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Linguística Geral

Autora: Profa. Maria Otilia Guimarães Ninin


Colaboradores: Profa. Joana Ormundo
Profa. Cielo Griselda Festino
Prof. Adilson Silva Oliveira
Profa. Marcia Selivon
Professora conteudista: Maria Otilia Guimarães Ninin

Olá, caro aluno.


Elaborei este livro-texto para você e como ao longo do curso não teremos contato presencial, apresento-me de
maneira breve.
Sou professora da UNIP há 8 anos. Iniciei em 2003, como professora de Linguística no curso de Letras, e de lá para
cá venho desenvolvendo atividades nessa área. Também já coordenei o curso de Letras (de 2003 a 2007) nos campi
Alphaville – SP, Cidade Universitária – SP e Vergueiro – SP. Atualmente, leciono e coordeno o curso de pós-graduação
lato sensu em Língua Portuguesa e Literatura, oferecido pela universidade no campus Vergueiro – SP.
Tenho mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e cursos lato sensu de menor duração (especialização em Pedagogia e Didática do Ensino Superior) pela
Universidade São Judas – SP e pela Universidade Metodista – SP. Minha primeira graduação é Matemática, pela UNESP
de Rio Claro – SP.
Durante o período de desenvolvimento de minha pesquisa de doutorado, tive a oportunidade de estagiar durante um
semestre na Universidade de Bath (Inglaterra) e ser orientada pelo professor Dr. Harry Daniels. Atualmente, desenvolvo
pesquisa de pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de Linguística Sistêmico-Funcional,
com foco na elaboração de texto acadêmico, pois, como tenho muito gosto pelo trabalho de orientação aos TCCs,
decidi dedicar-me à elaboração de metodologias de trabalho que ajudem alunos no desenvolvimento do gênero textual
monografia.
Espero que você, após mergulhar nos estudos da linguagem, volte seu interesse aos cursos de pós-graduação e aprimore
cada vez mais seus conhecimentos nessa área tão rica, que oportuniza a todos nós o envolvimento com o outro por meio dos
recursos linguístico-discursivos.
Grande abraço e ótimo curso!
Profa Maria Otilia Guimarães Ninin

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S464 Ninin, Maria Otilia Guimarães

Linguística Geral. / Maria Otilia Guimarães Ninin. São Paulo:


Editora Sol, 2011.
116 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-002/11, ISSN 1517-9230.

1.Linguística 2.Gerativismo 3.Estruturalismo I.Título

CDU 801

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Aileen Nakamura
Amanda Casale
Sumário
Linguística Geral

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 LINGUÍSTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA CIÊNCIA E SEU DESENVOLVIMENTO........................9
1.1. A gramática tradicional e suas articulações ............................................................................ 13
1.2 A linguística: a visão científica dos estudos linguísticos – ciência
social/humana, empírica, objetiva, descritiva e explicativa ....................................................... 20
1.2.1 Prioridades dos estudos linguísticos: língua/fala; língua oral/língua escrita;
análise descritiva/prescritiva; estudos sincrônicos/diacrônicos....................................................... 20
2 CONTRAPOSIÇÃO/IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA DE ABORDAGEM - DA GRAMÁTICA
TRADICIONAL PARA A LINGUÍSTICA - PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
E LÍNGUA ESTRANGEIRA................................................................................................................................... 31
2.1 Contraposição entre a visão tradicional e a visão linguística ........................................... 33
2.2 Perspectiva normativa e o denominado preconceito linguístico...................................... 37
2.3 O foco na forma (gramática tradicional) e não no conteúdo – tomando
por base a visão contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) .............................. 38

Unidade II
3 O ESTRUTURALISMO E O GERATIVISMO: CONCEITOS BÁSICOS.................................................... 43
3.1 O estruturalismo – conceitos básicos........................................................................................... 43
3.2 Os conceitos dicotômicos em Saussure ...................................................................................... 45
3.2.1 O signo linguístico ................................................................................................................................. 45
3.2.2 Significado e significante/arbitrariedade e linearidade do signo linguístico ................. 46
3.2.3 Língua/fala e linguagem ...................................................................................................................... 50
3.2.4 Sincronia e diacronia ............................................................................................................................ 54
3.2.5 Relações sintagmáticas e paradigmáticas .................................................................................... 55
3.3 O estruturalismo e o método descritivo de análise ............................................................... 57
3.3.1 Os limites da análise estruturalista: a frase (a exclusão da fala – sujeito – e
do contexto sócio-histórico) ......................................................................................................................... 58
4 O ESTRUTURALISMO AMERICANO E A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA NA
EXPLICAÇÃO SOBRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ............................................................................ 59
4.1 Implicações para o ensino de língua materna e língua estrangeira ............................... 60
5 O GERATIVISMO: VISÃO INATISTA DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM............................................ 62
5.1 Contra-argumentos do gerativismo (Chomsky) à visão behaviorista de
aprendizagem da linguagem .................................................................................................................. 63
5.1.1 Capacidade inata: meio ambiente fornece modelos linguísticos para
um sujeito competente ................................................................................................................................... 64
5.1.2 Capacidade específica da espécie..................................................................................................... 64
5.1.3 Criatividade linguística ........................................................................................................................ 65
5.1.4 Complexidade x tempo de aquisição............................................................................................... 65
5.1.5 Capacidade linguística inata, específica da espécie e universal .......................................... 66
5.1.6 Os conceitos de aquisição x aprendizagem de linguagem ................................................... 67
6 CONCEITOS BÁSICOS DO GERATIVISMO E ANÁLISE GERATIVISTA .............................................. 68
6.1 Competência e desempenho ........................................................................................................... 70
6.2 Gramaticalidade e aceitabilidade................................................................................................... 71
6.3 A intuição linguística .......................................................................................................................... 73
6.4 Produtividade dos sistemas linguísticos x criatividade linguística dos
sujeitos falantes ........................................................................................................................................... 74
6.5 Princípios e parâmetros ..................................................................................................................... 74
6.6 O modelo de análise gerativista: explicativo ............................................................................ 75
6.7 Os limites de análise no gerativismo ........................................................................................... 76

Unidade III
7 ÁREAS DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: FONÉTICA, FONOLOGIA, MORFOLOGIA, SINTAXE,
SEMÂNTICA ........................................................................................................................................................... 82
7.1 A dupla articulação da linguagem: unidades significativas/unidades não
significativas .................................................................................................................................................. 83
7.1.1 A linguagem humana e a linguagem dos animais ................................................................... 87
8 FONÉTICA ............................................................................................................................................................ 89
8.1 Fonética acústica, perceptual e articulatória ........................................................................... 90
8.2 O aparelho fonador ............................................................................................................................. 91
8.3 Produção dos sons da fala: respiração, voz, vozeamento/desvozeamento,
articulação ...................................................................................................................................................... 93
8.4 O alfabeto fonético internacional ................................................................................................. 95
8.5 Classificação articulatória (visando ao reconhecimento dos fonemas
do português brasileiro e do inglês) .................................................................................................... 95
APRESENTAÇÃO

Neste livro-texto você encontrará os conteúdos de Linguística Geral organizados de forma a


propiciar um contato com os principais conceitos estudados na área e sua relação com as práticas
sociais de linguagem. Os conteúdos desenvolvidos têm por objetivo mostrar a você a relevância dessa
ciência da linguagem, a linguística, para o profissional de ensino.

Espero que você, ao estudar o que aqui está proposto, o faça de forma crítica, questionando suas
convicções sobre o uso da língua e procurando argumentos teóricos que as sustentem.

Para dar conta dessa tarefa, sugiro que, ao participar de fóruns de discussão ou ao realizar as atividades
propostas no ambiente AVA, tenha sempre em mãos este livro-texto e procure não somente encontrar
aqui seus argumentos como anotar todo e qualquer aspecto relevante para o desenvolvimento de sua
competência linguística.

Observe que há pequenas notas no decorrer do texto, complementando as informações teóricas


apresentadas ou sugerindo atividades a você. Essas notas podem auxiliá-lo no aprofundamento
dos conteúdos e também indicam possibilidades para novas pesquisas na internet e em seu
contexto.

Utilize os espaços destinados à sua escrita pessoal para exemplificar cada conceito, escolhendo
situações concretas de uso da língua, quando possível. Ao participar de um fórum, não se esqueça de
compartilhar suas descobertas.

A disciplina Linguística Geral tem por objetivos gerais propiciar contextos para que:

• o aluno compreenda a relevância do conhecimento linguístico na formação do profissional de


ensino de língua materna ou de segundas línguas;

• por meio da observação de situação de uso da língua/linguagem, o aluno adquira uma visão
panorâmica da ciência Linguística, considerando-a como recurso essencial para o conhecimento
e a significância de mundo.

Como objetivos específicos, a disciplina visa a propiciar ao aluno:

• familiarização com as principais teorias linguísticas;

• compreensão do caráter inter e transdisciplinar da Linguística;

• desenvolvimento de uma postura crítico-reflexiva em relação ao uso da língua e ao seu papel


social;

• desenvolvimento do raciocínio abstrato por meio das práticas discursivas;

• compreensão do papel da Linguística como um instrumento de prática docente;

7
Unidade I

• estabelecimento de uma relação entre teoria e prática, tanto nos contextos de ensino de língua
materna quanto de segunda língua.

INTRODUÇÃO

A partir desta leitura você entrará em contato com os conceitos mais relevantes da área da ciência
da linguagem denominada linguística. Por tratar-se de uma ciência ainda desconhecida para muitos e
mesmo para aqueles que se interessam e se voltam para os estudos do fenômeno da linguagem, como
estudantes de um curso de Letras, será feita, inicialmente, uma breve exposição histórica que leva ao
nascimento da linguística como ciência autônoma, com especial destaque à ruptura com a visão da
gramática tradicional que, conforme a experiência tem demonstrado, tem sido a base de formação dos
estudantes de Ensino Fundamental e Médio, em língua portuguesa.

É exatamente a partir dessa ruptura que a área denominada linguística está definida. Assim, optamos
por apresentar duas teorias – o estruturalismo e o gerativismo – muito importantes, de modo que
você entenda as diferentes perspectivas científicas do estudo da linguagem.

O conhecimento de pelo menos alguns dos conceitos básicos dessas duas teorias visa a fornecer uma
base para o aprofundamento das reflexões em disciplinas voltadas para outras abordagens teóricas e
análise de aspectos específicos da linguagem e do ensino de línguas.

Ainda com esse mesmo objetivo, serão apresentadas áreas de análises linguísticas para
que você tenha uma visão mais global de vários aspectos sobre os quais a linguagem pode ser
estudada, despertando para sua complexidade e dirigindo o olhar, neste momento, para os sons
da fala, por meio da fonética. Sem perder o objetivo da reflexão teórica sobre a linguagem,
sempre que possível serão estabelecidas relações entre a perspectiva linguística e a prática do
ensino de línguas.

8
LINGUÍSTICA GERAL

Unidade I
1 LINGUÍSTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS DA CIÊNCIA E SEU
DESENVOLVIMENTO

Rodolfo Ilari (1985, p.10), em seu livro “A Linguística e o Ensino da Língua Portuguesa”, enfatiza
o papel da ciência Linguística em relação aos objetivos que se tem para o ensino da língua materna.
Afirma o autor que ao se considerar como objetivos de um curso de Letras preparar o aluno para que
ele seja capaz de “examinar criticamente os recursos didáticos que a indústria editorial proporciona”
ao futuro professor e, ainda, “avaliar as potencialidades e limitações que caracterizam a expressão e a
comunicação dos alunos”, essa graduação não poderia deixar de lado o estudo que justamente focaliza
diferentes aspectos da língua/linguagem, quer em termos teóricos relacionados aos conceitos, quer em
relação à linguagem em uso.

