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Roger Ferreira
Revisor
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ISBN 978-65-00-23210-3
Os textos e imagens contidos neste E-Book são de responsabilidade de cada autora e autor.
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A ª Residência Artística: Encontro de Poéticas no Campo foi uma ação cultural pensada pelo antigrupo
Teatro do Irrupto, fundado em 2018. O projeto foi contemplado com o “Edital de Premiação de Fomento
à Cultura Cratense da Secretaria de Cultura do Crato em 2020” e nasceu da necessidade de pensar
possibilidades de processos criativos contemporâneos durante a pandemia do Coronavírus-19, através
de um intercâmbio entre grupos do Cariri/CE. Como pensar estratégias metodológicas levando em
consideração o distanciamento corporal? Essa pergunta norteou nossas reflexões, tanto para seguir as
restrições de higiene como investigar o processo criativo.
Realizada nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2021, a residência contou com a participação reduzida das
integrantes dos grupos Trupe dos Pensantes e Dama Vermelha, das cidades de Crato e Juazeiro do
Norte/CE. Com isso, foram compartilhadas três vivências artísticas, a saber: PODTEATRO, com Penha
Ribeiro; Ações Inversas de Contato, proposta baseada no Método Melodramático com Hugo Matheus; e
por último, Corpo Transcendental, com Kleber Benicio.
E-mail: teatrodoirrupto@gmail.com
Portfólio: https://www.flickr.com/people/146307810@N08/
Instagram: @teatrodoirrupto_
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PREFÁCIO
A criação na arte teatral é, antes de tudo, um movimento gerado por necessidade. Criamos para
cultivar o Teatro que existe dentro de nós. Paira incessantemente na existência da/do artista uma
fome por novas experiências, por desafios, por caminhos ainda não trilhados. A atualização nos
move, coloca-nos em pleno estado de alerta, de busca por outros horizontes. Esse movimento é
principalmente impulsionado pela produção da/o outra/o, ou seja, sempre nos atualizamos pela
provocação de um espetáculo que ainda não tinha sido visto, por uma/um artista que renova
nossos saberes a partir de proposições inquietantes.
Nessa caminhada, tudo o que está em volta da/do artista entra em diálogo com a materialidade
da cena em criação, isso porque não há como dissociar a vida e suas intempéries no processo
criativo. Antes de tudo, somos seres que vivem as urgências e violências do cotidiano. Somos
absolutamente transformados pela vida.
Com a pandemia do novo coronavírus-19, a necessidade de continuar criando vem provocando
pesquisas e experiências que grafam as estratégias desse momento. O E-book A OUTRA FACE
DOS PROCESSOS CRIATIVOS: POÉTICAS EM TEMPOS PÂNDEMICOS, tem como proposta registrar
investigações empreendidas na pandemia, feitas por artistas que permaneceram na busca pela
nutrição de seus desejos poéticos.
O Teatro do Irrupto, com suas inquietações propulsoras, tem buscado contribuir para a reflexão
sobre a importância de valorizarmos nossos princípios e trajetórias. Assim, o E-book reúne
artigos que abrem caminhos para se pensar sobre nossas ações artísticas no contexto de
distanciamento social. Cada texto traz a potência do que se pode vislumbrar, mas sem perder o
estado da dúvida e o caráter provocativo, são propulsores de mais lacunas e perguntas que
podem alimentar a fome de criação de outras/os artistas.
O primeiro texto intitulado “Vivência no campo: o teatro no contexto pandêmico e a fuga do
caos”, de autoria de Jéssica Lorenna Lima Gonçalves e Hugo Matheus, integrantes da Trupe dos
Pensantes, registra as percepções da/do autora/autor sobre a 1ª Residência Artística: Encontro
de Poéticas no Campo, realizada pelo Teatro Irrupto, base prática para as provocações deste e-
book. No referido artigo somos convocadas/os a pensar inicialmente sobre nossa mãe Terra, o
que temos feito por ela e como a pandemia tem afetado nossas relações com o mundo. Em
seguida, temos acesso às experiências da residência por meio de um relato das ações realizadas
no período de dois dias. O que se evidencia na escrita é o fortalecimento do compartilhamento
de poéticas entre artistas como meio essencial para a continuidade de pesquisas no contexto da
pandemia.
