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ly/CosmoBenedicti

Recurso como
prolongamento da ação
originária

Direito Processual Civil


É predominante, no direito pátrio, como no alemão e no italiano, a noção
de recurso como prolongamento da ação originária.
O entendimento dominante é tão uníssono que as referências bibliográficas
se mostram despiciendas neste particular. O que é recurso? Recurso, responderá
um dos melhores textos recentes na matéria, é “um direito de ordem subjetiva,
extraído dos desdobramentos do direito de ação, caso em que o recurso é
suscitado pelo autor da demanda, ou, então, do próprio direito de defesa, caso a
provocação para o reexame resulte da parte contrária”.
As variações são muitas, mas desprovidas de repercussões maiores no
plano conceitual; por exemplo, é duvidoso que, fundado o recurso do réu no
direito de defesa, a premissa – recurso como desdobramento da ação –
permaneça subsistente.
Revelar-se-ia mais consentâneo ao quod plerumque fit, reconhecer a
bilateralidade da pretensão à tutela jurídica do Estado quer na ação (do autor),

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quer na reação (do réu) ao chamamento a juízo. A marcante obra que lançou as
bases científicas para a organização do sistema recursal resume essa insistente
concepção.
Para tal efeito, comparou- se a interposição do recurso e o ajuizamento da
ação, assinalando-se três diferenças, hoje ainda invocáveis na vigência do CPC de
2015:

(a) a dedução do pedido recursal não se reveste das mesmas formalidades do


pedido originário, exceto por imposição de norma expressa – v.g., na apelação, o
art. 1.010, IV –, “cuja superfluidade ressaltaria se se houve de satisfazer, in
genere, os mesmos requisitos”;
(b) não se promove a citação do recorrido;
(c) prescinde-se da juntada de novo instrumento de mandato, porque o
preexistente já habilita o procurador a praticar “todos os atos do processo” (art.
105, caput).

O traço específico e comum aos remédios arrolados no art. 496 consistiria


no efeito “não de fazer surgir processos distintos, mas simplesmente de provar a
extensão do mesmo processo em que se proferiu a decisão recorrida”. Nenhuma
das diferenças apontadas é decisiva.
Em primeiro lugar, o CPC de 2015 expressou, mais do que os diplomas
revogados, a necessidade de o recorrente expor as razões do recurso e formular o
pedido de “nova decisão”, direta ou indiretamente.
Nos casos em que silenciou – por exemplo, nos embargos de declaração e
nos embargos de divergência –, tais requisitos ficam subentendidos,
permanecendo indispensáveis à admissibilidade do recurso.
E, de toda sorte, a desnecessidade de expor a (nova) causa de pedir e de
formular o (novo) pedido é que comprovaria, salvo engano, a tese do
“desdobramento”.

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Em relação à simetria da forma, só encarniçada má vontade deixaria de
reconhecê-la no essencial: recurso desprovido de pedido “certo” (art. 322 caput) e
“determinado” (art. 324, caput), entendidas as exigências com a largueza e a
flexibilidade que a prática lhe atribui na inicial – poucas iniciais sobreviveriam a
crivo mais rigoroso nesse particular –, mostrar-se-á tão inepto quanto a petição
inicia.
Em todo recurso, existindo a possibilidade de reforma ou de invalidação –
e, por isso, o respeito a esse direito fundamental tornou-se obrigatório nos
embargos de declaração modificativos, a teor do art. 1.023, § 2.° – , a formação do
contraditório representará imperativo do processo legítimo. É nulo o provimento
do recurso sem a audiência do recorrido. E se desprovido? Então, inexistirá
prejuízo, e é desnecessário invalidar, quer o julgamento do recurso, quer o
processo julgado favoravelmente ao réu sem a sua participação ( v.g., o art. 331, §
3.°) – nesse último caso, havendo apelação do autor, a possibilidade de reforma
obriga o órgão judiciário a mandar citar o réu (art. 331, § 1.°).
Se o chamamento do recorrido far-se-á por citação pessoal ou por
intimação na pessoa do advogado, ou por outro meio técnico, seja real ou ficta a
intimação, é uma questão formal que não compromete a presença da
bilateralidade de audiência. Há processos incidentes, provocados por ação, em
que a citação ocorre na pessoa do advogado – por exemplo, os embargos opostos
à execução. A designação do ato (intimação versus citação) é marginal.
E, por fim, a desnecessidade de o recorrente juntar nova procuração tem
explicação no fato de o recurso se processar nos autos em que já figura a
habilitação.
Formando-se novos autos, já aparece o ônus de juntar a procuração, nova
ou antiga, como é o caso do agravo de instrumento (art. 1.017, I, in fine). O
problema crucial da tese reside na correlação implícita entre ação e criação de
processo autônomo. O recurso não seria (nova) ação, porque não geraria (outro)
processo.

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E, de fato, os remédios do art. 994 tramitam no processo pendente,
impedindo a formação da coisa julgada (formal ou material, conforme o conteúdo
da decisão). Recurso não se confunde com ação impugnativa, tout court, porque o
recurso não forma outro processo, enquanto nesta há novo processo. Não
importa a presença de coisa julgada material. Há ações de impugnação que
pressupõem coisa julgada material (rescisória) e há as que se mostram cabíveis
na hipótese de inexistência de coisa julgada (mandado de segurança).
Ora, a tese do recurso como desdobramento da ação originária não pode
assentar em terreno mais impróprio e instável. É que, na relação processual já
formada, e única, o objeto do processo pode se transformar e multiplicar por
intermédio de nova “ação”. É o caso da reconvenção: a partir do seu ajuizamento,
não se multiplicam os processos, não há duas relações processuais, mas
simultaneo processu com duas ações.
Se pretender distinguir entre processo, que seria único e englobaria ação e
reconvenção, e relação processual, que seriam duas, desenvolvendo-se
paralelamente, nada se altera em substância – as características se acomodariam
à figura recursal: processo único, duas relações processuais, a originária e a
superveniente, geradas pelo recurso.
Em realidade, o único fundamento plausível para a tese, no estágio atual do
desenvolvimento da ciência processual, e, principalmente, para rejeitar a ideia
oposta de que o recurso é nova ação, e aumenta o objeto do processo, tornando-o
complexo e múltiplo, repousaria na equivalência absoluta entre os elementos
objetivos da “ação” originária (causa de pedir e pedido) e os do recurso.
Ora, a falta de coincidência desses elementos, examinados à primeira vista,
revela-se esplendente.

Manual dos Recursos 2017 (Arken de Assis)

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