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FILOSOFIA
ESTRUTURALISTA E A
TEORIA SOCIAL
UMA INTRODUÇÃO
CIAN
BARBOSA
Lacan: entre a filosofia estruturalista
e a teoria social
Uma introdução
Aula II
AULA II
O Estruturalismo
A via estrutural surge com um potencial de rigor recebido como único e contagiante.
A linguística aparece como uma nova ciência já desde 1916, mas é o método de Leví-Strauss
que, encantando os pensadores de sua época, incita também retrospectivamente certa
proeminência à linguística estrutural, revelando resultados impressionantes nos trabalhos
etnográficos e dando força a um ímpeto interdisciplinar. Em contrapartida, sua teoria do mito
apresenta-se como uma possível resposta a problemas de muitos campos do saber.
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Como nos indica Georges Balandier: “Para mim, o estruturalismo teve muito êxito porque foi o suporte do
pensamento tecnocrático, deu-lhe uma maquilagem lógica, uma racionalidade, uma espécie de vigor. Entre esse
tempo e o estruturalismo existe mais do que um encontro feliz, um casamento de conveniência.”
(BALANDIER, G. Apud DOSSE, F. 1993, p. 187)
Lévi-Strauss busca, na ideia de modelo da economia, seu recurso para a formalização
científica. Dentre as ciências humanas, a economia é a primeira a buscar na formulação
matemática e na criação de modelos sua abordagem científica. Apesar de não ter sido a
ciência maior do estruturalismo, foi a que levou com mais reconhecimento essa exigência
formal/matemática de boa parte das ciências humanas desse período. Citando Michel
Aglietta, François Dosse remarca:
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A questão do inconsciente é fundamental para a filosofia francesa, e não menos o é para o estruturalismo: “está
no centro do paradigma estruturalista e não somente pelo substancial progresso registrado pela prática
terapêutica que é a psicanálise; vímo-lo em ação na antropologia preconizada por Lévi-Strauss e na distinção
estabelecida entre linguagem e fala por Saussure. (DOSSE, François. História do Estruturalismo I. Pg. 117)
formalizada no clássico texto O Estádio do espelho como formador da função do eu (1949),
que será revista à luz do texto de Levi-Strauss.
Especificamente na década de 1950, define Zafiropoulos, Lacan irá abandonar seu
paradigma sociológico, que vinha de Durkheim, para endossar o aporte de Lévi-Strauss sobre
a análise da função simbólica, onde encontramos, primeiramente já em 1951, como defende
Zafiropoulos e, na sequência, em 1953, um momento de virada em que, nessa ocasião, é
marcado pela sua concepção acerca do Nome-do-Pai, fundamental especificamente para sua
teoria das psicoses: Zafiropoulos defende que é na conferência sobre o mito do neurótico de
1953 que Lacan irá encerrar (ao menos oficialmente) sua fase durkheimiana. É também entre
1953 e 1954, durante seu Seminário I, que Lacan irá repensar a clássica instância freudiana
do superego, ligando-a não mais às primeiras identificações imaginárias, mas à linguagem
(ZAFIROPOULOS, 2010, p. 25). A tese de Zafiropoulos, apresentada em seu livro Lacan
and Lèvi-Strauss, or the return to Freud (2010), é justamente de que o retorno a Freud,
operado por Lacan, se faz através de Lévi-Strauss, ou ainda “um dia, o espírito do pai morto
da psicanálise, Freud, retornou pelos atalhos de Lévi-Strauss” (ZAFIROPOULOS, 2009). A
dimensão dessa virada em torno do conceito de Nome-do-Pai, além de sua iminente
importância para a clínica das psicoses em Lacan, também demonstra em que nível a
antropologia de Lévi-Strauss influencia sua concepção acerca da própria lógica do
significante. Lacan enfatiza que Lévi-Strauss
Desvincula-se da noção de pai como ela aparece na família, para pensar a dimensão
de sua função simbólica na vida da linguagem e da cultura, e seus efeitos. O ponto feito por
Lévi-Strauss, em Antropologia Estrutural, de que a psicanálise é uma versão moderna da
técnica xamã (p. 204), deve ser compreendido primeiramente pelo simples reconhecimento
de que, aquilo que possibilita a efetividade do procedimento psicanalítico é estruturalmente a
mesma coisa que dá efetividade ao tratamento do Xamã, nos limites do que se pode dizer.