Lembrete

A Linguística é, portanto, essa disciplina, por apresentar-se como uma


área de estudos da linguagem que mostra o entrecruzamento de diferentes
pontos de vista sobre a língua/linguagem.

O autor afirma ainda que um dos grandes propósitos de se ter a disciplina Linguística inserida
nos cursos de Letras é proporcionar ao futuro profissional das letras a prática de investigações sobre
a linguagem e a abrangência de possibilidades para análise das situações de linguagem presentes
socialmente.

Em relação ao ensino, afirma Faraco (2007, p. 24-25) que

cabe ao ensino (...) garantir [ao falante] um trânsito amplo e autônomo pela heterogeneidade
linguística em que vive e não concentrar-se apenas no estudo de um objeto autônomo e despregado
das práticas socioverbais (o estrutural em si).

Observação

O que nos diz Faraco corresponde exatamente àquilo que vem sendo tão
discutido hoje em dia, em diferentes documentos que orientam o ensino
da língua materna: um aprendiz não deve aprender a língua apenas para
conhecer seu funcionamento, mas, acima de tudo, para entender como ela
funciona social e culturalmente.
9
Unidade I

A linguística, como toda ciência, tem seus próprios termos técnicos, que serão utilizados
sempre que se fizerem necessários, acompanhados de explicações detalhadas de modo a torná-
los claros a você. Tenha sempre em mente que o uso de termos técnicos pelas ciências tem por
objetivo evitar ambiguidades e mal-entendidos. Sugerimos, portanto, que você leia atentamente
todos os conceitos aqui apresentados para que possa compreender e se encantar com esta
ciência que tem por objetivo a explicação de uma das capacidades mais incríveis do ser humano:
a linguagem.

Um ponto interessante presente na história das civilizações e descrita desde a antiguidade, é a forma
como historiadores e estudiosos de modo geral referem-se à origem das diferentes línguas. O relato
sobre a Torre de Babel mostra como é de longa data que a linguagem exerce grande fascínio sobre o ser
humano.

A Torre de Babel é mencionada no livro bíblico do Gênesis como uma torre enorme construída
pelos descendentes de Noé, com a finalidade de tocar os céus. Deus, irado com a ousadia humana,
teria feito com que todos os trabalhadores da obra começassem a falar em idiomas diferentes,
de modo a que não se pudessem entender e, assim, acabassem por abandonar a sua construção.
Foi esse episódio que, segundo a Bíblia, explicou a origem dos idiomas na humanidade (consultar
Gênesis 10:10; 11:1-9).1

A palavra Babel vem do aramaico Babilu, que significa “Portão de Deus”, nome dado à Babilônia. Em
hebraico, bilbel significa “confusão” (DUARTE, 2003, p.36).

Definir linguagem tem sido tarefa de muitos linguistas e estudiosos ao longo dos tempos. Uma das características
relevantes em relação à linguagem é, por exemplo, o fato de que não existe sociedade sem linguagem. Petter
(2002, p.11) afirma que “o que se produz como linguagem ocorre em sociedade”, e afirma ainda:

como realidade material – organização de sons, palavras, frases –, a


linguagem é relativamente autônoma; como expressão de emoções, ideias,
propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo, pelas injunções
da realidade social, histórica e cultural de seu falante.

Vejamos uma breve história do estudo da linguagem no quadro a seguir, baseado em Petter (2002, p. 12-13).

Quadro 1 – Breve história da linguagem

Estudo da língua para garantir unicidade em relação às interpretações e pregações religiosas


HINDUS (SÉC. IV a.C.) relativas aos textos do livro sagrado Veda.
Panini, gramático hindu, realizou uma descrição minuciosa da língua para produzir modelos de
análise.
Busca da relação entre a palavra e seu significado: as palavras imitam as coisas? Ou os nomes são
GREGOS dados por convenção?

1
Adaptado de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_de_Babel>. Acesso em: 20 out. 2010.

10
LINGUÍSTICA GERAL

Discussão de Platão (no diálogo Crátilo2) sobre a relação entre a palavra e o objeto ou coisa que essa
palavra representa.
Discussão de Aristóteles sobre a análise da estrutura linguística, teoria da frase, distinção das partes
do discurso, categorias gramaticais.
Varrão (116-27 a.C) – adaptação da gramática grega para o latim; gramática vista como ciência e
LATINOS como arte.
IDADE MÉDIA Gramática como algo universal, independentemente da língua utilizada.
Gramática de Port Royal (1660) – linguagem se funda na razão, é imagem do pensamento;
SÉCULOS XVII e XVIII princípios de análise servem a qualquer língua.
Gramática comparativa – comparava entre si elementos de línguas distintas, em busca de origens
SÉCULO XIX comuns e de reconstituir as línguas de onde se originaram.
Linguística histórica – explicava a formação e a evolução da língua.
Mudanças observadas nos textos escritos explicadas por mudanças ocorridas na língua falada.
LINGUÍSTICA MODERNA Tem como um de seus princípios fundamentais o estudo da língua falada.
Investigar os fatos, orientado por um quadro teórico específico que estabeleça relações entre língua
PAPEL DO LINGUISTA e fala, inseridas em situações sociais e culturais.

Nossa tarefa, a partir de agora, é desenvolver e aprofundar os conhecimentos da chamada ciência


linguística. É fato que toda a curiosidade humana em torno do desenvolvimento da linguagem, de seu
surgimento, dos porquês relacionados à diversidade de maneiras encontradas pelos seres humanos de
diferentes regiões da Terra para expressarem o que pensam sobre tudo aquilo que os cerca, pode ser
considerado o elemento desencadeador da necessidade de se criar uma ciência que estudasse exatamente
essas questões e se dedicasse a entender, descrever e explicar o papel da linguagem no desenvolvimento
humano, como bem pudemos ver no que já foi exposto. Pois bem. Essa ciência é a Linguística.

Muitos estudiosos têm se dedicado a perguntar sobre a relevância social dos estudos linguísticos.
Conforme afirma Oliveira (2007, p.79), ao discutir a “virada político-linguística e a relevância social
da linguística e dos linguistas”, nunca houve tanto empenho em se discutir essa questão e também
nunca os programas de pós-graduação se dedicaram tanto quanto atualmente a discutir o ensino da
linguística e sua importância social.

Por muito tempo a linguagem estudada teve seu foco na literatura e, nesse período, o que se considerava
era que a língua deveria ser comportada, ou seja, não poderia fugir às convenções e regras ditadas pela
área da literatura. O rompimento com essa ideia veio, na verdade, no século XX. Não desprestigiando uma
ou outra área, o fato é que os estudos da linguagem se separaram dos estudos da literatura e somente a
partir de então os estudos linguísticos adquiriram um papel de relevância social. Neles também veremos
momentos de separação e de rompimentos que fazem parte do avanço da ciência linguística.

2
Platão mostra em seu diálogo Crátilo, considerado o texto básico da filosofia helênica sobre a linguagem,
questões linguísticas e filosóficas. A grande indagação nesse diálogo é sobre a questão de que a palavra é apenas
nome e, por isso, não representa o verdadeiro ser. A principal discussão nesse diálogo é sobre a relação entre a
palavra e aquilo que ela representa. Platão mostra como Crátilo - o filósofo discípulo de Heráclito - procura resolver
o problema, porém, sem solução, pois não há uma conclusão sobre a diferença entre a linguagem e a realidade.
Adaptado de <http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno04-06.html>. Acesso em 15. Set. 2010.

11
Unidade I

Esse é o foco de todo o nosso trabalho aqui: apresentar essa caminhada da ciência em direção a
melhores e mais fundamentadas discussões sobre língua, linguagem e seu papel social.

Linguística é o estudo da língua/linguagem verbal humana. Essa é uma definição ampla que
remonta a um passado bastante longínquo – antes de Cristo –, já que compreender e conhecer a
linguagem humana sempre esteve entre as reflexões daqueles que buscavam ou buscam entender os
comportamentos humanos ou o próprio ser humano. Uma compreensão sobre a linguagem e as línguas
está presente nos textos bíblicos, como é o caso da explicação da origem dos vários idiomas conhecida
como Torre de Babel, que ilustra o que está sendo dito aqui.

Segundo Weedwood (2002, p.9), o uso da palavra linguística remonta aos meados do século XIX.
Nessa época, a palavra era utilizada para “enfatizar a diferença entre uma abordagem mais inovadora do
estudo da língua, que estava se desenvolvendo na época, e a abordagem mais tradicional da filologia”.
Porém, a linguística como é conhecida hoje e como será apresentada neste texto, teve início no começo
do século XX. Trata-se da linguística entendida como uma ciência, a ciência da linguagem, ou o estudo
científico da linguagem. Nesse sentido, pode-se falar da linguística como uma ciência recente (CABRAL,
1976; MARTINET, 1978; ORLANDI, 2002; PETTER, 2002).

Observação

Que tal uma rápida busca na internet ou no dicionário? Conhecer o


significado de filologia ajudará você a entender o que afirma Weedwood.

Lembre-se: nem todo site da internet é confiável. Por isso, procure, inicialmente,
por sites de universidades ou comprovadamente científicos. Seja lá o que você
encontrar, vale sempre confrontar com o que já foi estudado e confrontar com
outros autores. Essa é a regra número 1 para as buscas na web.

É interessante também discutirmos um pouco o papel do linguista. Quem é ele, afinal?

Martin (2003, p.8) afirma que “o linguista é aquele que possui um saber sobre as línguas e sobre a função da
linguagem”. Ao mesmo tempo em que afirma isso, Martin traz para a discussão um aspecto muito importante:
o linguista, em sua função, está eternamente desconfortável, pois, como diz (op cit., p.12),

milhares de idiomas se oferecem ao seu estudo: línguas nacionais, línguas


‘regionais’, dialetos ou patoás (isto é, idiomas que variam ligeiramente
de uma localidade para outra e que, por isso mesmo, se diferenciam
insensivelmente, sem que se faça sentir a necessidade, como nas
‘línguas’, de um esforço de unificação, uma vez que a intercompreensão,
sucessivamente, é sempre possível), pidgins (isto é, idiomas compósitos
e simplificados, que permitem o intercâmbio em situações específicas,
comerciais, por exemplo) e crioulos (isto é, pidgins enriquecidos, que se
12
LINGUÍSTICA GERAL

tornaram o idioma de pleno exercício de uma comunidade). Inútil dizer


que o campo de competência de um linguista é inevitavelmente restrito.
Além do mais, a linguística se situa na encruzilhada de disciplinas
extremamente variadas.

Essa encruzilhada, à qual se refere Martin, faz com que o linguista ora atue trazendo para suas
discussões a sociologia, ora trazendo a psicologia ou outras ciências. O fato mais importante, na
verdade, é que a língua, como prática social, tem conquistado espaço nos estudos da ciência
linguística.

Agora que já apresentamos a você uma ideia inicial sobre a origem da linguística, bem como todo
o emaranhado que circunda essa ciência, que tal um estudo mais aprofundado sobre a história da
linguística? Vamos lá!

Os estudos linguísticos têm revelado que uma das primeiras preocupações do homem em
relação à compreensão da linguagem foi a de descrever seu funcionamento. A essa descrição,
pautada em regras, chamava-se gramática. Ela constitui, dessa forma, os primeiros construtos
teóricos a partir dos quais a linguística passou a ser descrita e estudada. Nada mais justo do que
iniciarmos a revisão histórica dessa ciência a partir da gramática, denominada hoje gramática
tradicional.

