Você está na página 1de 14

Os Maias

Eca de Queiros
/
/

Contextualização histórico-literária

Regeneração

(de 1851 até à implantação da República em 1910)

i
Estabilização do regime liberal garças a uma revolta militar chefiada pelo marechal Saldanha,
a 28 de abril de 1851

Objetivo dos políticos regeneradores: aproximar Portugal, país atrasado a todos os níveis
relativamente ao resto da Europa, do progresso que se fazia sentir “lá fora”.

De modo a tentar aproximar Portugal do resto da Europa existiu:


Desenvolvimento dos meios de transporte e das vias de comunicação, através da implementação de
infraestruturas como pontes, estradas, caminhos de ferro, telégrafo. . .
Política levada a cabo pelo engenheiro e militar António Maria Fontes Pereira de Melo – Fontismo.

Geração de 70

A Geração de 70 era um grupo de jovens intelectuais portugueses que manifestaram um descontentamento face
ao atraso cultural e económico do nosso país em relação ao panorama intelectual, social e político europeu. Eram unidos
por um desejo de mudança, não só a nível da cultura, como da mentalidade portuguesa em geral.

2ª Geração romântica Geração de 70


VS.
Literatura alienada e Literatura que dá primazia aos
meramente decorativa problemas da sociedade

– Regeneração: estabilização do regime liberal graças a uma revolta militar chefiada pelo marechal Saldanha, a
28 de abril de 1851.
– «Geração de 70»:
– objetivos: a regeneração do país (valorização do progresso da sociedade e da cultura);
– as Conferências do Casino: movimento de ideias que preconizava o historicismo, o realismo em Arte como
expressão de um novo ideal devida, a crença no progresso das sociedades, conseguido através das
ciências positivas.
Realismo
Perspetiva filosófica e artística que privilegia o «real», o existente, o mundo objetivo; marcado pelo gosto da
verdade, procurando transmitir todo o real, na sua diversidade e na variedade dos seus aspetos.
– Movimento artístico que surgiu em meados do século XIX, que contestava o idealismo romântico e
privilegiava a observação e análise de tipos humanos e de costumes sociais.
– Atitude descritiva e crítica face à sociedade do seu tempo
– Temáticas que comprovam as mudanças na sociedade
– Corte com o sentimentalismo

Temas principais

do Realismo

#
Vida familiar Vida cultural e social Vida económica

O jornalismo, a política, o
A educação, a condição da mulher, A ambição, a usura, a opressão,
arrivismo, o parlamentarismo,
o adultério, entre outros. entre outras.
entre outros.

Naturalismo
Realismo mais «científico», profundamente influenciado pelas ciências experimentais e pela filosofia positivista de
Taine: o homem é determinado pela sua raça (fisiologia, hereditariedade), pelo seu meio (época, meio social e seus
costumes e códigos) e pelo seu momento histórico.
– Fundamentado nos princípios do Realismo
– Intuito crítico e reformista
– Predomínio da objetividade na análise da sociedade
– Determinismo que conduz a uma valorização da hereditariedade, da educação e do meio

Quem foi Eça de Queirós?

José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim a 25 de novembro de 1845. Fez os seus estudos de Direito,
em Coimbra. Desempenhou o cargo de administrador do distrito de Leira, em 1870 e em 1871 participou ativamente nas
«Conferências do Casino». A sua carreira diplomática foi iniciada em 1871 e durou ate 1888. Casou com a irmã de um amigo
seu, o Conde de Resende. Eça de Queirós era do um dos membros da Geração de 70 e defensor da Regeneração. Fez uso
do Realismo e do Naturalismo, de forma a proceder a uma moralização da sociedade expondo os seus defeitos. Faleceu a
16 de agosto de 1900, em França.
1888: Os Maias

Visão global da obra e estruturação: título e subtítulo

Os Maias

Episódios da vida romântica


I.

O romance
Níveis de ação
-

Título Subtítulo
Os Maias Episódios da vida romântica

Primeiro nível de ação: a história das três


gerações da família Maia – Afonso Segundo nível de ação: crítica de costumes,
da Maia, Pedro da Maia e Carlos da Maia.
em especial da alta burguesia lisboeta, no último
Intriga principal: vida e amores de Carlos quartel do século XIX.
da Maia. Descrição e crítica de um Portugal “pobre”,
“provinciano”
Intriga secundária: vida e amores de Pedro
da Maia.

