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Entrevistadores: Dr. Dimas José Batista, Dr. Dagmar Manieri e Dr. Marcos Edilson
de Araujo Clemente são professores do Colegiado de História (Araguaína) da
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Pergunta (P)
Dagmar Manieri:
Resposta (R)
José Carlos Reis:
história”. Felizmente, não é bem assim; 2º) surpresa e incredulidade: mas, por que,
agora, todos resolveram sair às ruas? Por que não antes? Será que foi o desejo juvenil de
“tornar-se visível” no telão mundial da Copa das Confederações? Alguns tentaram se
destacar com faixas em inglês, com uma expressão cosmopolita de “consciência crítica”
de uma sociedade atrasada. Eu me perguntei se seria um movimento sério, consequente,
denso?; 3º) decepção: as palavras de contestação e reivindicações foram importantes,
mas na hora das proposições a longo prazo, estruturais, na hora de apresentarem um
projeto alternativo à ordem vigente, não surgiu nada de relevante; 4º) perplexidade: eu
não entendi o propósito maior desses movimentos. Pareceram-me aquelas cenas do
cinema americano em que zumbis vão caminhando sempre em frente, sem nada a
sugerir ou propor, apenas de mãos estendidas, pedindo alguma coisinha: uma
passagenzinha de ônibus ou meia (que é importante, mas muito pouco); 5º) receio e
apreensão: quem conclamou essas pessoas a sairem às ruas? Qual foi força que
mobilizou tantas pessoas? Dizem: a “internet”, as “redes sociais”, que são apenas
ferramentas digitais. O que interessa saber é quem está dando as ordens, quem está no
comando. Tive a impressão de instrumentalização da multidão por “forças ocultas”
(externas, o crime organizado, quem sabe?), que, agora, já conhecem a sua força e
poderão vir a ser muito perigosas.
Alguém disse que a “revolta” veio substituir o desejo de “revolução”, mas a
revolta é absorvida e transformada em algo positivo para a ordem, as revoltas consertam
a ordem, e o “fim da história” continua em vigor. Enfim, a ordem “ondulou”, mas a
onda quebrou na praia e a paisagem se recompôs ainda mais embelezada e fortalecida
por esse movimento virtualmente agitado por computadores e consumido virtualmente
nas telas do mundo inteiro. O mundo real continuou virtual!
(P)
Dagmar Manieri:
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(R)
José Carlos Reis:
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Quanto ao meu percurso acadêmico, não há muito a dizer, o meu Lattes está
aberto à inspeção pública. Sou um historiador-filósofo ou filósofo-historiador, que se
interessa pela história do pensamento histórico em geral e, particularmente, pelo
francês, alemão e brasileiro. Quanto às publicações recentes, lancei, em 2010, um
pequeno livro pela Coleção de Bolso, da Editora FGV, O Desafio Historiográfico, que
me parece um bom instrumento de introdução à teoria da história e à história da
historiografia; lancei, em 2011, um livro polêmico, mas que me enche de orgulho, esse
que você mencionou, História da “Consciência Histórica” Ocidental Contemporânea:
Hegel, Nietzsche, Ricoeur, que já teve uma reimpressão em 2013, que é resultado de um
pós-doutorado na Université Catholique de Louvain (Bélgica), em 2007; lancei, em
2012, o 2º volume do História & Teoria (2003), que tem o título “Teoria & História:
tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental contemporâneo e
pensamento brasileiro”, que também acho que ficou interessante. Em meu percurso
acadêmico, valorizo muito a produção escrita, os meus livros, que obtiveram um
relativo prestígio e têm tido, alguns deles, várias reimpressões. Valorizo muito os meus
orientandos da pós-graduação e da iniciação científica, alguns/as fizeram excelentes
dissertações e teses. Enfim, procuro fazer o meu trabalho da forma mais correta
possível, procurando dignificar e fortalecer a pesquisa na Universidade pública
brasileira, que espero que continue viva e forte per saecula saeculorum.
(P)
Dimas José Batista:
O mundo moderno ou pós-moderno tem exigido dos cientistas sociais e
filósofos um exercício intenso e complexo de reflexão, compreender, explicar ou
reconhecer tendências mais ou menos nítidas de emergência de problemas e temas
sociais candentes tem sido cada vez mais uma tarefa delicada, particularmente, se
considerarmos um certo embotamento do pensamento e da intelligentsia burguesa –
predominante no meio editorial – assim caríssimo como repensar os dramas
contemporâneos, fora do esquema de pensamento cartesiano ainda predominante, como
analisar a ética, a estética e a moral na sociedade contemporânea, como analisar esses
temas candentes na era digital? É evidente, tudo sob o foco da teoria da história.
