus. Blasfêmia pode ser dirigida imediatamente contra
Deus (Ap 13.6; 16.11,21; At 6.11), contra o nome de Deus (Rm 2.24; 1Tm 6.1; Ap 16.9), contra a Palavra
de Deus (Tt 2.5), contra Moisés e Deus e consequentemente contra o fundamento da revelação na Lei (At
6.11)” (BEYER, H. W. Blasfhmi/a. In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of
the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, p. 622-623). Na LXX,
esse pensamento é predominante: a blasfêmia é contra a majestade e glória de Deus. Para o judeu, falar
de forma ímpia contra Moisés ou a Lei significa blasfemar (veja: At 6.11). Para o judaísmo do período
anterior ao Cristianismo — conforme interpretação que faziam de Dt 21.22-23 —, morrer numa cruz
significava uma blasfêmia, sendo esse tipo de morte uma maldição divina (ver: Gl 3.13) (Cf. HOFIUS, O.
Blasfhmi/a: In: BALZ, H.; SCHNEIDER, G. eds. Exegetical Dictionary of New Testament. Grand Rapids,
Michigan: Eerdmans, 1978-1980, v. 1, p. 221).

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

para analisar isso é vivido e conhecido dentro de um contexto pecaminoso; ou


seja, nós não sabemos o que é ser homem sem o estigma do pecado, já que todos
pecaram (Rm, 3.23; 5.12).
Talvez seja por isso que, frequentemente, é mais fácil para nós o olharmos
como Deus e pronto. A sua humanidade causa embaraços para nós, especial-
mente, quando as Escrituras apontam para o fato de que Ele, o nosso Senhor, é
o nosso modelo de vida, ao qual devemos imitar (1Pe, 2.21-23).
Não podemos nos esquecer de que O Espírito esteve presente e atuante
em todo o Ministério terreno de Cristo (veja: At, 10.38,39), sendo Ele mesmo

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Quem revelou aos profetas o nascimento e obra do Messias (Is, 53.1-12/1Pe
1.10-12/2Pe 1.21) e pregou a mensagem de arrependimento por meio de Noé
(1Pe 3.18-19/2Pe 2.5). O Espírito, como dizia Basílio (330-379), era o compa-
nheiro inseparável do Filho em todos os seus atos; vida e morte692. Na vida de
Cristo, não há alusão nem evidência de um crescimento da presença e direção do
Espírito693. Em Cristo, vemos a plenitude do Espírito (Is, 11.1ss; 42.1ss; 61.1ss).
Nele, temos, pela primeira vez, a manifestação do poder do Espírito da “nova
aliança”694 de forma completa e perfeita. John Owen (1616-1683) diz que “para
capacitar Cristo a cumprir perfeitamente os deveres que tinha a realizar sobre
a terra, o Espírito Santo o ungiu de modo especial com dons e poderes extraor-
dinários”695. Da mesma forma, Kuyper (1837-1920) afirma: “Evidentemente as
Escrituras têm o propósito de enfatizar a realidade da inabilidade da natureza
humana com a qual Cristo foi dotado para realizar a obra do Messias sem a ope-
ração constante e condução poderosa do Espírito Santo, pelo qual ela foi de tal
modo fortalecida que se tornou o instrumento do Filho de Deus para a realiza-
ção de sua maravilhosa obra”696.

692 Consultar referência.


693 Consultar referência.
694 Consultar referência.
695 Consultar referência.
696 KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 133. Igualmente, Ferguson
interpreta: “Para Lucas, todo o ministério de Jesus, que se seguiu desde seu batismo, é exercido no poder
do Espírito messiânico. Ele foi ungido a fim de engajar-se num poderoso conflito. (...) Os prodígios que
ele realiza são feitos na energia e pela presença do Espírito Santo cf. Mt 12.18” (FERGUSON, S. B. O
Espírito Santo. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 64).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


263

O Antigo Testamento aponta para a divindade e a humanidade do Messias,


Jesus Cristo. E mais, o próprio Senhor Jesus está ali697. Por isso, toda pregação
bíblica deve ser Cristocêntica698.
Em Isaías, lemos: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o
governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro,
Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is, 9.6).
Paulo, inspirado por Deus, faz eco a esse ensinamento, dizendo: “3Com res-
peito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi 4 e foi
designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela res-
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surreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm, 1.3-4).
Kuyper (2010, p. 133-134) escreveu com sensibilidade bíblica:
Como o ouvido não pode ouvir sem som e o olho não pode ver sem luz,
também a nossa natureza humana é incompleta sem a luz e a habilita-
ção do Espírito Santo. Portanto, quando o Filho assumiu sua natureza
humana, ele a tomou exatamente como ela é, isto é, incapaz de qual-
quer ato santo sem o poder do Espírito Santo. Então ele foi gerado pelo
Espírito Santo para que, desde o começo, sua natureza humana fosse
ricamente dotada com poderes. O Espírito Santo desenvolveu esses
poderes e ele foi consagrado ao seu ofício pela comunicação à sua na-
tureza humana, dos dons messiânicos, pelos quais ele ainda intercede
por nós como o nosso Sumo Sacerdote e governa sobre nós como nosso
Rei. Por essa razão ele foi guiado, impelido, inspirado e apoiado pelo
Espírito Santo em cada passo de seu ministério messiânico699.

697 “Não examinamos o Antigo Testamento apenas para encontrar os antecedentes históricos de Cristo e de
seu ministério, nem mesmo para buscar referências que façam previsões sobre ele. Temos de encontrar
Cristo no Antigo Testamento – não aqui e ali, mas em toda parte” (MOHLER Jr., R. A. Estudando as
Escrituras para encontrar Jesus. In: CARSON, D. A. (Org.). As Escrituras dão testemunho de mim. São
Paulo: Vida Nova, 2015, p. 18).
698 “A pregação cristocêntrica não é simplesmente evangelística, nem confinada a uns poucos relatos
do evangelho. Abrange o todo da Escritura como revelação do plano redentor de Deus, e anuncia cada
passagem dentro do seu contexto” (CHAPELL, B. Pregação Cristocêntrica. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2002, p. 32). “Se tem de acontecer uma nova Reforma neste tempo, tem de haver uma reforma do
púlpito. Essa restauração envolverá restaurar Cristo como o principal foco no púlpito. Tem de haver um
retorno decisivo a fazer de Cristo o ponto focal de toda pregação” (LAWSON, S. J. O tipo de pregação
que Deus abençoa. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2013, p. 65). “Jesus Cristo crucificado é o tema
que unifica toda a Escritura” (Ibidem, p. 28). “Se o sermão falha em exaltar Cristo, não atinge o alvo”
(Ibidem, p. 25). Para uma abordagem crítica da igreja contemporânea, incluindo, obviamente, o abandono
da pregação bíblica, veja-se: HORTON, M. Cristianismo sem Cristo: O Evangelho Alternativo da Igreja
Atual. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Do mesmo modo, enfocando mais especificamente a adoração:
HORTON, M. Um Caminho Melhor. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
699 Ver também: HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Mateus 1. São Paulo: Cultura
Cristã, 2001, (Mt 3.16), p. 303

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

Retornando às Escrituras, Paulo escreve aos Coríntios: “Sabedoria essa que


nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido,
jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co, 2.8).
“O paradoxo é surpreendente [Jo 1.14]. O Criador assumiu a fragilidade
humana de suas criaturas. O eterno entrou no tempo. O onipotente fez-se vul-
nerável. O santíssimo expôs-se à tentação. E por fim o imortal morreu”, constata
Stott (STOTT, 2006, p.11).
Considerando esse ponto, vejamos, de forma esquemática, algumas afirma-
ções e demonstrações da verdadeira Humanidade de Cristo.

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A SUA HUMANIDADE FOI RECONHECIDA

Ele teve uma vida normal revelada em todas as ocasiões, não apenas
circunstancialmente.

A. Ele chamou-se homem e assim também foi chamado


“Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de
toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt, 4.4).“Porquanto há um só Deus
e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5).

B. Ele veio em carne


“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua
glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo, 1.14). “Nisto reconheceis o Espírito de
Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1Jo, 4.2).

A SUA HUMANIDADE DEMONSTRADA

A. Ele é contado genealogicamente como homem


“1
Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. (...) 16E Jacó
gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo. 17De

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


265

sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze; desde Davi até
ao exílio na Babilônia, catorze; e desde o exílio na Babilônia até Cristo, catorze”
(Mt, 1.1,16,17).

B. Nascido de mulher
“Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, despo-
sada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito
Santo” (Mt, 1.18). “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho,
nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl, 4.4).
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C. Esteve sujeito às leis ordinárias na natureza humana

1) Nascimento e crescimento
“Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vie-
ram uns magos do Oriente a Jerusalém” (Mt, 2.1).
4
José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à
cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi,
5
a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 6Estando
eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, 7e ela deu à luz o seu
filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque
não havia lugar para eles na hospedaria. 8Havia, naquela mesma região,
pastores que viviam nos campos e guardavam o seu rebanho durante as
vigílias da noite. 9E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a
glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande
temor. 10O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-
-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: 11é que hoje vos
nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. 12E isto vos
servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada
em manjedoura (...) 40Crescia o menino e se fortalecia, enchendo-se de
sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele. 41Ora, anualmente iam
seus pais a Jerusalém, para a Festa da Páscoa. 42Quando ele atingiu os
doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa. (...) 52E
crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos ho-
mens (Lc, 2.4-12; 40,41; 52).

Jesus nasceu como uma criança normal – após cumprirem-se os dias –, não
sabendo falar, nem andar. Desenvolveu-se como uma criança comum, tendo que
ser trocado, dado banho, amamentado, cuidado, conduzido, tomado nos braços,

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

enfim, passou por todas as experiências possíveis a uma criança normal (veja:
Lc, 2.5-7,22,27,28). Tendo, também, que ser educado pelos pais.

2) Obediência700
“E desceu com eles para Nazaré; e era-lhes submisso. Sua mãe, porém, guar-
dava todas estas coisas no coração” (Lc, 2.51). Considerando essa passagem,
Ware (2013) comenta:
É realmente admirável que este Jesus, que entendia claramente sua
identidade como o Filho do Pai celestial, escolheu colocar-se sob

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a autoridade de seus pais humanos. Sua submissão a eles indica seu
compromisso de seguir a lei do Senhor, que ordenava aos filhos serem
obedientes a seus pais, honrar pai e mãe. Embora ele fosse Deus em
carne humana, e embora o Espírito de Deus nele o capacitara a en-
tender sua identidade como o tão esperado Messias de Israel, Jesus se
manteve em submissão a seus pais humanos701.

Em Hebreus, lemos: “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas


que sofreu” (Hb, 5.8). O aprendizado de Cristo não consistiu em uma passagem
da desobediência à obediência; antes, significa que Jesus Cristo – como perfeita-
mente homem e perfeitamente Deus –, conforme crescia, amadurecia, tomando
sobre si maiores responsabilidades, desenvolvendo a sua natureza humana, como
vimos, sendo carregado no colo, aprendendo a andar, passando pela adolescên-
cia e chegando à plena maturidade702.
Quanto mais velho ficava, tanto mais seus pais podiam exigir dele
obediência, e tanto mais seu Pai celestial podia-lhe atribuir tarefas na
força de sua natureza humana. Com cada tarefa cada vez mais difícil,
mesmo quando implicava algum sofrimento (como especifica Hb 5.8),
aumentava a habilidade moral de Jesus, sua capacidade de obedecer
sob circunstâncias cada vez mais difíceis. Podemos dizer que essa ‘espi-
nha moral’ foi fortalecida por exercícios cada vez mais difíceis. Mas em
tudo isso ele jamais pecou703.

700 Consultar referência.


701 Consultar referência.
702 Consultar referência.
703 GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 439. “Porque ele obedecia
perfeitamente ao Pai, inclusive em tempos de oposição, agonia, aflição e sofrimento, esta obediência
perfeita resultou, de fato, no crescimento mais profundo e radical em sua vida espiritual - um crescimento
de fé muito maior do que alguém já experimentou” (WARE, B. Cristo Jesus homem: Reflexões teológicas
sobre a humanidade de Jesus Cristo. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2013, p. 92).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


267

A obediência de Cristo foi em favor do Seu povo; Ele viveu em constante har-
monia com a vontade do Pai. O preço da obediência era o sofrimento. Assim,
Ele foi batizado, submeteu-se às leis do povo, foi ultrajado, torturado, contado
entre os transgressores, morto e sepultado704.
O próprio Jesus diz: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele
que me enviou, e realizar a sua obra” (Jo 4.34). O Seu alimento e alegria consis-
tiram em realizar a obra do Pai (Is 50.4-7; 53.4-7).

3) Morte
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“E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito” (Mt, 27.50).
“3Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras, 4e que foi sepultado e ressuscitou ao ter-
ceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co, 15.3-4).

D. Necessidades, características e sentimentos humanos

1) Teve fome
“E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome” (Mt, 4.2).

2) Teve sede
“Depois, vendo Jesus que tudo já estava consumado, para se cumprir a Escritura,
disse: Tenho sede!” (Jo 19.28).

3) Sentiu cansaço
“Estava ali a fonte de Jacó. Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte,
por volta da hora sexta” (Jo 4.6).

4) Sentiu sono
“E eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de sorte que o barco era
varrido pelas ondas. Entretanto, Jesus dormia” (Mt, 8.24).

704 Consultar referência.

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

5) Chorou
“41Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou 42e dizia: Ah! Se conheceras por
ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus
olhos” (Lc, 19.41-42).
32
Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-
-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria
morrido. 33Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acom-
panhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. 34E perguntou: Onde
o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê! 35Jesus chorou.
36
Então, disseram os judeus: Vede quanto o amava” (Lc, 11.32-36).

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6) Foi tentado
“A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo”
(Mt 4.1).
17
Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse seme-
lhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas
coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do
povo. 18Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é pode-
roso para socorrer os que são tentados (Hb 2.17-18).

“Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fra-
quezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem
pecado” (Hb 4.15).
O Espírito guiou [“impeliu”705 (Mc, 1.12)] Jesus ao deserto para ser tentado,
permanecendo com Ele durante todos os quarenta dias (Lc, 4.1,2). O relato de
Lucas nos dá a entender que Jesus foi tentado desde a Sua chegada. A tenta-
ção faz parte do Seu amadurecimento para o Ministério que o Pai Lhe confiara.
O primeiro Adão sucumbiu à tentação, desobedecendo a Deus; Jesus Cristo,
o último Adão, deve ser tentado para poder levar sobre Si o pecado dos eleitos. A
tentação foi crucial para o Seu Ministério. Se Cristo não vencesse o presunçoso
tentador706, jamais poderia ser o Salvador daqueles que estavam sob o “domínio”

705 E)kba/llw. A palavra tem o sentido de “tirar”, “expelir”. (Mt 7.22; 8.16,31; Mc 1.34,39; 3.15, etc.). “Jesus,
sendo cheio do Espírito, sentia a sua força no íntimo da Sua alma” (KUYPER, A. The Work of the Holy
Spirit. Chaattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 108).
706 “...Talvez a prova cabal do poder, da autoconfiança e da habilidade do diabo se ache no fato de que
ele não hesitou em tentar e atacar até mesmo o Filho de Deus. Ele O abordou confiantemente, seguro
de si, pois havia derrotado todos os outros” (LLOYD-JONES, D. M. O Combate Cristão. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 73).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


269

de Satanás. É relevante observar que o Seu ministério público teve início após
esse episódio, começando com um sermão (Lc 4.16-21/Is 61.1-2).
A tentação promovida por satanás contra Jesus Cristo indica a sua convic-
ção de que Ele era realmente homem. Jamais encontramos nas Escrituras satanás
desafiando diretamente a Deus. Ele age ordinariamente tentando os servos de
Deus a desobedecerem a Deus e, consequentemente, a se afastarem do Senhor.
Porém não o vemos provocando um confronto direto.
Aqui, temos Satanás descrente da divindade de Cristo e, ao mesmo tempo,
convicto de sua humanidade, tentando-o, como fizera com Adão e continua
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fazendo com os homens durante todo o tempo que Deus lhe tem permitido agir
dentro de uma esfera restrita. Na realidade, Satanás podia, como de fato fez, ten-
tar a Jesus de forma externa, contudo, não podia fazê-lo internalizar a tentação.
Ele foi tentado, mas nunca se sentiu tentado.

7) Orou
“E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a
tarde, lá estava ele, só” (Mt, 14.23). “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os
olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho
te glorifique a ti” (Jo 17.1)707. “Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido,
com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte
e tendo sido ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7).
Grudem (1990, p. 440) comenta que: “Ele era tão plenamente humano que
mesmo os que viveram e trabalharam com ele por trinta anos, mesmo os irmãos
que cresceram na casa dele, não percebiam que era um tanto superior a outros
seres humanos muito bons. Ao que parece, não tinham ideia de que fosse Deus
vindo em carne”.

707 “Se alguma vez você tiver dificuldade sobre a encarnação, só esta oração, a oração da vida do nosso
Senhor em geral deveria colocá-lo imediatamente em paz, e mantê-lo em paz. Ele é verdadeiramente
homem. Não é o caso de Deus numa espécie de corpo de fantasma, não é uma teofania, é a encarnação,
a Palavra feita carne e habitando entre nós. Ele é verdadeiramente Deus, sim, mas é verdadeiramente
homem. (...) Portanto, observar o nosso Senhor enquanto ora é talvez uma das portas mais maravilhosas
de entrada ao grande mistério da Sua bendita Pessoa” (LLOYD-JONES, D. M. Salvos desde a Eternidade.
São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 31-32).

Fé no Senhor Jesus: Verdadeiro Homem


V

FÉ NO SENHOR JESUS: UMA ÚNICA PESSOA

A mente piedosa não sonha para si um Deus qualquer; ao contrário,


contempla somente o Deus único e verdadeiro, nem lhe atribui o que
quer que à imaginação haja acudido, mas se contenta com tê-Lo tal
qual Ele próprio Se manifesta e, com a máxima diligência, precavém-se
sempre, para que não venha, mercê de ousada temeridade, a vaguear
errática, trespassados os limites de Sua vontade (CALVINO, I.2.2).

Nos tópicos anteriores, estudamos a realidade das duas naturezas de Cristo, afir-
mando o que podemos aprender das Escrituras, que Jesus Cristo é plenamente

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homem e plenamente Deus. Agora, trataremos biblicamente a compreensão de
que o Senhor Jesus, tendo duas naturezas, se constitui em uma só pessoa.
Por natureza, entendemos os elementos essenciais para que uma coisa seja o que
é (a concreta substância de uma espécie); dessa forma, quando falamos em natu-
reza humana, nos referimos a um corpo mortal e uma alma (= espírito) imortal,
os quais a constituem.

ALGUNS EQUÍVOCOS

Menciono, na sequência, alguns erros concernentes às duas naturezas de Cristo.

A) Duas naturezas misturadas, formando uma terceira708


Como temos visto, Paulo dá graças a Deus pela genuína fé dos efésios depositada
em Jesus Cristo. É necessário que entendamos que essa fé não significa simples-
mente crer na humanidade de Cristo ou na sua divindade. Nem mesmo significa
crer nas duas naturezas de Cristo como sendo misturadas uma com a outra, sur-
gindo, daí, uma terceira pessoa, nem divina, nem humana (Eutiquianismo)709.

708 Consultar referência.


709 Nome derivado de Êutico (= Eutiques, Eutíquio) (c.378-454), arquimadrita de um mosteiro em
Constantinopla, discípulo de Cirilo de Alexandria. Ele sustentou que a encarnação é o resultado da fusão
do divino com o humano em Jesus, sendo a natureza humana absorvida pela divina ou que dessa fusão
surgisse uma nova substância “híbrida” (Cf. ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São
Paulo: Vida Nova, 1997, p. 303); um “terceiro tipo de natureza” (GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática.
São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 459). Assim, sua posição envolvia uma pessoa e uma natureza. Ele foi o
fundador do “Monofisismo”: Cristo tem uma única natureza: a divina revestida de carne humana. No
Concílio de Calcedônia (23/05/451), o Eutiquianismo foi definitivamente condenado.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


271

Observem que, dentro dessa perspectiva, Jesus não salvaria ninguém, já que Ele
não seria verdadeiro homem nem verdadeiro Deus.

B) Duas naturezas e duas pessoas


Também, não significa crer que Jesus Cristo era constituído de duas naturezas e
duas pessoas (Nestorianismo)710. Desse modo, teríamos um “eu dividido” com
uma relação frágil, apenas de afetividade, sem sabermos ao certo quem disse o
quê e quem de fato nos salvaria.
Antes de prosseguirmos em nossa análise, vejamos o que a Escritura nos
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ensina a respeito.

O ENSINAMENTO DO NOVO TESTAMENTO

Os escritores do Novo Testamento, em nenhum momento demonstraram preo-


cupações com as implicações metafísicas (transcendentes) concernentes à Pessoa
de Cristo. Quando eles falam de Cristo, fazem-no de modo suficientemente claro,
demonstrando que a divindade e a humanidade de Cristo são verdades que se
constituem em condição básica e essencial para a Sua obra expiatória. Paulo diz
que Jesus se fez semelhante na aparência da carne pecaminosa, porém essencial-
mente sem pecado. Ele é paradoxal e essencialmente humano, porém sem pecado:
Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne,
isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança (o(moi/wma)
de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou
Deus, na carne, o pecado (Rm 8.3).

Paulo, em passagem magistral, traça aspectos fundamentais da vida de Cristo,


uma única pessoa, de eternidade à eternidade, Da glória eterna do Filho, pas-
sando pela encarnação até a glorificação futura:

710 Nome proveniente de Nestório (380-451), Bispo de Constantinopla (428-431). Tentando refutar o
Eutiquianismo, Nestório ensinava que Jesus Cristo era constituído de duas pessoas e duas naturezas.
Entendia que cada uma das duas naturezas de Jesus tinha a sua própria subsistência e personalidade; a
união entre elas não era ontológica, mas apenas moral, simpática e afetiva. Os seus ensinamentos foram
rejeitados no Concílio de Éfeso (431) e de Calcedônia (451).

Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa


V

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Je-


sus, 6pois ele, subsistindo em forma (morfh/,)711 de Deus, não julgou
como usurpação o ser igual (i)/soj)712 a Deus; 7antes, a si mesmo se
esvaziou (ke/now)713, assumindo a forma (morfh/,)714 de servo, tornan-
do-se em semelhança (o(moi/wma)715 de homens; e, reconhecido em fi-
gura humana, 8a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à
morte e morte de cruz. 9Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10para que ao nome
de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11e
toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai
(Fp, 2.5-11).716

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Aqui, não há nenhum docetismo. Jesus Cristo não é apenas um ser celestial com
aparência exterior humana, antes, é verdadeira e plenamente humano, porém
sem pecado717 (veja, também: Jo 1.18; Cl 1.13-22; Hb 1 e 2; 4.4-5.10; 7.1-10.18;
1Jo 1.1-2.2).

711 A palavra grega morfh/ (Mc 16.12; Fp 2,6,7) não indica algo externo (forma) em contraste com a
essência interna. A aparência externa é a expressão visível, sensível, da sua natureza interna. Não há
antítese. Portanto, a natureza essencial de Cristo era divina. A sua forma externa corresponde àquilo que
Ele é em sua essência. (Confira: BRAUMANN, G. Forma. In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 378-281);
Hendriksen, preciso, como sempre, conclui: “O que Paulo está dizendo [...] é que Cristo Jesus sempre foi
(e continuará sempre sendo) Deus por natureza, a expressa imagem da Deidade. O caráter específico da
Divindade, segundo se manifesta em todos os atributos divinos, foi e é a sua eternidade – Cf. Cl 1.15,17
(também, Jo 1.1; 8.58; 17.24)” (HENDRIKSEN, W. Exposição de Filipenses. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1992, p. 139).
712 A palavra denota uma igualdade qualitativa e quantitativa de tamanho, numérica, de valor ou força,
sendo aplicada a quantias iguais, extensões de tempo, partes, pedaços, etc. (Veja: STÄHLIN, G. i)/soj:
In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids,
Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 343-355). No NT. apresenta a ideia de consistência/
coerência (Mc 14.56,59); igual/igualar (Mt 20.12; Jo 5.18; Ap 21.16); outro tanto (Lc 6.34); mesmo (At
11.17). O texto de Filipenses aponta para a preexistência do verbo e a sua igualdade com o Pai. Ou seja:
Ele é eternamente Deus.
713 BROWN, C. et. al. Vazio: In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 690-692; OEPKE, A. keno/j: In: KITTEL,
G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 661-662 (especialmente); TURRETINI, F. Compêndio de Teologia
Apologética. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 381-382.
714 Da mesma forma, a natureza essencial de Cristo tornou-se humana, na forma de servo.
715 *Rm 1.23; 5.14; 6.5; 8.3; Fp 2.7; Ap 9.7. Uma palavra rara que significa “aquilo que é semelhante”,
“cópia”. Para uma visão paralela desses textos, veja: BEYREUTHER, E. et. al. Semelhante: In: BROWN,
C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 410-411 (em
especial); SCHNEIDER, J. o(/moioj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the
New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 5, p. 192-198; HOLTZ, T. o(moi/
wsij: In: BALZ, H.; SCHNEIDER, G. eds. Exegetical Dictionary of the New Testament. Grand Rapids,
MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 2, p. 512-513.
716 WARFIELD, B. B. The Person fo Christ. In: WARFIELD, B. B. The Works of Benjamin B. Warfield.
Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 2000 (Reprinted), v. 9. p. 176ss.
717 SCHNEIDER, J. o(/moioj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the New
Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 5, p. 196.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


273

Jesus Cristo encarnado é tão essencialmente Deus como essencialmente


homem. Ele não pode deixar de ser Deus e, após a encarnação, não deixará de
ser essencialmente homem (Mt 26.64; Jo 3.13; At 7.56).
Todavia, já na metade do primeiro século da Era Cristã, surgiram alguns
homens dispostos a negar a verdadeira humanidade de Cristo, contra os quais,
como já mencionamos, João escreveu veementemente: “E o Verbo se fez carne e
habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como
do unigênito do Pai” (Jo 1.14).
1
Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espí-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído


pelo mundo fora. 2Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito
que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; 3e todo espírito
que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é
o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e,
presentemente, já está no mundo. 4Filhinhos, vós sois de Deus e tendes
vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do
que aquele que está no mundo. 5Eles procedem do mundo; por essa
razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. 6Nós somos de
Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte
de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o
espírito do erro (1Jo 4.1-6).

A POSIÇÃO BÍBLICO-REFORMADA

Na história da Igreja, houve dois Concílios que foram fundamentais para definir
a questão das duas naturezas de Cristo. O primeiro deles foi o de Nicéia, reunido
em 325, e o segundo – o mais importante – foi o de Calcedônia, reunido de 8 a
31 de outubro de 451, com a presença de mais de 500 bispos e vários delegados
papais, que, como de costume, o representavam. Calcedônia ratificou o Credo
de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381). O seu objetivo era estabelecer uma
unidade teológica na Igreja.
O seu Credo foi rascunhado em 22 de outubro por uma comissão presi-
dida por Anatólio de Constantinopla († 458), encontrando a sua redação final,

Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa


V

possivelmente, na 5ª Sessão, na quinta-feira, de 25 de outubro718. Calcedônia rejei-


tou o Nestorianismo (duas pessoas e duas naturezas) e o Eutiquianismo (uma
pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus Cristo é uma Pessoa, sendo verda-
deiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas). “(...) Calcedônia
pronunciou-se não só contra a separação como contra a fusão”719 das duas natu-
rezas de Cristo. Todavia a noção de mistério esteve presente nessa confissão, por
isso, ela não tentou explicar o que as Escrituras não esclareciam720.
L. Berkhof (1990, p. 492) resume as “mais importantes implicações” da decla-
ração teológica de Calcedônia, como segue721:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só
Pessoa, por exemplo, onisciência e conhecimento limitado.
2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real e verda-
deiramente infinitos, ao mesmo tempo em que a natureza divina não é passível
de sofrimento.
3) É a divindade, e não a humanidade, que constitui a raiz e a base da per-
sonalidade de Cristo.
4) O Logos não se uniu a um indivíduo distinto, e sim à natureza humana.
Não houve primeiro um homem já existente com quem a segunda Pessoa da
Deidade teria se associado. A união foi efetuada com a substância da humani-
dade no ventre da virgem.
Como sabemos, os documentos confessionais da Igreja, elaborados e/ou
sancionados, por vezes, em Concílios, não são Palavra de Deus, contudo, ao
longo da história, Deus tem propiciado e capacitado a Igreja a se pronunciar

718 Compare as informações de KELLY, J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã: Origem e


Desenvolvimento. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 257; SCHAFF, P. The Creeds of Christendom. 6. ed.
Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, v. 1, p. 29; PERRONE, L. De
Nicéia (325) a Calcedônia (451). In: ALBERINGO, G. (Org.). História dos Concílios Ecumênicos. São
Paulo: Paulus, 1995, p. 97-98.
719 BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 1964, p. 55. Bavinck comenta que
“Somente em Calcedônia a tendência nestoriana de separar o divino e o humano e a tendência eutiquiana
de misturar os dois receberam uma formulação definitiva” (BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São
Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 240).
720 BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 1964, p. 67ss; BRAATEN, C. E. A Pessoa
de Jesus Cristo: In: BRAATEN, C. E; JENSON, R. W. eds. Dogmática Cristã. São Leopoldo, RS: Sinodal,
1990, v. 1, p. 492; BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 307-308.
721 BERKHOF, L. História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992,
p. 98. Esquema bem parecido pode ser encontrado, também, em HODGE, C. Systematic Theology.
Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976, (Reprinted), v. 2, p. 391-392.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


275

dessa forma em resposta à Revelação, podendo, desse modo, aprofundar a sua


fé na sã doutrina, tendo uma compreensão mais abrangente da Palavra e, conse-
quentemente, ser um porto seguro contra todas as ondas de heresias que surgem,
tentando seduzir os fiéis com o som de variados ventos de doutrina que em seu
cerne sempre reduzem ou negam a glória de Cristo, que, no final das contas, é
a mesma coisa722.
Os Credos da Igreja foram fundamentais na compreensão mais profunda e
na preservação da doutrina bíblica. Os quatro Concílios Ecumênicos, reunindo
as igrejas do Oriente e do Ocidente, foram de extrema relevância na compreen-
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são da Divindade, Humanidade e Unipersonalidade de Cristo. Stott (2006, p.