O título de Os Maias constitui uma referência direta à família de Carlos da Maia, que ocupa a posição principal no
romance. De forma muito resumida, apresentam-se quatro gerações (Caetano, Afonso, Pedro e Carlos da Maia),
representando cada uma delas períodos diferentes do século XIX:
Portugal das guerras liberais: 1820
Período pós-guerra civil: 1850
Portugal da Regeneração: 1870
A ação principal, centrada na relação incestuosa de Carlos da Maia e Maria Eduarda, surge como uma consequência dos
atos passados.
A família Maia pode ser vista simbolicamente como a representação da decadência e da crise de identidade de
Portugal ao longo do século XIX porque, através dela, se assiste às questões políticas, económicas e sociais.
O subtítulo “Episódios da Vida Romântica” aponta claramente para a representação de um mundo social amplo e
ainda culturalmente dominado pelo Romantismo. Assim, esta obra permite conhecer os hábitos da sociedade portuguesa do
século XIX, em particular das classes elevadas, constituindo uma verdadeira crónica de costumes. Temas como o amor, o
casamento, o adultério, incesto, a educação, a ociosidade da burguesia, a mediocridade do poder político e a hipocrisia
religiosa permitem a análise da sociedade da época.
Vários episódios sugerem que Portugal vive ainda uma “vida romântica”, em que as personagens manifestam
emoções fortes e espontâneas (amor-paixão, amizade, inimizade), mas carecem de seriedade, civismo, trabalho.

O título da obra remete-nos para a história de uma família, os Maias, e consequentemente para um período
temporal longo, o que contribui para a complexidade das diversas ações.
– Após a referência inicial ao ano de 1875, o narrador organiza o discurso de modo a apresentar a família:
– referência a Caetano da Maia (pai de Afonso);
– apresentação, em analepse, da vida de Afonso da Maia (pai de Pedro);
– apresentação, em analepse, da vida de Pedro da Maia (pai de Carlos e Maria Eduarda);
– narração da vida de Carlos e Maria Eduarda da Maia (bisnetos, netos e filhos, de acordo com a
respetiva ordem da árvore genealógica da família).

– Caetano da Maia fora adepto de D. Miguel: «Caetano da Maia era um português antigo (.. ), dera ele o seu
amor ao senhor infante D. Miguel», o que significa que fora adepto do Absolutismo, em Portugal.
– Afonso da Maia integra-se na geração de 1820, adepto de ideais do Liberalismo, o que levava o pai a
acusá-lo de ser jacobino.
– Pedro da Maia faz parte da geração de 1840, aquando do início da Regeneração.
– Carlos da Maia (e Maria Eduarda) já fazem parte da geração de 1870 e, por isso, podemos inferir que é a
época contemporânea do autor do romance.
O subtítulo do romance é «Episódios da vida Romântica», remetendo-nos para os episódios da crónica de costumes
e, consequentemente, para a crítica social. Não podemos, contudo, associar diretamente o subtítulo ao Romantismo,
porque, na verdade, o narrador tem uma intenção satírica muito mais abrangente, incidindo sobre várias facetas da
sociedade portuguesa oitocentista.

O Romance – Níveis de ação


.

Intriga principal →

Vida e amores de Carlos da Maia


Título: Os Maias
/
\ .
Intriga secundária →

Vida e amores de Pedro da Maia


A representação dos espaços sociais e a crítica de costumes:

Jantar no Hotel Central:


temas/crítica: a literatura (Realismo vs Romantismo e a crítica literária);
a situação financeira de Portugal; a mentalidade retrógrada da elite lisboeta.

Corridas no hipódromo:
Subtítulo: episódios da crítica: a imitação do estrangeiro; a mentalidade provinciana portuguesa.
Jantar do conde de Gouvarinho:
vida Romântica temas/crítica: instrução e ensino; conceção da educação da mulher;
mediocridade mental dos mais altos funcionários do Estado.
Imprensa - A Corneta do Diabo e A tarde:
crítica: parcialidade do jornalismo da época; clientelismo partidário; vingança
política; dependência política.
Sarau no Teatro da Trindade:
crítica: superficialidade das conversas; falta de cultura; ausência de espírito
crítico; sentimentalismo e gosto convencional ultrapassados, a oratória oca e sem originalidade.
Passeio final por Lisboa (Carlos e Ega):
crítica: a degradação do país.