No segundo artigo, escrito pelas artistas Cícera de Penha Mendes Ribeiro e Larissy Maria
Rodrigues Simião, ambas pertencentes ao Coletivo Dama Vermelha, somos levadas/os a pensar
sobre a interação entre a arte do Teatro e o podcast. Inspirado na radionovela e no drama
radiofônico, o Coletivo vem criando interações “cênico-auditivas” por meio do projeto
“Dramaflix: plataforma digital de Podteatro”, que se configura como estratégia para
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Sumário
INTRODUÇÃO
O que é o caos? Essa palavra às vezes tão usada por nós e que tem origem grega
kháos, significa abismo, de modo geral essa palavra carrega consigo a ideia central de
desorganização, falta de ordem e confusão. O que está um caos precisa de organização,
de lógica e equilíbrio. Nesse sentido, é possível afirmar que estamos presenciando um
mundo em caos, onde um vírus aparentemente sem explicação assola o mundo inteiro há
mais de um ano e fez com que todas as estruturas da sociedade virassem de ponta cabeça.
Levando a morte de milhares de pessoas em pouco tempo, atualmente chegamos a quase
três mil mortes por dia.
Esse sentimento de descontrole, causa nas pessoas, e em todos os setores uma
sensação concreta de desorganização do mundo, os prefeitos e governadores divulgam
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Educadora Popular, atuante da Trupe dos Pensantes.
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Licenciando em Teatro (URCA) e atuante da Trupe dos Pensantes.
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A nossa mãe a terra, nos dá de graça o oxigênio, nos põe para dormir, nos
desperta de manhã com o sol, deixa os pássaros cantar, as correntezas e
as brisas cria esse mundo maravilhoso para compartilhar, e o que a gente
faz com ele? O que estamos vivendo pode ser uma mãe amorosa que
decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante (2020, p. 84).
Nesse sentido, temos que concordar com o autor, pois tudo o que precisamos está
e vem da natureza, mas nós criamos a frágil ilusão de que não precisamos dela e que somos
superiores, mas é exatamente ao contrário, a natureza não precisa de nós, ela é soberana
e continuaria existindo sem a nossa presença. Acreditamos que existiria até de forma mais
saudável, já que nós somos responsáveis por queimadas e muitas formas de poluir o
ambiente.
E é exatamente nesse ponto que queremos chegar: até março de 2020, todos nós
acreditávamos que não poderíamos existir sem o trabalho, e repetimos tantas vezes que
esse trabalho era o mais importante. Ou seja, manter nossos espaços artísticos, nossos
grupos, e empresas, enclausuradas em grades e prédios, foram práticas que garantiam o
nosso deslocamento físico durante muitos anos. Mesmo quando alguns de nós víamos o
campo, as comunidades rurais como uma potência, ainda assim eram deixados à revelia de
transportes mal planejados e dificuldade de acesso a esses espaços rurais.
Em plena pandemia do Covid-19, mergulhamos durante um fim de semana no sítio
Santa Rosa, Crato/CE, para a realização de uma residência artística. Assim, pudemos
apreciar sem a velocidade das metrópoles, o ar puro, o som dos pássaros e o chacoalhar
das árvores. Ou seja, propor práticas artísticas em um espaço não convencional do teatro
permitiu muitos elementos possíveis de presença na cena, de modo que a própria câmera
do celular possibilitava construirmos um trabalho final, resultado da vivência.
reuniões e até nossa mostra anual da Trupe dos Pensantes aconteceu de forma virtual, por
conta das questões sanitárias e isolamento causado pelo Covid-19.
Quando surgiu o convite para participarmos da 1ª residência artística: encontro de
poéticas no campo, que se realizou nos dias 13 e 14 de fevereiro no sítio Santa Rosa, ficou
aquela tensão sobre participar ou não, por conta do que estava acontecendo atualmente,
lembrando que íamos com toda certeza realizar os protocolos de segurança: o uso de
álcool em gel e máscara. Em uma reunião realizada pelo grupo, três pessoas decidiram
participar e compartilhar nossas experiências, que foi o intuito maior do encontro, esse
compartilhamento de poéticas de grupo, desde que fosse mantido o distanciamento
físico.