83) resume:
Assim, o Concílio de Nicéia (325) garantiu a verdade de que Jesus é ver-
dadeiro Deus, enquanto o Concílio de Constantinopla (381) garantiu
que Jesus é verdadeiro homem. Em seguida, o Concílio de Éfeso (431)
garantiu que, apesar de Deus e homem, Jesus é só uma pessoa, enquan-
to o Concílio de Calcedônia (451) garantiu que, apesar de uma única
pessoa, ele tinha duas naturezas, divina e humana.

Um decreto ou uma declaração teológica, por mais relevante que seja, não põe
fim imediatamente a um sistema. A ortodoxia, por sua vez, não é criada por
intermédio de pronunciamentos oficiais, embora saibamos que todos eles sejam
necessários e relevantes para nortear a Igreja e enriquecer a sua fé723. Com isso,
estamos apenas querendo indicar que, do mesmo modo que Nicéia não colo-
cou um ponto final na questão Trinitária, Calcedônia não determinou o fim dos
problemas Cristológicos. As heresias permaneceram em diversas regiões, espe-
cialmente na Igreja Oriental724. Contudo Calcedônia se constitui num marco

722 Como nos diz Bavinck a respeito de Calcedônia, como princípio, pode ser dito a respeito de todos os
Concílios e pronunciamentos eclesiásticos: “A linguagem de Calcedônia não é sacrossanta e está aberta
a reformulação. Porém, até agora, todos os esforços para melhorá-la falharam, e a igreja não pode fazer
nada melhor hoje em dia do que manter a doutrina das duas naturezas” (BAVINCK, H. Dogmática
Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 243).
723 “Uma confissão teológica pobre pode, em última análise, conduzir apenas à vida cristã empobrecida”
(TRUEMAN, C. R. O imperativo confessional. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012, p. 254).
724 Além das indicações já feitas, veja: BERKHOF, L. História das Doutrinas Cristãs. p. 99-102; KELLY,
J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã: Origem e Desenvolvimento, p. 258; LOHSE, B. A Fé Cristã
Através dos Séculos. 2. ed. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1981, p. 101-106; TILLICH, P. História do
Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE., 1988, p. 91ss.; GONZALEZ, J. L. A Era das Trevas. São Paulo:
Vida Nova, (Uma História Ilustrada do Cristianismo), 1980-1988, p. 102ss.; BRAATEN, C. E. A Pessoa de
Jesus Cristo: In: BRAATEN, C. E.; JENSON, R. W. eds. Dogmática Cristã, v. 1, p. 492ss.

Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa


V

decisório na vida da Igreja, estabelecendo uma compreensão Cristológica que, se


não é a final, é a que pôde ser alcançada pelo Espírito, dentro da Revelação. No
entanto a Palavra é a fonte de toda a genuína teologia, portanto, se Calcedônia
estabeleceu balizas e graças a Deus por isso, devemos permanecer sempre aten-
tos à Palavra de Deus, à luz da qual nós e a nossa teologia seremos julgados.
Ainda que os Reformadores do século XVI tenham aceitado a decisão de
Calcedônia, houve uma diferença entre eles quanto a alguns detalhes que não eram
de somenos importância, mas que escapam em muito ao escopo desses estudos.
Calvino (2006) foi o Reformador que mais de perto seguiu o pronuncia-

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mento de Calcedônia. Escreveu:
Com efeito, que se diz o Verbo haver-Se feito carne (Jo 1.14), não se deve
assim entender que se haja sido Ele ou convertido em carne, ou confu-
samente misturado à carne; ao contrário, porque no ventre da Virgem
para Si escolheu um templo em que habitasse, e Aquele Que era o Filho
de Deus Se fez o Filho do Homem, não mediante confusão de substân-
cia, mas mercê de unidade de pessoa. Pois, na verdade, afirmamos ser a
Divindade assim associada e unida à humanidade que a cada natureza
permaneça integral sua propriedade e, todavia, dessas duas constitua um
Cristo único (CALVINO, 2006, II.14.1)

Se é possível encontrar alguma coisa que se assemelhe ao mistério da


encarnação, a comparação com o homem é sempre apropriada. O que
vemos é que o ser humano é composto de duas naturezas, sendo, porém,
que uma não se mistura com a outra, cada qual retendo a sua proprieda-
de, porque a alma não é corpo, e o corpo não é alma. Claro está que o que
particularmente se diz da alma não se pode convenientemente dizer do
corpo, e, paralelamente, o que se diz do corpo não pode ser dito com pro-
priedade da alma; quanto ao homem, dele não se pode dizer o que é pró-
prio do corpo ou da alma, separadamente dele. Finalmente, as coisas que
em particular são pertencentes à alma, são transmitidas ao corpo, e as do
corpo à alma, reciprocamente. Entretanto, a pessoa assim composta des-
sas duas substâncias é um só homem, e não muitos. Tal maneira de falar
significa que há no homem uma natureza composta de duas unidades, e
que, todavia, há diferença entre ambas. A Escritura fala dessa forma de
Jesus Cristo. Algumas vezes Lhe atribui o que só pode ser reportado à
humanidade; algumas vezes o que pertence especificamente à divindade;
algumas vezes o que se aplica conjuntamente às duas naturezas unidas, e
não somente a uma delas. E até exprime tão diligentemente a união das
duas naturezas existentes em Jesus Cristo, que comunica a uma o que
pertence à outra – maneira de falar à qual os antigos doutores davam o
nome de comunicação de propriedades. (CALVINO, 2006, (II.4), p. 72).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


277

Também, as Confissões Reformadas seguiram a mesma interpretação de


Calcedônia, apresentando obviamente novas contribuições que esclareciam
certas questões da época. A Confissão de Westminster (1647), a mais madura
Confissão Reformada, declara:
O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e
eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a Ele, quando chegou
o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com to-
das as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo
sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre
da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, per-
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feitas e distintas – a Divindade e a Humanidade – foram inseparavel-


mente unidas em uma só pessoa, sem conversão, composição ou con-
fusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém um
só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem (Capítulo VIII.2).

Do mesmo modo, o Catecismo Menor de Westminster (1647):


21. Quem é o Redentor dos eleitos de Deus?

O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo, que, sendo
o eterno Filho de Deus, se fez homem, e assim foi e continua a ser Deus e
homem em duas naturezas distintas, e uma só pessoa, para sempre.

22. Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se fez homem?

Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo


e uma alma racional, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no
ventre da virgem Maria, e nascido dela, mas sem pecado.

O SIGNIFICADO DA UNIPERSONALIDADE DE CRISTO

Com esse nome, queremos dizer que Jesus Cristo, mesmo tendo duas nature-
zas, possuía apenas uma personalidade, a qual reunia perfeitamente as Suas duas
naturezas, sem haver fragmentação no Seu comportamento. Jesus Cristo sempre
agiu como Deus-Homem. “O que importa é sustentar que todos e quaisquer atos
de Cristo são atos da única Pessoa do Verbo encarnado: mesmo na sangrenta
paixão e na morte é ilícito separar a natureza humana da Divina”725.

725 BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 1964, p. 221.

Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa


V

EVIDÊNCIAS DA UNIPERSONALIDADE DE CRISTO

1) Jesus Cristo fala de Si mesmo como uma única pessoa; não havendo o inter-
câmbio entre um “Eu” e um “Tu” entre as duas naturezas:
Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai,
é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a
ti. (...) 4Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste
para fazer; 5e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória
que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo. (...) 22Eu lhes tenho
transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós

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o somos; 23eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na
unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste,
como também amaste a mim (Jo, 17.1,4,5,22,23).

Warfield (1967, p. 67-68) escreveu com profunda sensibilidade bíblica:


Essas manifestações de uma consciência tanto humana como divina
simplesmente permanecem lado a lado nas declarações da autoexpres-
são de nosso Senhor. Nenhuma delas é suprimida ou mesmo limitada
pela outra. Se observássemos só um grupo de declarações, poderíamos
supor que ele se proclamava inteiramente divino; se só o outro grupo,
poderíamos igualmente imaginar que ele se apresentava como alguém
inteiramente humano. Com ambos os lados juntos diante de nós, per-
cebemos que fala alternadamente de uma consciência divina e de uma
consciência humana; manifesta-se como tudo que Deus é, e tudo que o
homem é; mas com uma unidade de consciência muito notável. Ele, o
único Jesus Cristo, era na sua própria compreensão o verdadeiro Deus
e plenamente homem em uma vida unida e pessoal

2) Os pronomes pessoais atribuídos a Ele são sempre referentes a uma pessoa.


3) Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo uma
preponderância do divino sobre o humano nem do humano sobre o divino. Não
podemos falar biblicamente – como muitas vezes somos tentados a pensar – em
Jesus agindo, pensando e falando como homem em alguns textos e, em outros,
como Deus. Jesus é o verbo de Deus encarnado que vive, sofre, morre e ressus-
cita como tal. Jesus Cristo não tem personalidade fragmentada, sendo, em alguns
momentos, Deus e, em outros, homem. Por isso, os atributos da Sua divindade,
bem como de Sua humanidade, são atribuídos a uma só Pessoa. Ilustremos isso
biblicamente:

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


279

a) Isabel, dirigindo-se a Maria que a visitara, refere-se a ela como Mãe do


Senhor: “E de onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor?”
(Lc 1.43).
b) O anjo enviado por Deus anuncia o nascimento de Jesus Cristo: “É que hoje
vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11).
c) João Batista dá testemunho de Jesus Cristo: “Ninguém jamais viu a Deus; o
Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).
d) Jesus Cristo referindo-se a si mesmo: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão
aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que está no céu” (Jo 3.13).
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e) Jesus Cristo falando aos seus discípulos: “Que será, pois, se virdes o Filho do
Homem subir para o lugar onde primeiro estava?” (Jo 6.62).
f) Pedro, discursando no templo, diz que os judeus mataram o Autor da vida:
“Dessarte, matastes o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mor-
tos, do que nós somos testemunhas” (At 3.15).
g) Paulo, instruindo os presbíteros de Éfeso em Mileto, fala do sangue de Deus:
“Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos cons-
tituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o
seu próprio sangue” (At 20.28).
h) Paulo refere-se a Cristo como Deus bendito: “Deles são os patriarcas, e
também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus
bendito para todo o sempre. Amém!” (Rm 9.5).
i) Paulo diz que os homens em sua ignorância crucificaram o Senhor da glória:
“Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se
a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8).
j) Paulo afirma que em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da
divindade: “8Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e
vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do
mundo e não segundo Cristo; 9porquanto, nele, habita, corporalmente, toda
a plenitude da Divindade” (Cl 2.8-9)726.

726 “A plenitude do ser de Deus é revelada nEle. Ele não apenas nos apresenta o Pai e nos revela Seu nome,
mas Ele nos mostra o Pai em Si mesmo e nos dá o Pai. Cristo é a expressão de Deus e a dádiva de Deus.
Ele é Deus revelado a Si mesmo e Deus compartilhado a Si mesmo, e portanto Ele é cheio de verdade e
também cheio de Graça” (BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP, 2001,
p. 25-26).

Fé no Senhor Jesus: Uma Única Pessoa


V

Além dos textos citados, leiam também: Mt 1.21; Lc 1.31-33; Gl. 4.4; Fp 2.6-11,
Cl 1.13-20; Hb 1.1-2.
4) Todos os que se referiam a Jesus Cristo faziam menção de apenas uma
só pessoa:
À pergunta de Jesus Cristo a respeito de sua identidade, Pedro responde de
forma confiante e incisiva: “(...)Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16).
No final do primeiro século, como vimos, João, combatendo ensinamentos
de falsos mestres que penetravam a igreja, instrui:
“Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos

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se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo
mundo fora. 2Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que
confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1Jo 4.1-2).

5) Em muitos textos, a sua divindade e humanidade aparecem concomitante-


mente com clareza cristalina.
a) O mesmo Jesus que participa socialmente de uma festa de casamento em
Caná é Aquele que, ao ser informado sobre o término do vinho, transforma
a água em vinho, sendo esse de melhor qualidade do que o anterior (Jo 2.1-
11). Como a composição de todas as coisas foi criada e é preservada por Ele,
as transformações podem ser feitas conforme a Sua soberana e poderosa von-
tade (Cl, 1.17; Hb 1.3)727.
b) Ele é o mesmo mestre que, cansado, depois de um dia de curas, ensina-
mentos e caminhadas, adormece profundamente no barco. Desperto pelos
seus discípulos, assustados com a tempestade, repreende o mar e os ven-
tos, havendo grande bonança (Mt, 8.23-26). “E maravilharam-se os homens,
dizendo: Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mt, 8.27).

727 PIPER, J. Um homem chamado Jesus Cristo. São Paulo: Vida, 2005, p. 45-46.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


281

FÉ NO SENHOR JESUS: O ÚNICO SENHOR

“Os homens querem um Salvador, mas não um Senhor” (PAPE, 1983,


p. 26).

Algumas palavras, com o passar do tempo, perdem o seu sentido originário e,


em alguns casos, mesmo tendo-se ciência desse sentido, emprega-se com uma
conotação diferente. Dentre as palavras que passaram por essa transformação,
podemos citar o termo “senhor”, o qual é utilizado em nossa cultura, via de regra,
como forma de tratamento728, embora, também saibamos que não se desconhece
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o sentido de propriedade.
A Bíblia, por outro lado, não ignora a forma de tratamento empregada para
“senhor” – além de reconhecer outras –, todavia, quando os profetas, discípulos
e os autores sagrados a utilizam para Deus, ela significa posse absoluta. Como
veremos, o mesmo acontece na confissão e proclamação do Senhorio de Cristo.

O SENHORIO DESCRITO NO ANTIGO TESTAMENTO

A palavra “Senhor” que aparece em nossas traduções com letras maiúsculas729


geralmente é a tradução do tetragrama hebraico hwhy (YHWH), que é reconhe-
cido como sendo o nome pessoal – “Nome glorioso e terrível” (Dt 28.58); “O
nome” (Lv 24.11) – e pactual de Deus (hw”hoy>) (Yehovah), o qual não é atribu-
ído a nenhum outro suposto Deus ou seres angelicais730.
É o Deus da Aliança que Se revelou por meio da Sua Lei. Ele é um Deus
Pessoal que Se relaciona pessoalmente com o Seu povo (Ex, 3.14). Não é um deus
abstrato, distante e inerte; antes, é o Senhor que ama, preserva, protege, disci-
plina e restaura o Seu povo.

728 PAPE, D. Cristo é o Senhor. 3. ed. São Paulo: ABU Editora, 1983, p. 26-27.
729 Consultar referência.
730 ANGLADA, P. Soli Deo Gloria: O Ser e as obras de Deus. Ananindeua, PA.: Knox Publicações, 2007,
p. 35. Veja: QUELL, G. ku/rioj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the
New Testament, v. 3, p. 1065-1066; PAYNE, J. B. Hawa. In.: HARRIS, R. L. et. al. eds. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 348.

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

Como bem sabemos, o texto hebraico original não constava de vogais, entre-
tanto, com o decréscimo do conhecimento da língua hebraica, tornou-se ainda
mais difícil a compreensão dos textos, visto que a introdução mental de uma
vogal errada, conduziria o leitor a uma interpretação equivocada. Por isso, desde
a Antiguidade várias tentativas foram feitas para se introduzir as vogais, o que
finalmente ocorreu de forma satisfatória pelos judeus da escola massorética de
Tiberías, por volta do ano 950 da Era Cristã.
No caso do nome hwhy (YHWH), que ocorre cerca de 7000 vezes no AT.731,
há algumas particularidades curiosas: Por volta do ano 300 a.C. ou um pouco

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antes, os judeus, devido a: (1) sua reverência para com Deus; (2) sua interpretação
de Lv 24.16 e Ex 3.15 e (3) o temor de serem culpados do pecado de profana-
ção, deixaram de pronunciar o nome YHWH. O que eles passaram a fazer foi
o seguinte: Todas as vezes que liam o nome YHWH em voz alta, esse nome era
substituído por yfnOdf) (‘âdônây)(“Senhor”)732. “Para indicar que esta substi-
tuição se devia fazer, os Massoretas733 intercalavam as vogais de ‘aDõNãY734 sob
as consoantes de JaHWeH, daí surgiu a palavra JeHowah ou ‘Jeová’”. (ARCHER
JR. 1974, p. 66). O certo é que hoje nós não temos condições de saber qual era a
pronúncia correta do tetragrammaton735 divino, daí, pronunciar-se de diversas
formas: Yavé, Javé, Jeová, dentre outras.
“É especialmente no nome Yhwh que o Senhor se revela como o Deus de
Graça” (BAVINCK, 1955, p. 103)736. Aqui, de modo especial, encontramos a afir-

731 A estatística não é precisa e os critérios variam: QUELL, G. ku/rioj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH,
G. eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 3, p. 1067; BROWN, F.; DRIVER, S. R.;
BRIGGS, C. A. A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford: Clarendon, 1953, p. 217b;
FRETHEIM, T. Javé: In: VANGEMEREN, W. A. (Org.). Novo Dicionário Internacional de Teologia e
Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 736.
732 Palavra usada exclusivamente para Deus. Cf. Gesenius’ Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old
Testament. 13. ed. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978, p. 12b. Sobre o porquê do uso específico
dessa palavra: CULLMAN, O. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 263ss.
733 Consultar referência.
734 Ainda que em menor escala, os Massoretas também intercalavam com o tetragrammaton, as vogais
de ‘Elohim. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 51;
HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt
6.9), p. 460-461.
735 BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 51; BAVINCK, H.
The Doctrine of God. 2. ed. Grand Rapids, Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co., 1955, p. 102ss.;
CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento, 2. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977, p. 64.
736 BAVINCK, H. The Doctrine of God. 2. ed. Grand Rapids, Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co.,
1955, p. 103.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


283

mação da imutabilidade de Deus, a confirmação do eterno cumprimento das Suas


promessas decorrentes do Pacto (Ex, 3.13,14; 6.2,3; 15.3; Sl, 83.18; Is, 42.8; Os,
12.5-6). Deus não muda em Seu relacionamento com o Seu povo737. Deus será o
que é independentemente das circunstâncias históricas, sobre as quais Ele tem
perfeito e total controle. Deus está comprometido com a história de Seu povo.
Ele é o Deus presente; o Deus fiel. Ele é o único e soberano Senhor.

O SENHORIO DE JESUS CRISTO


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A. O Nome “kyrios” aplicado a Jesus Cristo


Se todo aquele que confessar e invocar o nome do Senhor será salvo (Rm, 10.9,13),
como, então, Jesus diz: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino
dos céus (...)” (Mt 7.21)? Isso pode parecer contraditório; todavia não é. Vejamos,
então, como o designativo era empregado para Jesus Cristo.
No NT., Jesus é chamado de Senhor, com dois sentidos básicos738:
1) Como uma forma cortês de trato, equivalendo a rabbi (= mestre), o mestre e
senhor dos discípulos739. Há vários textos ilustrativos dessa forma de tratamento
dirigida a Jesus Cristo. Destacamos três textos paralelos relativos à transfigura-
ção de Cristo quando aparecem Moisés e Elias conversando com o Senhor Jesus.
Vejamos as três narrativas:
a) “Então, disse Pedro a Jesus: Senhor (Ku/rioj), bom é estarmos aqui; se
queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outra para
Elias” (Mt, 17.4).

737 KAISER JR., W. C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 111-112. “A fé
entende a imutabilidade como expressão da direção inalterável da vontade de Deus e como a afirmação
de que essa vontade, sob todas as circunstâncias e em toda a sua atividade, caracteriza-se pelo amor”
(AULÉN, G. A Fé Cristã. São Paulo: ASTE, 1965, p. 131).
738 Para um estudo mais exaustivo desse emprego, confira: BIETENHARD, H. Senhor. In: BROWN, C.
ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
1981-1983, v. 4, p. 423-432; FOERSTER, W.; QUELL, G. Ku/rioj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds.
Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v.
3, 1039-1098.
739 Consultar referência.

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

b) “Então, Pedro, tomando a palavra, disse: Mestre (r(abbi/), bom é estarmos


aqui e que façamos três tendas: uma será tua, outra, para Moisés, e outra, para
Elias” (Mc, 9.5).
c) “Ao se retirarem estes de Jesus, disse-lhe Pedro: Mestre (e)pista/thj)740, bom
é estarmos aqui; então, façamos três tendas: uma será tua, outra, de Moisés,
e outra, de Elias, não sabendo, porém, o que dizia” (Lc, 9.33).

2) No sentido de Messias exaltado, com suprema autoridade espiritual, corres-


pondendo a YHWH no AT.
Foi neste sentido que a palavra foi empregada pelo anjo quando anunciou

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o nascimento de Jesus:
8
Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guar-
davam o seu rebanho durante as vigílias da noite. 9E um anjo do Senhor
desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles;
e ficaram tomados de grande temor. 10O anjo, porém, lhes disse: Não
temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para
todo o povo: 11é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que
é Cristo, o Senhor (ku/rioj) (Lc 2.8-11)741.

A palavra ku/rioj, que, em seu emprego grego, carrega a compreensão de lega-


lidade e autoridade do senhorio742, quando aplicada a Jesus no sentido mais
profundo e denso, correspondia não ao grego comum, mas, sim, ao hwhy do
Antigo Testamento. É oportuno realçar que muitas das referências feitas a Jesus
como Senhor consistem em citações de textos do Antigo Testamento que se refe-
riam a Deus:

740 Palavra que só aparece no Evangelho de Lucas. *Lc 5.5; 8.24.45; 9.33,49; 17.13. O uso secular dessa
palavra para designar o mestre é amplo. A expressão pode indicar alguém que conduz um elefante,
supervisor de obras públicas (Ex 1.11; 5.14;1Rs 5.16; 2Cr 2.2), o líder de uma associação atlética ou de
um templo, um magistrado ou governador de uma cidade, líder de uma escola filosófica e, até mesmo,
uma deidade guardiã (veja: OEPKE, A. E)pista/thj: In: KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. eds. Theological
Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 622-
623).
741 Veja, também, Mc 12.36,37; Lc 1.43; 3.4; Jo 20.28; At 2.36; 10.36; Rm 10.9; 1Co 2.8; 8.6; 12.3; Fp 2.11, Tg
2.1; Ap 19.16, etc.
742 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


285

Atos 2.20-21: 20O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que
venha o grande e glorioso Dia do Senhor. 21E acontecerá que todo aquele que
invocar o nome do Senhor será salvo.
Romanos 10.13: Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Joel 2.31-32: 31O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que
venha o grande e terrível Dia do SENHOR. 32 E acontecerá que todo aquele
que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte Sião e em
Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre
os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar.
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1 Coríntios 5.5: Entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que


o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus.
2Tessalonicenses 1.7-10: 7e a vós outros, que sois atribulados, alívio junta-
mente conosco, quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do
seu poder, 8em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhe-
cem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor
Jesus. 9Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do
Senhor e da glória do seu poder, 10quando vier para ser glorificado nos seus
santos e ser admirado em todos os que creram, naquele dia (porquanto foi
crido entre vós o nosso testemunho).
Isaías 66.6: Voz de grande tumulto virá da cidade, voz do templo, voz do
SENHOR, que dá o pago aos seus inimigos.
1Pedro 3.15: Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando
sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da espe-
rança que há em vós
Isaías 8.13: Ao SENHOR dos Exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso temor,
seja ele o vosso espanto.

Por isso, em diversos textos do Novo Testamento, a identificação de Cristo com o


Pai é tão evidente que não se tem certeza se o título “Senhor” está sendo empre-
gado para o Pai ou para o Filho: “E, orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces o
coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido” (At 1.24). “Louvando
a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-
-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47).

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

“Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, não o


vendo mais o eunuco; e este foi seguindo o seu caminho, cheio de júbilo” (At
8.39). (Outros textos: At 9.31; 11.21; 13.10-12; 16.14; 20.19; 21.14; Rm 14.11)743.
Antes da morte de Jesus Cristo, os seus discípulos dão prova de reconhecerem
o Seu Senhorio. O que por certo contribuiu para isso foi a própria interpretação
feita por Jesus Cristo do Salmo 110.1 (Mt 22.41-45 e paralelos)744, embora sai-
bamos que os rabinos também aceitavam o caráter messiânico desse salmo745.
Todavia ninguém havia dito que o “Filho de Davi” era também “Senhor de Davi”.
Entretanto o título ku/rioj só foi alcançado plenamente depois da Sua res-

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surreição e ascensão, quando, então, não houve mais dúvida quanto a ser Jesus,
o Senhor e Cristo746. Por isso, Pedro pôde falar ousadamente diante do povo e
das autoridades judaicas:
29
Irmãos, seja-me permitido dizer-vos claramente a respeito do patriar-
ca Davi que ele morreu e foi sepultado, e o seu túmulo permanece entre
nós até hoje. 30Sendo, pois, profeta e sabendo que Deus lhe havia ju-
rado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono, 31pre-
vendo isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado na
morte, nem o seu corpo experimentou corrupção. 32A este Jesus Deus
ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. 33Exaltado, pois, à
destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo,
derramou isto que vedes e ouvis. 34Porque Davi não subiu aos céus,
mas ele mesmo declara: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à
minha direita, 35até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus
pés. 36Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a
este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor (ku/rioj) e Cristo
(Veja: At 2.29-36. Veja, também: 1Co 15.25; Hb 1.3,10,13).

Esta convicção dos discípulos de Cristo, os impulsionou a testemunharem com


firmeza, que Jesus era o Cristo (At 5.42) e Senhor (At 10.36).

743 ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 280.
744 DODD, C. H. Segundo as Escrituras. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 31-32.
745 Consultar referência.
746 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


287

B. Características do Senhorio de Cristo

1) É o único Senhor
Em última instância, todos temos apenas um único Senhor. Jesus Cristo é o
Senhor dos senhores. Os senhores humanos, por mais poderosos que sejam em
relação a seus bens e subordinados, na sua relação com Deus são apenas servos.
Paulo escreve aos coríntios:
4
No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo, de si
mesmo, nada é no mundo e que não há senão um só Deus. 5Porque,
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ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu ou


sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores (ku/rioj), 6
todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e
para quem existimos; e um só Senhor (ku/rioj), Jesus Cristo, pelo qual
são todas as coisas, e nós também, por ele (1Co 8.4-6).

Esse conceito é repetido em outros lugares: “Há um só Senhor (ku/rioj), uma


só fé, um só batismo” (Ef, 4.5).
Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais,
desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta conde-
nação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de
nosso Deus e negam o nosso único Soberano (despo/thj)747 e Senhor
(ku/rioj), Jesus Cristo (Jd, 4).

Essa convicção não deve nos conduzir à rebeldia ou ao desprestígio pecaminoso


dos senhores terrenos, os quais, sendo legítimos, têm sua esfera e importância
dentro da ordem social, produto da graça comum de Deus. Antes, deve nos con-
duzir à consciência de nossa lealdade e prioridade na submissão ao nosso Senhor.
Em Apocalipse, lemos: “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os ven-
cerá, pois é o Senhor (ku/rioj) dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também
os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele” (Ap, 17.14). “Tem no seu
manto e na sua coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR (ku/rioj)
DOS SENHORES (ku/rioj)” (Ap 19.16).

747 * Lc 2.29; At 4.24; 1Tm 6.1,2; 2Tm 2.21; Tt 2.9; 1Pe 2.18; 2Pe 2.1; Jd 4; Ap 6.10. A palavra “denota o
senhor como dono e amo nas esferas da vida pública e familiar” (BIETENHARD, H. Senhor. In: BROWN,
C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
1981-1983, v. 4, p. 421).