O romance: pluralidade de ações, complexidade do tempo e dos protagonistas, extensão

O romance é um género narrativo, extenso, em que a criatividade do autor inventa personagens e peripécias. No
Realismo, assume uma enorme importância ao explorar a relação entre o comportamento das personagens e a sociedade
em que elas se movem.
O romance narra, assim, uma pluralidade de ações que se interligam entre si, embora predomine uma linha de ação.
Os espaços onde se movimentam são múltiplos e o tempo organiza-se de forma complexa, apresentando frequentemente
recuos e, por vezes, avanços. A descrição e o diálogo contribuem para a extensão e para a complexidade do romance.
Num romance complexo como Os Maias (1888), o número de personagens é considerável, com densidade social,
cultural e psicológica. Além de Carlos da Maia e Maria Eduarda – protagonistas da ação central, existem outras que
também participam nesta ação (Afonso da Maia, Ega, . . .) e aquelas que permitem caracterizar a sociedade da época (os
Gouvarinho, Dâmaso Salcede, . . .).

Onde decorre a ação?


A ação desta obra decorre em vários espaços físicos de Lisboa (teatro, hipódromo, . . .) ou fora dela (Sintra,
Santa Olávia, . . .).
Qual o tempo da ação?
Relativamente ao tempo, a ação inicia-se no outono de 1875, quando Carlos vai viver com o avô no Ramalhete,
mas recua à juventude de Afonso e Pedro da Maia (avô e pai de Carlos).

O tratamento do tempo em Os Maias é complexo. A ação começa num local e tempo determinado (Lisboa, outono
de 1875), apresentando, de seguida, dois recomeços (capítulo I e IV). O ritmo narrativo oscila entre reduções (resumos e
elipses) e recuos (analepses) e tempo mais lento (1875-1876). a ação abrange quatorze meses (outono de 1875 até final
de 1876), mas os antecedentes familiares percorrem o tempo de 1820 a 1875 e o epílogo situa-se dez anos depois, em
1887. O tempo do romance é assim suscetível de ser datado, abrangendo cerca de setenta anos, contudo, não se distribui,
ao longo da obra nem de modo ordenado nem uniformemente.
Numa narrativa tão longa como Os Maias, ocorre mais do que uma linha de ação, com um número alargado de
personagens, numa multiplicidade de espaços.

Cap. I -

1875 Intriga principal

1820 1875
Ii, ⑥
Crónica de costumes A
1877-1878 1887

1- -

Cap. I Cap. III Cap. IV a XVIII Cap. XVIII

A descrição do real e o papel das sensações

O narrador d'Os Maias descreve com pormenor os espaços físicos e a realidade social. Inserido na estética
realista, este romance valoriza a observação do real, que recria de forma verosímil, utilizando a técnica impressionista
através da captação da luz e da cor.
As descrições das pessoas, dos espaços e dos comportamentos advêm da perceção sensorial do narrador, em que
as sugestões de sensações visuais, auditivas, olfativas e táteis contribuem de forma significativa para a representação
da realidade.
Sensação de autenticidade da ficção queirosiana – naturalidade do diálogo e descrição dos espaços cénicos
urbanos (interiores e exteriores), através de:
– Sensações visuais, auditivas, olfativas, tácteis e gustativas: dinamismo descritivo e vivacidade da narrativa;
descrição mais sugestiva do real; recriação de espaços e de personagens e da ambiência que os rodeia;
transporte do leitor para «dentro» da narrativa (emoções e instintos); expansão da perceção da obra
literária;
– Recursos expressivos: sinestesia, comparação, metáfora, uso expressivo do adjetivo e do advérbio.
A representação dos espaços sociais e a crítica de costumes

A ação do romance decorre essencialmente em vários locais de Lisboa ou nos arredores, como Sintra ou nos Olivais.
O Ramalhete: o Ramalhete é a casa da família Maia, ligada à ação principal, mas também à ação secundária.
Santa Olávia: casa onde Carlos viveu com o avô, no Douro, durante a sua infância e juventude. Este espaço
representa as origens da família, a ligação ao campo, ao que há de mais genuíno e puro.