Acabou que apenas dois integrantes do grupo puderam participar. Diante das
questões do distanciamento social, o atuante Hugo Matheus criou uma oficina com o
tema: Ações Inversas de Contato Baseado no Método Melodramático, que também faz parte
da pesquisa do próprio em sua monografia. Oficina essa que já trabalhamos por diversas
vezes no interior das práticas do grupo e em outras experiências, entrando no plano as
contribuições de outros integrantes. Quando aceitamos o convite para participar do
evento, era requisito ministrar uma oficina e essa ideia descrita anteriormente foi o que
desenvolvemos na ocasião.
Com duração de dois dias, o evento contou com a participação de outros grupos, a
saber, o coletivo Dama Vermelha e o Teatro do Irrupto. Tínhamos assim cinco pessoas para
trabalhar e compartilhar, o que também deixou o trabalho mais enxuto e um tanto
produtivo. Assim iniciamos os trabalhos com a oficina PODTEATRO, do coletivo Dama
Vermelha. Essa oficina traz para nós a possibilidade da escuta e da interação de uma forma
bem diferenciada, com exercícios de fala com os olhos fechados, ativando assim uma
percepção em todo o espaço e transbordando os sentimentos como a curiosidade, medo,
inquietação, e até a criação de imagens instantâneas na mente.
Outro exercício muito interessante que fizemos foi com a possibilidade que
tínhamos para criar sons diferenciados e alternados com a voz, exercitando também o
grave e agudo, e assim trazer para o corpo as possibilidades que aquele local nos
proporcionava. No final foram divididas duas duplas e ambas tinham que gravar e criar
cenas apenas com áudios, o que foi incrível. A gravação foi feita pelo celular, tendo como
base um roteiro criado pelos oficineiros, para assim poder montar no final, foi uma
experiência excepcional, pois nos possibilitou entrar em contato novamente com nossa
poética e com os elementos que aquela natureza à nossa disposição tinha a nos oferecer.
No segundo dia, seguimos com a oficina do antigrupo Teatro do Irrupto intitulada
CORPO TRANSCENDENTAL, que nos possibilitou uma experiência de trabalhar em
processos de investigação. Começamos com um exercício de sentir o espaço, de tocar, de
viver, e principalmente se conectar; em seguida, fizemos uma caminhada por espaços
diferentes, como o lago, a estrada, uma casa abandonada e um poço. Enfatizando esses
quatro espaços, passamos a investigar cada um deles em separado. Assim, trabalhamos
durante alguns minutos na improvisação de um fragmento de cena. Naquele momento, o
exercício nos fez conectar com aquele espaço, colocar o pé no chão e sentir toda aquela
energia que as folhas, a terra e o ar nos proporcionavam. Toda essa prática reverberou em
nosso corpo, e conseguimos criar fragmentos de cena. Em seguida, assistimos ao exercício
criativo de todes e foi muito impactante o resultado, pois nos surpreendeu como o contato
com o campo pode nos dar elementos cênicos. Talvez a carência que estávamos do
contato visual com pessoas tenha potencializado essas impressões, mas o que culminou
essas experiências foi a captação das imagens provocando assim um trabalho de
audiovisual que posteriormente apresentamos virtualmente.
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A última oficina foi a que ministramos, enquanto Trupe dos Pensantes, intitulada:
AÇÕES INVERSAS DE CONTATO, BASEADA NO MÉTODO MELODRAMÁTICO. Começamos
com jogos de treinamento de corpo, pois o princípio da minha oficina foi a criação de
personagens melodramáticos e de onde ele nasce, percebi muito a entrega de todes que
participavam. Visto que estavam muito atentos e abertos a realizarem os trabalhos, parti
do princípio do ridículo para movimentação desses corpos. Foi proposto, então, exercício
de imaginar uma cena cotidiana para que pudéssemos extrair diversas possibilidades de se
trabalhar e criar e, assim, realizamos criações de uma forma bem inusitada. Trabalhei voz
utilizando todas as potências possíveis e jogo do bastão, que trabalha especificamente
nesse jogo corpo e voz ao mesmo tempo, e assim pudemos fazer um mapeamento da
construção desse personagem, voz, corpo, jeito e de como ele pode ser criado. Por fim,
criamos cenas aleatórias baseadas em tudo que eu tinha passado na oficina.
REFERÊNCIAS
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. Pesquisa e organização Rita Careli. 1ª ed. – São Paulo:
Companhia das Letras, 2020.
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Licenciada em Teatro pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atriz, professora, pesquisadora e
figurinista. Intérprete-criadora do Coletivo Dama Vermelha.