1.1. A gramática tradicional e suas articulações

Ao ser questionada sobre o que caracteriza uma gramática, Jania Ramos 3, pesquisadora de
estudos linguísticos e autora de livros da área, comenta sobre a ambiquidade do termo gramática.
Para ela, uma das acepções seria um certo tipo de conhecimento que todo falante de uma língua
possui, conhecimento este que lhe permite produzir e interpretar sentenças. Outra acepção de
gramática seria um conjunto de regras que teria como objetivo explicitar o que é a língua
culta.

Segundo Trask (2004, p.130), considera-se gramática tradicional “todo o corpo de doutrina
gramatical elaborado na Europa e na América antes do aparecimento da linguística moderna no século
XX”. Os fundamentos da gramática tradicional eram, portanto, orientados para a análise da língua
escrita e, por não reconhecer as diferenças entre língua escrita e língua falada, acabavam por difundir
falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Ou seja, o modelo considerado correto para se expressar
linguisticamente era aquele da língua escrita. A gramática se preocupava em prescrever o uso correto
da língua.

Essa gramática tradicional nada mais é do que a que sempre estudamos na escola, desde as
séries iniciais. Ela está voltada ao reconhecimento dos elementos constituintes da língua, aos
exercícios de análise sintática e de conjugação verbal, que focalizam, via de regra, a correção

3
Entrevista concedida por Jânia Ramos a Artarxerxes Modesto, na Revista Letra Magna. Disponível em: <www.
etramagna.com>. Acesso em: 20 out. 2010.
13
Unidade I

dos “desvios” cometidos em relação ao uso da língua. “Desvios” porque, quando olhamos para
essa gramática, percebemos como ela se preocupa com uma língua determinada por estruturas
e padrões, que não poderiam ser violados jamais, e não demonstra preocupações em relação
à forma como essa língua e seu uso tiveram origem, como se deu seu desenvolvimento, quais
suas finalidades. Assim entendida, a gramática tradicional é um modelo teórico voltado à
descrição da língua e de suas estruturas.

A gramática tradicional também tem sido chamada de gramática normativa ou gramática


prescritiva. Essa gramática é anterior ao advento da linguística e se caracteriza como uma
tentativa de estabelecer um “ordenamento lógico em uma dada língua e definir normas que
determinam o que é correto ou não no uso dessa língua. Esse ordenamento lógico ao qual nos
referimos nasceu de uma necessidade imposta aos estudiosos já no tempo dos gregos, com
Aristóteles. Discutia-se, naquela época, uma séria questão sobre a língua e sobre os nomes dados
às coisas.

A grande questão era decidir entre duas correntes de pensamento: uma delas afirmava
que as palavras correspondiam às imagens do que está no mundo, e a outra, que as palavras,
arbitrariamente criadas pelos seres humanos, não refletiam perfeitamente a realidade. Toda essa
discussão se fundamentava na ideia de que havia uma relação lógica entre língua e lógica e que,
dessa forma, a tendência da gramática passa a ser relacionar as questões da língua à lógica,
procurando leis para explicar a forma como o raciocínio do ser humano se organizava em relação
à língua.

Você já percebeu que essa gramática fortalece a postura de se considerar os eventos da língua
como certos ou como errados, como de acordo ou não com as normas estabelecidas como adequadas
e corretas. E mais: essa postura prevalece em muitas escolas até hoje, assim como em muitos materiais
didáticos voltados ao ensino tanto de língua materna quanto de segundas línguas. É uma pena, não é
mesmo?

Mas uma coisa é certa: as teorias derivadas dos conhecimentos linguísticos têm desenvolvido
grande quantidade de pesquisas e essa abordagem não só tem sido criticada como já há muitos
avanços em direção a metodologias que consideram a língua como dinâmica, culturalmente situada,
sem preconceitos. Um exemplo disso é a existência dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa e de Línguas Estrangeiras, documentos que orientam o ensino nessas áreas de modo a
superar essa visão rígida da língua.

A seguir, destacamos o ponto de vista da gramática tradicional e como essa gramática focalizava
a análise prescritiva. Segundo Saussure (1973, p.15), “...é o ponto de vista que cria o objeto”.

Nos livros de introdução à linguística, é muito comum encontrarmos um capítulo ou pelo menos
algumas páginas dedicadas à história da linguística, que parecem ter sempre o objetivo de mostrar
como se chegou aos estudos científicos do fenômeno da linguagem, separados do senso comum por um
lado, e dos estudos filosóficos por outro.

14
LINGUÍSTICA GERAL

Referir-se aos estudos no plural aqui é intencional para, desde o início, conscientizar você de que
na linguística, tão bem quanto em outras ciências, não existe uma única explicação entendida como
a verdadeira. São encontradas diversas e distintas explicações, no caso, para a linguagem humana, e
diversas e distintas análises da língua.

Esses estudos pertencem todos à mesma ciência, pois se dedicam ao mesmo fenômeno, à
linguagem humana, e partilham algumas ideias comuns, as quais serão apresentadas a seguir.
Distintas e diversas explicações são resultantes de perspectivas diferentes sobre as quais o
fenômeno é analisado.

A gramática tradicional, como tantas outras das nossas tradições acadêmicas,


remonta à Grécia do séc. V a.C. Para os gregos, a ´gramática` foi desde o
início uma parte da ´filosofia`, isto é, era uma parte da sua indagação geral
sobre a natureza do mundo que os cercava e das suas instituições sociais
(LYONS, 1979, p.4).

Um exemplo desses chamados livros de iniciação à linguística é o do linguista inglês John Lyons,
autor conhecido e reconhecido na área. Em obra traduzida e publicada no Brasil em 1979, o autor
dedica 38 páginas do primeiro capítulo do livro para tratar desse assunto, apresentando perspectivas
que antecedem o que ele denomina de “a linguística moderna”. À linguística, ou mais especificamente
aos estudos da linguagem dos tempos antigos, o autor chama de “gramática tradicional”, ou seja, a
gramática voltada às especulações dos filósofos gregos do século V a.C. na busca de compreensão sobre
o homem e o mundo em que viviam.

Muitos conceitos da linguística moderna, bem como muitos termos ligados ao estudo da linguagem
ou das línguas como são analisadas hoje, e que serão vistos ou usados no decorrer deste texto,
encontram suas bases nessas discussões filosóficas. Veja exemplos dessas indagações, iniciadas em
épocas anteriores a Cristo, pelos povos gregos:

Há alguma relação natural entre o significado de uma palavra e a forma dessa mesma palavra?

Qual é a origem da(s) língua(s)?

Existe regularidade nas línguas?

Todas as línguas têm palavras para os mesmos conceitos (mesmo que essas palavras não sejam as
mesmas)?

Os filósofos gregos acreditavam que o “significado de uma palavra podia estender-se em virtude de
alguma conexão natural entre o sentido original e a aplicação secundária” (LYONS, op.cit., p.5), como em
“boca – embocadura”, por exemplo.

Ao se viajar pela história dos estudos da linguagem, chegamos a um período, três séculos
antes de Cristo, quando começam a florescer as ideias que permanecem, ainda hoje, na base da
15
Unidade I

formação de grande maioria dos estudantes do ensino fundamental e médio na disciplina de


língua portuguesa. Essas ideias resultam no chamado preconceito linguístico e serão abordadas
a seguir.

É com essa visão de gramática tradicional do período alexandrino (século III a.C.) que a abordagem
moderna de linguística se rompe, como foi dito na apresentação deste texto.

A gramática de Dionísio, o Trácio (fim do séc. II a.C.), foi, que saibamos,


a primeira descrição gramatical ampla e sistemática publicada no mundo
ocidental. Além das quatro partes do discurso, reconhecidas pelos estoicos,
Dionísio acrescentou também o advérbio, o particípio (assim chamado
porque ele “participa”, ao mesmo tempo, das características nominais e das
verbais), o pronome e a preposição (LYONS, 1979, p.12).

Segundo Lyons (1979, p.9), a língua escrita sempre foi o foco de interesse dos antigos estudiosos da
linguagem. Eles eliminavam as diferenças entre a língua oral e a língua escrita, tendendo sempre a favor
da segunda (da língua escrita). Essa abordagem foi ainda mais reforçada pelos alexandrinos, que, por
conta do interesse pelas grandes obras literárias clássicas, cultivaram ideias, hoje consideradas erradas,
de que a língua escrita é superior à língua falada, e de que a evolução ou as mudanças operadas em
uma língua podem deteriorá-la. Assim, pessoas cultas manteriam a pureza das línguas, enquanto os
ignorantes e iletrados tenderiam a corrompê-la. Lyons (1979, p.9) refere-se a essas ideias como “dois
erros fatais de concepção”.

Essa abordagem do estudo da língua cultivada pelo classicismo alexandrino


envolvia dois erros fatais de concepção. O primeiro diz respeito à relação
entre língua oral e falada, e o segundo, à maneira como a língua evolui.
Podemos colocá-los, ambos, dentro do que chamarei “o erro clássico” no
estudo da língua (LYONS, 1979, p. 9).

Os gramáticos romanos fundamentaram seus estudos e escritos nos gramáticos gregos,


mantendo a abordagem errada de descrição linguística que tomava como correta a língua escrita
dos considerados melhores escritores clássicos, como Cícero e Virgílio, e, em consequência disso,
dedicaram-se à tarefa de descrever gramáticas com o objetivo principal de ensinar a arte de falar
corretamente. Essa foi a visão de gramática e de estudo da linguagem que permaneceu durante a
Idade Média, seguiu durante o século XVII e que ainda se vê em muitas gramáticas ditas atuais.

Veja o que afirma Martelotta (2009, p.44) a respeito do termo “gramática”:

(...) é importante fazermos uma distinção entre dois sentidos do termo


“gramática”. Por um lado, esse vocábulo pode ser usado para designar o
funcionamento da própria língua, que é o objeto a ser descrito pelo
cientista. Nesse sentido, gramática diz respeito ao conjunto e à natureza
dos elementos que compõem uma língua e às restrições que comandam sua
união para formar unidades maiores nos contextos reais de uso. Por outro
16
LINGUÍSTICA GERAL

lado, o termo é utilizado para designar os estudos que buscam descrever a


natureza desses elementos e suas restrições de combinação. Nesse segundo
sentido, “gramática” se refere aos modelos teóricos criados pelos cientistas
a fim de explicar o funcionamento da língua.

Essa “ideia tradicional da primazia da língua escrita” (LYONS, op. cit., p.14) sobre a língua falada foi
reforçada na Europa durante a Idade Média com o surgimento de manuais de ensino do latim escrito,
na época a língua da liturgia, das Escrituras, da diplomacia, da erudição e da cultura, continuando na
Renascença e nos séculos seguintes.

Observe uma interessante afirmação da linguista Margarida Petter:

O estudo comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as línguas se


transformam com o tempo, independentemente da vontade dos homens,
seguindo uma necessidade própria das línguas e manifestando-se de forma
regular (PETTER, 2002, p.12).

Saiba mais

Para ampliar suas reflexões sobre a língua, leia o artigo “Sobre a Evolução
Linguística”, de Gabriel de Ávila Othero, na revista online Letra Magna:

<http://www.letramagna.com/gabrieldavillaothero.pdf>

Do que foi apresentado sobre a gramática tradicional, podemos destacar duas ideias muito
importantes para as discussões que se seguem e para a formação de todos aqueles interessados em
estudar a linguagem. São elas:

• a ideia de que a língua escrita é superior e mais correta do que a língua falada;

• a ideia de que as mudanças observadas sejam frutos de um processo de deterioração ou corrupção


das línguas.

Essas duas afirmações trazem como consequência uma visão prescritiva de gramática. Em
outras palavras, apresentam uma abordagem de gramática como um conjunto de regras que deve ser
obedecido pelos falantes para escreverem e, mais importante ainda, falarem corretamente. Trata-se
de um conjunto de regras construído com base em análises da língua escrita.