Lisboa acolhe vícios de uma sociedade burguesa, que vive de forma ociosa entre vários espaços.
Jantar no Hotel Central: O jantar no Hotel Central (Cap. VI) representa o primeiro contacto social de
Carlos com a sociedade Lisboeta. Organizado por Ega, em honra do banqueiro Cohen, o marido da sua amante, dá a
conhecer a mentalidade retrograda deste grupo elitista, que aborda temas como a vida política e culturas, as finanças ou
a decadência do país. A discussão literária entre o representante do Ultrarromantismo (Alencar) e do Realismo/
Naturalismo (Ega) mostra a incapacidade de este grupo de pessoas com relevo na vida nacional se comportar como
civismo.
Corridas de cavalos: as corridas de cavalos (Cap. X) no hipódromo são o exemplo da imitação reles do
estrangeiro. O provincianismo e a aparência de cosmopolitismo caracterizam a alta sociedade lisboeta, desajustada de
eventos daquela natureza. O ambiente de tédio e de monotonia só se anima verdadeira,mente no momento em que alguns
dos presentes se envolvem numa luta corporal. Neste episódio, destaca-se Dâmaso Salcede, personagem que vive querendo
parecer o que não é.
Jantar em casa dos Gouvarinho: o jantar em casa dos Gouvarinho (Cap. XII), oferecido a Carlos, faz a
caricatura da classe dirigente do país, que denota incompetência política. A falta de cultura, de inteligência e de valores
sociais é notória quando abordam o tema da educação das mulheres.
Jornais: o episódio dos jornais (Cap. XV) “Corneta do Diabo” e “A Tarde” denunciam os vícios do jornalismo, em
que a corrupção e o compromisso com apadrinhamentos políticos dão destaque a assuntos sensacionalistas da sociedade
portuguesa.
Sarau Literário: o Sarau Literário (Cap. XVI) mostra como a cultura das classes endinheiradas é escassa,
superficial, faltando-lhes o gosto pela arte. O interesse pelo sentimentalismo exagerado do Ultrarromantismo,
representado por Alencar, e o desinteresse pela música interpretada por Cruges refletem a falta de gosto e espírito
crítico.
Os Maias representam uma visão caricatural da sociedade portuguesa do século XIX. Eça traça um retrato de
Lisboa da Regeneração, dando-nos a sua perspetiva crítica de características negativas, muitas delas ainda hoje visíveis.
O retrato de pessoas de um estrato elevado da sociedade, através de personagens que congregam os vícios de muitos,
permite uma crítica mordaz, irónica que faz uma crítica de costumes da época.
Personagens Tipos sociais

Jacob Cohen O banqueiro da alta finança.

Conde de Gouvarinho O político medíocre, politicamente incompetente, sem espírito crítico.

Raquel Cohen e A mulher fútil e adúltera


Condessa de Gouvarinho
Dâmaso Salcede O novo-rico provinciano, exibicionista e cobarde.

Tomás de Alencar O poeta ultrarromântico.

Cruges O pianista talentoso, mas incompreendido.

Eusebiozinho A mentalidade romântica.

Rufino O deputado.

Steinbroken O diplomata, ministro da Finlândia.

Taveira O empregado público ocioso.

Craft O britânico rico e diletante.

Sousa Neto O representante da Administração Pública, ignorante e presunçoso.

Palma Cavalão e Neves O jornalista corrupto, medíocre e sem escrúpulos.

Guimarães O tio de Dâmaso, democrata.

Vilaça, pai e filho Procuradores da família Maia, leais e de confiança.

O romance Os Maias constitui uma análise e uma reflexão sobre a sociedade portuguesa, à semelhança de um
estudo de caso. Privilegiando uma perspetiva experimental, o romancista coloca no meio lisboeta uma personagem com
uma educação específica perante uma série de situações e analisa as suas reações.
Espaços e o seu valor simbólico e emotivo

O espaço físico aparece ligado ao percurso das personagens, em particular ao de Carlos, e ganha um valor
emotivo e simbólico.