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Licencianda em Teatro pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atriz e performer do Coletivo Dama
Vermelha. Intérprete-criadora em D(R)AMAFLIX: Plataforma Podteatro.
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elementos sonoros; alguns elementos sonoros podem ser produzidos em espaços abertos
e/ou fechados, outros são extraídos da internet, bem como algumas músicas.
O Podteatro resgata uma linguagem artística, aclamada em meados dos anos 20 e
30, as radionovelas, e que com o advento da tecnologia foi aos poucos sendo
“substituída”. Essa linguagem dilata o sentido auditivo, permite a criação de imaginários a
partir do que escutamos, proporcionando uma experiência sensorial individual.
A oficina foi dividida em três momentos, apresentando o percurso das criações a
partir das descobertas das/dos integrantes dos outros grupos convidados. Para a
realização da mesma, foi necessário que cada participante estivesse com o celular e fones
de ouvido, para que pudessem perceber as nuances dos sons que foram captados por
eles/elas ao longo da vivência.
A dramaturgia sonora não é somente o texto teatral interpretado. Por mais que um
texto seja experimental, ele é composto por elementos sonoros da palavra, que por si só
é som. A dramaturgia sonora parte da ideia de que a cena nasce antes do texto, e depende
dele para existir. Ela se cria com certas conjunções sonoras de elementos organizados
numa certa ordem, que geram sentimentos, sensações e imaginários.
Sabemos que o som é onda, que os corpos vibram, que essa vibração se
transmite para a atmosfera sob a forma de uma propagação ondulatória,
que nosso ouvido é capaz de captá-la e que o cérebro a interpreta, dando-
lhe configurações e sentidos. (WISNIK, 1989, p.17).
minutos. Um dos jogadores ficava no centro com os olhos fechados, sendo atravessado
pelos sons emitidos por outros jogadores. A primeira história a ser contada tinha que ser
contínua, sem interrupções; a segunda história tinha que ser contada através de sussurros;
a terceira consistia numa história caótica e muito ruidosa. Todas as histórias partiam do
improviso com os sons produzidos tanto no espaço quanto no corpo da/do atriz/ator. A
dramaturgia sonora que foi sendo composta no decorrer do jogo, instalou uma atmosfera
densa e perturbada.
Ainda que todo o som seja composto por um complexo de vibrações, há
frequências mais regulares e estáveis, que entendemos como o som mais
limpo, afinado. E há frequências irregulares, instáveis, que entendemos
como barulhos, ruídos. Um ruído é uma mancha em que não distinguimos
frequência constante, uma oscilação que nos soa desordenada (WISNIK,
1989, p. 27).
Compor uma cena sonora é como pintar nas artes plásticas uma tela, pois
conseguimos trabalhar com textura, cor, som e sensações. O espetáculo cênico-auditivo,
assim como uma imagem, é um grande campo sensorial, é um quadro cênico de sons
gerados, multiplicados pelo jogo sonoro, os sucessivos ruídos, frequências ou o próprio
silêncio, juntam-se os sons e vozes, corpos e espaços e cria-se um campo sintonizado pela
percepção criativa das/dos intérpretes.
Criado em 1957, beba coca cola é um dos poemas mais famosos do movimento concretista, e foi
publicado na revista Noigandres, nº 4, em 1958.
Referências:
WISNIKI, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das letras, 1989.
SALLES, Cecília A. Gesto Inacabado-Processo de Criação Artística. 2013. São Paulo: Ed.
Annablume, 1998.
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Poética Irrupta
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Artista-professor-pesquisador. Nome artístico Kleber Benicio. Mestre em Artes Cênicas pela Universidade
Federal da Bahia (PPGAC/UFBA). Licenciado em Teatro pela Universidade Regional do Cariri (URCA).
Participou do grupo de teatro Trupe dos Pensantes (Crato/CE, 2014-20 17). Tem experiência nas práticas
pedagógicas, com maior preferência para os processos artísticos. Atualmente tem interesse em pesquisas sobre
reflexões cênicas do teatro contemporâneo e suas intersecções a partir da Recepção em diversas perspectivas.
Possui projeto de pesquisa independente intitulado Performatividades Irruptas relacionadas ao antigrupo Teatro
do Irrupto (2018). Contato: kleberbeniciop@gmail.com
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Disponível em: https://youtu.be/BBE-LcdxCOQ. Acesso em: 15. Set. 2020.