Os trabalhos da gramática tradicional são sustentados por análises da língua escrita e pelo não
reconhecimento da diferença entre língua escrita e língua falada. Essa gramática prescreve normas em
relação à língua e ao seu uso correto. Vale lembrar que ainda hoje, em determinados ambientes sociais,
17
Unidade I

o que é valorizado é o uso correto da língua, fato que fica restrito, muitas vezes, àqueles pertencentes
às camadas sociais dominantes.

No entanto, com os avanços dos estudos da linguística, começam a ser questionadas as ideias que
destacam a superioridade da língua escrita em detrimento da falada. A linguística comparativa é
a que primeiramente apresenta essas críticas. Apesar disso, é de tal monta a força dessa abordagem
prescritiva que até hoje se faz sentir e está muito presente em várias abordagens de ensino de línguas,
em especial da língua materna, resultando no chamado preconceito linguístico e em um parco
conhecimento do funcionamento da língua pelas pessoas em geral, mesmo depois de muito tempo
de vida escolar.

A análise gramatical greco-romana também foi utilizada para a descrição de línguas não europeias,
como o armênio, o árabe e o hebraico, mesmo antes da Renascença (LYONS, 1979, p.18).

Assim como a gramática tradicional greco-romana, a análise gramatical de tradição hindu, mais
especificamente a desenvolvida por Panini, gramático hindu do século IV a.C., também exerceu influência
no desenvolvimento da linguística como é conhecida atualmente.

Apesar de essa gramática ter sido desenvolvida com o objetivo principal de descrever de
forma acurada e precisa os textos hindus sagrados, escritos em Sânscrito, em séculos anteriores,
a gramática de Panini pode ser vista como uma gramática da língua de seu tempo, que foi
muito superior à gramática greco-romana (LYONS, op. cit.), principalmente no que se refere aos
estudos fonéticos, ou dos sons da língua, e no que se refere ao estudo da estrutura interna das
palavras.

Segundo Lyons (1979, p.20), a gramática do sânscrito, descrita minuciosamente por Panini, tem sido
apresentada como muito superior a qualquer gramática que já tenha sido escrita sobre qualquer língua.

Comparando o sânscrito ao grego e ao latim, Sir William Jones (1786) declarou que essas línguas
mostravam

(...) tanto nas raízes dos verbos como nas formas gramaticais, uma afinidade tão
grande que não seria possível considerá-la casual: tão forte, em verdade, que
nenhum linguista poderia examiná-la sem crer que se tinham originado de uma
fonte comum que talvez não mais exista (apud LYONS, op. cit., p.24).

A descoberta da análise gramatical hindu com foco no sânscrito levou ao desenvolvimento da


linguística comparativa, ou linguística histórica, no século XIX. A linguística comparativa deu início
à investigação cuidadosa e objetiva dos fatos da língua, explicados por hipóteses indutivas e de acordo
com a concepção do que se poderia chamar de ciência da época.

As investigações sobre a estrutura das línguas europeias foram comparadas à estrutura descrita
do sânscrito, resultando na identificação de semelhanças entre várias línguas. A descoberta dessas
semelhanças levou à construção de uma hipótese sobre a origem das línguas, ou melhor, uma hipótese
18
LINGUÍSTICA GERAL

de que línguas europeias e a língua indiana tivessem se originado da mesma língua-mãe, que foi a
denominada língua indo-europeia.

O indo-europeu é uma família linguística que engloba a maior parte das línguas europeias antigas
e atuais. Dizemos “família”, pois existe uma relação de parentesco entre as línguas que a constituem.
A relação de parentesco é estabelecida em função das semelhanças observadas, que em geral são de
dois tipos: semelhanças de vocabulário e semelhanças de estrutura gramatical. Costuma-se dizer que
quando duas ou mais línguas são aparentadas, é porque evoluíram de uma língua precedente comum
(LYONS, 1979).

A língua portuguesa pertence ao grupo ou ramo itálico, com cerca de 550 milhões de falantes em todo o
mundo, junto de outras línguas como galego, espanhol, catalão, francês, italiano, romeno e outras.

Quadro 2 – A presença da Língua Portuguesa no mundo

Português4
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, Guiné
Língua oficial Equatorial (juntamente com o Espanhol e o Francês), Timor-Leste (juntamente com o Tétum), Macau
(juntamente com o Chinês).

Falado, mas não como Andorra, Espanha (Português Oliventino na Extremadura e Galego na Galiza), Luxemburgo e
língua oficial Namíbia.

Total de falantes 240 milhões (aproximadamente)

6ª como língua nativa ou segunda língua;


Posição
5ª como língua nativa

Indo-europeia > itálica > românica > ítalo-ocidental > românica ocidental > galo-ibérica > ibero-
Classificação genética românica > ibero-ocidental > galego-portuguesa > português

Ao descreverem a estrutura das línguas e com o objetivo de chegarem a essa língua-mãe, da


qual se teriam originado todas as outras dessa família linguística, os linguistas da época também
estudaram as transformações que teriam levado essas línguas às diferenças identificadas naquele
momento. Com isso, também desenvolveram uma “teoria geral das transformações linguísticas”
(LYONS, op. cit., p.22), que resultou em outra abordagem de mudança linguística. Esse tema será
desenvolvido mais detalhadamente em outro momento deste texto.

Em resumo, segundo Lyons (1979, p.22), temos duas grandes contribuições da linguística histórica
ou comparativa do século XIX para os estudos da linguagem:

• o desenvolvimento de princípios e métodos para a identificação e a classificação das famílias


linguísticas;

• a construção de uma teoria geral das transformações linguísticas e das relações entre as línguas.
4
Adaptado de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesa>. Acesso em: 20 out. 2010.

19
Unidade I

Vale ressaltar ainda que, segundo Lyons (op. cit., p.34),

um dos efeitos mais imediatos e mais importantes da preocupação do século


XIX com a evolução das línguas foi a observação de que as modificações das
formas das palavras e das locuções, nos textos antigos e nas inscrições antigas
em geral, se podiam explicar com base em mudanças atestadas ou postuladas
na correspondente língua falada (de acordo com as “leis fonéticas”).

Agora que você já teve contato com as ideias básicas sobre a gramática tradicional, podemos avançar
a discussão já iniciada, em busca de entender como a ciência linguística aborda questões relacionadas a
língua e fala, oralidade e escrita, entre outros aspectos.

1.2 A linguística: a visão científica dos estudos linguísticos – ciência social/


humana, empírica, objetiva, descritiva e explicativa

Robert Martin, em seu livro “Para Entender a Linguística” (2003), apresenta um interessante ponto de vista sobre
o que acredita ser o papel da ciência linguística e de um linguista. Afirma o autor que essa ciência é complexa
e que seus limites são fluidos, pois a ciência se situa na encruzilhada de disciplinas extremamente variadas.

Do estudo das pronúncias ao estudo dos diferentes sons, do uso de determinados textos em um
e outro contexto, é possível afirmar que a linguística se encontra com ciências das mais diversas: a
neurologia, quando a questão se refere a distúrbios inscritos no cérebro; a sociologia, quando a língua é
vista como um produto social; a psicologia, a partir do momento em que a produção linguística de um
falante ativa faculdades psíquicas como memorização, organização do pensamento etc.

Enfim, a linguística pode ser considerada uma ciência empírica e, ao mesmo tempo, teorizadora,
pois tem como objeto de estudo as línguas e a linguagem, e como propósito, descrever e teorizar sobre
língua e linguagem, considerando os diferentes contextos em que são utilizadas.

Nessa direção, os estudos linguísticos se dedicam a entender como se constituem a língua e a


fala, a oralidade e a escrita, bem como se preocupam em organizar análises descritivas e entender as
prescritivas, situando tais estudos no tempo e no espaço de uso.

1.2.1 Prioridades dos estudos linguísticos: língua/fala; língua oral/língua escrita; análise
descritiva/prescritiva; estudos sincrônicos/diacrônicos

A linguística (1979), com o estatuto de ciência, ou estudo científico da linguagem, nasceu como é
conhecida hoje, linguística moderna denominada por Lyons no início do século XX, após a publicação de
um livro contendo as ideias do já falecido linguista Ferdinand de Saussure (1857-1913). Intitulado Curso
de Linguística Geral, esse livro trazia uma recriação das anotações de aulas de Saussure, feitas por seus
alunos (conforme Charles Bally e Albert Sechehaye no prefácio da primeira edição de junho/1915).

Quando dizemos que a linguística tem o estatuto de ciência social ou ciência humana, estamos apontando
para seu objeto de estudo, a linguagem verbal humana, entendida como uma capacidade do ser humano
20
LINGUÍSTICA GERAL

e da vida em sociedade. Nesse sentido, é preciso ainda entender que linguagem verbal corresponde tanto à
linguagem oral quanto à linguagem escrita. E mais: já é possível chamar a atenção para o que será visto mais
à frente, a respeito da primazia da linguagem oral sobre a linguagem escrita nos estudos dessa ciência.

Para Petter (2002, p.21), a linguística é uma ciência “empírica porque trabalha com dados verificáveis
por meio da observação”. Trata-se de uma ciência objetiva e descritiva, pois examina, analisa e descreve
os fatos linguísticos como eles são, como se apresentam, sem especulações sobre o certo ou o errado,
sobre o que deveriam ou não ser. Trata-se de uma ciência explicativa porque procura explicações para
os fatos e fenômenos linguísticos observados.

O dever primordial do linguista é descrever o modo como as pessoas falam


(e escrevem) realmente sua língua e não preceituar como elas deveriam falar
e escrever (LYONS, 1979, p.43).

Observação

Você sabe o que é uma ciência empírica? Uma ciência objetiva? Descritiva?
Explicativa? Agora é um excelente momento para você vasculhar a internet
e encontrar explicações para esses termos adotados pela ciência.

Após sua peregrinação, compare o que descobriu com o que se afirma


sobre a linguística como ciência.

Voltemos um pouquinho às nossas discussões sobre gramática tradicional: a ela não se atribui o estatuto
de ciência, pois seus estudos se baseavam em especulações sobre o certo e o errado nas línguas e não em
comprovações empíricas e objetivas daquilo que de fato acontece. Mais especificamente, o certo e o errado
são considerados nessa visão de gramática a partir de um padrão previamente estabelecido, que representa um
determinado ponto de vista. Isso equivale dizer que a gramática tradicional está pautada em uma orientação
prescritiva, normativa, da língua enquanto a linguística privilegia a descrição e explicação dos fenômenos
linguísticos tais como eles se apresentam na língua falada pelas pessoas.

Uma outra ruptura da orientação linguística com relação à orientação da gramática tradicional diz
respeito ao modo como as mudanças observadas nas línguas são interpretadas. Como já foi dito, para a
gramática tradicional, toda e qualquer mudança, por se afastar do padrão estabelecido como correto,
implica, necessariamente, corrupção ou deterioração da língua. Para a linguística, no entanto, as
línguas são vivas e, consequentemente, estão sujeitas a transformações. Observemos o que afirma
Lyons (1979, p.43) sobre essa questão:

Temos de admitir que todas as línguas vivas são por natureza sistemas
de comunicação eficientes e viáveis que servem a diferentes e variadas
necessidades sociais das comunidades que as usam. Como essas necessidades
mudam, as línguas tenderão a mudar para satisfazer às novas condições.

21
Unidade I

Nesse sentido, a pretensão de impedir que as línguas se transformem equivaleria à pretensão de


impedir que as sociedades se modifiquem. Ou seja: impossível! Cabe ressaltar, ainda, que isso se aplica
também ao padrão literário em que se baseiam os gramáticos tradicionais, pois “o próprio padrão literário
está sujeito a transformações” (LYONS, 1979, p.43).