Espaços exteriores

Santa Olávia: é o espaço rural, tranquilo, puro, de restabelecimento da família Maia. Carlos cresce de forma
saudável, em contacto com a natureza, seguindo uma educação britânica ao gosto do seu avô. É também o espaço onde
Pedro da Maia se suicida, após a sua mulher, Maria Monforte, o ter abandonado e trocado.
– Local de refúgio em momentos difíceis (suicídio de Pedro).
– Local onde Carlos passa a sua infância, determinante na sua educação e afetos.
– Simboliza a vida e a sua capacidade de regeneração.
Coimbra: é o local onde Carlos se forma em medicina, mas também contribui para a sua formação enquanto
cidadão crítico e interventivo.
– Local da juventude, da formação académica e da vida boémia.
– Simboliza a formação pessoal e intelectual e a capacidade das relações humanas, nomeadamente a amizade.
Lisboa: é a capital, símbolo do Portugal decadente, mas também de espaços que representa um passado
grandioso:

Lisboa no romance Valor simbólico


Representa o Portugal das Descobertas (anterior a 1580);
“estátua triste de Camões”
evoca a nostalgia de um Portugal glorioso.
“os altos da cidade”, o “Castelo”, Representa o Portugal absolutista (anterior a 1820).
“os palacetes decrépitos” Evoca um passado genuíno e português, embora antiquado.
Representa o Portugal da Regeneração (posterior a 1851).
Remete para a ânsia de acesso à civilização e desrespeito
“o Chiado”/ Restauradores pelos costumes genuinamente portugueses. Assinala a falta
de originalidade e dinamismo. Simboliza a decadência,
o imobilismo e a frustração.

– Espaço de convívio e de formação da personalidade social em adulto.


– Representa o país com todos os seus defeitos e atributos sociais.
Sintra: local próximo de Lisboa, propício à fuga e aos encontros amorosos.
– Espaço de lazer e de férias para a sociedade lisboeta do século XIX.
– Local de encontros sociais e amorosos.
– Simboliza o paraíso romântico.
Grandes capitais europeias: representam a civilização, o progresso, por oposição a Portugal, um país
culturalmente atrasado. São também locais privilegiados para a evasão das personagens.

Espaços interiores

Ramalhete: a residência da família Maia em Lisboa, assume uma enorme importância porque acompanha a vida
de Carlos. Em 1875, quando Carlos e o avô vão habitar o Ramalhete, é uma casa recuperada com bom gosto e luxo. No
final de 1877, mostra a sua decadência, reflexo da tragédia que atingiu a família. Carlos encontra neste palacete muitas
recordações do avô e do seu amor por Maria Eduarda.
– Residência de Afonso e Carlos da Maia em Lisboa (1875-1877).
– Representa o Portugal velho (antes de 1875); as expectativas e os projetos (1875-1877); a catástrofe e a
decadência da família Maia (1877).
– O jardim acompanha simbolicamente o percurso da família:
– restaurado com a transformação da estátua e da cascata – símbolo de vida e regeneração; mais tarde
em degradação, sugerindo a família destroçada;
– o cedro e o cipreste – árvores de longa longevidade, que simbolizam a vida e a morte e testemunharam
a vida de várias gerações da família.
Jardim do Ramalhete: sofre alterações ao logo do romance
Antes de 1875 1875-1877 Em 1877
lo

Fita
- .

Pobre Cuidado Abandonado


Abandonado Agradável Descuidado

Tom geral

Austero Requintado Decadente


B
p

Simbolismo
B t b

Portugal Absolutista Portugal da Regeneração Portugal decadente

Toca: refúgio do amor marginal de Carlos e Maria Eduarda, marcado pela excentricidade. Se o nome sugere
proteção, também pode remeter para o carácter animalesco da relação entre os dois irmãos. O quarto, pelos elementos
decorativos e pelas cores, anuncia o final trágico desta relação amorosa.
– Local de transgressão – aí ocorre o incesto.
– Espaço repleto de elementos que sugerem a sensualidade, a paixão.
– Presença de símbolos que anunciam a destruição da família Maia.
Consultório de Carlos: é o reflexo do caráter de Carlos: ocioso, diletante, sensual. Este espaço simboliza a
incapacidade de Carlos no exercício da medicina.
– Locais que representam os projetos de Carlos e o seu entusiasmo face à profissão que terminam em
falhanço.
– Simbolizam o diletantismo de Carlos e da sua geração.
Hotel Central: associa-se a Maria Eduarda porque foi na entrada do hotel que Carlos a viu pela primeira vez.
Avenida da Liberdade: simboliza a tentativa falhada de um Portugal moderno e cosmopolita. A imitação do
estrangeiro, particularmente de França, leva à abertura de uma avenida que termina logo e de forma abrupta.