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O segundo espaço: foi debaixo de uma árvore morta, onde tinha uma cabra que
criamos no sítio, em seguida, um percurso pela floresta a qual me levava até o açude. No
retorno para casa, depois de um percurso pela mata à noite, visitei o chiqueiro do porco,
que chamou atenção do meu cachorro, e que me acompanhou em algumas de minhas
trilhas. Vaga Simbiose, portanto, é uma relação íntima de mim mesmo, com meu percurso
por meus espaços de desvios. Meu corpo encontrava-se deprimido em relação a muitos
acontecimentos pessoais, e com o mundo. Eu deixei-me ir ao fluxo com a câmera tateando
uma trajetória sem um roteiro definido.
Enquanto artista-pesquisador-em-ação, reflito que sempre nos reinventamos,
buscando estratégias para suprir nosso vazio interior, nos refugiamos nos jogos, na
virtualidade, nas práticas corporais, na música, nos alimentos, cada um de maneira
singular de acordo com o gosto atrativo que funciona como um anestésico esporádico e
temporário de desligamento. Todavia, há períodos que não encontramos nosso lugar no
mundo e nos ausentamos de nós mesmos, nossos processos criativos carregam um pouco
de nossa alma desfragmentada, a poética é uma questão íntima de nosso ser em processo
de mutabilidade.
Referências
AUSTIN, John Langshaw. Quando Dizer é Fazer. Tradução de Danilo Marcondes de Souza
Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
DAMASCENO, C; BONFITTO, M. Dramaturgia Performativa e Produção de Corporeidades
nos Trabalhos do La Carnicería Teatro. Sala Preta. V.17, n.1, 2017. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/128014. Acesso em: 13 jan. 2021.
FISCHER-LICHTE, Erika. The transformative power of performance: a new aesthetics.
Translated by Saskya Iris Jain. London; New York: Routledge, 2008.
FISCHER-LICHTE, Erika. Estética de Lo Performativo. 1ª ed. Madrid, España: Abada
Editores, 2011.
FÉRAL, Josette. Além dos Limites: teoria e prática do teatro. Trad. J. Guinsburg [et al.]. 1ª
ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.
FERNANDES, Silvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2010.
HAN, Byung-Chul. Agonia de Eros. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.
PAVIS, Patrice. Dicionário da Performance e do Teatro Contemporâneo. Tradução: Jacó
Guinsburg. 1ª. São Paulo: Perspectiva, 2017.
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SISTEMA LÍMBICO
Ator entra em cena, com vestes cotidianas, um computador numa das mãos, no bolso
carrega uma carteira de cigarros e um isqueiro, no centro do palco tem uma mesa e uma
cadeira, uma câmera de mão ao lado, no chão, outra câmera que será chamada câmera
geral que filma todo o trabalho que estará sendo compartilhado em alguma plataforma
virtual. Liga a câmera principal. Olhando pra câmera: Existe mais câmera no mundo que
humanos.
(Retorna, puxa a cadeira e senta-se à mesa com os pés na cadeira, retira umcigarro da
carteira e segura na mão junto com o isqueiro).
Talvez nesse momento alguém esteja longe e com saudade da mãe, da tia que lhe fazia
cafuné na cabeça antes de dormir quando tinha seis anos. Talvez nesse momento uma
jovem esteja numa dessas paradas de ônibus tremula de medo, mas, ao mesmo tempo
com a mão ativa, se necessário usará seu spray de pimenta que se deu de presente no natal
passado, talvez na maior avenida da cidade um maníaco sobe e desce no seu carro a
procura de vitimas medrosas nas paradas de ônibus, talvez esse mesmo maníaco tenha
pai, mãe e tenha sido uma criança como eu, você. Nunca se sabe! Quem sabe a mãe está
com saudade ou já morreu. Existe sempre essa possibilidade e mais bilhões. Nesse
momento, em algum lugar do planeta ou quem sabe em vários, existem pessoas querendo
olhar pra mim (faz um gesto/ou/olha para o computador) e antes que sua cabeça ache, ele
vai mostrar a cor do ânus, respondo-lhe, pode ser que sim, pode ser quenão, tem sempre
o talvez. E daí se mostrar, mas, posso lhe confessar que a possibilidade será mais excitante
assim, como a mão que está atenta pra pegar o spray.