A verdade é que todas as línguas estudadas até agora, não importa quão
´atrasado` ou ´inculto` seja o povo que as fale, provaram nas pesquisas
serem um sistema de comunicação complexo e altamente desenvolvido
(LYONS, 1979, p.44).

Conceder à linguística o estatuto de ciência autônoma é um outro sinal de rompimento entre a


linguística e a gramática tradicional. Como a gramática tradicional esteve sempre ligada à filosofia e à
crítica literária, acabou-se por dar maior valor à linguagem escrita em detrimento da linguagem oral;
em consequência, eram atribuídos juízos de valor entre as manifestações de linguagem, que poderiam
ser consideradas certas ou erradas quanto mais se aproximassem ou se distanciassem dos chamados
textos escritos clássicos.

A linguística moderna, por seu lado, toma a linguagem humana por objeto de análise, destituindo-
a de todos os seus preconceitos sociais ou culturais. Como se pode ler no Curso de Linguística Geral
(1973), as questões focalizadas pela linguística são constituídas “inicialmente por todas as manifestações
da linguagem humana quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas,
clássicas ou de decadência...” (SAUSSURE, 1973, p.13).

Ressalte-se, entretanto, que a linguística tem por objetivo descrever e explicar a linguagem que se
manifesta por meio das línguas naturais. Não cabe à linguística o estudo de outras formas de expressões
ou outras linguagens, tais como a pintura, a dança, a música e a mímica.

Podemos afirmar que a linguística é diferente da gramática tradicional ou normativa. Na gramática


tradicional, o foco está em prescrever um conjunto de regras destinadas ao falante para que corrija o uso da
língua. Já na linguística, tudo o que se refere à língua cabe ao seu interesse. A linguística insiste na ideia de
que tudo o que se relaciona à língua possibilita reflexões com o propósito de entender seu funcionamento.

Mas não é qualquer espécie de linguagem que é objeto de estudo da


linguística: só a linguagem verbal, oral ou escrita (ORLANDI, 2002, p.10).

A linguística moderna estabelece a primazia da linguagem oral sobre a linguagem escrita.

Um dos princípios do estudo científico da linguagem, ou da linguística, é o da prioridade da linguagem


falada sobre a linguagem escrita. Isso se justifica por vários aspectos:

• há registros de comunidades que possuem ou possuíam um sistema de língua oral e não de língua
escrita. O inverso não é verdadeiro;

• disso resulta que a língua oral é mais difundida que a língua escrita;
22
LINGUÍSTICA GERAL

• a língua oral precede a língua escrita na história da sociedade humana;

• todos os sistemas de escrita baseiam-se em unidades da língua oral: nos sons, os sistemas de
escrita alfabéticos (como da escrita no Brasil); nas sílabas, os sistemas silábicos; e nas palavras, os
sistemas ideográficos;

• ao mesmo tempo, não existe uma correlação direta entre o sistema da língua oral e o da língua
escrita;

• da mesma forma, não há uma correlação direta entre as unidades da língua oral e as da língua
escrita, como indicam as várias letras para um mesmo som, ou uma mesma letra para vários
sons;

• a língua oral tende a transformar-se muito mais rapidamente do que a língua escrita, razão pela
qual a diferença entre os dois sistemas vai se tornando cada vez maior;

• a criança, em condições naturais de desenvolvimento, primeiramente apresenta a linguagem oral


para depois aprender a linguagem escrita;

• a língua natural é aprendida em condições naturais; a língua escrita necessita de condições


especiais (a escola, por exemplo).

Observação

O turco falado não sofreu alteração em virtude da substituição do


alfabeto árabe pelo latino em 1926 (LYONS, 1979, p.39).

Observe a seguir a diferença entre língua oral e língua escrita, tomando apenas a escrita do português
brasileiro no que se refere à diferença entre som e letra.

Exemplos:

Letra “x” para representar os sons das palavras:

• auxílio: como o som da primeira consoante da palavra “sino”;


• exemplo: como o som da primeira consoante da palavra “zero”;
• xícara: como o som das primeiras consoantes da palavra “chácara”.

O som [s] representado pelas letras:

• “s” = “sapo”

23
Unidade I

• “x” = “auxílio”
• “c” = “cebola”
• “ss” = “cassino”
• “ç” = “exceção”
• “z” = “paz” (não seguida de vogal)

Confesse! Embora você tenha aprendido tudo isso quando criança, agora é que está pensando sobre,
não é mesmo?

De acordo com esses exemplos, podemos perceber que a linguística tem por objetivo a
compreensão da linguagem humana, dando prioridade à análise descritiva e explicativa da
língua oral como ela é verdadeiramente falada pelas pessoas, sem perder de vista o fato de que
essa língua está em constante transformação, o que remete à diferença entre esta linguística,
que teve início com Saussure, e a linguística histórica ou comparativa, que apresentamos a você
inicialmente.

Lembrete

A linguística moderna estabelece a prioridade dos estudos sincrônicos


sobre os estudos diacrônicos.

Encontramos aqui outra prioridade nos estudos linguísticos: a prioridade dos estudos sincrônicos
em relação aos estudos diacrônicos, distinção essa estabelecida por Saussure.

Por estudo diacrônico entende-se a análise de uma língua em seu processo de transformações
históricas, ou seja, o estudo de uma língua por meio de sua evolução histórica. Assim foram os estudos
da linguística histórica ou comparativa, do século XIX, como já dissemos.

Para Saussure, a linguística deveria centrar suas atenções na descrição de um estado de língua,
ignorando as transformações que a antecederam e as que se sucederão.

O estudo sincrônico é o estudo de uma língua em um determinado período, como se fosse estática,
ignorando suas transformações em função do tempo e tudo que as causam.

Um estudo diacrônico e um estudo sincrônico exemplificam o que foi mencionado


anteriormente sobre dois pontos de vista diferentes a respeito de um mesmo objeto. Nos dois
casos estamos falando de análise linguística, ou análise de fenômenos linguísticos. Fiorin
(2002) ilustra bem essa diferença entre estudo diacrônico e sincrônico apresentando o seguinte
exemplo:

24
LINGUÍSTICA GERAL

Tome-se a palavra “comer” da língua portuguesa:

Em uma análise sincrônica, verifica-se que o “com” é um elemento linguístico


que se define em relação a outros elementos linguísticos do português
brasileiro.

Assim, ao se constatar que esse elemento aparece em outros contextos


como “comilança”, “comida”, “comeu”, verifica-se que ele se define como
uma radical. Entendendo-se por radical aquele elemento da estrutura das
palavras cognatas que expressa um significado comum.

Em uma análise diacrônica, verifica-se que o verbo “comer” resulta da


combinação do verbo comer em latim “edere”, em que ed é o radical e cum
é o prefixo, que significa companhia. Assim:

cum + edere > cumedere > comer, na língua portuguesa.

Disso conclui-se que, do ponto de vista da análise diacrônica, o “com” de


“comer” é um prefixo (FIORIN, 2002, p.79).

Em resumo, no estudo sincrônico o elemento linguístico (“com”, no exemplo apresentado)


está sendo definido na relação que ele estabelece com os outros elementos da língua naquele
estado de língua, ou naquele estado em que a língua se apresenta, naquele dado ponto fixado
no tempo.

No estudo diacrônico, o elemento linguístico (o mesmo “com”) está sendo definido em relação
aos elementos linguísticos que o antecederam ou sucederam em diferentes pontos na linha do
tempo.

Um estado absoluto define-se pela ausência de transformações, e como, apesar de tudo, a


língua se transforma, por pouco que seja, estudar um estado de língua vem a ser, praticamente,
desdenhar as transformações pouco importantes, do mesmo modo que os matemáticos desprezam
as quantidades infinitesimais em certas operações, tal como no cálculo de logaritmos (SAUSSURE,
1973, p.118).

Ainda, para deixar bem claros esses dois conceitos, podemos pensar em outro exemplo, como é
a palavra “você”. Ela pode ser analisada em relação aos outros elementos do estado de língua atual
(sincronia) ou a partir de suas transformações (diacronia) vindo de “vossa mercê”, passando por
“vossemecê” e “vosmecê” até chegar em “você”.

Reflita sobre esse exemplo para perceber que – na forma atual – “você” é usado pelos falantes para
se dirigir à pessoa com quem falam em situações de informalidade ou que exprimem informalidade
entre o falante e seu interlocutor. A análise sincrônica considera esse uso.

25
Unidade I

Por outro lado, analisando “você” de um ponto de vista diacrônico, verificamos que as formas que
o antecederam eram usadas em situações mais formais, naquelas situações em que exprimem um
distanciamento formal entre o falante e seu interlocutor. Isso explica o fato de este pronome ser usado
com verbos conjugados na terceira pessoa (como pedem os pronomes de tratamento), e não na segunda
pessoa.

Observação

Verbo “comer”:

2ª pessoa: tu comes

3ª pessoa: ele come


} Você come
O estudo sincrônico caracteriza-se, assim, como a análise/descrição de um estado da língua em
determinado momento no tempo, seja esse tempo o presente ou o passado. Esse é o estudo que deve
ser priorizado na linguística.

Mas é preciso pensar que ser prioritário não significa ser exclusivo, o que explica o fato de a
linguística ter continuado com seus estudos históricos também. Aliás, convém ressaltar que os estudos
da linguística histórica podem auxiliar nas análises dos usos que os falantes fazem da língua em um
estado particular.

Vejamos as considerações de Saussure em relação à sincronia e à diacronia. Ele afirma que sincronia
está relacionada ao eixo das simultaneidades e que diacronia, ao eixo das sucessividades. Segundo
Carvalho (2002, p.71):

No eixo das simultaneidades, o linguista deve estudar as relações


entre os fenômenos existentes ao mesmo tempo num determinado
momento do sistema linguístico, que pode ser tanto no presente como
no passado. Por outro lado, situando-se no eixo das sucessividades, o
linguista tem como objeto de estudo a relação entre um dado fenômeno
e outros fenômenos anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe
sucederam.

E mais: quando pensamos nos aspectos estáticos da língua, estamos nos referindo ao que é
sincrônico. Quando pensamos nos aspectos dinâmicos da língua, relacionados à sua evolução,
estamos nos referindo ao que é diacrônico.

Uma coisa interessante para pensarmos é que a diacronia tem relação direta com a fala.
Afirma Saussure (apud Carvalho, op cit., p.73) sobre isso: “tudo quanto seja diacrônico na
língua, não o é senão pela fala”. Ou seja, é pela fala, por tudo que acontece em uma comunidade
quando os indivíduos se comunicam por meio da fala, que as modificações da língua vão se
26
LINGUÍSTICA GERAL

estabelecendo e, portanto, vão entrando em uso pela coletividade, passando de um grupo


social a outro.

A sincronia opera a partir de uma única perspectiva: a dos falantes


(SAUSSURE, apud CARVALHO, 1997/2002, p.74).

A possibilidade e a orientação para a descrição de um estado de língua, sem


recorrer às suas transformações históricas, está intimamente relacionada à
concepção da linguística conforme a visão de Saussure de que toda língua,
num certo tempo, constitui um sistema integrado de relações; ou, em outras
palavras, toda língua é um “sistema de relações” (LYONS, 1979).

Podemos ilustrar a definição de sistema utilizando a metáfora de um relógio.

Se um relógio for desmontado, encontram-se as várias peças que formam seu mecanismo. Essas peças
soltas estão constituindo um “conjunto de peças de relógio”. Para que esse conjunto de peças forme o
mecanismo de um relógio propriamente dito e funcione como tal, há necessidade de se organizar essas
peças, umas em relação com as outras, de acordo com um esquema muito bem definido. Basta uma
única peça fora do lugar e todo o funcionamento do relógio se altera.