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

Essa certeza traz consigo implicações sociais. Em uma sociedade escravagista748,


em que o escravo só tinha deveres, nenhum direito, não passando de uma ferra-
menta humana que o senhor poderia usar como lhe aprouvesse e, da mesma forma,
descartá-lo749, o apóstolo, em atitude que seria inusitada fora do Cristianismo,
instrui os senhores: “Senhores (ku/rioj), tratai os servos com justiça e com
equidade, certos de que também vós tendes Senhor (ku/rioj) no céu” (Cl, 4.1).

2) É o Senhor Todo-Poderoso
O Senhorio de Cristo não é apenas de honra, ou, quem sabe, simbólico, alu-

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dindo a uma tradição que nos tornaria diferentes de outros povos. Jesus Cristo é
o Senhor Todo-Poderoso. O seu poder provém Dele mesmo, não estando ampa-
rado e dependente de nada fora de Si mesmo.
O apóstolo João, quando escreve às sete igrejas da Ásia, se apresenta como
tendo sido enviado pelo Senhor, Aquele que é Onipotente, cujo majestoso poder
se estende sobre todas as coisas e pessoas:
5
E da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mor-
tos e o Soberano (a)/rxwn) dos reis da terra. Àquele que nos ama, e,
pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, (...) 8Eu sou o Alfa e
Ômega, diz o Senhor (ku/rioj) Deus, aquele que é, que era e que há
de vir, o Todo-Poderoso (pantokra/twr) (= Onipotente)750 (Ap 1.5,8).

3) É o Senhor Eterno
O Deus Todo-Poderoso não tem mandato em Seu governo. Ele é o Senhor Criador
e preservador de todas as coisas. Na época de eleições, os governantes correm
para realizarem obras que lhes rendam votos e contratos negociáveis em causa

748 “A Igreja nasceu numa sociedade em que a escravidão humana era uma instituição aceita, sancionada
pela lei e parte do arcabouço da civilização greco-romana” (MARTIN, R. P. Colossenses e Filemon:
introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão/Vida Nova, 1984, p. 132).
749 “Ante os olhos da lei o escravo era uma coisa. Não existia algo assim como um código de condições
de trabalho. Quando um escravo não era apto para o trabalho podia ser despedido, ainda que viesse a
morrer. O escravo não tinha o direito de casar-se e se chegava a ter um filho este pertencia ao amo, como
os cabritos de um rebanho ao pastor. O amo podia açoitá-lo, marcá-lo a fogo e matá-lo sem que ninguém
o impedisse. Novamente todos os direitos pertenciam ao amor e os deveres ao escravo” (BARCLAY,
W. Filipenses, Colosenses, I y II Tesalonicenses. Buenos Aires: La Aurora (El Nuevo Testamento
Comentado, v. 11), 1973, (Cl 3.18-4.1), p. 172).
750 *2Co 6.18; Ap 1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7,14; 19.6,15; 21.22.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


289

própria. Os gastos em propaganda aumentam grandemente. A oposição coni-


vente torna-se concorrente e tudo isso indica, dentre outras coisas mais graves,
a constatação de que podemos “estar poderosos” durante determinado período,
porém isso passa. E mais: ainda que conseguíssemos nos perpetuar no poder, a
nossa longevidade tem limites. Como escreveu o salmista:
2
Louvarei ao SENHOR durante a minha vida; cantarei louvores ao meu
Deus, enquanto eu viver. 3Não confieis em príncipes, nem nos filhos
dos homens, em quem não há salvação. 4Sai-lhes o espírito, e eles tor-
nam ao pó; nesse mesmo dia, perecem todos os seus desígnios. 5Bem-a-
venturado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança
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está no SENHOR, seu Deus, 6que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que
neles há e mantém para sempre a sua fidelidade (Sl, 146.2-6).

Pedro, escrevendo a irmãos que estavam sendo assolados por heresias que visa-
vam, em última instância, negar o senhorio de Cristo (2Pe, 2.1), os estimula a
amadurecer em sua fé, valendo-se dos recursos que Deus tem proporcionado à
igreja para a sua plena maturidade. Conclui, então: “Pois desta maneira é que vos
será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor (ku/rioj) e
Salvador Jesus Cristo” (2Pe, 1.11).
É justamente por isso que a Palavra do Senhor permanece eternamente. Pedro
encoraja as igrejas perseguidas. Prosseguindo em seu argumento, demonstra que
essa Palavra é que lhes fora anunciada. Não há outra palavra: “24Pois toda carne
é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua
flor; 25a palavra do Senhor (ku/rioj), porém, permanece eternamente. Ora, esta
é a palavra que vos foi evangelizada” (1Pe, 1.24,25).
A Lei do Senhor não tem prazo de validade. O que Pedro anunciou com
fidelidade é a Palavra do Senhor, a mesma que ele repete agora. Essa palavra per-
manece para sempre. Ela é a “palavra do Senhor”, o Senhor eterno.
Jesus Cristo é o Senhor. Senhor do tempo e da eternidade, quer aqui, quer
no céu; quer na vida, quer na morte. O seu reinado permanece. Não há esfera
ou dimensão da existência que lhe seja estranha:
8
Porque, se vivemos, para o Senhor (ku/rioj) vivemos; se morremos,
para o Senhor (ku/rioj) morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos,
somos do Senhor (ku/rioj). 9Foi precisamente para esse fim que Cristo
morreu e ressurgiu: para ser Senhor (kurieu/w) tanto de mortos como
de vivos (Rm, 14.8-9).

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

4) É Senhor sobre todas as coisas


Jesus Cristo governa todas as coisas, conhecidas e ignoradas, visíveis e invisíveis.
O seu domínio não está limitado a nossa compreensão e abrangências do real.
Desse modo, as incontáveis galáxias, o universo, a história, os governantes, os
pássaros e os fios de cabelo que nos escapam não escapam ao seu poder e con-
trole. A abrangência de seu domínio não exclui a particularidade de seu poder
e controle. Ele é Senhor do universo e cuida, particularmente, de Sua igreja.
Pedro, quando anuncia o Evangelho na casa de Cornélio, declara: “Esta é
a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da

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paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor (ku/rioj) de todos” (At, 10.36).
Paulo, quando prega no areópago ateniense, proclama o senhorio e auto-
nomia de Deus: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele
Senhor (ku/rioj) do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos
humanas” (At, 17.24).
Posteriormente, escrevendo aos Romanos, os instrui: “Pois não há distin-
ção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor (ku/rioj) de todos,
rico para com todos os que o invocam” (Rm, 10.12).

5) É o Senhor misericordioso
A situação do homem sem Deus é deplorável, totalmente dominado pelo pecado.
Deus, no entanto, nos trata com misericórdia, não debitando em nossa conta
a nossa dívida, a qual jamais poderíamos pagar, antes, a aumentaríamos sem-
pre751. O nosso único recurso, portanto, é recorrer à misericórdia gratuita de
Deus752. Somos carentes da Sua misericórdia, daí a necessidade de buscarmos a
Deus diante do trono da sua misericórdia, para que possamos ter a bênção da
bem-aventurança que começa por nossa reconciliação com Ele. Somente assim
encontraremos o antídoto para as nossas misérias espirituais.
Misericórdia merecida, portanto, é uma contradição de termos753. Misericórdia
sempre pressupõe a indignidade daquele que a recebe. Enquanto a graça ressalta

751 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 32.1), p. 39.
752 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6.4), p. 128-129.
753 PINK, A. W. Deus é Soberano. Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 23.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


291

a grandeza de Deus em relação aos homens; a misericórdia retrata como o Deus


majestoso vem ao nosso encontro, em nossa miséria espiritual, nos perdoando
os pecados, restaurando-nos à comunhão com Ele por meio de Seu Filho, Jesus
Cristo.
O apóstolo Paulo, no final da vida, mencionando alguns episódios de sua
história, cita um irmão, Onesíforo, que lhe foi leal e de grande valia em seus
sofrimentos. Ora, então, em seu favor:
16
Conceda o Senhor (ku/rioj) misericórdia à casa de Onesíforo, por-
que, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas
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algemas; 17antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamen-


te até me encontrar. 18O Senhor (ku/rioj) lhe conceda, naquele Dia,
achar misericórdia da parte do Senhor (ku/rioj). E tu sabes, melhor
do que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso (2Tm, 1.16-18).

Judas estimula a igreja a permanecer firme em sua fé, aguardando a manifes-


tação da misericórdia do Senhor: “Guardai-vos no amor de Deus, esperando a
misericórdia de nosso Senhor (ku/rioj) Jesus Cristo, para a vida eterna” (Jd, 21).

6) É o Senhor Bondoso
O Senhorio de Cristo se manifesta, também, em atos de bondade para conosco
(Rm, 10.12) ainda que nem sempre percebamos isso por nos acostumarmos com a
Sua bondade em nossa rotina cotidiana. Contrariamente, por vezes, costumamos
pensar que o mundo, a vida e todas as demais coisas funcionam naturalmente,
não como uma manifestação da bondade do Senhor para com todos. Deus nos
governa paternalmente com espírito de mansidão e benignidade754.
Pedro estimula a igreja a ter maior comunhão com Deus, desenvolvendo a
sua salvação em santificação. Fazendo eco ao Salmo 34.8, testa, então, a sua expe-
riência com Deus: “Se é que já tendes a experiência de que o Senhor (ku/rioj) é
bondoso” (1Pe, 2.3).

7) É o Senhor Longânimo e perdoador


Você seria paciente com os rebeldes se detivesse todo o poder de determinar, exe-
cutar a sua deliberação e total controle das consequências? Possivelmente, não.

754 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.2), p. 163.

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

O Senhor, no entanto, é longânimo conosco, visando a nossa salvação: “Não


retarda o Senhor (ku/rioj) a sua promessa, como alguns a julgam demorada;
pelo contrário, ele é longânimo (makroqume/w) para convosco, não querendo
que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe, 3.9,15/
Rm, 2.4).
O objetivo de Deus em sua clemência é levar os homens ao arrependimento
e conversão, tornando-se assim para Ele.
A longanimidade de Deus não é vingativa, antes, perdoadora. Na parábola
do Credor Incompassivo, o servo, sincero, mas com uma visão otimista de sua

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capacidade, suplica ao seu senhor pedindo-lhe “paciência”: “26Então, o servo,
prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente (makroqume/w) comigo, e tudo te
pagarei. 27E o senhor (ku/rioj) daquele servo, compadecendo-se, mandou-o
embora e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18.26-27).
Em nossa salvação, vemos a longanimidade de Jesus Cristo. Paulo, antigo
Saulo, experimentou de modo intenso a paciência de Deus para com Ele. Dá o
seu testemunho: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia,
para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longa-
nimidade (makroqumi/a), e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele
para a vida eterna” (1Tm, 1.16)755.
Do mesmo modo, Pedro escreve: “(...) Tende por salvação a longanimidade
(makroqumi/a) de nosso Senhor (ku/rioj), como igualmente o nosso amado
irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada” (2Pe, 3.15).
Notemos que a longanimidade de Deus não significa indecisão, antes, dentro
do Seu propósito, ela é exercitada a fim de que todos aqueles que constituem o
Seu povo escolhido se arrependam de seus pecados e sejam salvos (2Pe, 3.9,15).

8) É o Senhor que Julga retamente


Jesus Cristo é o Senhor que julga os anjos, os povos e, também, a Sua igreja. Nada
escapa ao seu escrutínio (Hb, 12.23). Paulo, no final da vida, se confortava nessa
certeza que o acompanhou em sua existência e pontuou seus ensinamentos:

755 “Paulo é um exemplo vivo da paciência divina, uma prova da misericórdia de Deus para com os
pecadores” (FALKENROTH, U.; BROWN, C. Paciência: In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 376).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


293

8
Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor (ku/rioj),
reto (di/kaioj) juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas
também a todos quantos amam a sua vinda. (....) 14Alexandre, o latoeiro,
causou-me muitos males; o Senhor (ku/rioj) lhe dará a paga segundo
as suas obras” (2Tm, 4.8,14/Jo, 5.26-27).

As nossas causas não são indiferentes a Deus. Os nossos juízos e os juízos dos
outros a nosso respeito não são coisas de somenos importância aos olhos do
Senhor que percebe as coisas como de fato são, visto que tudo Ele tem diante de
si, já que tudo que existe, existe por sua preservação.
Comentado o Salmo 62, Calvino (1509-1564) escreve:
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O Deus que governa o mundo por sua providência o julgará com justi-
ça. A expectativa disso, devidamente apreciada, terá um feliz efeito na
disposição de nossa mente, acalmando a impaciência e restringindo
qualquer disposição ao ressentimento e retaliação em face de nossas
injúrias756.

Paulo escreve aos coríntios:


4
Porque de nada me argui a consciência; contudo, nem por isso me dou
por justificado, pois quem me julga é o Senhor (ku/rioj). 5Portanto,
nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor (ku/rioj), o qual
não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também
manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu
louvor da parte de Deus (1Co, 4.4-5).

O juízo de Cristo será íntegro devido à Sua própria natureza e, também, devido à
sua onisciência: nada ficará oculto diante do Seu escrutínio (Mt, 10.26; Lc, 8.17;
Rm, 2.16; 1Co 4.5). Todavia, como acentua Bavinck (1965, p. 86 ).
(...) quando Cristo começar a julgar, nós sabemos que tipo de julga-
mento será esse: misericórdia e Graça e ao mesmo tempo perfeita justi-
ça. Ele conhece a natureza do homem e tudo o que há nela; Ele conhece
os lugares secretos do coração e pode detectar nele todo mal e corrup-
ção, mas Ele vê também o menor começo de fé e de amor que estiver
presente ali. Ele não julga de acordo com a aparência, nem de acordo
com pessoas, mas de acordo com a verdade e com a justiça757.

756 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 62.12), p. 584.
757 Consultar referência.

Fé no Senhor Jesus: O Único Senhor


V

9) É o Senhor da Glória
A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o Seu ministério
terreno não conseguia perceber que aquele homem tão doce e acessível, amado e
odiado, reverenciado e temido era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor
da glória758. Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento
humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum
dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais
teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória” (1Co, 2.8/Tg, 2.1/Jo, 17.1-5)
Ele fez-se pobre por amor do Seu povo: “Pois conheceis a graça de nosso

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Senhor (ku/rioj) Jesus Cristo, que, sendo rico (plou/sioj), se fez pobre por amor
de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos (ploute\w)” (2Co, 8.9).
O Senhorio de Cristo sobre o Seu povo é um Senhorio Pastoral. Ele não ape-
nas nos governa, mas também nos protege, ensina, disciplina, sustenta etc. Por
isso, o escritor da Carta aos Hebreus orou em favor dos crentes aos quais se des-
tinava: “Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus nosso
Senhor (ku/rioj), o grande Pastor das ovelhas (...)” (Hb, 13.20. Veja, também,
Jo 10.11; 1Pe 5.4).

JESUS E A RESSURREIÇÃO

Paulo mostra quão estúpido é desprezar em Cristo a humilhação da


cruz, visto que esta se acha associada à incomparável glória de sua res-
surreição (CALVINO, 1995, (2Co 13.4), p. 262).

Paulo está realizando a sua Segunda Viagem Missionária. Partindo de


Antioquia da Síria759 (At 15.35), inicia a sua missão acompanhado por Silas,

758 SPROUL, R. C. A Glória de Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 1997.


759 Antioquia da Síria, que distava uns 480 kms de Jerusalém, era a mais famosa das Antioquias, tendo
sido fundada aproximadamente no ano 300 a.C. por Seleuco I, Nicator (“Conquistador”) (c. 358-280
a.C.), que, homenageando seu pai, Antíoco, designou assim 16 cidades com o mesmo nome. Essa era uma
grande cidade (com cerca de 500 mil habitantes), sendo ultrapassada numericamente apenas por Roma
e Alexandria. Paulo começaria e terminaria a Segunda Viagem Missionária em Antioquia (At 15.35-36;
18.22-23).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


295

a quem escolhera (At 15.40). O seu primeiro propósito era confirmar a fé dos
irmãos das regiões por onde passara com Barnabé (At 15.36). Após percorrer
toda a região, Paulo desejava ir para a Bitínia, porém, o Espírito de Deus não o
permitiu (At 16.7). Depois, ele teve a visão “na qual um varão macedônio estava
em pé e lhe rogava, dizendo: Passa a Macedônia, e ajuda-nos” (At, 16.9). Ele
concluiu corretamente que Deus o havia chamado (proskale/omai)760 para
aquela região (At 16.10): assim o Evangelho chegou à Europa, sendo o portão
de entrada a cidade de Filipos.
Paulo chegou a Filipos, por volta do ano 49, em companhia de Silas, Timóteo e
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Lucas (At, 16.1-3,10-12; 1Ts, 1.1/2.2). Assim, pôde pregar naquela colônia romana,
evangelizando a Lídia, a vendedora de púrpura e a todos os seus familiares (At,
16.14,15). Poucos judeus residiam na cidade. O “lugar de oração” (At, 16.13)
indica a presença de alguns judeus, porém, em número inferior a dez homens,
quantidade mínima considerada para se formar uma sinagoga. De acordo com
a lei da Mishná, era permitido que dez homens judeus formassem, em qualquer
lugar, uma sinagoga761. Havia cidades, inclusive, que possuíam várias. Estima-se
que em Jerusalém houvesse cerca de 500 delas762.
Paulo expulsou o demônio de uma jovem adivinhadora, dando prejuízo aos
seus senhores; ele foi acusado, açoitado e preso (At, 16.16-24). Na prisão, teste-
munhou sua fé aos outros companheiros de cela; teve também a oportunidade
de pregar ao carcereiro que foi convertido juntamente com os seus familiares
(At, 16.25-34).
Quando as autoridades descobriram que Paulo era cidadão romano, reco-
nheceram que transgrediram a lei, visto que o haviam prendido e açoitado sem
que houvesse um processo formal contra ele (At, 16.35-38).
Libertos, Paulo e Silas vão embora; Lucas deve ter permanecido em Filipos
(Compare: At, 16.10,12,13/At, 16.40; 17.1). Quando Paulo e Silas partem, ao
que parece, a Igreja ficou se reunindo na casa de Lídia (At, 16.40). Vemos que,

760 A palavra tem o sentido de “convocar”. Dentre outros textos, ela ocorre, também, em At 13.2,7.
761 Consultar referência.
762 HALE, B. B. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983, p. 17. Variando
as estimativas entre 394 e 480 (Cf. SCHAFF, P. History of the Christian Church. Peabody, Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1996, v. I, p. 457).

Jesus e a Ressurreição
V

ao longo dos anos, os crentes filipenses permaneceram em contato com Paulo,


auxiliando-o em seu ministério, provendo recursos para as suas necessidades
(2Co, 11.9; Fp, 1.5; 4.15-19). Paulo visitou a Igreja em pelo menos duas outras
ocasiões antes de sua prisão em Jerusalém e a redação da carta destinada à Igreja
(2Co, 2.12,13; 7.5-7; At, 20.1,3,6).
Paulo agora está em Tessalônica, cidade na qual havia um grupo maior de
Judeus. Pregou durante 3 semanas na Sinagoga. Possivelmente, permaneceu
ali mais tempo. Alguns judeus foram convertidos, assim como muitos gregos e
mulheres distintas (nobres) (At, 17.2-4).

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Outros judeus, no entanto, movidos de inveja, subornaram homens da malan-
dragem (a)gorai=oj = “vagabundo”, “desordeiro”, “homens de mercado”) (At,
17.5) e juntos alvoroçaram a cidade, movendo uma perseguição contra Paulo e
Silas, invadindo, inclusive, a casa de um certo Jasom que os havia hospedado.
A palavra ou, mais propriamente, o grito desses homens que conclamava o
povo à perseguição era: “Estes que têm transtornado o mundo chegaram também
aqui” (At, 17.6). A acusação que causou um reboliço no povo e nas autorida-
des era: “Todos estes procedem contra o decreto de César, afirmando ser Jesus
outro rei” (At, 17.7).
Jasom e outros irmãos foram presos e, posteriormente, libertos após pagarem
a fiança estipulada (At, 17.9); fiança que pode ter sido apenas um compromisso
de não mais hospedar tais homens e promover a sua partida da cidade.
À noite, irmãos cuidadosos promoveram a saída de Paulo e Silas de Tessalônica,
indo então para Beréia (80 km), onde continuaram o seu trabalho (At, 17.10).
Notemos que a afirmação de que “Estes que têm transtornado (a)nastato/w
= “sublevar”, “incitar”, “revolucionar”)763 o mundo chegaram também aqui” (At
17.6), ou, mais literalmente: “estes que têm causado problemas em todo lugar”
indica, por um lado, que a fama de seu trabalho era evidente, causando grande
transformação; por outro lado, revela, também, que a sua mensagem era olhada
com desconfiança, especialmente por parte dos judeus.
Aqui, aprendemos, de passagem, quão revolucionário é o Evangelho; ele afeta
a nossa mente e coração, transformando a nossa maneira de ver, sentir e agir no

763 * At 17.6; 21.38; Gl 5.12.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


297

mundo, apresentando-nos um novo senso de valores, o qual é regido pela Palavra


de Deus764. “Quando o cristianismo entra em ação realmente deve causar uma
revolução tanto na vida do indivíduo como na da sociedade”765.
Paulo está sozinho em Atenas. Em Beréia, por onde passara, o Evangelho
pregado mais uma vez operou transformação na vida dos que creram (At, 17.11-
12). As notícias correram rapidamente. Os judeus de Tessalônica irados com o
poder transformador do Evangelho promovem perseguição a Paulo também em
Beréia (At, 17.13). A igreja o ajuda a fugir; ele é conduzido a Atenas, onde per-
manece aguardando a vinda de Silas e Timóteo (At, 17.14-15). Ainda que Lucas
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não detalhe, é provável que Silas e Timóteo vieram a Atenas e, em seguida, Paulo
os enviou a Tessalônica para exortar, consolar e fortalecer os crentes tessaloni-
censes. Posteriormente, eles se encontraram em Corinto. O relatório apresentado
trouxe grande conforto a Paulo. A igreja, apesar de jovem e perseguida, perma-
necia firme no Senhor (At, 18.1-5/1Ts, 3.1-10).
Votemos a Atenas. Ali, Paulo, enquanto aguardava seus companheiros, ao
invés de simplesmente descansar ou procurar conhecer aquela cidade magní-
fica de que tanto ouvira falar desde a sua infância, ficou indignado, irritado com
a intensa idolatria praticada766; a cidade estava sufocada, totalmente dominada
por sua fé ingênua e politicamente correta em diversos deuses (At 17.16)767. No
entanto, a sua fé não tira férias nem se amedronta, antes, se revela em atos con-
cretos: começou, então, a pregar o Evangelho; primeiramente, entre os judeus;
em seguida, a todos na praça e, também, debatia com os filósofos epicureus e
estoicos (At 17.17-18). Aqui, chegamos a nosso ponto: a mensagem de Paulo.
Lucas relata que ele “Pregava (eu)aggeli/zomai) a Jesus e a ressurreição” (At,
17.18). Analisemos, agora, alguns aspectos da Ressurreição de Cristo como con-
teúdo da pregação da igreja cristã.

764 “A experiência cristã que acontece apenas no coração, e que não renovou nossa mente, é inadequada
e, de acordo com Jesus, profundamente falha. Falta-lhe o arrependimento e seu amor é incompleto”
(BARCLAY, O. Mente Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 16).
765 Consultar referência.
766 “Não é preciso supor que Paulo fosse cego à beleza deles (estátuas pagãs primorosamente
confeccionadas). Mas ele não se impressionava com uma beleza que não honrasse Deus o Pai e o Senhor
Jesus Cristo. Pelo contrário, ele ficou oprimido pelo emprego idólatra da criatividade artística dada por
Deus aos atenienses. Foi isso que Paulo viu: uma cidade submersa nos seus ídolos” (STOTT, J. R. W. A
Mensagem de Atos: até os confins da Terra. São Paulo: ABU Editora, 1994, (At 17.16-34), p. 313).
767 A palavra traduzida por “revoltava” (parocu/nw) tem o sentido também de ira, irritação (*At 17.16; 1Co
13.5).

Jesus e a Ressurreição
V

A morte de Cristo, que parecia uma vitória de satanás sobre o Reinado do Senhor,
não o foi, antes, foi a realização do propósito de Deus. A ressurreição de Cristo
é o coroamento do Seu Ministério terreno, assinalando a sua vitória definitiva.
Ela, portanto, é repleta de significado para o Ministério de Cristo e, consequen-
temente, para a vida da Igreja, que é o Seu Corpo. Sem a ressurreição, a obra de
Cristo seria nula, a Igreja não existiria, não haveria salvação, estaríamos todos
perdidos para sempre! “Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos(...)”
(1Co, 15.20); esta é a fé da Igreja; é nossa certeza. Estudemos, agora, esse tema
de tão grande importância.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Paulo, pregando em Antioquia, demonstra essa realidade citando o Salmo 2:
32
Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais,
33
como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a
Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho,
eu, hoje, te gerei. 34E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para
que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a
vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. 35Por isso, também
diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção.
36
Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, con-
forme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu
corrupção. 37Porém aquele a quem Deus ressuscitou não viu corrupção
(At, 13.32-37).

Da mesma forma, escreve aos Romanos: “E foi designado (o(ri/zw) (deter-


minado, constituído, destinado)768 Filho de Deus com poder, segundo o espírito
de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor”
(Rm, 1.4).
A ressurreição de Cristo é a validação divina do Seu ministério769. “A ressur-
reição é a inversão divina da sentença que o mundo impôs a Jesus”770. Nela, temos
a manifestação pública de sua filiação divina e da aprovação de Seu Ministério771.
“A ressurreição é o ponto que marca o começo de uma nova época na existência

768 * Lc 22.22; At 2.23; 10.42; 11.29; 17.26,31; Rm 1.4; Hb 4.7.


769 Consultar referência.
770 Consultar referência.
771 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 2.7), p. 68-69. “Gerar [Sl 2.7],
aqui, tem referência àquilo que foi feito conhecido. (...) Cristo foi declarado Filho de Deus pelo exercício
público de um poder verdadeiramente celestial, ou, seja, o poder do Espírito, quando Ele ressuscitou dos
mortos” (CALVINO, J. Romanos. 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 1.4), p. 39,40).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


299

do Filho de Deus. Sendo, antes, Filho de Deus em debilidade e humilhação, pela


ressurreição, torna-se o Filho de Deus em poder”772.
O Pai glorificou o Filho na ressurreição: “Assim, também Cristo a si mesmo
não se glorificou para se tornar sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe
disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb, 5.5).

A RESSURREIÇÃO DE CRISTO FOI PREDITA


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Predita pelos Profetas


A doutrina da ressurreição encontra no Antigo Testamento apenas pequenos vis-
lumbres, sendo aclarada totalmente no Novo Testamento, especialmente após a
ressurreição de Jesus Cristo773. Todavia, ali temos indícios suficientes da morte
e ressurreição do Messias. Tais referências tornam-se mais claras, à luz da inter-
pretação dada por Jesus e pelos apóstolos, os quais juntamente com os profetas,
constituem-se no modelo perene e fiel de interpretação da Palavra.
Davi escreve profeticamente: “Pois não deixarás a minha alma na morte,
nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” (Sl, 16.10). Pedro, interpre-
tando774 essa passagem, diz:
“Irmãos, seja-me permitido dizer-vos claramente, a respeito do patriar-
ca Davi, que ele morreu e foi sepultado e o seu túmulo permanece entre
nós até hoje. Sendo, pois, profeta, e sabendo que Deus lhe havia jurado
que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono; prevendo
isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado na morte,
nem o seu corpo experimentou corrupção. A este Jesus Deus ressusci-
tou, do que todos nós somos testemunhas” (At, 2.29-32).

772 NYGREN, A. Commentary on Romans. 5. ed. Philadelphia: Fortress Press, 1980, p. 51. “Por meio
de sua gloriosa ressurreição, sua investidura com poder não só foi realçada, mas também começou a
resplandecer em toda sua glória” (HENDRIKSEN, W. Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm
1.4), p. 58-59).
773 Consultar referência.
774 “A fé cristã primitiva reinterpretou o Antigo Testamento à luz dos novos eventos revelatórios de Cristo.
Isto não equivale, necessariamente, a que haja uma relação matemática – uma por uma – entre a profecia
e seu cumprimento. Significa que a corrente inteira da história e a profecia do Antigo Testamento se
cumprem em Cristo” (LADD, G. E. Creo en la Resurreccion de Jesus. Miami, Florida: Editorial Caribe,
1977, p. 142).

Jesus e a Ressurreição
V

Como indicativo das referências veterotestamentárias alusivas à ressurreição de


Jesus Cristo, à luz das interpretações de Jesus e dos apóstolos, vejamos os tex-
tos abaixo:
• Salmo 16.10: “Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permiti-
rás que o teu Santo veja corrupção”.
• Isaías 26.19: “Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e res-
suscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho,
ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos”.