Não me pergunte do que se tratam essas blablações, sabe de uma coisa, nossa cabeça
edita sempre o ato (Acende o isqueiro e fica olhando pra chama) e, isso que eu tenho aqui
nas mãos é um computador, porém resolvi chama-lo de talvez, porque com ele construo
possibilidades de arrepio. Alguém gostaria? (Faz um sinal para o cigarro,caso alguém
tope, lamberá todo o cigarro, colocará na boca do espectador, em seguidaacende).
(Espera o espectador terminar o cigarro em silêncio)
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Barbara Matias é artista Kariri, [1993, CE], nasceu na comunidade do Marreco, Quitaius, Lavras da Mangabeira.
Transita entre as artes da cena, áudio visual e escrita. Licenciada em Teatro pela Universidade Regional do Cariri
(URCA). Mestra em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutoranda em Artes da Cena pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua prática é um caminho não-linear que usa a corpa como
suporte para denunciar o memoricídio, "se-acontece" em diferentes plataformas artísticas para resgatar
memórias originárias e recontar memórias nativas que foram apagadas devido ao etnocídio aos povos kariri.
Produz com artistas e coletivos artísticos de Pindorama. Atua no cotidiano do Coletivo Arruaça escoamento,
Flecha Lançada Arte e no Grupo Retomada Kariri. Autora do projeto de escrita: Pode ser Uma Poema, Sistema
Límbico, Infanta da Terra, Gabriela, Amarelo e Salada de fruta. Em 2019, lançou a dramaturgia de teatro Ofélia
Formiga e, em 2020, o livro Pensando a Pedagogia do Teatro da Sala de Ensaio para a Escola Pública, Appris-
2020.
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(Caso pessoas da plateia aproxime, começará a filmar partes do corpo da pessoa e projetará
ao mesmo tempo enquanto isso cantará alguma cantiga que lembre memória, parto ou
solidão).
Obrigada, vamos tomar algo.
(Na gaveta da mesa tem uma garrafa de vinho, abre a garrafa e coloca vinho para as pessoas
que se dispuseram, retorna a cena).
Eu sou uma alma que vem de Atenas, sim, existo há milhões de anos. Por isso, representar
e ver nudez me aquece pra seguir nesse mundo. Eu sou doutor no kama sutra pós-
moderno, isso não é futilidade porque eu posso falar de amor e não olhar no fundo dos
seus olhos e posso ser fútil como alguém pode ter pensado e olhar no fundo dos seus
olhos, mas, se você diz que é futilidade, eu te digo que sou Dionísio, resolvemos o
problema, é como o computador que talvez ele só seja a ponte da relação que ainda será
construída, sem dores longas e sagradas. (Retira as vestes debaixo).
Lá em Atenas os corpos eram erguidos, o desejo sim era sagrado e por eu ser de Atenas
me coloco aqui como Dionísio@.com, Hoje tenho a pretensão de avinhar esses corações
solitários, talvez eu fale da solidão mais para o final, mas, por enquanto. Eu sou Dionísioda
Net, vim aqui cultivar a saliva sagrada que seca a boca e enche de água ao mesmo tempo,
o espaço da paz entre corpos, terreno para homens e mulheres serem eróticossem
pretensões estabelecidas, apenas com o intuito do encontro, talvez o medo apareça
porque na disponibilidade para o risco o medo vem, ou a memória de um passado vem pra
ocupar, mas, esse instante driblará ou potencializará. Eu grito, eu grito imbuído de fogo de
prazer.
(Vai ao fundo do palco pega uma boneca inflável, começa a enchê-la)
Antes de me julgar quero dizer a vós, pornográfico foram escritas sobre prostitutas, viva
elas, mulheres abertas, acolhedoras (Acende o isqueiro na boca). Para outros que estão
assistindo caladinho, é um pouco torturante, é obsceno talvez, eu sou obsceno, me
desligue se for o caso. Arranque o fio da tomada, veja a ligação entre buracos e fios
imensos cumpridos, veja no seu corpo o desejo que seu pé me causa e é inexplicável assim,
como o encontro do cabo do computador com a tomada, queria eu pelo menosser o
computador.
Bem, vamos começar (Muda a câmera geral de lugar). Como eu estava dizendo,
pornografia, depende da perspectiva, temos aquela perspectiva dos filmes, vídeos
cassetes, revistinha ou a curiosidade de ver e se excitar com aquilo, ou do ao vivo ser só a
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plataforma pra mim e, se eu lhe disser que também pode ser o contrário, eu estou para e
estamos no ato, ainda que seja uma revista. Hehehe, e eu sou dos anos oitenta então,eu
sou um dos bilhões ativos que busca e assume aqui, no meu caso, esse encontro de
visualização com a maratona pornográfica.