Sistema, portanto, é um conjunto organizado de elementos que interagem. A interação é fruto


da relação que se estabelece entre os vários elementos.

O quadro III, a seguir, resume as características da dicotomia saussureana sincronia – diacronia.

Quadro 3 – Dicotomia saussureana sincronia/diacronia

Sincronia Diacronia

estática evolutiva

descritiva prospectiva e retrospectiva

gramática geral gramática histórica

interessa-se pelo sistema interessa-se pelas evoluções e suas causas

faz descrições sincrônicas apoia-se em descrições sincrônicas

descreve estados de língua e suas relações descreve fenômenos evolutivos individuais

abstrai o tempo leva em conta o tempo

trata de fenômenos simultâneos trata de fatos sucessivos

estuda fatos que formam sistema entre si estuda fatos que não formam sistema entre si

estuda o modo como a língua funciona estuda o processo de evolução da língua

27
Unidade I

preocupa-se com funcionamento preocupa-se com evolução

syn (simultaneidade) + khrónos (tempo) dia (movimento através de) + khrónos (tempo)

descreve um determinado estado de uma mesma língua confronta estados diferentes de uma mesma língua

estruturalismo atomismo

parte todo

relação fato

descrição explicação

funcionamento evolução

Fonte: Carvalho (1997/2002, p.77).

Saussure e a metáfora do jogo de xadrez

Saussure utiliza-se da metáfora do jogo de xadrez para explicar seu conceito de língua como sistema
de relações e também para explicar que a língua pode ser descrita no estado em que se apresenta a
partir de uma análise sincrônica.

Em um jogo de xadrez, a cada movimento de uma das peças é possível descrever seu novo estado,
ou seja: suas peças, a posição que ocupam naquele momento e como se inter-relacionam. Cada peça se
define a partir da relação que estabelece com as demais peças do tabuleiro e dos movimentos que pode
realizar no jogo. Segundo Costa (2009, p.114),

o valor de cada peça não é determinado por sua materialidade, ele não existe
em si mesmo, mas é instituído no interior do jogo. Pouco importa de que
são feitas as peças, mas a possibilidade de dar andamento ao jogo depende
exclusivamente de nossa compreensão de como as peças se relacionam
entre si, das regras que as governam, da função estabelecida para cada uma
delas e em relação às demais.

Transpondo-se essa imagem para a língua, toda língua é constituída de um conjunto organizado de
elementos linguísticos – seus sons, seus morfemas, suas palavras, dentre outros. Todos se relacionam
entre si e com os outros elementos, de acordo com regras de combinação bem definidas, de modo a
constituir seu sistema linguístico.

A descrição do estado de língua, juntamente com os elementos que o constituem e com as inter-
relações que se estabelecem, constitui uma explicação de seu funcionamento. Essa afirmação está
relacionada a outra primazia ou prioridade dos estudos da linguística moderna, que deve seu nascimento
a Saussure: a primazia da língua sobre a fala.

28
LINGUÍSTICA GERAL

Lembrete

A linguística moderna estabelece a prioridade dos estudos da língua


sobre a fala.

Apesar de no início deste texto ter sido dito que o objeto de estudo da linguística é a linguagem
humana, veja que Saussure, ao definir a linguística como uma ciência, estabeleceu o objeto de estudo da
linguística como sendo a língua e não a fala, mesmo que para descrever a primeira (a língua) o linguista
tenha necessidade de recorrer à segunda (a fala), pois é por meio desta última que tem acesso à anterior.
As razões para essa distinção por Saussure serão apresentadas a seguir.

Observação

Saussure estabelece a língua como objeto de estudo da linguística,


considerando que a língua é do âmbito do social. Ela, a língua, é o que
possibilita a comunicação entre as pessoas, pois pertence à coletividade.

A língua é uma espécie de acordo entre todos os membros de uma comunidade linguística que
a utilizam. Assim, nenhum integrante dessa coletividade, individualmente, consegue transformá-la.
Toda e qualquer alteração linguística deve ser aceita pela coletividade para que possa ser incorporada
pela língua e dela fazer parte. Afinal, a língua pertence à coletividade e não pertence a ninguém,
individualmente.

Basta lembrar-se que quando as pessoas nascem, a língua já está lá. Ela já existe. Ela pode ser
descrita e analisada em si mesma, sem a necessidade de recorrer a qualquer outro fator que não seja da
ordem do linguístico.

Lembrete

A fala é da ordem do individual.

A língua é o sistema a ser descrito. A fala é o uso individual e momentâneo


desse sistema.

Por ser a fala individual, ela está sujeita a uma série de interferências de fatores não linguísticos, que
podem alterá-la, transformá-la. Fatores não linguísticos são, por exemplo, os fatores emocionais, sociais,
físicos ou outros. Sujeita a fatores não linguísticos, a fala foge da alçada da investigação linguística, ou
se torna secundária nesta ciência.

Mediante tudo o que foi exposto, podemos concluir que:

29
Unidade I

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial,


tem por objeto de estudo a língua, que é social em sua essência e independe
do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico. Outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação,
e é psicofísica (SAUSSURE, 1973, p.27).

Lyons (1979, apud Pietroforte, 2002, p.84) resume o que foi dito em relação à prioridade da língua
sobre a fala nos estudos linguísticos. Para ele, “... os fatos da língua podem ser estudados separadamente
dos fatos da fala”.

E mais:

Por enquanto, contentemo-nos com afirmar que todos os membros de uma


comunidade linguística (todos aqueles que falam uma determinada língua,
por exemplo, o português) produzem, quando falam essa língua, enunciados
que, a despeito de suas variações individuais, podem ser descritos por um
sistema específico de regras e de relações: em certo sentido, esses enunciados
têm a mesma característica estrutural. Os enunciados são exemplos de
fala que o linguista toma como evidência para a construção da estrutura
comum subjacente: a língua. Portanto, o que o linguista descreve é a língua,
o sistema linguístico (LYONS, 1979, p.52).

Os conceitos de língua, fala e linguagem, e como se inter-relacionam, serão retomados a seguir


durante a apresentação dos conceitos básicos do estruturalismo, perspectiva de análise linguística que
já começa a se fazer sentir muito presente nas citações acima.

A conceituação da linguística moderna, como foi feita nos momentos iniciais da sua constituição
como ciência, pode, a partir do exposto, ser resumida no quadro IV, a seguir:

Quadro 4 – Conceituação inicial da linguística moderna

Ciência da linguagem
verbal humana social / humana, empírica

Método de análise descritivo


linguagem oral
Prioridades dos estudos
linguísticos estudo sincrônico
língua
Objeto de estudo língua

Levanta-se, a partir dessa conceituação de linguística, a pergunta sobre o quanto e em quais aspectos
essa mudança de abordagem nos estudos da linguagem humana, afastando-se da orientação de uma
gramática tradicional, pode afetar ou interferir no processo de ensino de língua materna ou de língua
estrangeira. Tudo o que já vimos até aqui tem como propósito conduzir você ao próximo item de nossa
30
LINGUÍSTICA GERAL

discussão e oferecer-lhe a possibilidade de refletir sobre a aplicação dos preceitos da linguística moderna
no ensino de línguas, seja da língua materna ou da língua estrangeira. Não é objetivo deste texto, no
entanto, apresentar respostas, como mais um manual de ensino.

2 CONTRAPOSIÇÃO/IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA DE ABORDAGEM - DA


GRAMÁTICA TRADICIONAL PARA A LINGUÍSTICA - PARA O ENSINO DE
LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

Podemos iniciar nossa conversa nesta seção retomando, no quadro II a seguir, as principais distinções
entre a gramática normativa e a linguística moderna.

Todas as línguas vivas são por natureza sistemas de comunicação eficientes e viáveis que servem a
diferentes e variadas necessidades sociais das comunidades que as usam (LYONS, 1979, p.43).

Quadro 5 – Gramática tradicional X linguística moderna

Gramática tradicional Linguística moderna


Especulativa Ciência
Prescritiva Descritiva e explicativa
Prioriza a língua escrita Prioriza a língua oral
As línguas não mudam; as línguas evoluem independente
As línguas sofrem deterioração ou corrupção provocadas da vontade de seus falantes.
pelo mau uso de seus falantes, principalmente os
ignorantes ou iletrados. Nenhum falante individualmente pode e consegue mudar
a língua.
A língua escrita literária é mais pura e mais correta que Não existe língua melhor ou pior, mais correta ou mais
qualquer outra forma. errada, mais pura ou impura.

É objetivo do gramático escrever as regras de bom uso, É objetivo do linguista descrever e explicar os fatos da
de uso correto da língua para preservá-la de qualquer língua como eles se apresentam.
corrupção.

Do fato de a gramática tradicional ser considerada como especulativa e a linguística moderna ser
uma ciência decorrem todas as outras diferenças. Embora a gramática tradicional não corresponda
à “língua viva”, a maioria das escolas, principalmente do Ensino Fundamental e Médio, se apoia na
gramática tradicional nas aulas de língua portuguesa.

Os alunos acabam tendo uma visão deturpada do que seja a língua portuguesa e do que seja
estudá‑la. Para eles, estudar a língua portuguesa significa:

• aprender a falar “português”, desconsiderando tudo o que sabem e que demonstram fazer ao
usarem sua língua;

• aprender algo que é totalmente distinto daquilo que conhecem e fazem uso em praticamente
todas as situações de sua vida diária e que ouviram desde os primeiros momentos de sua vida;

31
Unidade I

• aprender um conjunto de regras para que possam falar e escrever corretamente;


• ter menosprezada a sua variedade linguística e, em consequência disso, seu grupo social.

Essa visão deturpada aparece em falas do tipo: “não sei português”, “eu falo errado” ou “as pessoas
falam errado”, ditas por pessoas que têm como língua materna o português brasileiro. Ou, ainda, se
questionados sobre o que conhecem de sua língua, apresentam uma lista das categorias gramaticais
como verbo, pronome, adjetivo. Muitos demonstram surpresa ao serem perguntados sobre os sons de
sua língua, apresentando como resposta todas as letras do alfabeto.

Nessa perspectiva, o professor, por sua vez, assume o papel do gramático e transforma seu ensinar
língua portuguesa em ensinar regras do bom uso da língua, ou do seu uso correto, conforme está
nos vários livros de gramática, para salvá-la de uma possível deterioração ou corrupção causada pelo
mau uso que os incultos ou ignorantes fazem dela.

Que tal um momento de reflexão?

Vale uma reflexão sobre a seguinte questão: como se sente, em sala de aula, um aluno que conhece
sua língua materna de modo deturpado, apenas como um conjunto de normas a ser seguido? Que
motivação pode ter um aluno que vê sua língua materna apenas como um instrumento para revelar
seus “erros” no momento da comunicação? Procure perguntar a crianças e adolescentes como pensam
sua própria língua, seus “erros” etc.

Podemos notar que a palavra “gramática”, no contexto do ensino de línguas e da gramática normativa,
pode ser entendida como se referindo a
um tipo de livro onde se encontram regras do que se deve e do que não se
deve dizer, ao lado de uma análise de certas estruturas sintáticas de uma
língua e uma classificação de suas formas morfológicas e léxicas. Trata-se,
portanto, do produto do trabalho de gramáticos, em sua dupla função de
prescrever o que se deve usar e de analisar as formas encontradas na língua
padrão (PERINI, 1976, p.20).

Nos estudos da linguística descritiva a palavra “gramática” assume dois outros significados:

• a estrutura da língua conhecida pelos falantes ou o conhecimento internalizado da língua que o


falante demonstra nas várias situações de uso;
• o resultado da análise linguística ao descrever e explicar o funcionamento de determinada língua,
que, por sua vez, deve ser empiricamente comprovado pelo que está no primeiro item acima
(PERINI, op. cit.).