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• Oséias 6.2: “Depois de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos levan-
tará, e viveremos diante dele”.
• Lucas 24.27; 44-46: “27E, começando por Moisés, discorrendo por todos
os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as
Escrituras. 44A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos
falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim
está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45Então, lhes
abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46e lhes disse:
Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os
mortos no terceiro dia”.
• Atos 2.29-31: “29Irmãos, seja-me permitido dizer-vos claramente a res-
peito do patriarca Davi que ele morreu e foi sepultado, e o seu túmulo
permanece entre nós até hoje. 30Sendo, pois, profeta e sabendo que Deus
lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono,
31
prevendo isto, referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado
na morte, nem o seu corpo experimentou corrupção”.
• Atos 13.32-37: “32Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a
nossos pais, 33como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressus-
citando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu
Filho, eu, hoje, te gerei. 34E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para
que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso
favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. 35Por isso, também diz em
outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção. 36Porque, na
verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio
de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. 37Porém
aquele a quem Deus ressuscitou não viu corrupção”.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


301

• Atos 26.22-23: “22Mas, alcançando socorro de Deus, permaneço até ao


dia de hoje, dando testemunho, tanto a pequenos como a grandes, nada
dizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haver de acontecer,
23
isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro da ressurreição
dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios”.

Predita pelo próprio Jesus


Jesus Cristo tinha perfeita consciência da Sua Missão. Essa consciência envolvia
também a certeza da Sua ressurreição; por isso, Ele a anunciou como fato que se
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sucederia à sua morte, a qual também era evidentemente certa. Curiosamente,


seus discípulos pareciam entender apenas parte do que dizia: o sofrimento e a
morte, não a ressurreição e a glória. Vejamos alguns exemplos: depois da res-
posta de Pedro, identificando a Jesus como o Cristo, relata Mateus: “Desde esse
tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário
seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdo-
tes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (Mt, 16.21). Em outra
ocasião: “Reunidos eles na Galiléia, disse-lhes Jesus: O Filho do Homem está
para ser entregue nas mãos dos homens; e estes o matarão; mas, ao terceiro dia,
ressuscitará. Então, os discípulos se entristeceram grandemente” (Mt, 17.22-23).
Estando Jesus para subir a Jerusalém, chamou à parte os doze e, em
caminho, lhes disse: Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do
Homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas. Eles o
condenarão à morte. E o entregarão aos gentios para ser escarnecido,
açoitado e crucificado; mas, ao terceiro dia, ressurgirá (Mt, 20.17-19).

Ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus que não divulgassem as


coisas que tinham visto, até o dia em que o Filho do Homem ressusci-
tasse dentre os mortos. Eles guardaram a recomendação, perguntando
uns aos outros que seria o ressuscitar dentre os mortos (Mc, 9.9-10)
(veja, também: Mt, 26.31-32).

O Senhor ressuscitado, no caminho de Emaús, diz àqueles dois discípulos desa-


nimados: “(...) Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas
disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua
glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-
-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.25-27).

Jesus e a Ressurreição
V

A RESSURREIÇÃO DE CRISTO COMO FATO INCONTESTÁVEL

A primeira tentativa de se negar a ressurreição de Cristo foi feita pelos próprios


sacerdotes judeus. Justamente aqueles que deveriam se arrepender de seus erros
tentam, diante das evidências dos fatos, ocultar a verdade mediante suborno (Cf.
Mt, 28.11-15). Entretanto eles nada podiam fazer de eficaz contra a realidade do
Senhor Jesus ressurreto.
Aqui, não nos ocuparemos com as tentativas dos incrédulos em negar o fato
da ressurreição; para nós, basta o que a Bíblia nos diz; todavia apresentaremos ele-

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mentos bíblicos que manifestam com clareza a realidade da ressurreição de Cristo.

O Túmulo Vazio
Mateus registra que um anjo do Senhor removeu a pedra (de cerca de duas tone-
ladas)775 que fechara o sepulcro de Jesus (Mt, 28.2-4); certamente, isso não foi
feito para que Jesus pudesse sair, visto que a matéria não servia de empecilho
para o corpo glorificado do Senhor ressurreto (Cf. Jo, 20.19,26); todavia isso foi
feito, segundo me parece, a fim de que, primeiramente, Maria Madalena e Maria,
mãe de Tiago e de José (Mt, 27.56,61; 28.1), pudessem constatar com os seus pró-
prios olhos o túmulo vazio (Lc, 24.1-3) e, posteriormente, também o fizessem
João e Pedro (Jo, 20.1-10). O túmulo continuou vazio como evidência concreta
da ausência do corpo de Jesus. Contudo o túmulo vazio pode ser explicado de
três formas: 1) Os discípulos de Jesus levaram o corpo; 2) Os inimigos de Jesus
levaram o corpo; ou 3) Ele realmente ressuscitou.
Analisemos rapidamente as possibilidades. Quanto à primeira, podemos
observar que não aconteceu, pois eles ficaram desanimados e desesperados com
a morte de Jesus, não esperando ressurreição alguma (Cf. Lc, 24.17-21;36,37);
mesmo que eles tentassem raptar o corpo de Jesus, isto seria impossível, visto
que havia uma escolta de sobreaviso guardando o túmulo (Cf. Mt, 27.62-66).
O mesmo é válido para a possibilidade dos inimigos de Jesus tentarem roubar
o seu corpo, também, por que eles fariam isso? Para dar uma pista errada aos
crédulos? Ora, se fosse assim, e o rapto tivesse ocorrido, quando os discípulos

775 MCDOWELL, J. As Evidências da Ressurreição de Cristo. São Paulo: Candeia, 1985, p. 77-78.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


303

começassem a proclamar a ressurreição de Cristo, eles viriam a público apre-


sentando o corpo morto de Cristo ou alguma evidência irrefutável, silenciando
definitivamente a pregação apostólica e pondo fim à Igreja de Cristo; entretanto
eles silenciaram, tentaram, pela força, fazê-los calar, visto que não tinham como
argumentar contra a evidência do túmulo vazio. Jesus realmente ressuscitou!

As Aparições de Jesus
O Senhor ressurreto apareceu durante quarenta dias (At, 1.3) a várias pessoas em
cerca de 13 ocasiões diferentes, dando prova evidente da Sua ressurreição. Paulo
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faz um sumário das aparições de Jesus ressurreto (1Co, 15.3-8)776.

A Transformação dos Discípulos


Apesar de sua, a priori, autoconfiança ingênua, os discípulos, diante da prisão
de Jesus, fogem deixando-O em mãos de seus algozes (Mt, 26.33-35;56). Após a
Sua crucificação, estão atemorizados, às portas trancadas (Jo, 20.19,26); agora,
após a confirmação da ressurreição de Cristo, Pedro – que antes negou a Cristo
três vezes –, juntamente com João, dá testemunho corajoso diante das autori-
dades judaicas (At, 4.13,18-20; 5.29). Essa transformação só pode ser explicada
pela certeza da presença confortadora do Cristo vivo entre eles (Mt, 28.20). Os
apóstolos jamais extrairiam essa coragem de uma mentira por eles inventada;
essa ousadia era fruto do Espírito de Cristo que neles habitava (2Tm, 1.7).

A Pregação Apostólica
A certeza e o significado da ressurreição de Cristo estavam tão nítidos na mente
e nos corações dos discípulos que todos os seus sermões tinham como clímax
histórico a ressurreição. A mensagem apostólica apontava para a vitória de
Deus sobre o pecado e a morte, por meio da ressurreição de Cristo. A pregação
apostólica se baseava nas Palavras e nos atos salvadores de Deus na História e a
ressurreição foi um fato histórico (ver: At, 1.22; 2.24; 3.15; 4.10,33. 5.30; 10.39-
41; 17.2,3,17,18; 26.23; 1Co, 15.12).

776 Ver também: Mt 28.9,16,17; Mc 16.9; Lc 24.13-15; 36-50; Jo 20.24-29; 21.1,14; At 2.32; 3.15.

Jesus e a Ressurreição
V

Como temos enfatizado, Paulo em Atenas, “pregava (eu)aggeli/zomai) a


Jesus e a ressurreição” (At, 17.18). A ressurreição era a tônica de toda mensa-
gem apostólica; sem a ressurreição de Cristo, não haveria pregação, nem fé, nem
esperança. No livro de Atos, não encontramos nenhum sermão em que a ressur-
reição não fizesse parte da proclamação (At, 8.5; Rm 10.8-10; 1Co, 15.1,3,4,12;
2Tm, 2.8). Mesmo que muitos estudiosos céticos não creiam na ressurreição de
Cristo, têm de admitir: os discípulos a criaram e a proclamavam.

Outras Evidências

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a) A Existência da Igreja: a Igreja Cristã só pode ser explicada e compreendida
à luz da ressurreição de Cristo, porque, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé
(1Co, 15.14,17). Ladd (1985, p. 303), de modo enfático, afirma:
Não foi a esperança da continuidade da vida no além-túmulo, uma
confiança na supremacia de Deus sobre a morte ou a convicção da
imortalidade do espírito humano que deu origem à igreja e à mensa-
gem a ser proclamada. Foi a crença em um evento acontecido no tempo
e no espaço: Jesus de Nazaré ressuscitou dentre os mortos. Fé na ressur-
reição de Jesus é um fato histórico inevitável. Sem essa evidência não
haveria igreja777.

b) A Crença na Divindade de Cristo: um dos elementos que atestam a divindade


de Cristo é o cumprimento das Suas promessas. Se Cristo não tivesse ressusci-
tado, os discípulos jamais aceitariam a Sua divindade, pois, assim, Cristo teria
sido o motivo de suas decepções (Ver: Lc, 24.13-21).
c) A Existência do Novo Testamento: se Cristo não tivesse ressuscitado, não
haveria história a ser contada, visto que o Novo Testamento é a narrativa do cum-
primento das promessas de Deus em Jesus Cristo nosso Senhor (1Co, 15.1-5).
Essas são apenas algumas evidências que a Bíblia apresenta da ressurreição de
Cristo. A ressurreição, para nós, é um fato que encontra o seu apoio no registro
infalível da Palavra de Deus e isso nos basta; por isso, a nossa confissão é como
a de Paulo: “Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos (...)” (1Co, 15.20).

777 LADD, G. E. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985, p. 303.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


305

O PODER DO TRINO DEUS NA RESSURREIÇÃO DE CRISTO

O Novo Testamento declara que a ressurreição de Cristo foi pelo poder do Trino
Deus; essas afirmações ora se referem simplesmente a Deus – denotando, assim,
o trabalho da Trindade –, ora se referem às pessoas distintamente. A ênfase, sem
dúvida, é para evidenciar a unidade da Trindade no mesmo propósito glorioso
e salvador.
Em alguns textos das Escrituras, encontramos essa obra de modo discriminado:
1. Poder do Pai (Rm, 6.4; Gl, 1.1; Ef, 1.17-20).
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2. Poder do Espírito Santo (1Pe, 3.18/Rm, 8.11). O mesmo Espírito que


gerou em Maria a Pessoa Divino-Humana de Cristo, O acompanhando
e fortalecendo em todo o Seu Ministério, agiu decisivamente em Sua
ressurreição778, a qual assinala a vitória de Deus sobre o pecado, a morte
e Satanás (Mt, 1.18/Lc, 1.35; Mt, 4.1/Lc, 4.1; Is, 11.1-2/Lc, 4.18-19; Lc,
3.31-32; 4.14; Mt, 12.28; Jo, 3.34; Hb, 9.14).
3. Poder do Filho (Jo, 2.18-22; 10.17-18). O verbo divino dispunha de
todo o poder para ressuscitar o Cristo encarnado, o que realmente o fez.

A Trindade é responsável pela ressurreição de Jesus Cristo; o Pai, o Filho e o


Espírito Santo manifestam o Seu poder na ressurreição de Cristo; por isso, o Novo
Testamento, com mais frequência, atribui a ressurreição ao poder de Deus, sem
mencionar a Pessoa (Ver: At, 2.24; 3.15; 4.10; 5.30; 10.40; 13.30,37; Rm, 10.9; 1Co
6.14; Cl, 2.12, etc.). Comentando Rm, 8.11, Calvino (2001, (Rm 8.11), p. 282)
explica: “Cristo certamente ressuscitou por si mesmo e pelo seu próprio poder,
mas como costumava atribuir ao Pai o poder divino que possuía, então o após-
tolo apropriadamente transferiu para o Pai aquilo que era em Cristo uma obra
própria de sua divindade”.

778 Consultar referência.

Jesus e a Ressurreição
V

A SINGULARIDADE DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO

A Bíblia apresenta alguns exemplos de pessoas que foram revivificadas, tanto


no Antigo como no Novo Testamento; ei-las: O filho da viúva de Serepta (1Rs,
17.17-24); o homem que foi jogado na sepultura de Eliseu (2Rs, 13.20-21); o
filho da sunamita (2Rs, 4.17-37); a filha de Jairo (Mt, 9.18,23-26); o filho da
viúva de Naim (Lc, 7.11-17). Lázaro (Jo, 11.1-46); Dorcas (At, 9.36-43) e Êutico
(At, 20.7-12). Por certo, todos esses voltaram a envelhecer e morrer; contudo, a
ressurreição de Cristo foi definitiva, constituindo-se no modelo conclusivo da

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nossa futura ressurreição. Cristo não voltou a morrer, nem voltaremos após a
ressurreição (Rm, 6.9).
Na ressurreição de Cristo, observamos alguns aspectos que tomados em con-
junto tornam-se misteriosos para nós.

O seu corpo era real


O corpo de Jesus Cristo, após a ressurreição, não era anormal no que se refere ao
aspecto de visibilidade de um corpo humano – daí não haver nenhum espanto
ou comentário a respeito –, todavia ele não era fácil ou prontamente reconhe-
cido por todos (Cf. Lc, 24.13-16, 28-33, 36-43; Jo, 20.11-18; 21.1-7), embora isso
não fosse impossível de imediato (Cf. Mt, 28.9,10). O Seu corpo apresentava as
marcas da crucificação, podendo ser tocado (Mt, 28.9; Lc, 24.39-40; Jo 20.20,27);
era visível (Mc, 16.14; Jo, 20.18; 1Co, 9.1; 15.4-8); audível (Mt, 28.18-20); mesmo
sem precisar, podia alimentar-se (Lc, 24.41-43; Jo, 21.5,9,12-15; At 10.41). Esses
textos indicam que o corpo de Jesus Cristo era real.

O seu corpo era transcendente


Apesar da realidade e tangibilidade do corpo de Cristo, a Bíblia descreve o fato
de Ele poder aparecer e desaparecer aos olhos de Seus discípulos, conforme Sua
determinação (Lc, 24.31,36; Jo, 20.19,26)779. Com esse mesmo corpo, foi assunto
aos céus, tendo vencido definitivamente a morte (Rm, 6.9; 2Tm, 1.10; Ap, 1.18).

779 Veja-se boa discussão sobre esse ponto em: GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática. p. 510-513.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


307

O corpo ressurrecto de Cristo, portanto, tal como existe agora no céu,


ainda que retenha a identidade com seu corpo enquanto estava na ter-
ra, é glorioso, incorruptível, imortal e espiritual. Continua ocupando
determinada porção de espaço e retém todas as propriedades essenciais
como corpo780.

O SIGNIFICADO DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO


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Significado Teológico
A ressurreição de Cristo revela alguns aspectos do caráter do Trino Deus:
1) O Poder de Deus: a ressurreição de Cristo se constitui no clímax da mani-
festação do Poder de Deus nessa Era (2Co, 13.4; Ef, 1.19,20; Cl 2.12; Fp, 3.10/At
2.24; 3.15; 4.10; 5.30; Rm, 10.9).
2) O Cumprimento das Escrituras: Deus é o Autor das Escrituras. Como
já vimos acima, a ressurreição de Cristo foi anunciada pelo Espírito por inter-
médio dos profetas. Caso Cristo não ressuscitasse, a Escritura teria falhado em
seu testemunho a respeito do Filho, o que é impossível (Jo, 5.39; 10.35). A res-
surreição manifesta-se como uma demonstração palpável de que Deus sempre
cumpre eficaz e completamente as Suas promessas (veja: Sl, 16.10; Is, 26.19; Os,
6.2/Lc, 24.44-46/At, 13.32-37).
3) O Cumprimento das Palavras de Cristo: Conforme já estudamos, Jesus
Cristo anunciou a Sua morte e ressurreição como fatos que se sucederiam. O
acontecimento da ressurreição vem confirmar a veracidade de Suas palavras (Cf.
Mt, 28.6-7; Mc, 14.27-28; 16.6,7,14; Lc, 24.6-8).
4) A Afirmação de Sua Filiação Divina: Jesus, em Seu ministério, reivindi-
cava para Si uma filiação única e especial de Deus, demonstrando isso de forma
distintiva no Seu relacionamento afetivo com o Pai (Cf. Mt, 11.27; Mc, 14.36; Jo,
20.17). Aquele que foi morto como maldito e odiado de Deus era, na realidade,

780 HODGE, C. Teologia Sistemática. p. 953. Veja: BAVINCK, H. Teologia Sistemática. p. 402-403.
Berkhof (p. 347) comenta: “Sua ressurreição (...) consistiu em que nele a natureza humana, o corpo e a
alma, foi restaurada à sua prístina força e perfeição e até mesmo elevada a um nível superior, enquanto
que o corpo e a alma foram reunidos num organismo vivo” (BERKHOF, L. Teologia Sistemática.).

Jesus e a Ressurreição
V

o filho amado no qual o Deus Pai se compraz: “o rejeitado da terra é o coroado


do céu” (BAVINCK, 1975, p. 404). A Sua ressurreição reafirma a realidade da
Sua filiação eterna (Rm, 1.4).
5) O Cumprimento Eficaz da Sua Obra Terrena: a ressurreição significou
o cumprimento de Seu Ministério terreno; o que Cristo afirmara ter vindo fazer
fez de forma completa e eficaz (Lc, 24.44-46/Hb, 9.23-28; 10.1-14; 1Pe, 3.18). A
ressurreição sela a Sua obra de forma definitiva!
6) A Aprovação de Deus: a não ressurreição de Cristo, entre outras coisas,
significaria a não aceitação do sacrifício do Filho por parte do Pai. A ressurrei-

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ção consiste na declaração por parte do Pai – como representante da Trindade
– de que as demandas do Pacto foram cumpridas no seu aspecto sacrificial pelo
Filho, como representante do Seu povo Eleito; portanto, o Filho não deveria
permanecer morto. A ressurreição é o “amém” do Pai à obra expiatória do Filho
(2Co, 1.20). “Se, afinal, a obra expiatória de Cristo devia ser eficaz, tinha que
terminar, não na morte, mas na vida. Ademais, foi o selo do Pai aplicado à obra
consumada de Cristo, foi a declaração de que Ele a aceitou”781 (At, 2.22-24). Na
ressurreição, Jesus Cristo é publicamente coroado como Senhor! (BAVINCK,
2012, p. 404-405). “No Novo Testamento, a autoridade máxima legitimadora
para Jesus Cristo é o próprio Deus, vindicando e exaltando Jesus pela ressurrei-
ção e, com isso, retrospectivamente validando seu ministério”782.
7) O Triunfo de Deus: A ressurreição de Cristo assinala a vitória de Deus
sobre o pecado, a morte e Satanás. Pelo pecado, entrou a morte no mundo; a vitó-
ria sobre a morte deveria ser concretizada por meio de um homem que morresse
e ressuscitasse (Rm, 5.12; 1 Co, 15.21). Cristo venceu a todos por nós, a fim de
nos dar a vida eterna, a começar aqui, em liberdade (Jo, 10.10). Por isso, o pecado
já não mais nos domina (Rm, 6.14/Jo, 8.32-34); Satanás e seus demônios estão
sob o domínio de Cristo (Ef, 1.20-22/Hb, 2.14); a morte foi transformada, sig-
nificando, agora, não mais o fim, mas sim, o ingresso na eternidade (2Tm, 1.10).

781 BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 350.
782 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


309

Significado Soteriológico
A ressurreição de Cristo tem – como já se depreende – rico significado reden-
tor. Isso é o que veremos agora.
1) A Nossa Regeneração: pela regeneração, Deus infunde em nós uma nova
disposição que nos conduz, sob a influência do Espírito, em direção à vontade
de Deus, em uma santa e prazerosa obediência783. A ressurreição de Cristo é o
fundamento de nossa regeneração (1Pe, 1.3).
Quando Jesus ressurgiu dos mortos tinha uma nova qualidade de vida,
uma ‘vida ressurreta’ em um corpo e em um espírito humanos perfei-
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tamente adequados à comunhão e à obediência eterna a Deus. Em sua


ressurreição, Jesus obteve para nós uma nova vida semelhante à sua.
(...) Assim é por meio de sua ressurreição que Cristo conquistou-nos
o novo tipo de vida que recebemos quando ‘nascemos de novo’ (GRU-
DEM, 1990, p. 513-514) (Ef, 2.5-6/Cl 3.1).

2) A Nossa Justificação: a morte de Cristo foi para expiar os nossos pecados e a


ressurreição assegura, de forma eterna e efetiva, a nossa justificação (Rm, 4.25;
8.33-34/1Co, 15.17). A morte e a ressurreição se completam num ato salva-
dor (Rm, 5.9-10). A morte de Cristo só teria valor remidor se Ele ressuscitasse
– como de fato ressuscitou – visto que a Sua morte sem ressurreição indicaria
apenas a Sua condenação. Como poderia um condenado justificar alguém? A
ressurreição de Cristo é sinal da nossa justificação; nela, temos a declaração de
nossa absolvição (Rm, 4.25).
“A ressurreição de Cristo tinha como seu propósito trazer à luz o fato de
que todos os que reconhecem Jesus como seu Senhor e Salvador têm
entrado num estado de justiça aos olhos de Deus O Pai, ao ressuscitar
a Jesus dentre os mortos, nos assegura que o sacrifício expiatório foi
aceito; daí, nossos pecados são perdoados”784.

A Confissão de Westminster (1647), discorrendo sobre a justificação, fala sobre


o que chamo de fases dela:

783 “A regeneração consiste na implantação do princípio da nova vida espiritual no homem, numa radical
mudança da disposição dominante da alma, que, sob a influência do Espírito Santo, dá nascimento a uma
vida que se move em direção a Deus” (BERKHOF, 1990, p. 470).
784 HENDRIKSEN, W. Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm 4.23-25), p. 214.

Jesus e a Ressurreição
V

Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e


Cristo, no cumprimento do tempo, morreu pelos pecados deles e res-
suscitou para a justificação deles; contudo, eles não são justificados até
que o Espírito Santo, no tempo próprio e de fato, comunica-Lhes Cristo
(CONFISSÃO de Westminster, 1647, p.11.4).

3) O Perdão de nossos pecados: esse ponto é decorrente do anterior, visto que


a justificação consiste em Deus perdoar os nossos pecados, considerando e acei-
tando-nos como justos pelos méritos de Cristo. Sem a ressurreição, não haveria
perdão; por isso, Paulo diz que: “Se Cristo não ressuscitou (...) ainda permane-
ceis nos vossos pecados” (1Co, 15.17). A ressurreição assinala que há perdão

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para todos os que pela graça creem em Cristo.
4) O Sentido da nossa fé: a ressurreição de Cristo dá sentido a nossa fé. Se
Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa fé, por mais intensa que fosse, estaria fun-
damentada numa mentira; por isso, tudo o que temos estudado seria nulo. Nesse
caso, a fé teria apenas valor como fé; seria fé na fé, não no fato histórico da res-
surreição. Todavia, conforme nos ensinam as Escrituras, o Senhor ressuscitou,
sendo esse fato o cerne da nossa fé (1Co, 15.14,17,20/Rm, 10.9,10). A fé bíblica
adquire significado a partir de seu alvo. A fé por si só não se autorreferenda.

Significado Kerigmático (Proclamante)


Como temos visto, a ressurreição de Cristo dá sentido à pregação fiel da Igreja
(1Co, 15.14). A pregação da Igreja não se baseia em fábulas e mitos por ela
inventados (2Tm, 4.3,4), mas sim naquilo que Deus disse e realizou, conforme
registrado nas Escrituras.
Na Evangelização, a Igreja declara a sua fé na ressurreição de Cristo, anun-
ciando a remissão de pecados para todos os que crerem no Senhor que morreu e
ressuscitou. E mais: foi após a ressurreição que o Senhor Jesus ordenou a Grande
Comissão. A ressurreição atesta e sustenta a missão da Igreja785.

Significado Vivencial
A ressurreição de Cristo é associada por Paulo a nossa responsabilidade de
viver diariamente na presença do Cristo vivo, frutificando para Deus. O nosso

785 STOTT, J. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo. São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 408-409.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


311

velho homem morreu com Cristo e, por meio da Sua ressurreição, surgiu um
novo homem que se consagra inteiramente ao Seu Senhor. Assim, a santifica-
ção encontra a sua real possibilidade na ressurreição de Cristo, sendo esse fato
um estímulo constante a vivermos dignamente para Deus (ver: Rm, 6.4-14; 7.4).
O fato de morrermos e ressuscitarmos com Cristo traz, portanto, como
implicação fundamental a responsabilidade de viver a ética do reino nesta vida.
A nossa ressurreição com Cristo implica valores novos, celestiais, os quais devem
ser sempre considerados em nossos pensamentos, decisões e atitudes (Cl, 3.1-4/
Rm, 6.11-14). Após argumentar acerca da veracidade da morte e ressurreição de
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Cristo, Paulo exorta: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis,
e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso tra-
balho não é vão” (1Co 15.58).

Significado Escatológico
A ressurreição de Cristo é o fundamento da esperança futura da nossa ressur-
reição (1Co, 15.19). Biblicamente, nós não podemos separar a ressurreição de
Cristo da nossa; ou aceitamos as duas ou as negamos; não podemos dissociá-
-las. Parece que era esse o problema de alguns membros da Igreja de Corinto.
Pelo que Paulo escreve, deixa entender que alguns irmãos aceitavam a ressur-
reição de Cristo, porém negavam a ressurreição dos crentes. Paulo argumenta
que negar a ressurreição futura dos crentes equivale a negar a historicidade da
ressurreição de Cristo (1Co, 15.12-19). O fato é que a ressurreição de Cristo dá
sentido a nossa esperança; a história da ressurreição de Cristo é o fundamento
e o prenúncio da nossa ressurreição futura (veja: Rm, 6.5; 8.11; 1Co, 6.14; 15.20;
2Co, 4.14). Cristo é as primícias daqueles que virão posteriormente por meio
dEle; em Cristo, temos o penhor do Espírito, a garantia da nossa ressurreição.
Essa é a nossa esperança e, para ela, fomos regenerados pela ressurreição de Jesus
Cristo (Cf. 1Pe, 1.3). “Crer na Ressurreição do Senhor de entre os mortos e em
sua Ascensão ao céu fortalece nossa fé com uma grande esperança”786.
O corpo de Cristo ressurreto é o modelo do corpo glorioso que teremos
na eternidade (Cf. Fp, 3.21; 1Jo, 3.2/1Co, 15.42-44, 50-56). “Assim como Ele

786 AGOSTINHO. A Doutrina Cristã. São Paulo: Paulinas, 1991, I.15.14, p. 63.

Jesus e a Ressurreição
V

ressuscitou no mesmo corpo no qual tinha padecido e o qual, todavia, teve


depois outra glória, diferente da de antes, assim também nós ressuscitaremos
com o mesmo corpo que agora temos, e, contudo, seremos diferentes depois da
ressurreição”787. Concluindo esse tópico, destaquemos algumas implicações dou-
trinárias e práticas. A certeza da ressurreição de Cristo está alicerçada em seu
coração? (Leia: Rm, 10.9-10). “Declaramos positivamente que ninguém tem feito
nenhum progresso na escola de Cristo, a menos que espere rejubilante o dia de
sua morte e ressurreição final”788.
A ressurreição de Cristo é o selo que garante a nossa salvação e ressurreição

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para a vida eterna (At, 26.23; 1Co, 15.20,23).
O Cristianismo é uma religião de ressurreição; a ressurreição é o ponto de
convergência da nossa fé; negar a veracidade histórica da ressurreição de Cristo
significa tirar toda a razão de ser, histórica e transcendente, do Cristianismo. Sem
a ressurreição de Cristo, é vã a nossa fé, vã a nossa pregação, vã a nossa espe-
rança, vã a nossa vida. A ressurreição de Cristo dá sentido a nossa vida e morte,
fé e esperança (1Co, 15.12-16,32). A conclusão da argumentação de Paulo é: “Se
Jesus não foi ressuscitado, os crentes não têm esperança da ressurreição e podem
apelar às filosofias hedonistas da vida”789.
A ressurreição de Cristo indica de forma definitiva a Sua filiação divina
(Rm, 1.4).
“A fé dos cristãos não é louvável porque eles creem no Cristo que morreu,
mas no Cristo que ressuscitou, pois também o pagão acredita que ele morreu e
te acusa, como de um crime, por ter acreditado em um morto. Que tens, por-
tanto, de louvável? Teres acreditado que Cristo ressuscitou e esperar que hás de
ressuscitar por Cristo. Nisso consiste uma fé louvável. ‘Se confessares com tua
boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre
os mortos, serás salvo’ (Rm, 10.9). (...) Essa é a fé dos cristãos”790.
A certeza da presença do Cristo vivo em nosso meio deve ser um estímulo
a uma vida consagrada a Deus (Rm, 6.8-7.6).