Representações do sentimento e da paixão: diversificação da intriga amorosa (Pedro da Maia,


Carlos da Maia e Ega)

O amor é um dos temas fulcrais em Os Maias e, por isso, evidenciam-se ao longo de toda a obra o sentimento e
a paixão.
A diversificação da vida amorosa é conseguida, essencialmente, através de três pares amorosos: Carlos da Maia e
Maria Eduarda, Pedro da Maia e Maria Monforte, e João da Ega e Raquel Cohen.

Carlos da Maia e Maria Eduarda: vivem um amor verdadeiro, sublime, fruto de um encontro
casual à porta do Hotel Central. A paixão entre eles é fortificada por traços de caráter e interesses comuns: a
inteligência, a cultura, a elevação. No entanto, este amor é destruído pela revelação de que são irmãos, tendo então uma
relação incestuosa. Carlos acaba por cometer incesto consciente antes de a Maria Eduarda o laço que os une. Depois da
morte do avô, Carlos parte para uma longa viagem e Maria Eduarda vai viver para Paris.
Este amor é dominado por forças exteriores, imprevisíveis e inexplicáveis, que tornam os dois amantes incapazes
de controlar a sua vida. Assim, a relação de parentesco entre Carlos e Maria Eduarda, o cofre entregue por Guimarães,
revelando que são irmãos, a incapacidade de Carlos de resistir ao amor que sente, cometendo incesto involuntário, a
morte de Afonso e a separação dos dois conferem a este amor uma dimensão trágica.
Pedro da Maia e Maria Monforte: também se encontram casualmente. Pedro transfere a paixão
obsessiva que tem pela mãe, após a sua morte, para Maria Monforte, mulher bela, caprichosa e manipuladora. Carlos e
Maria casam contra a vontade de Afonso da Maia e têm dois filhos. Posteriormente, Maria Monforte foge com um
napolitano, Tancredo, levando a filha com ela. Pedro regressa com o filho, Carlos, a casa do pai e suicida-se pela sua
incapacidade de ultrapassar o adultério da mulher.
João da Ega e Raquel Cohen: conhecem-se na Foz, no Porto. Os encontros amorosos dão-se na
Vilac Balzac, espaço decorado em tons de vermelho, propício à sensualidade. Esta relação adúltera é descoberta pelo
marido de Raquel, o banqueiro Cohen, que humilha Ega, expulsando-o de sua casa. Ele refugia-se em Celorico, em casa da
mãe, e ela parte com o marido para o estrangeiro.

Resumindo
– Na ação da obra Os Maias é imprescindível considerar a intriga principal e a intriga secundária, ambas
associadas à história de uma família pouco numerosa.
– A intriga secundária decorre nos capítulos I e II. Após uma analepse que apresenta a juventude e o
casamento de Afonso da Maia, o narrador dá-nos a conhecer a infância e educação tradicional portuguesa de
Pedro da Maia, fase da vida da personagem que influenciou o seu comportamento emocional instável, na
juventude e vida adulta. Nos capítulos seguintes, conhecemos Carlos da Maia e João da Ega, sendo possível
identificar as representações do sentimento e da paixão destas três personagens masculinas.