O ensino da língua materna deve sobretudo ensejar que as crianças compreendam a estrutura, o
funcionamento, as funções da língua – instrumento de comunicação –, com todas as suas variedades,
sociais, regionais e situacionais (CARBONI, 2003).
32
LINGUÍSTICA GERAL

Nesse sentido, ensinar a gramática de uma língua seria levar o aluno, dentre outras questões e
apenas para citar alguns objetivos, a:

• refletir sobre a língua;


• reconhecer (e não aprender) suas partes constituintes;
• reconhecer (e não aprender) suas regras naturais;
• reconhecer as variedades linguísticas e aceitá-las como diferenças;
• reconhecer a sua variedade linguística dentre todas as outras;
• reconhecer seus variados usos e seus contextos de produção;
• aprender a fazer uso de variedades linguísticas diferentes em conformidade com as diferentes
situações, etc.

Isso mais especificamente no que diz respeito à língua oral, pois a língua escrita exige ainda uma
outra série de considerações, haja vista ser totalmente nova para o aluno em seus primeiros anos
escolares, e ser o primeiro contato da criança com a língua como objeto exterior a ela (GENOUVRIER e
PEYTARD, 1974).

Essa última consideração aponta para a necessidade de o professor compreender esses dois
sistemas, o escrito e o oral, em toda sua dialética, o que não cabe discutir aqui. Entretanto,
chamamos a atenção para um outro aspecto que merece alguma consideração, ou seja, ao mesmo
tempo em que o aluno tem a sua primeira reflexão sobre a língua por meio do texto escrito, ou
da aprendizagem da língua escrita, toda sua intuição a respeito dela se formou a partir de seu
uso oral.

Isso remete à indagação, deixada aqui para que você tire suas próprias conclusões sobre a real
possibilidade do ensino da língua portuguesa. O que pode acontecer no ensino da língua materna
quando o professor não tem um conhecimento preciso do funcionamento da língua, como aquele que
a linguística pode lhe proporcionar?

2.1 Contraposição entre a visão tradicional e a visão linguística

Vamos observar as diferenças entre a visão tradicional e a linguística no processo de identificação


e análise das diversas maneiras como falantes fazem uso de uma língua viva. Restringir o ensino de
línguas à gramática normativa equivale a ignorar todas essas variedades de uso da língua e afirmar
que apenas uma variedade é a correta e válida, aquela que, em geral, não é dominada pela maioria dos
alunos e por seu grupo social.

Por variedades linguísticas entendemos os diferentes usos que os falantes fazem da língua viva, ou
seja, as diferentes maneiras de se dizer uma mesma coisa. As variedades linguísticas ocorrem em função
da situação de uso da língua, do espaço geográfico em que se encontra o falante e da sociedade da qual
ele faz parte e do tempo.
33
Unidade I

Variedades linguísticas situacionais (também chamadas variedades diafásicas, de uso ou, ainda,
estilísticas) correspondem ao uso que os falantes fazem da língua em diferentes situações sociais comunicativas.
Assim, empregamos uma variedade mais formal em situações mais formais, bem como uma variedade
mais informal em situações mais informais. Nesse sentido, podemos dizer que as variedades linguísticas
situacionais existem também em função dos indivíduos com quem nos comunicamos (interlocutores).

Nesse tipo de variedade linguística, levamos em conta um mesmo falante e procuramos entender
o que o leva a se comunicar de diferentes maneiras nos diferentes contextos pelos quais circula. Por
exemplo: você fala com sua mãe exatamente da mesma forma como fala com seu chefe no escritório?
Ou você conta um filme a alguém, em uma roda de conversa, da mesma forma como relataria o filme
em uma situação de sala de aula, sob avaliação de um professor? Você conversa com amigos, com
pessoas recém-conhecidas, com seu dentista ou com seus familiares da mesma maneira? Cada situação
de comunicação requer do falante um estilo diferente, sempre relacionado ao grau de formalidade ou
informalidade que a situação exige.

Segundo Alkmin (2005, p.38),

A noção de situação (...) tem um alcance restrito, reduzindo-se, praticamente,


à consideração da cena em que ocorrem as interações verbais. É útil e
produtivo entender situação de uma perspectiva mais abrangente, a saber,
como o contexto social global de uma comunidade, com suas marcas
históricas e culturais próprias. (...) nos contextos ritualísticos e religiosos que,
tomados como pontos de partida, sugerem o estudo de variedades e usos
linguísticos especiais.

as
Marcstóricas
h i
Contexto social Sócio
-

Situação de
interação verbal

ra Com c a
Cultu unidade linguísti

Figura 1

Estudar esses diferentes jeitos de falar das pessoas é algo relativamente novo nos estudos da ciência
linguística. Isso não era preocupação dessa ciência, uma vez que o foco sempre recaia nos estudos
sincrônicos da língua, em busca de uma competência do falante caracterizada como ideal, perfeita.

Quem introduziu estudos voltados para “como” e “onde” um falante usa as estruturas da língua
e, portanto, em quais situações ele muda sua forma de usar a língua, foi Dell Hymes, linguista norte-
americano que, nos anos 60, desafiou Chomsky e afirmou que diferentes falantes usam a língua a
partir de diferentes comandos e que estes têm relação direta com o contexto em que se encontram os
falantes. Em função da necessidade, um falante faz adequações ao usar a língua, sempre relacionadas

34
LINGUÍSTICA GERAL

às características da situação de comunicação, aos seus interlocutores, ao propósito comunicativo e,


certamente, ao contexto no qual a comunicação acontece.

Os estudos de Dell Hymes foram muito importantes para a ciência linguística, pois a partir deles é
que conceitos como “comunidade linguística” começam a ser discutidos e passam a estabelecer novas
metodologias de pesquisa sobre o uso da língua em situações orais reais.

Variedades linguísticas regionais (também chamadas geográficas ou diatópicas) são aquelas que
permitem identificar um falante de uma região ou de outra do país: a diferença observada na pronúncia
dos falantes gaúchos ou mineiros, ou a diferença observada na fala de paulistas e de cariocas, por
exemplo. Essas diferenças aparecem não só em termos sonoros, mas também em termos do léxico
utilizado. Um exemplo bastante conhecido refere-se àquilo que conhecemos por “mandioca”, em São
Paulo, mas que é conhecida como “aipim” ou “macaxeira” em outros estados do país. Também há o
exemplo do uso das palavras “jerimum” e “abóbora” se referindo à mesma coisa.

No caso da língua portuguesa, esse tipo de variedade linguística ainda nos permite fazer distinções
entre o português utilizado no Brasil, em Portugal, na África ou na Ásia. Vale ressaltar que as variedades
linguísticas geográficas da língua portuguesa aqui em nosso país se devem ao fato de a população, no
período da colonização e da expansão geográfica do Brasil, ter tido contato com diferentes colonizadores
e falantes de outras línguas e, dessa forma, terem se fortalecido as diferentes maneiras de uso da
língua.

A variação linguística geográfica ocorre a partir de diferentes planos, como já dissemos em


parágrafos anteriores: no plano lexical, no plano fonético/fonológico e no plano gramatical. Vejamos
alguns exemplos dessas diferenças, no quadro VI, a seguir.

Quadro 6 – Variação linguística geográfica e seus diferentes planos


Plano lexical Plano fonético/fonológico Plano gramatical
As palavras jerimum (usada na Em regiões do nordeste, palavras Enquanto na região sudeste um falante diz
região nordeste do Brasil) e abóbora como melado são pronunciadas ‘não sei’, no nordeste um falante diz ‘sei
(usada na região sudeste do Brasil) com a vogal ‘e’ aberta, enquanto no não’.
representam o mesmo vegetal. sudeste a vogal é fechada.
Em algumas regiões, como na região
As palavras aipim, macaxeira e Temos a pronúncia do ‘r’ e do ‘s’ sudeste, o uso do artigo definido é muito
mandioca também representam o ao final das palavras: paulistas os constante: falantes dizem ‘conversei ontem
mesmo vegetal em diferentes regiões pronunciam de uma forma e cariocas com a Maria’; já no nordeste, o artigo
do Brasil. de outra. definido desaparece: ‘conversei ontem com
Maria’.
O mesmo ocorre com guri, palavra O ‘l’ ao final de uma sílaba, por
usada em Santa Catarina para exemplo, é pronunciado pelos gaúchos Gaúchos dizem ‘tu queres vender isso?’
representar menino, garoto, palavras como uma consoante, enquanto em enquanto paulistas dizem ‘você quer vender
usadas em outros estados brasileiros. muitas outras regiões do Brasil o ‘l’ é isso?’.
pronunciado como um ‘u’.

Variedades linguísticas socias (também chamadas diastráticas) são aquelas que permitem distinguir
falantes de níveis socioeconômicos ou níveis de instrução e de conhecimento da língua diferentes. Essas
variedades estão diretamente relacionadas ao ambiente sociocultural dos falantes. Como resultado
delas, temos os chamados socioletos ou dialetos sociais.
35
Unidade I

O estudo dessas e outras variedades linguísticas e suas implicações teóricas é aprofundado em


uma área específica dos estudos linguísticos, denominada sociolinguística. Esse ramo da ciência
linguística se dedica ao estudo de diferentes fatores relacionados às variedades linguísticas sociais,
como os ligados às classes sociais, ao grau de escolaridade do falante, à faixa etária, ao sexo, à origem
étnica, dentre outros.

Exemplificando, com base em Alkmin (2005, p.35-36):

Quadro 7 – Aspectos da variedade linguística social

• uso de dupla negação – ‘ninguém não viu’; ‘eu nem num gosto’;
Classe social
• uso do ‘r’ em lugar do ‘l’: brusa, crube, grobo, pobrema.
• uso de gírias: ‘maneiro’ pelos jovens; ‘esperto’ para os mais velhos;
dade
• diferentes modos de cumprimento: ‘beleza’ para os jovens; ‘como vai’ para os mais velhos.

Sexo • escolhas do léxico: ‘toalete’, ‘reservado’ para as mulheres; ‘wc’, ‘banheiro’ para os homens;
‘latrina’ para as classes menos favorecidas.
• escolhas lexicais que remetem ao discurso científico pelos falantes de mais alta
Contexto social escolaridade; escolhas lexicais que remetem ao discurso cotidiano pelos de escolaridade
mais baixa.

Afirma ainda Alkmin (op. cit., p.37) que “as variedades linguísticas utilizadas pelos participantes
das situações devem corresponder às expectativas sociais convencionais”. Dessa forma, quando o
falante ignora as convenções sociais sobre a língua, pode até ser punido por seus interlocutores,
como, por exemplo, uma punição gestual do tipo ‘franzir de sobrancelhas’ ou ‘negação com o
balanço de cabeça’.

Uma vez estudadas as variedades linguísticas, cabe perguntar: como tais estudos estão
relacionados à norma padrão da língua? Como os linguistas têm discutido o uso da norma padrão
e da não-padrão? Em que sentido essa discussão se relaciona ao que ocorre com as variedades
linguísticas?

Retomando o que afirma Perini (1976) sobre gramática e normatividade em contextos de ensino da
língua, a gramática normativa tem seu foco de atenção e análise direcionado para a chamada língua
padrão. Na mesma direção, encontramos o que afirma Mendonça (2001), ao tratar do distanciamento
que se observa entre a linguística e o ensino de línguas:

(...) a gramática (normativa) aí tem um caráter prescritivo e


discriminatório: para a gramática é errado todo uso da linguagem
que esteja fora dos padrões linguísticos estabelecidos como ideais
(MENDONÇA, 2001, p. 235).