787 Consultar referência.


788 CALVINO, J. A Verdadeira Vida Cristã. São Paulo: Novo Século, 2000, p. 66.
789 Consultar referência.
790 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


313

O fato da ressurreição é motivo de conforto e estímulo para os fiéis que


perseveram em sua fé, aguardando o retorno glorioso de Jesus Cristo. “Sem a
ressurreição não podemos consolar-nos de nenhuma maneira; todos os argu-
mentos possíveis serão insuficientes para alegrar-nos”791.

O SACERDÓCIO DE CRISTO
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O Antigo Testamento apresenta com frequência aspectos de transição que apon-


tam para a sua concretização no Novo Testamento. O AT aponta para além de si
mesmo, extrapolando os seus limites históricos, tendo em seu cerne a semente
da esperança que germina e frutifica no Novo Testamento.
O sacerdócio é uma dessas sementes, que encontra o seu verdadeiro e defini-
tivo significado em Jesus Cristo: o grande Sumo Sacerdote, Aquele quem conferia
sentido aos sacrifícios do AT e que cumpriu definitiva e completamente a neces-
sidade de sacrifícios, por meio do Seu próprio sangue.
É necessário enfatizar, contudo, que a nossa salvação não se deve exclusiva-
mente ao Ofício sacerdotal de Cristo, mas sim à Sua obra Sacerdotal, Profética e
Real. “A obra mediatória é sempre realizada pela pessoa completa; nem uma só
pode ser limitada a qualquer dos ofícios”792.

DEFINIÇÃO DOS TERMOS

A palavra hebraica para sacerdote é !heK (kõhën), que é um cognato do árabe


“kahin”, que significa “vidente” e “adivinhador”793. No entanto a etimologia da

791 CALVINO, J. Se Deus fuera nuestro Adversario: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L.,
1988, Sermon nº 6, p. 79.
792 BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 358.
793 GESENIUS. Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. 13. ed. Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1978, p. 385; BAEHR, J. Sacerdote. In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento, Vol. IV, p. 287.

O Sacerdócio de Cristo
V

palavra hebraica é desconhecida794. A palavra não estava restrita ao uso religioso,


podendo se referir a um oficial do governo (2Sm, 8.18); contudo o seu sentido
fundamental é de um “ministro autorizado de Deus”, aquele que serve no altar
(Cf. Hb 5.4)795.
Os termos gregos para Sacerdote e Sumo Sacerdote são, respectivamente:
i(ereu/j (hiereús) e a)rxiereu/j (archiereús). A palavra portuguesa “Sacerdote” é
proveniente do latim “sacerdotis”; “Sacerdócio”, é derivado do latim “Sacerdotium”.

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DISTINÇÃO ENTRE O MINISTÉRIO PROFÉTICO E O MINISTÉRIO
SACERDOTAL

O profeta era um homem escolhido por Deus para ser o Seu porta-voz aos
homens; a sua fidelidade consistia em declarar aos homens a Palavra autêntica
de Deus. O Profeta não criava nem adaptava a mensagem; a ele competia trans-
miti-la como havia recebido (Ex, 4.30; Dt, 4.2,5). Portanto, o que se exige do
profeta é fidelidade796. Essa declaração dos desígnios de Deus envolvia a admo-
estação, a exortação, a repreensão e a apresentação das gloriosas promessas do
Senhor (Ex, 7.1; Nm, 12.6-8; Dt, 18.18; Jr, 1.4-10). O profeta é, de certo modo,
filho de seu tempo – sem dúvida, chamado e capacitado por Deus –, mas que
fala ao seu povo, estimulando, exortando e repreendendo, dentro de um locus
temporal e histórico, no qual o povo vive e atua797.
O Sacerdote era também escolhido por Deus para representar-se a si mesmo
(como parte integrante do povo) e aos homens diante de Deus, oferecendo sacri-
fícios, fazendo intercessão e abençoando o povo (Lv, 9.22; Hb, 5.1-4; 7.1,25,27/
Lv, 9.7). A sua função era mediadora entre Deus e os homens. Resumindo: “O

794 PAYNE, J. B. kãhan: In: R. HARRIS, L. ed. Theological Wordbook of the Old Testament. Chicago:
Moody Press, 1980, Vol. I, p. 431a.
795 PAYNE, J. B. The Theology of the Older Testament. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing
House, (c) 1961, p. 372.
796 Stott resume bem a tarefa do profeta: “A característica essencial do profeta não era prever o futuro nem
interpretar a atividade presente de Deus, mas falar as palavras de Deus” (STOTT, J. R. W. O Perfil do
Pregador. São Paulo: SEPAL, 1989, p. 12).
797 “O profeta é sempre produto do seu tempo, mesmo criticando-o e especialmente por isso, porque,
seja como for, é em relação ao seu tempo que ele se situa” (MAILLOT, A.; LELIÈVRE, A. Atualidade de
Miquéias: Um Grande “Profeta Menor”. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 23).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


315

profeta fala da parte de Deus ao povo; mas é o sacerdote que fala da parte do
povo a Deus”798.

A NECESSIDADE DO SACERDÓCIO

O Sacerdócio foi criado por Deus devido ao Seu beneplácito; à Sua bondade e amor
atuantes, que se manifestam como um ato voluntário e doador (Is, 53.10; Jo, 3.16;
Rm, 5.8; Gl ,1.4; Cl 1.19,20), considerando o pecado do homem que o distanciou de
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Deus e, por isso, se encontra em profunda miséria espiritual. O Sacerdócio pressu-


põe uma relação rompida; por isso mesmo, ele tem uma função mediadora entre o
homem e Deus, por meio dos sacrifícios que eram oferecidos pelos seus pecados.
Dessa forma, podemos dizer que o sacerdócio é necessário por causa do pecado
e tornou-se uma realidade pelo amor misericordioso de Deus.

CARACTERÍSTICAS DO SACERDOTE JUDAICO

O Sacerdote deveria ser:


1. Escolhido dentre os homens para ser seu legítimo representante: Ex,
28.9,12,21,29; Hb, 5.1,2. Ele se aproximaria de Deus para oferecer sacri-
fícios, abençoar e fazer intercessão pelo povo (Ex, 19.23-24; Nm, 6.22-26;
Lv, 16.3,7,12,15; Lc, 1.8-10; Hb, 5.3);
2. Escolhido por Deus: Ex, 28.1; Hb, 5.4.
3. Santo, íntegro e consagrado ao Senhor: Ex, 39.30,31; Lv, 21.6.
4. Compassivo: Hb, 5.2. (metriopaqe/w = “moderado nas paixões ou nos
sentimentos”). O sacerdote deveria ser paciente com os seus irmãos, tendo
consciência de suas próprias fraquezas, mas, ao mesmo tempo, deveria
ser firme na aplicação da Palavra de Deus. A palavra grega indica um
meio termo entre o excesso de entusiasmo e a indiferença absoluta; entre
a indiferença e o sentimentalismo melindroso.

798 PAYNE, J. B. The Theology of the Older Testament. Chicago, Moody Press, 1980, p. 372.

O Sacerdócio de Cristo
V

JESUS CRISTO: O SACERDOTE PERFEITO

O Livro de Hebreus – “A Epístola do Sacerdócio” – retrata com detalhes o


Sacerdócio de Cristo, mostrando a sua excelência e quão superior ele é ao sacer-
dócio arônico. O Sacerdócio de Cristo, conforme nos mostra Hebreus, é definitivo,
não precisando ser suplementado nem aperfeiçoado. Por isso, Cristo é chamado
de “grande sacerdote” (i(ere/a me/gan) (Hb, 10.21). Calvino resume: “Cristo é o
único Sacerdote qualificado”.
Na realidade, os sacrifícios oferecidos no AT. eram apenas sombras daquele

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sacrifício perfeito que seria oferecido definitivamente (Hb, 5.9-10; 8.2,6,13;
9.11,23,24,28; 10.1; 13.11,12/Cl 2.16,17). Cristo, de fato, representou uma aliança
superior (Hb, 8.6; 9.11), cumprindo de forma muitíssimo mais elevada o que os
sacrifícios do AT se propunham a fazer. As ofertas feitas sob a Lei foram acei-
táveis ao Senhor, porque – conforme Ele mesmo as instituiu – prefiguravam a
oferta perfeita de Cristo799. Também, os sacrifícios eram auxílios que visavam
conduzir os homens à obediência e à piedade800.
No capítulo 8 de Hebreus, o escritor sagrado faz um resumo do Sacerdócio
de Cristo, dizendo:
Ora, o essencial (kefa/laion = “principal”) das cousas que temos dito
é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono
na Majestade nos céus, como ministro do santuário do verdadeiro ta-
bernáculo que o Senhor erigiu, não o homem (Hb, 8.1-2).

Cristo ministra no verdadeiro tabernáculo (Hb, 8.2/9.24), aquele que não é cópia
de um modelo melhor; antes, é o eterno, estabelecido por Deus, é o tabernáculo
real (Hb, 8.2) (a)lhqino/j). O sacerdócio anterior, obviamente não era falso; ele
era apenas um sinal do verdadeiro representado por Jesus Cristo.
Resumindo, podemos dizer que Cristo como Sacerdote:

799 “Ele [escritor de Hebreus] novamente nos lembra que o juramento foi posterior à lei, para demonstrar
que Deus não se satisfez com o sacerdócio sob a lei, senão que sua vontade era que algo superior fosse
constituído. Nas instituições divinas, o que vem depois é sempre melhor do que o que vem antes, visando
a um estado superior, ou anula o que foi feito para ter validade por um período limitado” (CALVINO, J.
Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.28), p.201).
800 CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 40.6), p. 226.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


317

1. Ofereceu a Deus um sacrifício perfeito para satisfazer a justiça divina,


reconciliando o Seu povo com Deus (Rm, 3.26; Hb, 2.17; 9.14,28).
2. Intercede continuamente pelo Seu povo, fundamentado nos Seus méri-
tos redentores (Jo, 17.6-24; Rm, 8.34; Hb, 7.25; 9.24).

Analisemos, agora, alguns aspectos do Sacerdócio de Cristo.

Características do Ofício Sacerdotal de Jesus Cristo


Jesus é o Mediador da Nova Aliança (Hb, 12.24), que é superior (Hb, 8.6). Como
tal, Ele se identificou com os sacerdotes da antiga aliança, apresentando, contudo,
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um único sacrifício, de real valor, no Tabernáculo Celestial, do qual o terreno


era apenas uma sombra (Hb, 7.18,19; 8.1,2; 9.11-12,24). “Jesus Cristo é o único
sacerdote e o único sumo sacerdote do Novo Testamento, para o qual foram trans-
feridos todos os sacerdócios e no qual todos eles estão encerrados e acabados”801.
1. Escolhido por Deus dentre os homens: (Hb, 5.1-5,10/Jo 1.14; Hb, 3.1-2).

No Sacerdócio de Cristo, O encontramos como Sacerdote e como oferta: Ele se


oferece a Si mesmo, sendo escolhido por Deus e, concomitantemente, agindo
voluntariamente: Deus O escolheu e Ele espontaneamente Se deu (Mc, 10.45;
Jo, 10.17-18; Ef, 5.2/Gl, 1.4). Daí, a necessidade do Mediador ser homem (Jo,
1.14; 1Tm, 2.5). Somente um homem poderia ser sacerdote, mas somente o Deus
encarnado poderia sê-lo perfeito. “Por que era indispensável que o Mediador
fosse homem?”, indaga o Catecismo Maior de Westminster (1647):
Era indispensável que o Mediador fosse homem, para poder soerguer
a nossa natureza e possibilitar a obediência à lei, sofrer e interceder
por nós em nossa natureza, e solidarizar-se com as nossas enfermida-
des, para que recebêssemos a adoção de filhos, e tivéssemos conforto
e acesso, com confiança, ao trono da graça (CATECISMO Maior de
Westminster, Perg. 39. Ver, também, as perguntas 38 e 40).

2. Fiel: (Hb, 3.1-2; 2.17).

A fidelidade de um enviado é avaliada por meio do cumprimento de Sua missão.


Jesus Cristo cumpriu o Seu ministério terreno glorificando o Pai (Jo, 17.4/Jo, 19.30).

801 CALVINO, J. As Institutas. (1541), IV.12.

O Sacerdócio de Cristo
V

3. Piedoso: (Hb, 5.7)802

Jesus Cristo, em Seu Ministério terreno, cuidou de cada detalhe do Seu Ministério
com o sentimento adequado, correspondente à Sua grande responsabilidade.
Jesus tinha perfeita consciência das implicações da Sua Obra e, também, de que
a cruz era a sua rota obrigatória.
4. Obediente: (Hb, 5.8)

O aprendizado de Cristo não consistiu em uma passagem da desobediência à


obediência; antes, significa que Jesus Cristo – como perfeitamente homem e

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perfeitamente Deus –, conforme crescia, amadurecia, tomando sobre si maio-
res responsabilidades, desenvolvendo a sua natureza humana.
Quanto mais velho ficava, tanto mais seus pais podiam exigir dele
obediência, e tanto mais seu Pai celestial podia-lhe atribuir tarefas na
força de sua natureza humana. Com cada tarefa cada vez mais difícil,
mesmo quando implicava algum sofrimento (como especifica Hb, 5.8),
aumentava a habilidade moral de Jesus, sua capacidade de obedecer
sob circunstâncias cada vez mais difíceis. Podemos dizer que essa ‘espi-
nha moral’ foi fortalecida por exercícios cada vez mais difíceis. Mas em
tudo isso ele jamais pecou. (GRUDEM, 1990, p. 439).

Como já vimos, a obediência de Cristo foi em favor do Seu povo; Ele viveu em cons-
tante harmonia com a vontade do Pai; o preço da obediência era o sofrimento; assim,
Ele foi batizado, submeteu-se às leis do povo, foi ultrajado, torturado, contado entre
os transgressores, morto e sepultado. O próprio Jesus diz: “A minha comida con-
siste em fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” (Jo, 4.34). O
Seu alimento e alegria consistiram em realizar a obra do Pai (Vd. Is, 50.4-7; 53.4-7).
5. Sem Pecado: (Hb, 4.15/Hb, 5.1-3/Hb, 9.28; Lv, 9.7)

Se Cristo tivesse pecado, poderia ser sacerdote (Hb, 5.2); não poderia, contudo,
ser a oferta imaculada (1Pe, 1.18,19), nem o Seu sacrifício teria um valor eterno.
“Ele não carece de qualquer sacrifício, visto que Ele não foi maculado por qual-
quer nódoa do pecado. Seu sacrifício foi tal que, por si só, foi suficiente até ao
fim do mundo, visto que Ele ofereceu-se a Si mesmo”803.

802 Eu)la/beia = “temor piedoso”, “reverência”.


803 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.27), p. 200-201.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


319

6. Santo: (Hb, 7.26804/At, 2.27; 13.35)

Na Septuaginta, esta palavra traduz com frequência disax (ihãsîd) (hãsîd),


palavra que é aplicada a Deus (Dt, 32.4; Sl, 147.17) e, também, ao homem que
aceita conscientemente as obrigações decorrentes do seu relacionamento com
Deus; é o “leal”, “o piedoso”, “o fidedigno” (Dt, 33.8), Hãsîd se relaciona com
desex (iheisedh) (hesedh). A ideia principal dessa palavra é que Deus manifesta o
Seu amor ativamente na forma de uma relação de um pacto; o desex iHeisedh é
um “amor de Pacto” (Dt, 7.9,12; Jr, 31.3)805. O Pacto de Deus é unilateral no que
concerne às suas demandas e provisões; compete ao homem aceitá-lo ou não,
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porém, não pode modificar os seus termos. O desex Hesedh é a causa e o efeito
do Pacto; Deus fez o Pacto por misericórdia; Ele revela a Sua misericórdia de
acordo com o Pacto (1Rs, 8.23; Is, 55.3).
Devido ao Seu desex Hesedh, Deus voluntariamente elege o Seu povo, man-
tendo-Se fiel nessa relação independentemente da fidelidade circunstancial dos
Seus eleitos (Dt, 7.6-11; 2Sm, 2.6; Sl, 36.5; 57.3; 89.49; Is, 54.10; 55.3).
O desex Hesedh de Deus não é barato; Deus não age movido por um senti-
mento incontrolável e incoerente; antes, Deus encontra um justo caminho para
estabelecer uma relação sólida com o homem pecador. O fundamento dessa nova
relação é o próprio Cristo. Assim sendo, a santidade de Jesus Cristo se revela na
Sua determinação fiel ao cumprimento do Pacto da Graça (Jo, 17.4). No Antigo
Testamento, o hãsîd (fiel, piedoso) é aquele que pratica o desex hesedh806. (Vd.
Hb, 2.17; 4.15).
7. Inculpável: (Hb 7.26)807

Essa palavra foi usada na Septuaginta para descrever o caráter de Jó (Jó, 2.3; 8.20.
Vd., também: Sl, 25.21; Pv, 2.21; 8.5). Ela é aplicada ao homem que não foi pos-
suído pela maldade; em seus pensamentos e atos não há malícia.

804 O(/sioj = “devoto”, “piedoso”, “reverente temor”.


805 Van Groningen, comentando o Salmo 111.1, chama a expressão de “fidelidade pactual”; no Salmo
118.1, designa de “amor pactual” (GRONINGEN, G. V. Revelação Messiânica no Velho Testamento.
Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 351, 363). Packer a traduz por “Amor constante” (PACKER,
J. I. Vocábulos de Deus. São Paulo: FIEL, 1994, p. 88); Eichrodt chama de “amor solícito” (EICHRODT,
W. Teologia del Antiguo Testamento, I, p. 213).
806 Consultar referência.
807 A)/kakoj = “sem maldade”, “inocente”, “intocado pelo mal”.

O Sacerdócio de Cristo
V

8. Sem Mácula: (Hb 7.26)808

Essa palavra descreve uma pureza ética; a ideia predominante é a ausência de


qualquer coisa que se constituiria em corrupção diante de Deus. Ela denota,
portanto, o que o cristão deve ser diante de Deus. “A genuína santidade e irre-
preensibilidade se encontram unicamente nEle [em Cristo]”809.
As Escrituras declaram que foi assim que Jesus Cristo Se ofereceu vicaria-
mente por nós (Hb, 9.14; 1Pe, 1.19), sem mancha, sem pecado. O Cordeiro de
Deus foi imolado por nós (1Co, 5.7), a fim de nos tornar sem mácula, nem
ruga, nem impureza alguma (Ef, 5.25-28), cumprindo, assim, parte do objetivo

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da nossa eleição eterna (Ef, 1.4)810.
9. Perfeito: (Hb, 7.28)811

Cristo, como sacerdote, cumpre perfeitamente o Seu objetivo; a Sua obra é sufi-
ciente para satisfazer as necessidades do Seu povo, dentro de um critério de
avaliação divino (Hb, 2.10; 5.9/7.19; 10.14). Por isso é que a Igreja no céu é descrita
como sendo a dos “espíritos dos justos aperfeiçoados” (teleio/w) (Hb, 12.23).
Jesus, o Sacerdote perfeito cumpre o Seu propósito aperfeiçoando o Seu povo.

EM RELAÇÃO AO SEU POVO


O que Jesus Cristo é em relação ao Seu povo é decorrente daquilo que Ele é em
Si mesmo e na relação com o Seu Pai. Daí que a Sua obra é decorrência daquilo
que analisamos no tópico anterior.
1. Intercessor: (Hb, 7.25; 6.19,20; 8.1,2)

A intercessão de Cristo não é feita por meio de evasivas, que procurasse olhar
a nossa “boa intenção” ou a nossa “inocência”, não, ela é objetivamente respal-
dada nos merecimentos de Cristo. Como bem expressou Calvino: “A intercessão
de Cristo é uma contínua aplicação de sua morte para nossa salvação”812. A

808 A)mi/antoj = “imaculado”, “puro”.


809 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.26), p. 199.
810 COSTA. H. M.P. A Eleição de Deus. São Paulo, 2000.
811 Teleio/w = “aperfeiçoar”, “tornar perfeito”, “levar até seu objetivo”.
812 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


321

intercessão de Cristo fundamenta-se nos Seus merecimentos, obtendo para os


Seus Eleitos, os frutos da Sua Obra expiatória (Rm, 8.34; Hb, 7. 25; 1Jo, 2.1)813.
“O autor [de Hebreus] nos mostra, por meio do exemplo de Cristo, em sua fun-
ção de Sacerdote, que fazer intercessão pertence a um sacerdote, a fim de que o
povo encontre graça da parte de Deus. Cristo faz isso continuamente, porquanto
ressuscitou dentre os mortos com esse propósito. Ele justifica seu direito ao título
de Sacerdote, em sua ininterrupta tarefa de fazer intercessão”814.
2. Salvador: (Hb 7.25/Hb 5.9; 2.10)
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Jesus tem poder e, de fato salva a todos os que creem nEle como o único meio
de salvação. Como somente os eleitos creem, a salvação propiciada por Cristo é
suficiente e eficiente apenas para o Seu povo (Jo, 6.37,38,44,65; 8.43-47; 10.16,25-
29; 17.2,9,24; At, 13.48; Tt 1.1).
3. Caminho para o Pai: (Hb, 7.25/Jo, 14.6; 1Tm, 2.5)

É impossível chegar ao Pai sem o conhecimento gracioso e suficiente de Jesus


Cristo, o Mediador. Fora de Cristo não há caminho; Ele é o único. “É nossa pró-
pria indignidade que nos impede de nos aproximarmos de Deus. Portanto, é
próprio do ofício do Mediador socorrer-nos aqui e estender sua mão para guiar-
-nos ao céu”815.
4. Misericordioso e Simpático: (Hb, 2.17816 e Hb, 4.15)817

Jesus se identificou existencialmente conosco, com as nossas fraquezas e ten-


tações. Essa identificação foi possível porque Ele se tornou “semelhante aos
irmãos” [O(moio/w = “comparar”, “em forma de”. (Vd. At 14.11). Hb, 2.17]. Cristo
se identificou completamente com o homem.

813 “Não temos como medir esta intercessão pelo nosso critério carnal, pois não podemos pensar do
Intercessor como humilde suplicante diante do Pai, com os joelhos genuflexos e com as mãos estendidas.
Cristo contudo, com razão intercede por nós, visto que comparece continuamente diante do Pai, como
morto e ressurreto, que assume a posição de eterno intercessor, defendendo-nos com eficácia e vívida
oração para reconciliar-nos com o Pai e levá-lo a ouvir-nos com prontidão” (CALVINO, J. Exposição de
Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.34), p. 304).
814 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.25), p. 198.
815 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.25), p. 197.
816 E)leh/mwn = “misericordioso”, “compassivo”.
817 Sumpaqe/w = “simpatizar com”, “compartilhar da experiência de alguém”.

O Sacerdócio de Cristo
V

5. Propiciador: (Hb 2.17)818

O escritor de Hebreus emprega uma figura comum ao Antigo Testamento para


mostrar que Deus mesmo é Quem providencia a reconciliação do Seu povo
Consigo mesmo por meio de Jesus Cristo e o recebe. (Vd. Hb, 10.19-23; 13.15).
6. Amparador: (Hb, 2.17,18)819

Cristo é o sacerdote adequado para todas as nossas necessidades (2Co, 6.2).


7. Precursor: (Hb, 6.19,20/Hb 4.14)820

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A palavra era usada para se referir às tropas ou aos homens que iam adiante para
descrever o avanço do inimigo. Uma palavra que tem o mesmo sentido figurado
em nossa língua é “batedor”.
Jesus foi adiante de nós abrindo-nos definitivamente o caminho para o céu
– em comunhão com Deus –, preparando-nos lugar, sendo a Sua vitória a mani-
festação concreta de uma abundante colheita, resultante do Seu trabalho (Is,
53.11; Jo, 14.1-3; 17.24).
8. Representante: (Hb, 9.24)

Cristo comparece diante de Deus, face a face, como representante do Seu povo.
Ele é o nosso único Mediador (1Tm, 2.5).
9. Santificador: (Hb, 10.10,14; 13.11,12)

O sacrifício de Cristo é suficiente para nos santificar, cumprindo, assim, o pro-


pósito de nossa eleição (2Ts, 2.13). Sem a santificação, jamais veríamos a Deus
(Hb, 12.14).
10. Aperfeiçoador: (Hb 10.14)821

O sacrifício único de Cristo é suficiente para levar a cabo o processo de aper-


feiçoamento do Seu povo. A sua oferta foi única, mas os seus resultados são

818 I(la/skomai = “propiciar”, “expiar”, “reconciliar”.


819 Bohqe/w = “ajudar”, “socorrer alguém em necessidade”.
820 Pro/dromoj = “ir antes”.
821 Teleio/w = “completar”, “cumprir o objetivo”.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


323

contínuos. Aqui, vemos, mais uma vez, um contraste entre as ordenanças da


lei e a obra de Cristo: a lei não podia propiciar aperfeiçoamento (Hb, 7.17-19);
Jesus, o Filho, é perfeito para sempre (Hb, 7.28) e nos aperfeiçoa, dentro do Seu
propósito eterno (Vd. Ef, 1.11-14; Fp, 1.6; 1Pe, 1.3-5).

A Eficácia do Sacerdócio de Cristo:

1) ETERNO E IMUTÁVEL: (Hb, 5.6; 6.20; 7.3,17,21-24)


A eternidade do valor do sacrifício de Cristo é decorrente da dignidade daquele
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que Se ofereceu a Si mesmo por nós. “Os antigos sacerdotes eram em maior
número em razão de a morte interromper seu sacerdócio. Quanto a Cristo, não
há morte que o impeça de cumprir seu ofício. Por isso, Ele é o único e eterno
Sacerdote. Propósito distinto produz resultados distintos”822.

2) ÚNICO: (Hb, 7.24,27; 9.11,12,23-26,28; 10.10,12,14)


A unicidade do sacrifício de Cristo se deve ao fato de Sua obra ter sido suficiente
para salvar a todos aqueles que pela graça se arrependem dos seus pecados e
creem em Cristo como seu único e suficiente Salvador. Tentar acrescentar algo à
Sua obra significa invalidá-la. A nossa salvação é pela graça somente, que emana
das obras da Trindade Santa.

3) PODEROSO: (Hb, 2.17,18)


Jesus Cristo é perfeitamente suficiente e adequado para socorrer o Seu povo (Vd.
1Co, 10.13; Fp, 4.13).
Visto que nos reconciliamos com Deus, em Cristo, através de seu ver-
dadeiro sacrifício, somos, todos nós, por sua graça, feitos sacerdotes
com o fim de podermos consagrar-nos a ele como sacrifício vivo e tri-
butar-lhe toda a glória por tudo o que temos e somos. Não resta mais
nenhum sacrifício expiatório para se oferecer, e não se pode fazer tal
coisa sem trazer grande desonra para a cruz de Cristo823.

822 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.23), p. 197.
823 CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.1), p. 424.

O Sacerdócio de Cristo
V

Os Frutos do Sacerdócio de Cristo:


Esses frutos consistiram na plena obtenção daquilo que Ele veio fazer: Reconciliar-
nos com Deus. Didaticamente, podemos apresentar alguns aspectos dessa
reconciliação, que, de certa forma, já foram tratados em outros pontos deste
estudo.

1) Aniquilou o poder do pecado: (Hb, 9.26,28/Jo 1.29; 8.32-36; Rm, 5.21).

2) Redenção eterna: (Hb 9.12).

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Fomos reconciliados definitivamente com Deus (Rm, 5.10,11; 2Co, 5.18-21).
Nossa salvação é o fruto do sacerdócio eterno, se porventura colher-
mos tal fruto pela fé, como devemos fazê-lo. Pois onde a morte ou mu-
dança se faz presente, aí buscaremos a salvação sem qualquer resultado.
Por isso, aqueles que aderem ao antigo sacerdócio jamais alcançarão a
salvação824.

3) Justificação: (Rm, 3.24-25)


A redenção está associada à justificação. Fomos redimidos pela justiça de Cristo
que nos declarou justos diante de Deus. Como resultado disso, temos paz com
Deus (Rm, 5.1,10,11; 1Pe, 1.18,19).

4) Purificou a nossa consciência: (Hb, 9.14)


A oferta repetida pelos pecados renovava e tornava atuante a consciência do
pecado (Hb, 10.1-4). Os sacrifícios da antiga dispensação tinham um alcance ape-
nas exterior, sendo ineficazes no que concerne à consciência (Hb, 9.9; 10.1,11).
O sacrifício de Cristo nos purifica totalmente; somente Ele realiza uma mudança
radical em nós. A purificação exterior deve ser um reflexo de uma transforma-
ção interior. É precisamente essa purificação que foi realizada por Cristo.

824 CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.25), p. 197.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


325

ATITUDES PARA COM JESUS CRISTO, O SACERDOTE PERFEITO:

Nós, como povo redimido por Cristo, considerando a Sua obra sacerdotal, deve-
mos estar atentos ao que a Bíblia requer de nós, como fruto do penoso trabalho
do nosso Salvador.