(Começa a contar uma história)
Sabia que o desejo às vezes está mais na minha mão segurando essa boneca do que nela
ou em mim. Sério. (Silêncio).
Tudo começou quando eu achava que era inteligente, que talvez minhas conversas
pudessem ocupar o tempo de alguém ou que minha aparência preenchesse minha solidão
e a do outro. Na verdade eu gostava pouco, mas depois, fui me acostumando, fui
aprendendo a gostar de conversar ou, escutar, uma vez passei uma madrugada inteira
escutando uma moça falar do enterro do pai e claro que ela me pagou pra isso, tem umas
figuras que adoram apanhar, repito esse movimento com um chicote na cama até dar o
horário combinado e tá tudo ok ele gostar, aqui pode. Aqui alguns gostam de bater
(aponta para o bumbum), já elas preferem aqui nessa região da nuca, quer dizer eu que me
bato só que são eles, entende? Só quem entende é quem fez o parto da vaca, a vaca o
bezerro ou a criança curiosa que assistiu porque se permitiram ao acaso.
Quando eu termino as sessões, podemos chamar assim, eu tomo banho e café amargo.
Fico em silêncio e vou pros meus vídeos, tenho de vários gêneros, a questão é que
pornografia requer tempo, se não passaria mais horas falando desses vídeos que tenho
aqui.
Quem aqui sabe o que é solidão? (com a câmera de mão começa a filmar uma parede)
Quando a solidão vem eu protelo tarefas, como artigos, pagar dívida passear com os
cachorros e tantas coisas.
Masturbar leva uns quinze minutos por ai e imagine isso umas cinco, sete, doze vezes no
dia. (Coloca a câmera no próprio olho).
Ex-videos e pornôtube
AMARELO
[Tempo da música (00h55min) Refletores acendem apontados para o público, o ator 1 acende
duas velas. Apagam-se os refletores.]
[A música abaixa o volume, aos poucos a luz da vela revela a cena. Ator 1 inicia a fala. ]
Ator 1: Boa noite, isso não é uma peça de teatro, é um elogio a razão, é a concepção de
uma ideia elaborada; a coletividade estruturada por sorrisos amarelos.
Ator 2: Um brinde aos pensamentos estruturados por uma dita maioria, não sei se eu estou
incluso nessa “dita maioria” mas, a corrente da racionalidade segue engravatada, com
uma voz limpa, reta, sem rodeios ou desdobramento para que o pensamento que não se
encaixou se encaixe. E as questões de responsabilidades coletivas agora são suas em
forma de culpa ou angustia. Que dá no mesmo. Oi? Estou bem? Bem, bem.
Ator 1: Quantas vezes você já morreu hoje? Eu, acabo de completar a minha centésima
morte.
[Ator assopra a vela. Inicia a música “Doll’s Polyphony”]
[Luzes das laterais acende aos poucos. Uma pequena mesa com uma sopa, uma garrafa
pequena de café, um prato, uma xícara e duas cadeiras.]
[Atriz está sentada, tomando a sopa. Ator está sentado olhando a xícara de café à sua frente]
[Fade out música]
Ator 1: Eu fico imaginando que numa outra vida quero ser barata.
Ator 2: Eu quero ser uma mariposa ou quem sabe um camelo, porque é mais fácil camelo
passar no fundo de uma agulha do que um porco.
Ator 1: O porco não tem culpa de ser dito como o nojento, a culpa são dos esqueletos
pensantes, se é que pensam, que falam constantemente do porco. (Silêncio) Eu e vocês
todossssssssssssssss (grita).
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Ator 2: É fumaça demais. Besteira, são tudo palavras. Inferno, porra, deserto, artista cheio
de problema, Moscou, paris, heroína, mentira, amizade, racional, tesouro. Quero ver quem
é capaz de resolver tudo? Quem? Quem tem o coração pertencente a uma pessoa só?...
Dizem que os deuses são ricos.