A educação em Os Maias

Modelo Personagem Características Aspetos dominantes Conseuqências

Proteção excessiva
Pedro da Pedagogia escolástica do
Padre Vasques Influência feminina e religiosa Suicídio
Maia Estímulo do espírito
Tradicional romântico
Português
Proteção excessiva
Folheava in-fólios Conhecimento livresco Devassidão
Eusebiozinho Inatividade desatualizado
Decorava sem compreender

Pouca proteção

Britânico
Carlos da Horários rigorosos
Contacto com o ar livre Desenvolvimento físico
Falhanço pessoal e
Maia Dieta rigorosa profissional
Prática regular do desporto
Características trágicas dos protagonistas

O tema do incesto presente no romance Os Maias aproxima-se muito da tragédia clássica. A noção de desafio às
leis morais (hybris), o sofrimento (pathos) alimentado por presságios, o peso do destino ( fatum) sobre as personagens, a
tensão crescente que atinge o clímax com o reconhecimento (anagnórise) da situação de incesto, a catástrofe final e o
facto de a tragédia se situar num contexto familiar nobre e restrito, em que as personagens revelam também nobreza
de caráter, são elementos fundamentais na obra.
Afonso da Maia: culto e inteligente, vive de forma sóbria, resistindo ao
luxo que o neto aprecia. Demonstra uma enorme força interior em dois momentos
do romance:
reconcilia-se com Pedro quando este regressa a casa, traído,
abandonado pela mulher e humilhado, mesmo tendo desaprovado este casamento.
Sobrevive ao suicídio do filho e educa o neto, Carlos, com entusiasmo
e amor.
Morre de desgosto, não resistindo ao comportamento de Carlos, que comete
incesto involuntário.
– Advertido por Vilaça de que as paredes do Ramalhete «eram sempre
fatais aos Maias», quando decidiu instalar-se em Lisboa, após a conclusão
do curso de Carlos.
– Afonso da Maia tentou evitar que o neto tivesse o mesmo percurso de
Pedro da Maia, mas a força inexorável do destino (ananké) abateu-se
sobre a família, aproximando os seus dois netos, Carlos Eduardo e Maria Eduarda.
– A morte de Afonso, após o reconhecimento da relação incestuosa entre os seusnetos, provoca sofrimento
(pathos) e desperta sentimentos de terror e piedade no leitor.

Carlos da Maia: homem inteligente, culto, com sentido de humor e de gosto requintado. No entanto, tem
também algumas características menos positivas: a dispersão e o diletantismo, que o impedem de concretizar os vários
projetos que idealiza, como é o caso do exercício da medicina. Vive o seu grande amor com Maria Eduarda, uma relação
proibida por serem irmãos, o que o marca tragicamente. Apesar da sua educação de estilo britânico, talhado para o
sucesso, deixa-se vencer pelo tédio da Lisboa decadente e falha em todos os planos da sua vida.
– Nome que indicia desgraça, porque lhe tinha sido atribuído pela mãe que, na altura do seu nascimento, estava
a ler uma «novela de que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e, namorada dele,
das suas aventuras e desgraças».
– Carlos da Maia desafia (hybris) o destino, envolvendo-se com uma mulher que ele supunha ser casada,
cometendo o incesto, primeiro inconsciente e, por fim, consciente, porque já se tinha dado o reconhecimento
(anagnórise) das origens de Maria Eduarda.
Maria Eduarda: também é culta e inteligente, como o irmão e o avo. A sua vida é rodeada de um certo
mistério e ninguém conhece o seu passado até se saber que foi obrigada a viver com o Mac Green, de quem tem uma
filha, e que agora é amante de Castro Gomes. Nunca perde a sua dignidade.
– Afastada da família pela mãe, é vítima do destino e da fatalidade.

Características da tragédia clássica

– As personagens da intriga principal são em número reduzido e nobres,


porque são de uma antiga família aristocrata.
– O tema do incesto remonta à Antiguidade Clássica, nomeadamente à
tragédia de Sófocles, Édipo Rei (427 a.C.), cujo protagonista, por
desconhecimento, se apaixonara pela mãe. Também Carlos da Maia e Maria
Eduarda têm uma relação incestuosa, por desconhecimento da relação
consanguínea que os unia.
– No decorrer dos acontecimentos, há vários avisos às personagens, mas
que foram ignorados, tal como acontecia nas tragédias clássicas, o que
leva à sua morte e destruição.

Linguagem e estilo

A comparação, a metáfora, a personificação, a ironia e a sinestesia são os


recursos expressivos mais marcantes do romance queirosiano, contribuindo para a sua originalidade e riqueza.
O discurso indireto livre é uma forma híbrida de reprodução de relato de discurso no discurso, que concilia
características específicas do discurso direto e do indireto.

Você também pode gostar