1) Fé (Hb, 4.16; 10.21,22; 11.6)


Confiança sem reservas na obra de Cristo como a única suficiente para nos res-
taurar a presença de Deus.
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2) Adoração sincera (Hb 9.14; 12.28; 13.11-15)


Fomos reconciliados com Deus a fim de que Lhe prestemos uma liturgia agra-
dável, conforme os Seus preceitos. “O culto é a essência e o coroamento da
atividade cristã”825. A Igreja é uma comunidade litúrgica, porque a sua vocação
inexorável é adorar a Deus, narrando os Seus atos heróicos e salvadores; por-
tanto, o culto é um testemunho solene e público das “Virtudes de Deus” (1Pe,
2.9-10; Hb, 13.15)826.

3) Glorificá-lo: (Hb, 3.1-3/Jo 17.5,9,10; 2Ts, 1.10-12)


A Igreja glorifica a Cristo sendo-Lhe obediente. Na obediência da Igreja, teste-
munhamos a glória de Deus (Mt, 5.16).

4) Confessá-lo: (Hb, 3.1; 4.14/1co, 12.3; Rm, 10.9,10)


A Igreja confessa que ela é o que é pelos méritos de Cristo. Essa confissão é um
testemunho público da sua consciência, da sua identidade (1Pe, 2.9-10).

825 MOULE, C. F. D. As Origens do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 45.
826 COSTA, H. M.P. O Culto Cristão. São Paulo, 1998.

O Sacerdócio de Cristo
V

A ASCENSÃO DE JESUS CRISTO

A ascensão de Cristo é um fato que tem alta relevância para a fé cristã; a ascen-
são é uma decorrência natural da Sua ressurreição, se constituindo no selo do
cumprimento da Sua obra expiatória.
O Catecismo Maior de Westminster, respondendo à pergunta de n° 53,
“Como Cristo foi exaltado em sua ascensão?”, diz:
Cristo foi exaltado em sua ascensão em ter, depois de sua ressurreição,
aparecido algumas vezes aos apóstolos e conversado com eles, falando-

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-lhes das coisas pertencentes ao reino de Deus, impondo-lhes o dever
de pregar o Evangelho a todos os povos, e em subir aos mais altos céus,
no fim de quarenta dias, levando a nossa natureza, e, como nosso Ca-
beça, triunfando sobre os inimigos, para ali, à destra de Deus, receber
dons para os homens, elevar nossos afetos para lá e preparar-nos um
lugar, onde ele está e estará até à sua segunda vinda, no fim do mundo.

A NARRATIVA BÍBLICA

Após a ressurreição, Jesus Cristo apareceu aos Seus discípulos em ocasiões dife-
rentes, no período de quarenta dias (At, 1.3/1Co, 15.3-7). A ascensão deu-se
justamente após esses quarenta dias.
O episódio da ascensão é descrito por Marcos (Mc, 16.19-20) e Lucas (Lc,
24.50-53; At 1.9-12). Paulo e o escritor de Hebreus também mencionam o fato
(Ef, 1.20; 4.8-10; 1Tm, 3.16; Hb, 1.3; 4.14; 9.24). Os detalhes diferem, mas não
há contradições nas narrativas.
A essência das descrições feitas por Marcos e Lucas é que Jesus foi elevado
às alturas na presença dos Seus discípulos. Creio ser inútil e leviano discutirmos
a “velocidade” em que Jesus foi assunto aos céus ou o tempo gasto por Ele para
chegar ao Seu destino. Charles Erdman afirmou corretamente:

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


327

Não devemos, porém, pensar que Ele transitou por espaços infinitos e
agora está numa distância enorme, em alguma região remota. É que no
universo não existem ‘alturas’ nem ‘baixuras’. Só por simples conven-
ção de linguagem, aliás correta, é que dizemos ter Ele ‘ascendido’. É o
modo próprio de dizer que desapareceu das vistas humanas, afastou-se
de condições materiais, para penetrar nas celestiais e espirituais827.

Devemos ressaltar que de fato, Jesus partiu de um lugar para o outro828: Ele
veio da parte de Deus e retornou para Deus (Jo, 6.62) e, na ascensão, a natureza
humana de Cristo passou para “a plenitude da glória celeste e foi perfeitamente
adaptada à vida do céu”829.
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A ASCENSÃO COMO PRESSUPOSTO TEOLÓGICO

Ainda que somente Marcos e Lucas descrevam a ascensão de Cristo, a veraci-


dade desse acontecimento é um pressuposto fundamental em outros escritos do
Novo Testamento, quando se referem, por exemplo, ao regresso do Filho e ao fato
de estar assentado à direita de Deus (At, 2.32-36; 7.55,56; Rm, 8.34; Ef, 1.20-23;
Cl, 3.1; 1Ts, 3.13; 4.14-17; Hb, 1.3,4; 8.1; 10.12; 2Pe, 3.10-12; Ap, 3.21). Pedro,
Paulo e João estavam convictos de que Jesus Cristo foi assunto ao céu, estando à
direita de Deus, de onde retornaria para nos levar com Ele e julgar todos aque-
les que não creem no Seu nome.

O SIGNIFICADO E PROPÓSITO DA ASCENSÃO

Quando lemos a narrativa feita no Evangelho de Lucas da ascensão de Cristo, um


fato que se destaca e, a princípio, pode parecer estranho, é o júbilo dos discípulos
(Lc, 24.52). A alegria descrita por Lucas por parte dos discípulos, obviamente,
não era devido simplesmente à partida de Cristo, mas, sim, pela compreensão,

827 Consultar referência.


828 GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 516-517.
829 BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 351.

A Ascensão de Jesus Cristo


V

ainda que não plena, do significado e do propósito da ascensão do seu Senhor e


pelo amor que sentiam por Ele (Jo, 14.28). Estudemos, então, o significado e o
propósito da ascensão de Cristo.

Responsabilidade da Igreja
A ascensão denota a nossa grande responsabilidade de vivermos como o Corpo
de Cristo no mundo. A Igreja é o sinal da presença de Cristo no mundo, por
meio do Seu Espírito que em nós habita (1Co, 6.19; Gl, 4.6; Fp, 1.19). Por isso,
a Igreja, no calor do Espírito, proclama o Evangelho, tendo a responsabilidade

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de transmiti-lo a outros, como fiel despenseira da verdade (Mc, 16.19,20/1Co,
4.1,2). Uma parte fundamental da proclamação da Igreja consiste em viver dia-
riamente como Corpo de Cristo, guiado e alimentado pela cabeça que é Cristo
(Ef, 1.22,23; 5.23).
A Igreja é o testemunho da presença e da atuação de Deus entre os homens.
A Igreja é o reflexo da presença de Deus. Ela diz ao mundo, por meio de sua
realidade histórica e testemunho, que ainda há esperança de salvação. A Igreja,
como luz do mundo e sal da terra, constitui-se numa bênção inestimável para
toda a humanidade.
A Igreja, portanto, é a presença de Jesus Cristo por meio de seu povo,
em prol do mundo. Embora provisória, essa presença é real, humana e
histórica. Cristo age por meio da Igreja realizando sua obra e confir-
mando sua vitória. Nesse sentido, não há salvação fora da Igreja, desde
que esta se disponha a servir e glorificar Jesus Cristo (SENARCLENS,
1970, p. 357).

A Igreja como Corpo de Cristo vive para a Glória de Deus – que é o maior de
todos os privilégios que teremos, quer aqui, quer no céu (Jo, 17.24) – e como
meio para que os homens glorifiquem a Deus (Mt, 5.14-16; Fp, 2.15).

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


329

Cumpre-nos viver de tal modo que, quando homens e mulheres olha-


rem para nós, constituamos para eles um problema. E então pergun-
tarão entre si: ‘Que é isso? Por que esses crentes são tão diferentes de
nós, diferentes em sua conduta e comportamento, diferentes em suas
reações? Existe nesses crentes alguma coisa que não podemos compre-
ender, que não somos capazes de explicar’. E assim nossos semelhantes
serão impelidos à única explicação verdadeira, a saber, que somos o
povo de Deus, os filhos de Deus, os ‘... herdeiros de Deus e co-herdei-
ros com Cristo’ (Rm 8.17). Nós nos teremos feito refletores de Cristo,
cópias de Cristo. Da mesma forma que Ele é a ‘luz do mundo’, também
nós ter-nos-emos tornado em ‘a luz do mundo’830.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A ascensão de Cristo é um estímulo a perseverarmos firmes na fé, sabendo que


o Senhor que foi entronizado reina e nos socorre em todas as circunstâncias
(Hb, 4.14-16).

A Vitória do Filho
Os textos bíblicos referentes a Jesus Cristo como estando à direita de Deus, indi-
cam a Sua vitória, honra, poder e glória; por isso, Ele mesmo disse: “Ao vencedor,
dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci, e me sen-
tei com meu Pai no seu trono” (Ap, 3.21). O regresso de Jesus ao Pai evidencia a
realização completa de toda a obra a qual viera realizar831.
A ascensão do Filho ressalta o cumprimento de Sua missão, revelando o Seu
estado de Glória (Mc, 16.19; At, 2.32-36; 7.55; Cl, 3.1; 1 Tm, 3.16; Hb, 1.1-4) e
Poder (Ef, 1.20,21; 1Pe, 3.22).
Na realidade, Jesus Cristo retornou ao Seu estado anterior à encarnação,
quando Ele, espontaneamente renunciara à Glória e à dignidade divinas que
faziam parte do Seu Ser (2Co, 8.9; Fp, 2.5-11/Jo, 1.1-3; 17.1-5/Jo, 3.13; 6.62; 7.33;
16.5/Ef, 4.10). A Sua humilhação e a Sua exaltação não afetaram a essência da
Sua natureza Divina.

830 LLOYD-JONES, D. M. Estudos no Sermão do Monte. São Paulo: Fiel, 1984, p. 167-168.
831 Consultar referência.

A Ascensão de Jesus Cristo


V

Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo em nossa natureza,


Ele se tornou aquilo que nunca havia sido antes832, mas não deixou de
ser aquilo que sempre tinha sido em Sua natureza divina. Ele, que é
Deus, não pode deixar de ser Deus. A glória da Sua natureza divina
estava velada, de forma que aqueles que O viram não acreditaram que
Ele era Deus. Suas mentes não podiam entender algo que eles nunca
haviam conhecido antes, que uma e a mesma pessoa pudesse ser Deus
e homem ao mesmo tempo. Todavia, aqueles que crêem sabem que Ele,
que é Deus, humilhou-se ao assumir a nossa natureza, a fim de salvar a
Igreja para a eterna glória de Deus833.

Vemos, aqui, de passagem, a necessidade da ascensão: Aquele que veio num

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determinado momento histórico, no “estado de humilhação”, fazendo-se pobre
(2Co, 8.9), agora, após cumprir cabalmente a Sua obra sacrificial, volta, no
momento preciso, publicamente, no “estado de exaltação”, para Deus. A ascen-
são é uma das maiores evidências históricas da volta de Cristo ao Seu estado de
Glória (Jo, 17.5,24).

O Cumprimento das Escrituras e das Palavras de Cristo


O Antigo Testamento profetizara a vitória de Cristo, assentando-se à direita de
Deus (Sl, 110.1). Hebreus indica o cumprimento da profecia em Cristo (Hb, 1.3).
Jesus Cristo fez, em ocasiões diferentes, referência à Sua volta ao Pai; indicando,
com isso, a certeza que Ele tinha do cumprimento da Sua missão, bem como da
Sua trajetória; dessa forma, a Sua ascensão se constitui numa demonstração da
Sua onisciência e fidelidade (Jo, 6.62; 7.33; 14.2,12,28; 16.5,10,17, 28; 17.11; 20.17).

A continuidade do Seu corpo físico


A ascensão demonstra que o Senhor ressurreto, que comeu com os discí-
pulos e podia ser visto e tocado por eles (Mt, 28.9; Mc, 16.14; Lc, 24.39-40; Jo,
20.18,20,27; 1Co, 15.4-8), foi assunto com esse mesmo corpo ao céu, de onde
retornará para julgar os vivos e os mortos (Jo, 16.28; 17.11/Lc, 24.50-51; At,
1.9-11). Grudem (1990, p. 438) comenta: “Jesus continua existindo nesse corpo
humano no céu, conforme a ascensão tem o propósito de ensinar”.

832 HENDRIKSEN, W. O Evangelho de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 1.14), p. 118.
833 Consultar referência.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


331

O Sumo Sacerdote Eterno


Jesus Cristo no Céu cuida dos interesses do Seu povo, apresentando-Se como Rei-
Sacerdote que intercede pelos Seus, tendo como respaldo o Seu sacrifício único,
perfeito e eficaz, cujos benefícios são oferecidos e aplicados ao Seu povo (Hb, 8.1;
9.23-28; 10.10,12,14/Rm, 8.34; Hb, 7.25; 1Jo 2.1). A nossa comunhão com Deus
é em Cristo, por meio de Cristo e com Jesus Cristo (GRUDEM, 1999.p. 518).

A certeza de que Ele nos conduzirá ao Céu


Jesus Cristo prometeu preparar-nos lugar na casa de Seu Pai, onde seríamos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

recebidos (Jo, 14.2,3). A Sua ascensão indica que Ele garante para o Seu povo o
lugar eterno no céu, onde pessoalmente nos receberá (Jo, 14.3/1Ts, 4.17). Ele foi
o nosso precursor (Hb, 6.20). Jesus adentrou ao céu não apenas para Si mesmo,
mas para o Seu povo, proclamando o cumprimento de Sua obra redentora, tendo
como colheita todos os eleitos834. “O fato de que Jesus já ascendeu ao céu e atin-
giu o alvo que lhe havia sido estabelecido nos dá a grande segurança de que um
dia também iremos para lá” (GRUDEM, 1990, p. 519).

A vinda do Espírito Santo


Jesus Cristo estabeleceu uma relação causal entre a Sua partida e o envio do
Espírito Santo (Jo, 16.7). A vinda do Espírito Santo para batizar definitivamente
a Igreja (At, 2.1-4; 1Co, 12.13) pressupõe a ascensão triunfante de Cristo e con-
siste no cumprimento das palavras de Cristo. “A doação do Espírito assim anuncia
a exaltação divina de Cristo à destra do Pai. É a expressão pública de sua coroa-
ção”835. Ele de fato, juntamente com o Pai, enviou o Espírito Santo (Jo, 14.16,26;
15.26; 16.7)836; Ele não nos deixou órfãos (Jo, 14.16-18), sendo o Espírito o penhor
da nossa herança até o resgate final (Ef, 1.13,14; 2Co, 1.22; 5.5).
O Espírito assinala a vitória de Cristo, visto que Ele aplica em nossos cora-
ções os méritos gloriosos de Cristo. É por essa razão que o Espírito opera em nós
de forma jamais vista antes da ascensão de Cristo (Jo, 7.39; At 2.1-4; 2.33,34). “O

834 Consultar referência.


835 FERGUSON, S. B. O Espírito Santo. São Paulo: Editora os Puritanos, 2000, p. 90.
836 “A primeira obra que Cristo realizou depois de Sua exaltação à mão direita do Pai foi o envio do
Espírito Santo” (BAVINCK, H. Our Reasonable Faith. p. 386).

A Ascensão de Jesus Cristo


V

envio do Espírito era essencial, pois, enquanto Jesus só podia atuar nos discípu-
los por meio de ensinos externos e exemplos, o Espírito Santo poderia trabalhar
dentro deles (Jo 14.17)”837.
Como vimos, Cristo cumpriu perfeitamente as demandas da Lei e adqui-
riu todas as bênçãos que envolvem a salvação. A Obra do Espírito consiste em
aplicar os merecimentos de Cristo aos pecadores, capacitando-os a receberem a
Graça da salvação. Dessa forma, podemos dizer que o Ministério soteriológico
do Espírito se baseia nos feitos de Cristo e que o Ministério Sacrificial de Cristo
reclama a ação do Espírito (Jo, 7.39/Jo, 14.26; 16.13-14). A ascensão é que pro-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
picia essa transição.

O Regresso de Cristo
A ascensão ratificou o que Cristo dissera a respeito de ir para o Pai; Ele também
falou do Seu retorno glorioso para junto dos Seus. Ele foi assunto ao céu entre
nuvens e, da mesma forma, voltará sobre as nuvens com poder e glória (Mt,
24.30; Mc, 14.62; Lc, 21.27,28/Ap, 1.7).
Desde a ascensão de Cristo, a Igreja aguarda e apressa a Sua vinda (2Pe, 3.12)
e, em momento algum, deve-se esquecer da Sua presença real e confortadora
por meio do Seu Espírito que nos deu (Rm, 8.9; Gl, 4.6; Fp, 1.19). O Espírito em
nós revela as venturas futuras que, agora, apenas vislumbramos pela fé e que já
desfrutamos apenas embrionariamente. Quando Cristo regressar, teremos a ple-
nitude, inclusive, a plenitude do Espírito (Rm, 8.23/1Co, 15.44).

“Após a ascensão, o espaço que Jesus Cristo ocupava no mundo passou a


ser ocupado por seu corpo, a Igreja. A Igreja é o próprio Cristo presente em
pessoa”.
Fonte: Bonhoeffer (1984, p. 147).

837 ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015p. 315.

A PESSOA E A OBRA DE CRISTO


333

Implicações doutrinárias e práticas sobre o regresso de Cristo


1. Jesus Cristo sempre cumpre a Sua Palavra. Portanto, devemos confiar intei-
ramente em Suas promessas.
2. Ao termos em mente a ascensão, não devemos confinar nossa visão ao
corpo de Cristo, mas nossa atenção é direcionada para o resultado e fruto
dela, ao sujeitar ele, céu e terra ao seu governo.
3. À Igreja compete viver como despenseira dos Mistérios de Deus; sendo
ela mesma o testemunho da presença de Cristo no mundo. A Igreja somos
nós; portanto, a responsabilidade da Igreja é a nossa.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

4. Já nesta vida, somos mais do que vencedores por meio de Cristo (Rm, 8.34-
37).
5. A intercessão de Cristo em nosso favor é eterna e eficaz; todavia os que são
de Cristo não se servem desse fato para dar ocasião ao pecado (1Jo, 2.1).
6. A Igreja deve estar preparada para se encontrar com o Seu Senhor.
Fonte: o autor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na última e derradeira unidade, focamos unicamente na Cristologia, tema cen-


tral da religião cristã. Estudamos diversos aspectos, como: Jesus Deus, o Cristo
da fé e Jesus homem, a personagem histórica.
Jesus Cristo é o clímax da Revelação; é a Palavra Final de Deus. Nele, temos
não uma metáfora ou um sinal, antes, temos o próprio Deus que Se fez homem.
“Jesus Cristo é a revelação final e especial de Deus. Porque Jesus Cristo era ver-
dadeiramente Deus Ele nos mostrou mais plenamente com quem Deus era
semelhante do que qualquer outra forma de revelação. Porque Jesus foi também
completamente homem, Ele falou mais claramente a nós do que pode fazê-lo
qualquer outra forma de revelação”.
Cristo executou o Seu ofício Sacerdotal entregando-se a Si mesmo, voluntaria-
mente, como sacrifício vicário, para satisfazer a justiça divina, reconciliando-nos
com Deus e, hoje, continua exercendo o Seu ofício Sacerdotal, fazendo contí-
nua e eficaz intercessão pelo Seu povo. A Ele, pois, toda a honra e toda a glória!

Considerações Finais
1. Apoiado no texto da unidade V, podemos pensar que o debate acerca da dico-
tomia entre o Jesus histórico e o Cristo da fé nasce ao se comparar aquilo que a
Igreja falava a respeito do Cristo e aquilo que os evangelhos mostravam acerca
da pessoa de Jesus. Aos olhos de alguns teólogos, os dois discursos faziam com
que o Jesus histórico e o Cristo da fé da Igreja se mostrassem como personagens
diferentes. No intuito de encontrar quem era realmente o Jesus dos evangelhos
é que se desenvolvem, a partir do século XVIII, as buscas pelo Jesus histórico.
Pesquise a respeito da relação entre o Jesus histórico e o Cristo da Fé.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Cristologia do Novo Testamento


Oscar Cullmann
Editora: Hagnos
Sinopse: Neste trabalho exegético, o autor elegeu a história como categoria
essencial da teologia Bíblica do Novo Testamento. Cristo está ligado a toda
história de revelação e salvação, desde a criação. Esse é um traço essencial da
Cristologia do Novo Testamento.
Comentário: Este livro é fundamental tanto para Biblistas quanto para dogmatas,
ao servir de modelo, contribui também para a discussão sobre “Método
Teológico”, à medida que esclarece a conceituação cristológica neotestamentária
e aponta para alguns enganos das cristologias escolásticas, tanto católicas
quanto protestantes.

Material Complementar
337
CONCLUSÃO

A teologia sistemática é menos narrativa, menos história, menos orgânica, todos


os termos-chave da nossa era pós-moderna. É o estudo das coisas de Deus de uma
maneira sistemática e ordenada, em que não apenas consideramos o que esse e
aquele texto dizem, mas em que consideramos tudo o que a Palavra diz sobre a
revelação, depois, tudo o que a Palavra nos diz sobre quem Deus é, depois, tudo o
que a Palavra nos diz sobre quem Jesus é e, depois, tudo o que ele fez por nós. Tam-
bém, a teologia sistemática prossegue para considerar a doutrina do homem, do
pecado, da santificação, dos sacramentos, da igreja e do fim dos tempos.  Teologia
sistemática é uma maneira de olhar para a revelação de Deus que fortemente afirma
a coerência e a consistência de tudo o que Deus revela. É uma tentativa de colocar
todos os textos em seu contexto último.
Esperamos que esse livro tenha contribuído para uma boa compreensão das dife-
rentes aproximações teológicas, mas, mais ainda, da abordagem da teologia siste-
mática, abordada nessa disciplina. Entender os principais dogmas dos capítulos te-
ológicos estudados neste livro é imprescindível para sua formação acadêmica.
Traçamos, neste livro, um itinerário para estudar os fundamentos de nossa fé cristã
reformada. A compreensão dos aspectos filosóficos, históricos e gramaticais consti-
tutivos da teologia sistemática passa por discussões de diversos níveis, por exemplo,
a necessidade do diálogo com a mentalidade vigente em seu contexto temporal.
Por isso, tais discussões são imprescindíveis na formação de teólogos cristãos críti-
cos e sensíveis, que estejam preparados com fé e amor para atuarem com e para o
povo de Deus em todos os eixos do trabalho eclesial.
Abraços,
Professores Hermisten Maia e Roney de Carvalho
339
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ANEXOS

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A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, Martins Fontes, 1996, 2°Ed. p. 678.
(observações de EUCKEN, R.; LACHELIER, J.).
43. LALANDE, A. Método. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Martins Fontes,
1996, 2°Ed. p. 678.
44. HODGE, C. Teologia Sistemática. p. 2. Esta declaração de Hodge é amplamente
citada (Veja, por exemplo: TIL, C. V. An Introduction to Systematic Theology. Phil-
lipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 8; SMITH,
M. H. Systematic Theology. Greenville, South Carolina: Greenville Seminary Press,
1994, p. 24.
45. Sobre esse ponto, veja: HODGE, C. Teologia Sistemática. p. 1-13; TIL, C. V. An
Introduction to Systematic Theology. 1974, p. 8-20.
345
ANEXOS

46. NASH, R.H. Questões Últimas da Vida: uma introdução à Filosofia, São Paulo:
Cultura Cristã, 2008, p. 14.
47. FERREIRA, F.; MYATT, A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.
3-30.
52. BRUNNER, E. Dogmática. São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 117.
54. BARTH, K. Church Dogmatics. Edinburgh: T. & T. Clark, 1960, I/1, p. 306.
59. HENDRIKSEN, W. O Evangelho de João. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004,
(Jo 14.9) p. 657.
66. COSTA, H. M. P. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2004.
68. STRONG, A. H. Systematic Theology. p. 27; SPYKMAN, G. J. Teologia Reforma-
cional: Um Nuevo Paradigma para Hacer la Dogmática. Jenison, MI.: The Evangelical
Literature League, 1994, p. 5.
69. BERKHOF, L. Introduccion a la Teologia Sistematica, p. 53; BAVINCK, H. Dogmáti-
ca Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 45-46.
70. FRAME, J. M. A doutrina do conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã,
2010, p. 93-101.
71. COSTA, H. M. P. A Palavra e a Oração como Meios de Graça. In: Fides Reformata.
São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-
48.
72. “Seria uma boa preparação treinar-se para o culto divino, pondo em prática de-
veres domésticos piedosos em relação a seus próprios familiares” (CALVINO, J. As
Pastorais. [1Tm 5.4], p. 131).
73. CALVIN, J. Commentaries of the Four Last Books of Moses. Grand Rapids,
Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 2), 1996 (Reprinted), v. 1,
(Dt 12.32), p. 453.
75. Cf. CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House Company, 1996 (Reprinted), v. II/1, (Dt 6.16), p. 422.
77. - COSTA, O. E. ¿Qué Significa Evangelizar Hoy? San José, Costa Rica: Publicacio-
nes INDEF., 1973, 3.442. p. 45.
79. GODFREY, W. R. A Reforma do Culto. In: BOICE, J. M. et al. eds. Reforma Hoje. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 155.
80. Veja, entre outros: LLOYD-JONES, D. M. As Insondáveis Riquezas de Cristo. p.
8, 85-86, 165, 254; LLOYD-JONES, D. M. O Combate Cristão. São Paulo: Publica-
ções Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 101-103,127; LLOYD-JONES, D. M. Deus o
Pai, Deus o Filho. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997 (Grandes
Doutrinas Bíblicas, v. 1), p. 393.
ANEXOS

83. GRENZ, S. J.; Olson, R. E. Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo


sobre Deus e sua relação com o ser humano. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 51.
84. Brunner, E. Dogmática. São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 15, 18.
85. CALVINO, J. As Institutas. I.6.2. Os verdadeiros discípulos da Escritura tornam-se
“discípulos da Igreja”. (Ver: CALVINO, J. Efésios. São Paulo: Paracletos, 1998, [Ef 4.13],
p. 126).
86. CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p.
374.
87. CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 1.20),
p. 60.
88. CALVINO, J. As Pastorais. (Tt 1.1), p. 300. Para maior detalhamento desse ponto,
ver: COSTA, H. M. P. Anotações Sobre a Hermenêutica de Calvino – Compreensão
a serviço da piedade e do ensino –, São Paulo, 2005.
89. CHYTRÄUS, D. apud SPENER, P. J. Mudança para o Futuro: Pia Desideria. São
Bernardo do Campo, SP; Curitiba, PR: Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ci-
ências da Religião; Encontrão Editora, 1996, p. 114 e 30. (Veja também, SPENER, I. p.
102-117).
90. CHYTRÄUS, D. apud SPENER, P. J.Pia Desideria. São Bernardo do Campo, SP.:
Imprensa Metodista, 1985, p. 30. (Essa frase de Chyträus foi omitida na edição mais
recente, citada supra, conforme explicação do editor).
95. PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 29.
97. Cf. Stott, J. Eu Creio na Pregação. São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 142-146.
98. LLOYD-JONES, D. M. As Insondáveis Riquezas de Cristo. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 52.
99. PIPER, J. A Supremacia de Deus na Pregação. São Paulo: Shedd Publicações,
2003, p. 60.
101. CRAIG, W. L. Apologética Cristã para Questões difíceis da vida. São Paulo:
Vida Nova, 2010, p. 11.
102. PIPER, J. In: PIPER, J.; CARSON, D. A. O Pastor Mestre e O Mestre Pastor. São
José dos Campos, SP: Fiel, 2011, p. 15.
105. PIPER, J. In: PIPER, J.; CARSON, D. A. O Pastor Mestre e O Mestre Pastor. São
José dos Campos, SP: Fiel, 2011, p. 15.
107. CHAPELL, B. Pregação Cristocêntrica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002,
p. 113.
109. Veja: Bruce, F. F. La defesa apostólica del Evangelio. 2. ed. Buenos Aires: Edi-
ciones Certeza, 1977, p. 8-9.
347
ANEXOS

110. BUSENITZ, N. A Palavra da Verdade em um mundo de erro: Fundamentos da


apologética Cristã: In: MACARTHUR, J. et al. Evangelismo: compartilhando o Evan-
gelho com fidelidade, São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012, p. 63.
111. SCHAEFFER, F. A. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 259.
“O melhor método apologético tem pouco valor a não ser que atinja em cheio o
coração da pessoa. (...) O método apologético sadio e efetivo começa e termina com
a adoração a Deus” (EDGAR, W. Razões do Coração: reconquistando a persuasão
cristã. Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 69).
115. CRAIG, W. L. Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida
Nova, 2010, p. 11.
116. BLUNCK, J. Firme. In: Brown, C. ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 246.
118. MACK, W. A.; SWAVELY, D. A Vida na Casa do Pai. São Paulo: Cultura Cristã, 2006,
p. 17-24.
119. Edgar, W. Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF:
Refúgio, 2000, p. 131.
120. TIL, C. V. An Introduction to Systematic Theology. Phillipsburg, New Jersey:
Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 1.
121. GRAHAM, B. Por que Lausanne? In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje. São
Paulo; Belo Horizonte, MG: ABU; Visão Mundial, 1982, p. 20.
122. CONNER, W. T. Doctrina Cristiana. 4. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publi-
caciones, 1978, p. 19.
123. PASCAL, B. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural. Os Pensadores, v. 16, 1973,
IV. 269, p. 110.
126. COSTA, H. M. P. Breve Teologia da Evangelização. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 64.
127. BRUNNER, E. Dogmática. v. 1, 2004, p. 24.
128. BERKHOF, L. Introduccion a la Teologia Sistemática. 1990, p. 53.
129. BRUNNER, E. Dogmática. v. 1, 2004, p. 24.
130. GRENZ, S. J.; OLSON, R. E. Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo
sobre Deus e sua relação com o ser humano. 2002, p. 46 e 47.
131. Barth, K. La Proclamacion del Evangelio. 2006, p. 46.
135. CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p.
330. CALVINO, J. As Institutas. III.21.4 e III.23.8.
139. FEUERBACH, L. A Essência do Cristianismo. Campinas, SP: Papirus, 1988, Pre-
fácio a 2. edição, p. 35 e p. 55.
ANEXOS

142. CALVINO, J. As Pastorais. (2Tm 2.14), p. 233.


143. CALVINO, J. As Pastorais. (2Tm 3.16-17), p. 264.
144. CALVINO, J. As Pastorais. (1Tm 6.3), p. 164.
146. CALVINO, J. Efésios. (Ef 4.14), p. 128-129.
151. CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios. (1Co 14.31), p. 433.
153. CONNER, W. T. Doctrina Cristiana.Editorial Mundo Hispano, 2003, p. 19.
154. LLOYD-JONES, D. M. Pregação & Pregadores. São Paulo: Fiel, 1984p. 23.
155. DEMAREST, B. A. Teologia Sistemática. In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histó-
rico-Teológica da Igreja Cristã. 1990, v. 3, p. 516.
156. DEMAREST, B. A. Teologia Sistemática. In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histó-
rico-Teológica da Igreja Cristã. 1990, v. 3, p. 516.
157. AULÉN, G. A Fé Cristã. São Paulo: ASTE, 1965, p. 30.
161. Cf. Hodge, C. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p.9.