(...) estudar gramática é estudar as regras que regulam a “norma culta”, é


saber o que pode ser dito e o que não pode – que costuma ser visto quase
como sinônimo do que pode ser escrito e do que não pode. Ensinar gramática,
36
LINGUÍSTICA GERAL

nessa concepção, é ensinar língua, que, por sua vez, é ensinar norma culta,
o que significa desprezar outras variedades – não só por ignorá-las, mas por
considerá-las inferiores (MENDONÇA, 2001, p.235).

Exemplos de variedades linguísticas:

“Dê-me um abraço.” > “Me dá um abraço.”

“Eu não vou ao cinema” > “Eu não vou no cinema” > “Eu não vou no cinema, não.”

”Vassoura” > “Bassoura”

“Paínho” > “Paizinho”

“Tu comes” > “Tu come” > “Você come”

“Mandioca” > “Aipim”

Dada a concepção de ensino de gramática de Mendonça (op. cit.), cabe indagar:

1. Qual é a variedade linguística ou dialeto ensinado na escola?

2. O que a gramática normativa, ou dita tradicional, tem a dizer sobre esse dialeto?

Sobre a primeira questão, costuma-se dizer que a escola privilegia o dialeto social de maior
prestígio ou a norma culta. No entanto, qual é a norma culta da língua portuguesa? Qual é o dialeto
de maior prestígio no Brasil? Será aquele falado no Sudeste, no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste ou
no Sul do país? Será o das capitais ou das cidades do interior? Será aquele falado pelo maior número de
pessoas? Podemos notar que o dialeto social de maior prestígio varia de acordo com fatores regionais,
sociais, econômicos, políticos ou históricos.

Sobre a segunda questão, a gramática normativa usada pela escola está relacionada a qual dessas
variedades? Podemos notar, a partir do que foi anteriormente exposto, que essa gramática é construída com
base em textos escritos. Isso levanta outra questão: dada a distância entre a linguagem oral e a escrita, qual é
a variedade de norma culta escrita abordada por essa gramática? A falta de uma resposta satisfatória para essa
questão ajuda a entender a falta de interesse da maioria dos alunos por aulas de língua portuguesa.

2.2 Perspectiva normativa e o denominado preconceito linguístico

Mais importante ainda é o quanto de preconceito está embutido na abordagem de ensino de língua
portuguesa que aqui está sendo criticada. Tal preconceito linguístico pode ser observado no conceito de
“erro” envolvido no contexto da gramática normativa, já que desse ponto de vista é errado todo o dizer
de falantes da língua diferente daqueles prescritos por ela. Ao rotular sua fala de errada, estaríamos
negando a língua falada por esse falante e, como consequência, negando sua identidade, assim como a
língua de seus familiares e de seu grupo social.
37
Unidade I

Bagno (2003), em obra sugestivamente intitulada Preconceito Linguístico: o que é, como se faz,
discorre sobre esse preconceito construído ao longo da história em cima de afirmações, chamadas
por ele de mitos do preconceito linguístico, tais como “Brasileiro não sabe falar português / só em
Portugal se fala bem português” (mito n. 2); “Português é muito difícil” (mito n. 3); “As pessoas
sem instrução falam tudo errado” (mito n. 4); para citar apenas três dos oito mitos apresentados,
os quais na verdade escondem um grande preconceito sobre toda a variedade linguística que
se distancia daquela encontrada nos livros de gramática. Ao negar ou rebaixar uma variedade
linguística à condição de errada ou inferior, o que está sendo negado, rebaixado ou discriminado
é a própria pessoa que a usa.

No contexto da linguística moderna, as variedades linguísticas situacionais, regionais ou socioculturais


são apenas diferenças observadas nos vários usos que os falantes fazem da língua, e não deficiências
linguísticas. Cada uma das variedades linguísticas tem seu valor enquanto uso da língua e deve ser
objeto de análise do investigador.

Observação

Histórias sobre as várias guerras descrevem o dominador procurando


extinguir ou impedir o uso da língua do povo dominado – uma forma de
destruir sua identidade. Investigue essa questão.

Para encerrar o assunto, podemos trazer à tona a denúncia de Lemle (1991) sobre o ensino de línguas
nas escolas, segundo a qual levar o aluno a pensar que não sabe falar ou que fala de modo errado é
um equívoco linguístico, já que não se está levando em consideração as variedades linguísticas; é um
desrespeito humano, visto que rebaixa o aluno; e um erro político, pois rebaixar a autoestima linguística
de uma pessoa ou de uma comunidade contribui para achatá-la, amedrontá-la e torná-la passiva na
comunidade social em que se encontra.

Lembrete

O linguista não nega o valor dos usos literários das línguas e não nega
o valor dos estudos dos usos literários nas escolas. O linguista nega uma
orientação que tende a privilegiar e a atribuir maior valor, de correção ou
de pureza, a um padrão linguístico em relação a outro.

2.3 O foco na forma (gramática tradicional) e não no conteúdo – tomando


por base a visão contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são documentos elaborados com o objetivo de orientar
e nortear as discussões para o desenvolvimento dos projetos pedagógicos das escolas e dos professores.
Eles se constituem em referências nacionais e não em manuais de ensino.

38
LINGUÍSTICA GERAL

Saiba mais
Se você tem interesse nessas questões, é possível obter mais informações
acessando o site do Ministério da Educação e Cultura:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf>.
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf>.

Diante do que já expusemos a você, é possível concluir que o ensino baseado nas gramáticas tradicionais
ou, mais adequadamente, nas denominadas gramáticas ”normativas“, volta-se primordialmente para a
forma da linguagem, seja ela escrita ou oral; a forma rotulada de certa, se corresponder ao imposto
pela gramática, ou errada, se dela se distanciar.

O professor, assim, tem sua atenção orientada para a correção das produções linguísticas dos alunos
que devem enquadrar-se em esquemas ou estruturas prontas, obedecendo regras gramaticais que
parecem (e na maioria das vezes são) muito distantes da língua utilizada por eles.

As críticas a esse modelo de ensino de línguas são muitas e auxiliam na compreensão das reflexões
sobre a linguagem em uma perspectiva linguística, devendo ser objeto de discussões pedagógicas de
todos os que se interessam pelo ensino.

Cabe aqui, portanto, apontar para novas perspectivas de ensino de línguas, língua materna ou
estrangeira, resultantes dos vários trabalhos desenvolvidos pela linguística moderna. Esses trabalhos
permitem repensar as noções de certo e errado, levando em consideração as hipóteses linguísticas dos
alunos, resultantes de suas próprias reflexões sobre a linguagem, além de resultarem na aceitação e
valorização de suas variedades linguísticas, bem como na aceitação e valorização de suas produções
textuais como usos reais da língua. Essa perspectiva de ensino tem por objetivo desenvolver as habilidades
linguísticas dos alunos em vez de enquadrá-las em um padrão artificialmente construído.

Opor-se ao ensino normativo da língua equivale a afirmar que não se deve


ensinar aos alunos outra variedade (outro dialeto) da língua a não ser aquela
que eles já dominam. Não acreditamos que haja muitas pessoas – linguistas
ou não – que compactuem com essa opinião. A questão que de fato existe é
a de como, até que medida, e a que altura da vida escolar dos alunos se deve
por em prática o ensino normativo da língua (PERINI, 1976, p. 23).

Resumo

Objeto de estudo da Linguística: linguagem verbal oral e escrita


Gramática tradicional, normativa: tem como objetivo prescrever
normas ou ditar normas de correção para o uso da língua.

39
Unidade I

Quadro 8 – A linguística nos séculos XVII e XIX

Século XVII Século XIX


• gramáticas gerais: têm por objetivo enunciar princípios • gramáticas comparadas: têm por objetivo
universais aos quais obedecem todas as línguas; estabelecer comparações entre as línguas, em busca
de regularidades;
• estudos da linguagem: pautados no racionalismo,
possuem linguagem como representação do • foco dos estudos nesse período: as línguas se
pensamento, obedecendo a princípios racionais e transformam com o passar do tempo;
lógicos;
• mudança das línguas não depende da vontade dos
• preocupação com clareza e precisão no uso da homens, mas é uma necessidade da própria língua;
linguagem;
• grande número de estudos linguísticos de caráter
• busca pela língua-ideal: língua sem equívocos, sem histórico, portanto, muitas descobertas de
ambiguidades, para garantir a unidade na comunicação; semelhanças entre línguas;
• contribuição da gramática geral à linguística: • método histórico-comparado: comparam-se as
possibilidades de pensar a linguagem em sua línguas em busca de semelhanças gramaticais e
generalidade. sonoras;
• busca pela língua-mãe: língua de origem;
• contribuição da gramática comparada à linguística:
constatar a regularidade nas mudanças da língua.

Para Saussure  língua = sistema de signos

• língua: sistema abstrato, fato social, virtual;

• fala: realização concreta da língua, pelo falante.

Semiologia/Semiótica – estudo da simbologia na vida social

Exercícios

Questão 1. A Linguística e a Gramática apresentam posicionamentos diferentes no tocante ao


estudo da língua. Aponte para a afirmativa que constitui a principal diferença entre essas áreas:

A) A Linguística e a Gramática têm por objeto de estudo a língua escrita.

B) Enquanto a Linguística assume um posicionamento mais teórico acerca dos fatos linguísticos de
uma dada língua, a Gramática assume um caráter mais prático, no tocante à língua em uso.

C) A Linguística tem por objeto de estudo a linguagem verbal e visual, e a Gramática, apenas a
linguagem verbal – oral e escrita.

D) A Linguística observa a língua em uso, descrevendo e explicando os fatos sonoros, gramaticais


e lexicais, ao passo que a Gramática fundamenta sua análise na língua escrita, normatizada de
acordo com o padrão culto linguístico.

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LINGUÍSTICA GERAL

E) A Linguística e a Gramática têm por objeto de estudo a língua falada.

Resposta correta: Alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta

Justificativa: a gramática tem por objeto de estudo a língua escrita, normatizada; a linguística
observa a língua em uso.

B) Alternativa incorreta

Justificativa: a gramática não contempla a língua em uso; a linguística, embora tenha seu lado
teórico, assume uma postura mais prática, ao observar a língua em uso.

C) Alternativa incorreta

Justificativa: a linguística só contempla a linguagem verbal humana, não se debruçando sobre outras
linguagens; é o objeto da gramática apenas a linguagem verbal escrita.

D) Alternativa correta

Justificativa: a linguística, com o estatuto de ciência, é diferente da gramática tradicional ou


normativa. Na gramática tradicional, o foco está em prescrever um conjunto de regras destinadas ao
falante para que corrija o uso da língua; já a linguística observa a língua em uso, possibilitando reflexões
com o propósito de entender seu funcionamento.

E) Alternativa incorreta

Justificativa: a gramática não tem como foco o estudo da língua falada.

Questão 2. (ENEM 2009) O personagem Chico Bento pode ser considerado um típico habitante da
zona rural, comumente chamado de “roceiro” ou “caipira”.

Figura 2

SOUZA, Maurício de. [Chico Bento]. O Globo, Rio de Janeiro, Segundo Caderno, 19 dez. 2008, p.7.

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Unidade I

Considerando a sua fala, essa tipicidade é confirmada primordialmente pela:

A) transcrição da fala característica de áreas rurais.

B) redução do nome “José” para “Zé”, comum nas comunidades rurais.

C) emprego de elementos que caracterizam sua linguagem como coloquial.

D) escolha de palavras ligadas ao meio rural, incomuns nos meios urbanos.

E) utilização da palavra “coisa”, pouco frequente nas zonas mais urbanizadas.

Resolução desta questão na plataforma.

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