Dirá então Lévi-Strauss, que o xamã provém ao doente uma linguagem pela qual estados
psíquicos não expressos, e até inexpressáveis, podem ser imediatamente expressados.3
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“A relação entre monstro e doença é interna à sua mente, seja ela consciente ou inconsciente; é uma relação
entre símbolo e coisa simbolizada, ou, para usar a terminologia dos linguistas, entre significante e significado. O
xamã fornece à mulher doente uma linguagem, por meio da qual estados psíquicos não expressos e, de outra
forma, inexprimíveis podem ser expressos imediatamente. E é a transição para essa expressão verbal que induz a
liberação do processo fisiológico, ou seja, a reorganização, em um sentido favorável, do processo a que a mulher
doente é submetida ... A versão moderna da técnica xamanica chamada psicanálise deriva assim suas
características específicas do fato de que na civilização industrial não há mais lugar para o tempo mítico, exceto
dentro do próprio homem. Dessa constatação, a psicanálise pode obter a confirmação de sua validade, bem
como a esperança de fortalecer seus fundamentos teóricos e compreender melhor as razões de sua eficácia,
comparando seus métodos e objetivos com os de seus precursores, os xamãs e feiticeiros.” (STRAUSS, L. pp.
203–204).
Zafiropoulos aponta para o texto de 1951, Intervenção Sobre a Transferência4, onde,
para o autor, Lacan já demonstraria sua virada estruturalista e, agora, verdadeiramente
freudiana. É de se notar algumas coisas neste texto: primeiro, Lacan enfatiza a experiência
psicanalítica como algo que se desenrola “inteiramente nessa relação sujeito a sujeito” (p.
88), algo que ele afirma sustentar uma “dimensão irredutível a toda psicologia considerada
como objetivação de certas propriedades do indivíduo.” Lacan então irá definir a psicanálise
como “uma experiência dialética”, dando ênfase a isso para tratar a questão da transferência,
especificamente em análise. Recorre então, para tratar da transferência e de “reviravoltas
dialéticas” e “desenvolvimentos da verdade” na experiência psicanalítica, ao caso de Dora,
publicado por Freud em 1905: uma jovem vienense de 18 anos que se encontra dividida entre
sua percepção de si e seu lugar enquanto mulher. É fundamental perceber que, antes de
entrar propriamente nos comentários do caso clássico, Lacan faz antes certas considerações
sobre a distância entre sua posição e o que compreende como a posição da práxis
psicanalítica, e a psicologia. É preciso compreendermos que Lacan estava no processo de
engajamento com uma verdade que irá mover seu projeto: sua crítica iria não somente à
psiquiatria, à psicologia e às ciências humanas, mas à própria psicanálise de sua época
expressa no campo pós-freudiano (e na psicanálise do ego, etc). É com esse espírito que
Lacan, ao tratar do tema da transferência, o faz também para apontar a questão da resistência,
não só como questão clínica para a psicanálise, mas uma resistência presente na própria
psicanálise de sua época, curiosamente o que podemos compreender como uma resistência
dos pós-freudianos a Freud. Vale citar, das palavras de Lacan:
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de seu tempo é ainda organizada pela resistência à radicalidade de Freud. O caso Dora é
utilizado como registro também do surgimento da questão da transferência na clínica da
psicanálise, a primeira em que Freud reconhece que o analista participa (p. 90). Mais ainda,
Lacan irá dizer que parece chocante como
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É verdade também que, eventualmente, Lacan irá criticar essa mesma noção de grau zero como algo
impossível de ser representado, dando lugar assim à falta do grau zero, representado também como a o
significante da falta no Outro. Sobre isso, ver em: Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente
Freudiano (Escritos, 1978).