UNIDADE II

171. HOEKSEMA, H. Reformed Dogmatics. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free


Publishing Association, 1990, p. 15.
173. BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 1964, p. 72.
174. BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. São Paulo: ASTE, 1964, p. 72.
175. CONFISSÃO de Westminster, I.10.
176. KUYPER, A. Calvinismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 123.
177. MEETER, H. H. La Iglesia y Estado. 3ª ed. Grand Rapids, Michigan: TELL., [s.d.], p.
28.
178. MEETER, H. H. La Iglesia y Estado. p. 26. Calvino comentou: “Por esta causa,
alguns dos filósofos antigos chamaram, não sem razão, ao homem, microcosmos,
que quer dizer mundo em miniatura; porque ele é uma rara e admirável amostra do
grande poder, bondade e sabedoria de Deus, e contém em si milagres suficientes
para ocupar nosso entendimento se não desdenharmos considerá-los.” (CALVINO, J.
As Institutas. I.5.3).
179. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, Hb 11.3, p. 299.
180. BAVINCK, H. The Philosophy of Revelation. New York: Longmans, Green, and
Company, 1909, p. 83.
349
ANEXOS

181. PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1977, p. 84.


182. BOETTNER, L. La Predestinación. Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.), p. 33.
183. Vd. CONFISSÃO de Westminster, Cap. V.
184. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. (Hb 11.3), p. 300-301.
185. CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios. (1Co 1.21), p. 63.
186. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 8.5), p.
167.
187. CALVINO, J. As Institutas. I.3.1.
188. CALVINO, J. As Institutas. I.3.3.
189. EXPRESSÃO de Descartes (1596-1650), Vd. R. Descartes, Discurso do Método,
São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores, XVI), I, p. 41.
190. PASCAL, B. PENSAMENTOS. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Os Pensadores, XVI,
VIII. 556, p. 178.
191. CALVINO, J. As Institutas. II.1.10.
192. MEETER, H. H. La Iglesia y El Estado. p. 28.
193. CALVINO, J. As Institutas. I.6.4; CALVINO, J. As Pastorais. (1Tm 3.15), p. 98;
CONFISSÃO de Westminster, I.1.
194. CALVINO, J. As Institutas. I.5.10; PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. São
Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 26-35.
195. Packer, J. I. O Conhecimento de Deus. p. 15. Vd. GRONINGEN, G. V. Revelação
Messiânica no Velho Testamento. Campinas, SP: Luz para o Caminho, 1995, p. 63-
64.
196. Vd. BRUNNER, E. Revelation and Reason. Philadephia: The Westminster Press,
1946, p. 3.
197. BRUNNER, E. Dogmática. Vol. 1, 2004, p. 167.
198. KUYPER, A. Principles of Sacred Theology. Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1980 (reprinted), § 56, p. 341ss.
199. BRUNNER, E. Dogmática. São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1, p. 117.
200. BARTH, K. CHURCH DOGMATICS. Edinburgh: T. & T. Clark, 1960, I/1, p. 306.
201. BRUNNER, E. Dogmática. Vol. 1, 2004, p. 156.
202. HENDRIKSEN, W. O Evangelho de João. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004,
(Jo 14.9) p. 657.----- perdeu referencia
ANEXOS

203. O filósofo alemão Feuerbach (1804-1872), reduziu “a teologia à antropologia”


(FEURBACH, L. A. A Essência do Cristianismo. Prefácio da 2ª edição, 14/02/1843,
p. 35.
204. COSTA, H. M. P. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2004. -----perdeu referencia
205. CALVINO, J. Exposição de Hebreus, (Hb 11.3), p. 299.
206. PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 33.
207. CALVINO, J. As Institutas. III.2.2.
208. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. (Hb 11.11), p. 318. Vd.também, (Hb 10.23), p.
270; CALVINO, J. Gálatas. São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 49.
209. CALVINO, J. Sermones Sobre a La Obra Salvadora de Cristo. Jenison, Michigan:
TELL, 1988 (Sermão n° 13), p. 156.
210. CALVINO, J. As Institutas. IV.1.12.
211. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Parakletos, 2002, Vol. 3, (Sl 106.21),
p. 684.
212. Vd. Hermisten M.P. Costa, Antropologia Teológica: Uma Visão Bíblica do Ho-
mem, São Paulo: 1988, p. 22-24. Groningen acentua: “O Senhor soberano julgou
necessário revelar explicitamente a natureza de sua relação pactual
com a humanidade. Ele fez isto antes do homem cair em pecado. De-
pois da queda, isto se tornou ainda mais necessário devido aos efeitos
do pecado.” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento,
Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63).
214. COSTA, H. M. P. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: 1986, p. 7ss;
215. CALVINO, J. As Institutas. II.1.10.
216. MEETER, H. H. La Iglesia y El Estado. 3ª ed.Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.),
p. 28.
218. CALVINO, J. As Institutas. I.5.10; AGOSTINHO. Confissões. 9ª ed. Porto, Livra-
ria Apostolado da Imprensa, 1977, I.1.1. p. 27-28; PACKER, J. I. O Conhecimento de
Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1980, especialmente, p. 26-35.
220. PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 15.
Vd. Gerard V. Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.:
Luz para o Caminho, 1995, p. 63-64.
229. BOETTNER, L. A Inspiração das Escrituras. Lisboa, Papelaria Fernandes, (s.d),
p. 30; WARFIELD, B. B. The Inspiration of the Bible. In: WARFIELD, B. B. The Works of
Benjamin. 1981, Vol. I, p. 101.
351
ANEXOS

230. BOETTNER, L. A Inspiração das Escrituras. Lisboa, Papelaria Fernandes, (s.d),


p. 30; WARFIELD, B. B. The Inspiration of the Bible. In: WARFIELD, B. B. The Works of
Benjamin. 1981, Vol. I, p. 11.
232. BOICE, J. M. O Pregador e a Palavra de Deus. In: BOICE, J. M., ed. O Alicerce da
Autoridade Bíblica, Vida Nova, 2005, p. 162.
233. WARFIELD, B. B. Revelation and Inspiration. In: The Works of Benjamin B. War-
field, Vol. I, p. 96-97. Edwin H. P. El Espiritu Santo, Gran Bretaña, El Estandarte de la
Verdad, (s.d.), p. 58
234. Hoeksema, H. C. The Doctrine of Scripture. Grand Rapids, Michigan: Refor-
med Free Publishing Association, 1990, p. 80ss.
235. Vd. WARFIELD, B. B. Revelation and Inspiration. In: WARFIELD, B. B. The Works of
Benjamin. Vol. I, p. 101.
236. CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.16),
p.279.
237. CALVINO, J. As Institutas. I.7.4-5 e I.8.13.
240. apud D’AUBIGNÉ, J. H. M. História da Reforma do Décimo-Sexto Século. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana (s.d.), Vol. III, p. 64.
241. D’AUBIGNÉ, J. H. M. História da Reforma do Décimo-Sexto Século. Vol. III,
(s.d.), p. 64-65; ERBKAM, H. W. Münzer. In: SCHAFF, P. ed. Religious Encyclopaedia:
Or Dictionary of Biblical, Historical, Doutrinal, and Practical Theology, Vol. II, p. 1596a.
243. ATKINSON, J. Lutero e o Nacimiento del Protestantismo. 2ª ed. Madrid: Alian-
za Editorial, 1987, p. 254.
244. D’AUBIGNÉ, J. H. M. História da Reforma do Décimo-Sexto Século. Vol. III,
(s.d.), p. 71.
247. LUTERO, M. Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530). In: Mar-
tinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo/Porto Alegre, RS. Sinodal/Concór-
dia, 1995, Vol. 5, p. 334.
248. CALVINO, J. O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 25.14), p.
558.
249. POPKIN, R. H. História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 2000, p. 26.
251. SPROUL, R. C. Sola Scriptura: Crucial ao Evangelicalismo. In: J. M. Boice, ed. O
Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 122.
252. PACKER, J. I. O Conforto do Conservadorismo. In: HORTON, M. ed. Religião de
Poder. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 241.
ANEXOS

253. PACKER, J. I. O Conforto do Conservadorismo. In: HORTON, M. ed. Religião de


Poder. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 236.
254. CALVINO, J. As Institutas. IV.4.1; IV.8.9; IV.10.26. Fala também da “mui pura Pala-
vra de Deus” (CALVINO, J. As Institutas. II.16.8).
255. CALVINO, J. As Institutas. I.18.3.
256. CALVINO, J. As Institutas. (1541), IV.15.
257. CALVINO, J. Exposição de Romanos. (Rm 12.7), p. 432.
258. CALVINO, J. As Institutas. 1541, II.7. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. (Hb
4.12), p. 110
259. CALVINO, J. As Pastorais. (1Tm 3.15), p. 98. As Institutas. IV.16.16. Exposição
de Hebreus. Dedicatória, p. 14.
260. CALVINO, J. As Institutas. I.8.1.
261. CALVINO, J. As Pastorais. (1Tm 6.21), p. 187.
262. CALVINO, J. Exposição de Romanos. (Rm 9.14), p. 330.
263. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. Dedicatória, p. 14.
264. CALVINO, J. As Institutas. I.7.1.
265. TURRETIN, F. Institutes of Elenctic Theology. Phillipsburg, NJ, P & R Publishing,
1992, 1.6.10. p. 89.
266. CALVINO, J. As Institutas. I.7.4. Vd. também: As Institutas, I.9.3.
267. CALVINO, J. As Pastorais. (1Tm 3.15), p. 98.
268. CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios. (1Co 3.6), p. 103.
269. CALVINO, J. As Institutas. I.7.5
270. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. (Hb 4.12), p. 108.
272. JOWETT, J. H. O Pregador, Sua Vida e Obra. São Paulo: Casa Editora Presbite-
riana, 1969, p. 97.
274. . LLOYD-JONES, D. M. Pregação e Pregadores. São Paulo: Fiel, 1984, p. 9-10;
BOICE, J. M. O Pregador e a Palavra de Deus. In: J BOICE, J. M. ed. O Alicerce da Auto-
ridade Bíblica. Vida Nova, 2005, p. 143-167; RYLE, J. C. A Inspiração das Escrituras.
São Paulo: PES. (s.d.), p. 15.
277. WRIGHT, D. F.Catecismos. In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-Teológi-
ca da Igreja Cristã. Vol. I, 249.
279. WRIGHT, D. F.Catecismos. In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-Teológi-
ca da Igreja Cristã. Vol. I, 250.
353
ANEXOS

282. LINDSAY, T. M. La Reforma y su Desarrollo Social. Barcelona: CLIE., (s.d.) p. 100.


284. A dedicatória de Calvino é de 02/12/1545. Vd. In: CALVIN, J. Tracts and Treatis-
es on the Doctrine and Worship of The Church, Grand Rapids. Michigan: Eerd-
mans, 1958, Vol. II, p. 36.
285. CATECISMO de la Iglesia de Ginebra. In: Catecismos de la Iglesia Reformada.
Buenos Aires: La Aurora, 1962, p. 7-8
286. HENDRY, G. S. The Westminster Confession for Today. Richimond, Virginia:
John Knox Press, 1960, p. 10.
287. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 50.4), p.
401.
288. CALVINO, J. As Institutas. IV.1.15
290. CALVIN, J. To the Brethren of Wezel, “Letter,” John Calvin Collection, [CD-ROM],
(Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 346, p. 32-34.
293. Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Edinburgh: The Ban-
ner of Truth Trust, 1980, p. 132-133.
294. WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1967, Vol. II, p. 111.
295. CAIRNS, E. E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1984,
p. 257.
296. DELUMEAU, J. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, Vol. I,
p. 129
297. DELUMEAU, J. O Nascimento e Afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira,
1989, p. 149-150. Delumeau cita estatística de Coligny, constando a França, em
1562, de mais de 2150 “comunidades” reformadas. (DELUMEAU, J. A Civilização do
Renascimento. Vol. I, p. 129).
301. OLIVER JUNIOR, O. G. Bullinger. In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-
-Teológica da Igreja Cristã. Vol. I, p. 216.
302. Discípulos de James Arminius (1560-1609), antigo aluno de Theodore de Beza
(1519-1605), sucessor de Calvino em Genebra.
303. Este documento foi publicado em português: Os Cânones de Dort, São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 1995).
304. HODGE, A. A. Confissão de Fé Westminster Comentada por A. A. Hodge. São
Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 41.
305. KENDALL, R. T. A Modificação Puritana da Teologia de Calvino. In: REID, W.
S. ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1990, p. 264.
ANEXOS

308. Packer, J. I. O Conforto do Conservadorismo. In: HORTON, M. ed. Religião de


Poder. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 235.
310. Vd. Ph. SPENER, J. Mudança para o Futuro: Pia Desideria. Curitiba, PR./São Ber-
nardo do Campo, SP: Encontrão Editora/Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, 1996, p. 32-33; 57-58; 118.
312. PACKER, J. I. O Conforto do Conservadorismo. In: HORTON, M. ed. Religião de
Poder. São Paulo: Cultura Crista, 1998, p. 241.

UNIDADE III

313. MCGRATH, E. A. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução


à teologia cristã. 1º Ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 384.
318. A CONFISSÃO Escocesa (1560), Cap. I. In: LIVRO DE CONFISSÕES, São Paulo:
Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, § 3.01. .
319. A SEGUNDA Confissão Helvética (1562-1566), Cap. III. In: LIVRO DE CONFIS-
SÕES, São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, §§ 5.016-5.017.
320. CONFISSÃO de Westminster, Cap. II. 3. Consulte também: CATECISMO Maior
de Westminster, Perguntas 9-11 e CATECISMO Menor de Westminster, Pergunta 6.
321. A CONFISSÃO de Augsburgo, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1980, Art. I, p. 17.
322. CONFISSÃO Belga, Art. 8.
323. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã. Luz
para o Caminho (autorização), 1990, p. 88-91.
324. AUSTEL, H. J. Shãma’: In: HARRIS, R. L. et. al., eds., Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1586.
325. EDERSHEIM, A. La Vida y los Tiempos de Jesus el Mesias. Barcelona: CLIE,
1988, Vol. I, p. 491.
326. BROMILEY, G, W. Credo, Credos. In: ELWELL, W. A. (ed.). Enciclopédia Histórico-
-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2003 p. 365.
327. UNTERMAN, A. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jor-
ge Zahar ed. 1992, p. 242.
328. COSTA, H. M.P. Teologia do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987,
p. 19.
329. STRONG, A. H. Teologia Sistemática. Campinas: Editora Hagnos, 2003, Vol. 1,
p. 492.
355
ANEXOS

330. CAMPOS, H. C. de. O Ser de Deus e os seus Atributos. 1º ed. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1999. p. 123-125.
331. MCGRATH, E. A. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução
à teologia cristã. 1º Ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. p. 376.
332. LEIBNIZ, G. W.. Novos Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol.
XIX), 1974, III.1. § 1, p. 167).
333. CALVINO, J. As Institutas. I.13.3. Consulte também: STRONG, A. H. Teologia
Sistemática. Campinas: Editora Hagnos, 2003, Vol. 1, p. 491. Consulte também: PIE-
TERS, A. Fundamentos da Doutrina Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1979, p. 179.
334. CALVINO, J. As Institutas, I.13.6.
335. CALVINO, J. As Institutas, I.13.19.
336. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã. Luz
para o Caminho (autorização), 1990, p. 89. Consulte também: LANGSTON, A. B. Es-
boços de Teologia Sistemática. 7º Ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1983, p. 119ss.
337. MCGRATH, E. A. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução
à teologia cristã. 1º Ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
338. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã. Luz
para o Caminho (autorização), 1990, p. 91.
339. CALVINO, JOÃO. As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas
para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 3, (III.8.1), p. 38). Consulte
também: CALVINO, JOÃO. Romano. 2º Ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33),
p. 426-427.
340. CALVINO, JOÃO. As Institutas – Edição Clássica. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
vol.1, 2, 3 e 4, 1985.
341. As palavras gregas correspondentes são: o(/roj = “termo”, “limite” e o(rismo/j =
“delimitação”, “acordo”, “tratado”.
342. OBREGÓN, E. D. Lógica. 4º Ed. Santa Fé/Argentina: Libreria y Editorial Castellví,
(1951), p. 89 e 90.
343. LIARD, L. Lógica. 9º Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p. 25.
344. CONDILLAC, É. B. de. Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de
Pensar. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. 27), 1973, p. 121.
345. ARISTÓTELES. Metafísica. III, 2, 996 b 30; IV,2,1005 b 24. Cf. Princípio de Contra-
dição: In: N. Abbagnano, Dicionário de Filosofia, 2º Ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982,
p. 188b.
346. ESPINOSA, B. Ética. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XVII), 1973,
I.8. Escólio 2, p. 91.
ANEXOS

347. ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.


222a).
348. ARISTÓTELES. Tópicos. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973,
I.5. p. 13.
349. FUHRMANN, P. T. An Introduction to the Great Creeds of the Church, Phila-
delphia: Westminster Press, 1960, p. 9-10.
350. FUHRMANN, P. T. An Introduction to the Great Creeds of the Church, Phila-
delphia: Westminster Press, 1960, p. 11-12.
351. ALMEIDA, J. F. A Bíblia Sagrada (revista e atualizada no Brasil). 2º Ed. São
Paulo: Sociedade Bíblica Brasileira, 1993.
352. O sentido básico é de “declarar”, “publicar”, “tornar conhecido”, “anunciar”, “ma-
nifestar” e “expor”.
353. RAD, G von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1973, Vol. 1, p.
343.
354. A LXX traduz (Sl 32.5 – “confessei”) por gnwri/zw, “fazer conhecido”, “revelar”,
“desvendar”.
355. A LXX traduz (Sl 32.5 – “confessarei”) por e)comologe/w “prometer”, “confessar”,
“glorificar”.
356. TORRANCE, J.B. Confissão: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia,
São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. 1, p. 314.
357. ALLEN, L. C. Ydl: Willem A. VanGemeren, gen. editor. New International Dic-
tionary of Old Testament Theology & Exegesis, Grand Rapids, Michigan: Zondervan,
1997, Vol. 2, p. 405.
358. ALEXANDER, R.H, Yãdâ: In: HARRIS, R. L. et. al. eds. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 595). Consulte tam-
bém: TORRANCE, J.B. Confissão: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia,
São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. 1, p. 314
359. MARTIN, R. P. Credo: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Pau-
lo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. I, p. 342. Consulte também: Martin, R.P. Adoração
na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 64ss.
360. HERMANN, J. A. Shãma’: In: HARRIS, R. L. et. al., eds., Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1586).
361. EDERSHEIM, A. La Vida y los Tiempos de Jesus el Mesias. Barcelona: CLIE,
1988, Vol. I, p. 491.
362. BROMILEY, G, W. Credo, Credos. In: ELWELL, W. A. (ed.). Enciclopédia Histórico-
-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2003. p. 365.
357
ANEXOS

363. UNTERMAN, A. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jor-


ge Zahar ed. 1992, p. 242.
364. HERMISTEN, M.P. Costa. Teologia do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbite-
riana, 1987, p. 19.
365. BROMILEY, G, W. Credo, Credos: In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-
-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 365. Consulte também: KELLY, J.N.D. Primitivos Cre-
dos. Cristianos, p. 24.
366. MARTIM, R. P. Credo: DOUGLAS, J.D. ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São
Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. I, p. 342. MARTIM, R. P. Adoração na Igreja
Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 64ss.
367. HERMANN, J. A. Shãma’: In: HARRIS, R. L. et. al.eds.Theological Wordbook of the
Old Testament, 2. ed. Chicago: Moody Press, 1981, Vol. II, p. 938-939).
368. EDERSHEIM, A. La Vida y los Tiempos de Jesus el Mesias. Barcelona: CLIE,
1988, Vol. I, p. 491.
369. BROMILEY, G, W. Credo, Credos: In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-Te-
ológica da Igreja Cristã, I, p. 365.
370. UNTERMAN, A. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jor-
ge Zahar ed. 1992, p. 242.
371. COSTA, H. M.P. Teologia do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987, p. 19.
372. BROMILEY, G, W. Credo, Credos: In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia Histórico-
-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 365. Consulte também: KELLY, J.N.D. Primitivos Cre-
dos Cristianos. Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 24.
373. KELLY, J.N.D. Primitivos Credos Cristianos. Salamanca: Secretariado Trinitario,
1980, p. 23-45.
374. MARTIN, R.P. Adoração na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 2012, 2° Ed.,
p. 63-76.
375. At. 2.42; Rm 6.17; Ef 4.5; Fp 2.16; Cl 2.7; 2Ts 2.15; 1Tm 4.6,16; 6.20; 2Tm 1.13,14;
4.3; Tt 1.9, entre outros.
376. NOLL, M. A. Momentos Decisivos na História do Cristianismo. São Paulo: Cul-
tura Crista, 2000, p. 45-49.
377. MCGRATH, E. A. Teologia Histórica: uma introdução à história do Pensamento
Cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 45.
378. Consulte também: Tertuliano, Da Prescrição dos Hereges, 13. In: Cirilo Folch Go-
mes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, 2. ed. (revista e ampliada), São Paulo:
Paulinas, 1980. § 254, p. 162 e ANF., III, p. 249. Consulte também: Hermisten M.P.
Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 1998.
ANEXOS

379. MILÃO, A. de. Explicação do Símbolo. São Paulo: Paulus, 1996, 2. p. 23.
380. ROMA, H. de. Tradição Apostólica. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1981, § 44. p. 51.
381. ROMA, H. de. Tradição Apostólica. § 46, p. 51-52; Didaquê. São Paulo: Impren-
sa Metodista, 1957, VII.1. p. 70.
382. MCGRATH, E. A. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução
à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 54.
383. R.P.C. Hanson, Confissões e Símbolos de Fé: In: Ângelo Di Berardino,
org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ./São Paulo:
Vozes/Paulinas, 2002, p. 322b.
384. HANSON, R.P.C. Confissões e Símbolos de Fé: In: Ângelo Di Berardino, org.
Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ./São Paulo: Vozes/Pau-
linas, 2002, p. 322b.
385. KELLY, J.N.D. Primitivos Credos Cristianos. Salamanca: Secretariado Trinitario,
1980, p. 125. Consulte também: HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testa-
mento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983, p. 299.
386. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 2, p.
268.
387. STRONG, A. H. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Hagnos, 2003, Vol. 1,
p. 472-479.
388. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo, Cultura Cristã, 1999,
p. 24.
390. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 1, p.
329; Vol. 2, p. 269-271. Consulte também: CALVINO, J. Exposição de 2 Corín-
tios. São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 13.13), p. 271.
391. CALVINO, J. Exposição de 2 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1995,
(2Co 13.13), p. 271.
392. COSTA, H. M. P. A Pessoa e Obra do Espírito Santo. São Paulo: 2006, p. 65ss.
Consulte também: PINK, A.W. Os Atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evan-
gélicas Selecionadas, 1985, p. 74.
393. PINK, A.W. Os Atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-
nadas, 1985, p. 74.
394. MCGRATH, E. A. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução
à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 54.
395. FERGUSON, S. B. O Espírito Santo. 2000. p. 54.
359
ANEXOS

396. KUYPER, A. The Work of the Holy Spirit. Chattanooga: AMG Publishers, 1995,
p. 18-22. Consulte também: KUIPER, R. B. Evangelização Teocêntrica. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 7-14. Consulte também: KUIPER, R.
B. El Cuerpo Glorioso de Cristo: Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 169-175.
Consulte também: PINK, A.W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1977, p. 49ss., espe-
cialmente, p. 75-76.
397. SPURGEON, C.H. Sermões Sobre a Salvação. São Paulo: Publicações Evan-
gélicas Selecionadas, 1992, p. 45. Consulte também: LLOYD-JONES, D. M. Vida No
Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1991, (Ef 5.27), p. 137). Consulte também: MURRAY, J. Redenção: Con-
sumada e Aplicada. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 98. Consulte também:
Kuiper, R. B. El Cuerpo Glorioso de Cristo. Michigan: Subcomision Literatura Cris-
tiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1985, p. 169ss; 177ss. Consulte também:
SPURGEON, C.H. Sermões Sobre a Salvação. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1992, p. 12ss.
398. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, Vol. 4, p.
221.
399. CALVINO, J. As Institutas, III.1.1.
400. CALVINO, J. Sermones sobre la obra salvadora de Cristo. T. E. L. L. Jenison, Mi.
EUA, 1988,“Sermon nº 2”, p. 23.
401. MURRAY, J. Redenção: Consumada e Aplicada. São Paulo: Cultura Cristã,
2010, p. 19.
402. Catecismo de Genebra, (1541/2), Perg. 91. Consulte também: COSTA, H. M. P. A
Graça de Deus: Comum ou Exclusiva? São Paulo: 2000.
403. GRAHAM, B. Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São
Paulo/Belo Horizonte, MG.: ABU/Visão Mundial, 1982, p. 30. Consulte também: PA-
CKER, J. I. Evangelização e Soberania de Deus. 2º Ed. São Paulo: Vida Nova, 1990,
p. 22.
404. BURROUGHS, J. Aprendendo a estar contente. São Paulo: Publicações Evan-
gélicas Selecionadas, 1990, p. 28.
405. CALVINO, J. Institución, III. 20.34. Consulte também: CALVINO, J. Exposição de
Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.26), p. 291). Consulte também: CALVI-
NO, J. O Catecismo de Genebra. Perg. 254.
406. CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para
estudo e pesquisa. Vol. 3, (III.9), 1985, p. 95.
407. CALVINO, J. Catecismo de Genebra. Perg. 245.
ANEXOS

408. PALMER, E. H. El Espiritu Santo. Gran Bretaña, El Estandarte de la Verdad, (s.d.),


p. 190.
409. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. Vol. 3, (Sl 91.12), 2012, p. 454.
410. CALVINO, J. Sermones Sobre Job (Sermon nº 1: El Carácter de Job). Jenison,
Michigan: T.E.L.L., 1988, p. 28.
411. CALVINO, J. Catecismo de Genebra. Perg. 254.
413. BONHOEFFER, D. Orando com os Salmos. Curitiba/PR.: Encontrão Editora,
1995, p. 12-13.
414. COSTA, H.M. Providência de Deus: Governo ou Fatalismo? São Paulo: 1989, p. 27.
415. D.M. Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangéli-
cas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: Vol. 1), p. 98.