Ator 1: É tudo mentira mas é preciso escutar aos mais velhos, faz cara de educado e deixa
no ar a curiosidade dos jovens, “nossa, esse rapaz é isso, é aquilo, mas é educado e
carinhoso”! Meu pai, por exemplo, não resiste a um vinho velho, e a uma ideia nova, na
verdade sou como ele, gosto do desconhecido, sou um devoradora de ideias alheias, não
li mas se alguém comentou e for interessante, meus ouvidos pinnn, logo escrevem uma
tese, pra existir e ser sopa é preciso dançar intensamente com o outro. Falando em dança,
vamos colocar nossos quadris pra movimentar. Se aproxime com leveza. (Risos)
Atores dançam ao som de “You Never Can Tell”
Ator 2: Estou cansada, estou cansada do fingimento, estou cansada... Preciso de água.
Ator 1: Eu pergunto, essa sopa tem gosto, sabor, ou num passa de uma mentira pra
esbanjar pros amigos? É como a vida, tempera, tempera e continua insossa ou salgada
demais, de um jeito ou de outro, mata. Às vezes a diferença é o tempo.
Atores começam a colocar a sopa pro público.
Ator 2: (Sugestão, o ator pode falar esse texto em outra língua, de preferencia alemão ou
espanhola). No esforço de superação do trauma da guerra e do genocídio, os países
recompõem os frangalhos da nacionalidade e as forças para o desenvolvimento, por meio
de quadros administrativos capazes de empreendê-lo. Isto é, forças à direita, à esquerda,
ao centro; ex-resistentes e ex-colaboracionistas nos mais diversos níveis, todos
interessados na reconstrução inadiável de uma nova vida.
Ator 1: O cu, o cu é o único lugar democrático. Eu leio sobre arte, cinema, música, filosofia
e física quântica e tudo pra mim, se resume ao cu, o lugar da democracia, onde todas os
serem tem essa propriedade, sejam eles pobre, ricos, negros, ruivos, albinos, porcos,
hipopótamos e até os ratos tem cu. Esse espaço singular e plural, singular e plural, singular
e plural. O que falta na organização de um país é olhar com sensibilidade pro cu.
Ator 2: Por favor, vamos fazer um pouco de silêncio. (silêncio). Bem, como eu estava
falando, nos esforços humanos, na legitimidade de uma vida cotidiana regrada de símbolos
que nos levam ao exercício do estar aqui e agora. Puts, esqueci o texto... (silêncio
demorado) Eu sou uma atriz com vinte e poucos e posso errar em cena. Imagino que na
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(“Balinese Cassette”, apagam as velas. Liga a luz de plateia. Atores começam a distribuir
os pratinhos, cumprimentando o público, interagindo com o público. Apagam as luzes.
Mantem um pouco a música, no escuro. Fim.)
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PODTEATRO
Dia: 13.02.2021
Hora: 14:00. Duração: +/- 2h.
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CORPO TRANSCENDENTAL
Experiência do corpo e do tempo são duas justaposições que nos perseguem na vida;
confere a atenção e subjetividade que compõe um todo-único de nossa essência. Às
vezes, o peso da existência obriga-nos a ausentar-se por um tempo, dos outros, da vida
e de si. Esse exilar-se temporariamente é um recuperar-se para ter fôlego e continuar.
Exilar seria a pista para a evolução? Quando foi a última vez que olhou para dentro? Neste
corpo frágil de sentimentos e desespero, existe um além, adormecido, eu diria, talvez
esquecido com o tempo. Então eu me despertei com isso de a-sociabilizar
contemporaneamente, recuei. Não porque eu quis, claro. Mas porque meu corpo gritou
alto, desabei. Processo longo, cravado em desejos utópicos, e nada tinha haver com a
materialidade das coisas físicas. O corpo com o tempo libera suas tóxicas viciosas que
alimentam suas células. Ficamos em abstinência facilmente. E ai de nós, se não
estimularmos mais, paranoicos permanecemos por alguns dias; aos poucos, este corpo
vai sossegando, desacreditando, falhando...
Isto é apenas uma chave do universo particular de nossa temporária fantasia. Minha
vivência será a busca da relação do cuidar de si, do olhar para dentro e para a energia das
coisas místicas. Foi o que mais aprendi com esse 2020. Buscaremos a transcendência ou
tentaremos, já que acredito enquanto pessoa que nossas práticas são nossas
fragmentações mais íntimas do nosso ser.
Dia: 14.02.2021
Duração: 1h30
Hora: 14h.
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