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(R)
José Carlos Reis:
(P)
Dimas José Batista:
Trilhando ainda o caminho percorrido na questão anterior, com o objetivo
de radicalizá-lo, quero que o senhor discuta a “influência” dos mass mídia, na sociedade
contemporânea. Umberto Eco referiu-se, em fecundo livro, a duas tendências
predominantes nos dias de hoje, ao analisar o poder dos meios de comunicação: a dos
integrados e a dos apocalípticos. Não estaríamos superdimensionando o poder desses
instrumentos tecnológicos? Não estaríamos nos desviando, melhor, obliterando o foco
central do problema que é a luta de classes? Não seriam os controladores dos mass
mídia, esses sim, que mereceriam a atenção dos cientistas sociais e filósofos
contemporâneos? Ou de outra banda, os meios de comunicação seriam capazes de levar
a sociedade e o individuo à libertação, à consciência em si e para si desse processo de
controle e dominação? A intelligentsia brasileira estaria entre os “integrados” ou os
“apocalípticos”? Como inverter ou subverter o poder da mídia? Como restituir ou
recolocar em pauta um debate sobre valores ético-morais e estético-sociais que possam
ser compartilhados e legitimados pela sociedade moderna ou pós-moderna? Gostaria de,
aceitando a provocação, saber suas opiniões sobre esses dramas teóricos.
(R)
José Carlos Reis:
Os meios de comunicação de massa têm um imenso poder, aquele “poder
simbólico”, de que fala Bourdieu, que só é eficaz porque não é reconhecido como
relação de força, como relação de dominação. As pessoas buscam o Jornal Nacional ou
a Globo News ou algum portal da internet para “se informar”. A relação de sentido da
“informação” torna invisível ou eufemiza a relação de força “controle da opinião
pública”. Aquele que sofre o poder simbólico não consegue separar sentido e
dominação, deixa-se atingir por dentro, em sua íntima consciência, por esse poder
mítico, que exerce a sua força- fascínio com o uso de belas imagens, belas palavras,
bem articuladas e com entonação envolvente, com a sequência das “mensagens” editada
e bem dirigida. Não são informações, mas “mensagens”, “ordens”, que são impostas aos
milhões de telespectadores e usuários de internet.
O impacto desse dilúvio de imagens e mensagens é imenso! O público
encontra-se desarmado, despreparado, para a recepção crítica desse arsenal midiático. A
mídia é uma arma de guerra política, comercial, e de controle social, utilizada por quem
pode pagar por essa tecnologia tão sofisticada. É claro que tudo isso é sustentado e pago
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(P)
Marcos Edilson de Araujo Clemente:
Em uma entrevista concedida à historiadora Márcia Mansor D’Alessio,
Pierre Vilar lembrou dois episódios relacionados à cidade basca de Guernica,
bombardeada pelos nazistas em 1937.
Sobre o primeiro episódio, conta Vilar que durante a ocupação alemã, em
Paris, Pablo Picasso foi interrogado por um oficial alemão, que lhe perguntou: “Foi
você que fez Guernica?” Picasso teria respondido: “Não, foram vocês!”
Quando do cinqüentenário dos trágicos acontecimentos registrados em Guernica, Pierre
Vilar foi convidado a falar sobre este evento histórico e sobre a memória deste evento.
Vilar iniciou sua explanação com a seguinte pergunta: “Para vocês o que é Guernica?”
E obteve a seguinte resposta: “Guernica é um quadro!”
Os episódios acima ensejam uma discussão acerca dos pares realidade e representação,
historiografia e história. Como o Sr. compreende, hoje, estas relações?
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(R)
José Carlos Reis:
(P)
Marcos Edilson de Araujo Clemente:
Professor, segundo suas próprias informações, o senhor se coloca na
interface da filosofia e da história e desdobra suas investigações em particular para o
campo do pensamento francês, alemão e brasileiro. Sobre as vigorosas tradições da
teoria da história e da história da historiografia francesa e alemã erigiu-se um campo
próprio, específico, o da filosofia da história. Como o Sr. compreende a atualidade e as
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contribuições deste campo referidas às obras dos filósofos e historiadores Paul Ricoeur
(francês) e de Jörn Rüsen (alemão), mormente no tocante aos fundamentos do
conhecimento histórico e as pretensões de racionalidade da história? Que lugar ocupa,
no pensamento de ambos, o problema da narrativa?
(R)
José Carlos Reis:
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