UNIDADE IV

416. VEITH JR., G. E. De Todo o teu entendimento. São Paulo: Cultura Cristã,
2006, p. 123.
418. CALVINO, J. Exposição de 2 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 1.8),
p. 22.
419. PINK, A. W. Deus é Soberano. Atibaia/SP: Editora Fiel, 1977, p. 19.
420. MCGRATH, A. E. Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalis-
mo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 32-35.
425. Ver o sermão de Spurgeon sobre Mt 28.15 citado por PINK, A. W. Os Atributos
de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 32-33.
426. MACARTHUR JR., J. Abaixo a Ansiedade. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 30.
427. FRAME, J. M. A Doutrina do conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã,
2010, p. 56.
429. GEISLER, N.; BOCCHINO, P. Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores
questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2003, p.
50.
430. HERMISTEN, M. P. C. Eu Creio. São Paulo: Paracletos, 2002, p. 104.
431. SPURGEON, C. H. Sermões Sobre a Salvação. São Paulo: Publicações Evangéli-
cas Selecionadas, 1992, p. 42-43.
432. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP, 2001, p.
479-512.
361
ANEXOS

435. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,


2011, 1 v. p. 326-327.
437. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 247.
438. CHARNOCK, S. The Existence and Attributes of God. Grand Rapids, Michigan:
Baker Book House, 1996 (Reprinted), 2 v. p. 12. (Two Volumes in one). BAVINCK, H.
Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 2 v. p.
252ss. SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus contra os pagãos. 2. ed. Petrópo-
lis, RJ/São Paulo: Vozes/Federação Agostiniana Brasileira, 1990, 1.5.10 v. p. 204-205.
TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, 1 v. p. 335-336.
440. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 256. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, 1 v. p. 329ss.
441. HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores), 14 v. 1974, I.x.,
p. 57ss. Fala sobre algumas formas de poder humano.
443. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 246.
444. SPURGEON, C. H. In: PINK, A. W. Os Atributos de Deus. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 48.
446. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 235.
447. PASCAL, B. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973, (Os Pensadores), 16
v. v. 298. p. 117.
449. HODGE, C. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 307.
450. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 254.
455. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, 1 v. p. 334, 547.
459. CAMPOS, H. C. de. O Ser de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 384.
460. SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus contra os pagãos. 2. ed. Petrópolis,RJ/
São Paulo: Vozes/Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. II, 21.8, p. 495.
462. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 240.
463. ACTON, L. Ensaios e Estudos Históricos. Rio de janeiro: Topbooks, 2014.
464. PROTÁGORAS. In: PLATÃO. Teeteto. 152a e Aristóteles, Metafísica, XI, 6. 1062.
ANEXOS

466. HOBBES, T. In: LEBRUN, G. O Que é Poder? 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981,
p. 28. HOBBES, T. O Leviatã. II.xviii. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores), 14 v.
1974, p. 111ss.
467. STRONG, A. H. Systematic Theology. 35. ed. Valley Forge/Pa: Judson Press,
1993, p. 287. Do mesmo modo: SPROUL, R. C. O que é teologia reformada. São
Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 21.
468. PINK, A. Os Atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Seleciona-
das, 1985, p. 34.
PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1977, p. 21.
469. Catecismo Maior de Westminster. Perg. 15.
471. FRAME, J. M. The Doctrine of God. Phillipsburg/NJ: P & R Publishing, 2002, p.
519.
472. LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986,
p. 21.
473. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. 2 v. (Sl 62.11) p. 581.
474. MACHEN, J. G. El Hombre: La Enseñanza Bíblica sobre el hombre. Lima: El
Estandarte de la Verdad, 1969, p. 82.
483. KEIL, C. F.; DELITZSCH, F. Commentary on the Old Testament. Grand Rapids/
MI: Eerdmans, 1871, 5 v. (I/III), (Sl 8), p. 148.
484. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, 1 v. (Sl 8.6), p. 172.
486. SCHAEFFER, F. A. Poluição e Morte do Homem. São Paulo: Cultura Cristã, 2003,
p. 35.
490. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP, 2001, p.
24.
491. NASH, R. H. Questões Últimas da Vida: uma introdução à Filosofia. São Paulo:
Cultura Cristã, 2008, p. 19. TIL, C. V. Apologética Cristã. São Paulo: Cultura Cristã,
2010, p. 21.
492. PLATÃO. 155d. Teeteto-Crátilo. 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará,
1988, p. 20.
493. ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores), 4 v. 1973,
I.2. p. 214.
495. BAVINCK, H, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste: SOCEP, 2001,
p. 24.
496. DOOYEWEERD, H. No Crepúsculo do Pensamento. São Paulo: Hagnos, 2010,
p. 259.
363
ANEXOS

498. BOWLING, A.; MCCMISKEY, T. E. Zakar. In: HARRIS, R. L. et al. Dicionário Interna-
cional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 389-393.
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Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 1 v.
p. 1073-1079. EISING, H. Zakhar. Helmer Ringgren, Elohim. In: BOTTERWECK, G. J.;
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SON, A. A Theological Word Book of the Bible. 13. ed. London: SCM Press LTD.,
1975, p. 142-143. BROWN, C.; BARTELS, K. H. In: BROWN, C. O Novo Dicionário In-
ternacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983,
3 v. p. 54-62.
500. HAMILTON, V. P. Paqad. In: HARRIS, R. L. et al. Dicionário Internacional de Teo-
logia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1228-1230. SCHOTTRO-
FF, W. Pqd. In: JENNI, E.; WESTERMANN, C. Diccionario Teologico Critico Manual
del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, Tomo II, p. 589-613.
WILLIAMS, T. F. Pqd. In: VANGEMEREN, W. A. (Org.). Novo Dicionário Internacional
de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 3
v. p. 655-661. ANDRÉ, G. Paqad. In: BOTTERWECK, G. J.; RINGGREN, H.; FABRY, HJ.
Theological Dictionary of the Old Testament. Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2003,
12 v. p. 50-63.
502. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 24.
503. BAVINCK, H. Our Reasonable Faith. 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, 1984, p. 184.
505. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. Grand
Rapids, Michigan: Baker, 1996 (Reprinted), 1 v. (Gn 1.26) p. 91.
506. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. 1 v. (Gn
1.26) p. 91.
507. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. 1 v. (Gn
1.26) p. 92.
508. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis1 v. (Gn
1.26) p. 92.
509. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. 1 v. (Gn
5.1), p. 227-228. CALVINO, J. As Institutas. II.1.1.
512. CHARNOCK, S. Discourses Upon The Existence and Attributes of God. 9. ed.
Michigan: Baker Book House, 1989, 2 v. p. 36.
ANEXOS

513. GESENIUS, W. F. Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. 3. ed. Mich-


igan: WM. Eerdmans Publishing Co., 1978, p. 138-139. MCCOMISKEY, T. E. frfB. In:
HARRIS, R. L. Theological Wordbook of the Old Testament. 2. ed. Chicago: Moody
Press, 1981, 1 v. p. 127b. ESSER, H. H. Criação. In: BROWN, C. O Novo Dicionário In-
ternacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1 v., 2000, p.
536. KEIL, C. F.; DELITZSCH, F. Commentary on the Old Testament. Grand Rapids,
Michigan: Eerdmans, (s.d.), 1 v. (Gn 1.1), p. 47. ARCHER JR., G. L. Merece Confiança o
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 208. SHEDD, W. G. T. Dogmatic
Theology. 2. ed. Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1980, 1 v. p. 465-466. STRONG,
A. H. Systematic Theology. 35. ed. Valley Forge/PA: The Judson Press, 1993, p. 374-
376. KAISER JR., W. C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1980,
p. 76. ERICKSON, M. J. Christian Theology. 13. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1996, p. 369. LEEUWEN, R. C. V. Br’. In: VANGEMEREN, W. A. (Org.). Novo
Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Pau-
lo: Cultura Cristã, 2011, 1 v. p. 705-711.
519. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.
p. 76.
523. JENNI, E.; WESTERMANN, C. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testa-
mento. Madrid, Ediciones Cristiandad, 1978, Vol. I, p. 489.
524. KUYPER, A. The Work of the Holy Spirit. Chattanooga: AMG Publishers, 1995,
p. 37.
526. HEFNER, P. J. A Criação. In: BRAATEN, C. E.; JENSON, R. W. Dogmática Cristã. São
Leopoldo/RS: Sinodal, 1990, 1 v. p. 327.
528. GRONINGEN, G. V. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas/SP:
Luz para o Caminho, 1995, p. 97.
529. Gn 3.24; 30.31; 2Sm 15.16; Sl 12.7; Is 21.11-12.
530. SCHAEFFER, F. A. Poluição e a Morte do Homem. São Paulo: Cultura Cristã,
2003, p. 48-50.
532. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 95.
533. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP, 2001, p.
18. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 96.
534. Confissão de Westminster. IX.1-2.
535. MAY, R. Poder e Inocência. Rio de Janeiro: Artenova, 1974, p. 57-58.
536. STOTT, J. W. R. O Discípulo Radical. Viçosa/MG: Ultimato, 2011, p. 45.
537. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.
p. 86-87.
365
ANEXOS

538. MEETER, H. H. La Iglesia y Estado. 3. ed. Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.),
p. 26.
540. ROBERTSON, O. P. Cristo dos Pactos. Campinas/SP: Luz para o Caminho, 1997,
p. 69. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 564.
541. ORTLUND JR., R. C. Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina. In:
PIPER, J.; GRUDEM, W. (Comps.). Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja
e na sociedade. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 1996, p. 38.
543. WALTKE, B. K. Gênesis. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Editora Cul-
tura Cristã, 2009, p. 94.
544. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 584.
545. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, 1 v. p. 591.
546. ARISTÓTELES. A Ética, I.7.6. e A Política, I.1.9
LEIBNIZ, G. W. Novos Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores), 19 v. III.1.1.
p. 167. CALVINO, J. As Institutas. II.2.13. CALVIN, J. Commentaries on The First
Book of Moses Called Genesis. 1 v. (Gn 2.18) p. 128.
547. RAD, G. V. Genesis: A Commentary. 3. ed. (Revised Edition). Bllombsbury Street
London: SCM Press Ltd., 1972, (Gn 2.21-23), p. 84.
548. RAD, G. V. El Libro del Genesis. Salamanca: Sigueme, 1977, (Gn 2.22), p. 101.
549. Confissão de Westminster. XXIV.2.
550. ROBERTSON, O. P. Cristo dos Pactos. Campinas/SP: Luz para o Caminho, 1997,
p. 68. ORTLUND JR., R. C. Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina. In:
PIPER, J.; GRUDEM, W. (Comps.). Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja
e na sociedade. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 39.
551. WALTKE, B. K.; FREDERICKS, C. J. Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn
2.21), p. 105.
554. HARRIET; GRONINGEN, G. V. A Família da Aliança. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1997, p. 99.
555. ORTLUND JR., R. C. Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina. In:
PIPER, J.; GRUDEM, W. (Comps.). Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja
e na sociedade. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 39.
556. WALTKE, B. K.; FREDERICKS, C. J. Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn
2.18), p. 104.
ANEXOS

557. ORTLUND JR., R. C. Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina. In:


PIPER, J.; GRUDEM, W. (Comps.). Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja
e na sociedade. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 40.
559. CALVINO, J. As Institutas I.15.3.
560. RAD, G. V. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1986, 1 v. p. 152.
561. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 541.
563. BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2012, 2 v. p. 542-543.
564. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis 1 v. (Gn
1.26) p. 94.
565. CALVINO, J. As Institutas. I.15.5.
566. CALVINO, J. As Institutas., I.15.5.
567. KAISER JR., W. C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1980,
p. 78.
568. MACHEN, J. G. El Hombre. Lima: El Estandarte de la Verdad, 1969, p. 145.
569. DABNEY, R. L. Lectures in Systematic Theology. Grand Rapids: Baker Book
House, 1985, p. 293.
570. BARTH, K. Church Dogmatics. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publish-
ers, 2010, III/1, p. 184.
571. SPYKMAN, G. J. Teología Reformacional: Un Nuevo Paradigma para Hacer la
Dogmática. Jenison, Michigan: The Evangelical Literature League, 1994, p. 248-249.
BAVINCK, H. Dogmática Reformada: Deus e a Criação. São Paulo: Cultura Cristã,
2012, 2 v. p. 542,564.
572. ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova,
1997, p. 207.
573. SMITH, M. H. Systematic Theology. Greenville, South Carolina: Greenville Sem-
inary Press, 1994, 1 v. p. 238.
574. WISEMAN. D. J. Yashar. In: HARRIS, R. L. et al. Dicionário Internacional de Teo-
logia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 684.
575. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, 1 v. p. 590.
576. CALVINO, J. As Institutas. I.15.1.
577. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. 1 v. (Gn
1.26), p. 94-95.
367
ANEXOS

578. CALVINO, J. As Institutas. I.15.4.


CALVINO, J. O Livro dos Salmos. 2 v. (Sl 62.9), p. 579.
579. LEWIS, C. S. A essência do Cristianismo. São Paulo: ABU Editora, 1979, p. 26.
580. Confissão de Westminster. IX.1-2.
581. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.
p. 85.
582. SANTO AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. São Paulo: Paulus, (Patrística,
9/3), 1998, 3 v. p. 22.
583. HODGE, C. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 557-
558.
584. CALVINO, J. Efésios. São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.18), p. 137
585. DYKE, F. V. et al. A Criação Redimida. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.
117.
586. CALVINO, J. Efésios. (Ef 2.1), p. 51.
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Edições Paracletos, 1999, 1 v. (Sl 8.6) p.
171. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. 2 v. (Sl 62.9) p. 579.
CALVINO, J. Efésios. (Ef 1.4), p. 24.
587. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cris-
tã, 2011, 1 v. p. 592, 597-601. MACHEN, J. G. El Hombre Lima: El Estandarte de la
Verdad, 1969, p. 158. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora
Cultura Cristã. Luz para o Caminho (autorização), 1990, p. 675-676. BOETTNER, L. La
Imortalidad. Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.), p. 18ss. HOEKEMA, A. A Bíblia e
o Futuro. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 105ss. GRONINGEN,
G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v. p. 95 (nota 61); 97.
588. TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. São Paulo: Cultura Cristã,
2011, 1 v. p. 597ss.
589. CALVINO, J. As Institutas. I.15.2.
590. BRUNNER, E. Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção. São Pau-
lo: Fonte Editorial, 2006, 2 v. p. 107-115; 364-367. BRUNNER, E. Nossa Fé. 2. ed. São
Leopoldo/RS: Sinodal, 1970, p. 33-37. BRUNNER, E. The Mediator. 8. ed. London:
Lutter Worth Press, 1956, p. 377-396. BRUNNER, E. Dogmática: A Doutrina Cristã da
Criação e da Redenção. São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, 2 v. p. 364-367.
BRUNNER, E. Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção. São Paulo:
Fonte Editorial, 2006, 2 v. p. 100.
591. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.
p. 84.
ANEXOS

592. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.


p. 76-77.
593. GRONINGEN, G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 1 v.
p. 71.
595. DYKE, F. V. et al. A Criação Redimida. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.
124.
596. LLOYD-JONES, D. M. O Combate Cristão. São Paulo: Publicações Evangélicas
Selecionadas, 1991, p. 72.
597. ADAMS, J. E. Conselheiro Capaz. São Paulo: Fiel, 1977, p. 129.
BRUNNER, E. Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção, São Paulo:
Fonte Editorial, 2006, 2 v. p. 102.
598. DYKE, F. V. et al. A Criação Redimida. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.
126-130.
599. HODGE, C. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 559-560.
600. LAWSON, S. J. Fundamentos da Graça. São José dos Campos/SP: Editora Fiel,
2012, 1 v. p. 76.
601. BERKOUWER, G. C. Doutrina Bíblica do Pecado. São Paulo: ASTE, 1970, p. 14-
15.
603. LLOYD-JONES, D. M. Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5. 2. ed.
Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 47.
604. NASH, R. H. O Problema do Mal. In: BECKWITH, F. J. et al. Ensaios Apologéticos.
São Paulo: Hagnos, 2006, p. 247.
607. HARMAN, A. Comentário do Antigo Testamento - Salmos. São Paulo: Cultura
Cristã, 2011, (Sl 2), p. 79.
608. BONHOEFFER, D. Tentação. Porto Alegre/RS: Editora Metrópole, 1968, p. 52.
610. CALVINO, J. Exposição de Hebreus (Hb 6.4), p. 151-152.
611. MACARTHUR JR., J. F. A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época
de engano. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 2008, p. 71.
613. LAWSON, S. Fundamentos da Graça. São José dos Campos/SP: Ed Fiel, 2012,
1 v. p. 73.
614. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP, 2001, p.
18.
615. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 87.
616. CALVINO, J. As Institutas. I.15.4.
369
ANEXOS

CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, 2 v. (Sl 62.9) p. 579.
CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.5), p. 57.
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, 1 v. (Sl 8.5), p. 169.
617. Catecismo Menor. Perg. 14.
618. STOTT, J. R. W. A Cruz de Cristo. Florida: Editora Vida, 1991, p. 80.
619. KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 361.
620. BARCLAY, W. El Padrenuestro. Buenos Aires: La Aurora/ABAP, 1985, p. 118.
621. SCHAEFFER, F. A Obra Consumada de Cristo. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2003, p. 70.
623. CALVINO, J. Efésios. São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.2) p. 52.
624. BARCLAY, W. El Padrenuestro. Buenos Aires: La Aurora/ABAP, 1985, p. 118.
616. BOETTNER, L. La Imortalidad. Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.), p. 20-21.
626. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã. Luz
para o Caminho (autorização), 1990, p. 262, 675-676.
BOETTNER, L. La Inmortalidad. Grand Rapids, Michigan: TELL. (s.d.), p. 15ss.
MACHEN, J. G. El Hombre. Lima: El Estandarte de la Verdad, 1969, p. 158.
HOEKEMA, A. A. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1989, p. 105-
114.
BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 2 v. p. 573ss.;
3 v. p. 187-190.
BARTH, K. Church Dogmatics. Edinburgh: T & T. Clark, 1960, III/2. p. 596ss.
NIEBUHR, R. The Nature and Destiny of Man. New York: Scribner, 1941, 1 v. p. 175-
177.
627. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 3 v. p. 187-
190.
628. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã.
Luz para o Caminho (autorização), 1990, p. 443.
629. VOS, G. Biblical Theology: Old and New Testaments. Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1985 (Reprinted), p. 38-40.
632. VOS, G. Biblical Theology: Old and New Testaments. Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1985 (Reprinted), p. 38-40.
LAWSON, S. J. Fundamentos da Graça. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 2012,
1 v. p. 81-82.
ANEXOS

633. PACKER, J. I. Vocábulos de Deus. São José dos Campos/SP: Fiel, 1994, p. 185.
634. COLSON, C.; FICKETT, H. Uma boa vida. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 20.
636. KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 354.
637. HOEKEMA, A. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1989, p. 108.
638. CALVINO, J. Instrução na Fé. Goiânia/GO: Logos Editora, 2003, cap. V, p. 16.
639. CALVINO, J. Instrução na Fé. cap. IV, p. 15.
RYLE, J. C. Santidade. São José dos Campos/SP: Editora Fiel, 1987, p. 24.
640. CALVINO, J. As Institutas. II.1.10.
Confissão de Westminster. VI.2; IX.3.
Catecismo Menor de Westminster Questão 18.
Catecismo de Heidelberg. Questões 5 e 7.
Cânones de Dort. III e IV.
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas/SP: Luz para o Caminho, 1990, p. 248.
641. CALVIN, J. Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis. Grand
Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981 (Reprinted), 1 v. (Gn 2.18) p. 128.
CALVINO, J. As Institutas. II.2.13.
642. CALVINO, J. Efésios. (Ef 1.9), p. 32.
CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.5) p. 57.
CALVINO, J. As Institutas. II.1.5.
643. HOEKEMA, A. A. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999, p. 84-88, 101.
644. CALVINO, J. As Institutas. I.15.4; II.1.5.
CALVINO, J. Breve Instruccion Cristiana. Barcelona: Fundación Editorial de Litera-
tura Reformada, 1966, p. 13.
CALVINO, J. Efésios. (Ef 4.24), p. 142.
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. 1 v. (Sl 8.5), p. 169. 2 v. (Sl 62.9), p. 579.
645. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP,
2001, p. 17-18.
646. BOICE, J. M. O Evangelho da Graça. São Paulo: Cultura Cristã, 2003,
p. 111.
371
ANEXOS

SANTO AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. São Paulo: Paulus, (Patrís-


tica, 9/3), 1998, 3 v. (Sl 148.1-2) p. 1126-1127.
647. CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.7), p.
266-267.
648. PACKER, J. I. Vocábulos de Deus. São José dos Campos/SP: Fiel, 1994, p. 67.
649. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 3 v. p. 190.
650. BRUNNER, E. Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção. São Pau-
lo: Fonte Editorial, 2006, 2 v. p. 99.
652. CALVINO, J. Efésios. (Ef 4.17), p. 134-135.
653. PACKER, J. I. Liberdade. In: DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São
Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, 2 v. p. 930.
654. SEATON, W. J. Os Cinco Pontos do Calvinismo. São Paulo: Publicações Evangé-
licas Selecionadas, (s.d.), p. 8.
655. BOOTH, A. Somente pela Graça. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-
nadas, 1986, p. 14.
PARKER, T. H. L. Gracia. In: HARRISON, E. F. Diccionario de Teologia. Grand Rapids,
Michigan: T.E.L.L., 1985, p. 254b.
656. KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 354-
355.
657. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste/SP: SOCEP, 2001, p.
25-26.
658. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 4 v. p. 179.
659. BONHOEFFER, D. Discipulado. 2. ed. São Leopoldo/RS: Sinodal, 1984, p. 9-10.
660. SPROUL, R. C. O Que é teologia Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.
61.
661. CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas
para estudo e pesquisas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, 2 v. (II.6) p. 237.
662. MURRAY, J. Redenção: Consumada e Aplicada. São Paulo: Editora Cultura Cris-
tã, 1993, p. 19.
663. LUTERO, M. Obras Selecionadas. São Leopoldo, Porto Alegre, Canoas/RS: Sino-
dal/Concórdia/ULBRA, 2003, v 10. p. 48.
664. BAVINCK, H. Dogmática Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, 4 v. p. 182.
665. WATSON, T. A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westmins-
ter. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 268.
ANEXOS

666. PINK, A. W. Os Atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-


nadas, 1985, p. 69.
PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1977, p. 24.
BOOTH, A. Somente pela Graça. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
1986, p. 31.
CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 5.15), p. 193.
SHEDD, R. P. Andai Nele. São Paulo: ABU, 1979, p. 15.
HENDRIKSEN, W. 1 y 2 Timoteo/Tito. Grand Rapids, Michigan: S.L.C., 1979, (Tt 2.11),
p. 419.
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 1º Ed. Campinas: Editora Cultura Cristã. Luz para
o Caminho (autorização), 1990, p. 74.
668. BAUDRAZ, F. Graça. In: ALLMEN, J. J. V. Vocabulário Bíblico. 2. ed. São Paulo:
ASTE, 1972, p. 157-158.
670. PACKER, J. I. Vocábulos de Deus. São José dos Campos/SP: Fiel, 1994, p. 85.
671. BARCLAY, W. As Obras da Carne e o Fruto do Espírito. São Paulo: Vida Nova,
1985, p. 82-83.
LLOYD, G. G. Shãlêm. In: HARRIS, R. L. et al. Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1573.
672. MACARTHUR JR., J. O Caminho da Felicidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2001,
p. 157.
673. LLOYD-JONES, D. M. O Supremo Propósito de Deus. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 40.
674. CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, 2 v. (Sl 51.8-9), p.
436.
675. SCHAEFFER, F. A. A Obra Consumada de Cristo: A verdade de Roma-
nos 1-8. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 123.
676. CALVINO, J. Romanos. 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 3.4), p. 111.
677. CALVINO, J. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.15), p. 43.
678. GILL, J. A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity. Arkansas: The
Baptist Standard Bearer, 1989 (Reprinted), I.13. p. 83.
679. CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 11.6),
p. 388.
680. CALVINO, J. As Institutas. III.11.13.
681. BOOTH, A. Somente pela Graça. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-
nadas, 1986, p. 13.
373
ANEXOS

682. BOICE, J. M. Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de


todos. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 449-450.
683. SPURGEON, C. H. Sermões Sobre a Salvação. São Paulo: Publicações Evangéli-
cas Selecionadas, 1992, p. 12ss.; 45.
LLOYD-JONES, D. M. Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho. São
Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.27) p. 137.
684. BARCLAY, W. El Pensamiento de San Pablo. Buenos Aires: La Aurora, 1978, p.
164.

UNIDADE V

694. BASIL. On The Spirit, XVI.39. In: SCHAFF, P.; WACE, H. eds. Nicene and Post-Nice-
ne Fathers of the Christian Church (Second Series). Grand Rapids, Michigan: Eerd-
mans, 1978, v. 8, p. 25.
695. ERICKSON, M. J. Christian Theology. 13. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1996, p. 872.
696. GRUDEM, W. A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 640.
697. OWEN, J. O Espírito Santo. Recife: Os Puritanos; Clire, 2012, p. 32.
702. Sobre esse assunto em particular, confira: WARE, B. Cristo Jesus homem: Re-
flexões teológicas sobre a humanidade de Jesus Cristo. São José dos Campos, SP.:
Editora Fiel, 2013, p. 91-112.
703. WARE, B. Cristo Jesus homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de
Jesus Cristo. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 86.
704. KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 126-
129; FERGUSON, S. B. O Espírito Santo. São Paulo: Os Puritanos, 2000, p. 54-55.
706. KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 135-
139.
710. COSTA, H. M. P. Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Cam-
pos, SP.: Editora Fiel, 2014.
731. Quanto à inadequação dessa ênfase, veja: FRETHEIM, T. Javé. In: VANGEMEREN,
W. A. (Org.). Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Tes-
tamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 737.
735. Sobre os Massoretas, veja: ARCHER JR., G. L. Merece Confiança o Antigo Testa-
mento. São Paulo: Vida Nova, 1974, p. 65ss.
741. Uso também comum entre os pagãos. Veja: CULLMAN, O. Cristologia do Novo
Testamento. São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 257-263.
ANEXOS

744. BIETENHARD, H. Senhor: In: BROWN, C. ed. ger. O Novo Dicionário Internacio-
nal de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 421.
748. CULLMAN, O. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Liber, 2001,
p. 268; WALLACE, R. S. Cristologia. In: HARRISON, E. F. ed. Diccionario de Teologia.
Michigan: T.E.L.L., 1985, p.133.
759. BAVINCK, H. Our Reasonable Faith. 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, 1984, p. 564.
763. SCHAFF, P. History of the Christian Church. Peabody, Massachusetts: Hen-
drickson Publishers, 1996, Vol. I, p. 456.
767. BARCLAY, W. El Nuevo Testamento Comentado, (Hechos de los Apostoles),
Buenos Aires: La Aurora, 1974, Vol. 7, p. 138.
772. BAVINCK, H. Teologia Sistemática. Santa Bárbara d’Oeste, SP: SOCEP, 2001, p.
405.
771. MCGRATH, A. E. Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalis-
mo. São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 25.
775. COSTA, H. M. P. A Literatura Apocalíptica Judaica. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1985, passim.
780. TURRETIN, F. Institutes of Elenctic Theology. Phillipsburg, New Jersey: P & R
Publishing, 1994, Vol. III, VI.xvii, p. 316.
789. CALVINO, J. As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para
estudo e pesquisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 2, (II.4), p. 122. Ver: HODGE, C.
Teologia Sistemática, p. 952-953.
791. HABERMAS, G. R. Ressurreição de Cristo: In: ELWELL, W. A. ed. Enciclopédia His-
tórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1990, Vol. III, p. 290.
792. SANTO AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. São Paulo: Paulus, (Patrística,
9/3), 1998, (Sl 101), Vol. III, p. 32-33.
793. CALVINO, J. Se Deus fuera nuestro Adversario: In: SERMONES Sobre Job. Jeni-
son, Michigan: T.E.L.L., 1988, Sermon nº 6, p. 79.
794. BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990,
p. 358.
795. GESENIUS. Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. 13. ed. Grand Rap-
ids, Michigan: Eerdmans, 1978, p. 385; J. Baehr, Sacerdote. In: BROWN, C. ed. ger. O
Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. IV, p. 287.
796. PAYNE, J. B. kãhan: In: HARRIS, R. L. ed. Theological Wordbook of the Old Tes-
tament. Chicago, Moody Press, 1980, Vol. I, p. 431a.
375
ANEXOS

797. PAYNE, J. B. The Theology of the Older Testament. Grand Rapids, Michigan:
Zondervan Publishing House, (c) 1961, p. 372.
808. JENNI, E.; WESTERMANN, C. Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testa-
mento. Madrid, Ediciones Cristiandad, 1978, Vol. I, p. 857; COSTA, H. M. P. A Graça de
Deus: Comum ou Exclusiva? São Paulo: 2000, passim.
814. CALVIN, J. The First Epistle of John. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, (Calvin’s Commentaries), 1981, Vol. 22, (1Jo 2.1), p. 171.
829. ERDMAN, C. E. Atos dos Apóstolos. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960,
p. 19. Do mesmo modo, ver: ERICKSON, M. J. Introdução à Teologia Sistemática. São
Paulo: Vida Nova, 1997, p. 315.
833. BAVINCK, H. Our Reasonable Faith. 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, 1984, p. 396.
835. OWEN, J. A Glória de Cristo. São Paulo: PES, 1989, p. 30. Vd. GRUDEM, W. A.
Teologia Sistemática, p. 465.
837. CALVINO, J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.20), p.
173-174; F.F. Bruce, La Epistola a los Hebreos, Grand Rapids, Michigan: Nueva Crea-
cion, 1987, p. 133-134.

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