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O SUJEITO DA PSICANÁLISE E O SUJEITO DA PSIQUIATRIA

Professor Cristiano de Souza

Para elucidarmos o tema entraremos nas linhas de pensamentos da


Psicanálise e Psiquiatria Contemporânea para apontar as distinções que as duas
áreas têm entre si nas suas visões de ser humano, principalmente no trato da escuta
clínica e no campo do corpo/sintoma em seus diagnósticos e tratamentos.
Esta psiquiatria, e as demais áreas médicas, priorizam atender a demanda a
partir dos fenômenos sintomáticos que o paciente apresenta para então fazer um
diagnóstico e traçar um tratamento para este indivíduo.
Com isto, fez-se necessário elaborar manuais - DSM e CID-10 - catalogados
todas as doenças mentais com os seus fenômenos para que a área médica
conseguisse nomear este conjunto de fenômenos apresentado pelo paciente para
então medicar/tratar este indivíduo, ou seja, a escuta médica é voltada para o corpo.
Segundo QUINET (2006) estes critérios da psiquiatria atual estão se
amplificando e variando, pois as formas dos sintomas mudam com a mudança do
discurso da cultura, ou seja, estes manuais precisam ser atualizados constantemente,
acrescentando, tirando, reavaliando categorias de transtornos.

Em pouquíssimos anos, passamos de uma psiquiatria que tinha


pontos de contato com o que era chamado de “humanidades”, e na
qual, além disso, o estilo do autor ainda tinha peso, para uma
psiquiatria biológica, inteiramente dominada pelo discurso da ciência.
Essa evolução deixa patente que, com o avanço da ciência, foi a
foraclusão do sujeito que saiu ganhando. Nesse campo, ela assume
uma forma muito precisa: consiste em reduzir a doença mental a uma
doença do organismo (SOLER, 2007. p.83).

Já a psicanálise é fundamentada em Estruturações clínicas – Neurose,


Psicose e Perversão - estes critérios são os mesmos desde o início da psicanálise
freudiana, o sujeito sob o ponto de vista de que ele é estruturado em linguagem e
apesar das mudanças culturais que a civilização sofre, o sujeito sempre estará
estruturado em uma dessas estruturas.
Nesta citação QUINET (2006) indaga a constante mutação da forma
psiquiátrica:

O “invólucro formal do sintoma” varia segundo a época: a histeria


muda de cara, a psicose de vestes, a obsessão de idéias. Essa
evolução acompanha o desenvolvimento da ciência: a novos males,
novos remédios. Ou será que é o avesso – a novos remédios, pseudo
novos males? A nosografia psiquiátrica em constante mutação com
sua série de DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística da
Associação Norte-Americana de Psiquiatria) se diferencia da
nosografia psicanalítica das estruturas clínicas (neurose, psicose e
perversão) – diante da qual o analista não deve recuar – Nosografia
conforme a posição do sujeito no Édipo em relação ao gozo
(QUINET, 2006. p.11).

Para o psicanalista QUINET (2006) estruturar-se em uma destas entidades


clínicas envolve como este sujeito lida com a falta inscrita em sua subjetividade e a
partir daí como ele se relacionará com a lei, angústia, morte, sexo e desejo.
Quando empregamos esse termo ‘sujeito’, é importante destacar que o
diferenciamos de ‘indivíduo’, ‘pessoa’, ‘personalidade’ ou qualquer outro termo que
signifique unidade ou todo. O sujeito não é todo; ele é, antes de tudo, um efeito. Um
efeito da intervenção do Outro. Podemos dizer que o sujeito porta o Outro na sua
própria constituição, nele se aliena e dele se separa pontualmente, parcialmente, e
nunca se faz um com o outro. O sujeito não faz Um, nem com o outro, nem com seu
objeto. Nada o complementa. Pelo contrário, se às vezes temos a impressão de estar
diante de um sujeito completo, a quem não parece faltar nada porque nada demanda,
esse deve estar suspenso em seu próprio isolamento, seu autismo particular, sua
recusa ao Outro, como o ápice de sua patologia. Cabe a nós provocá-lo para sair
disso. O sujeito é uma abertura, é sobredeterminado, como nos ensinou Freud, em
sua abertura ao Outro (FIGUEIREDO, 2005).
Conforme as citações acima vimos que o objeto de escuta para as duas áreas
são realmente distintas e que para a psicanálise é de suma importância que cada caso
seja construído singularmente, pois é na subjetividade que o processo analítico
percorre o caminho da estruturação simbólica deste sujeito.
Quanto a isso QUINET (2006) atenta para os prejuízos de uma não escuta
analítica:

Fundar uma prática de diagnóstico baseada no consenso estatístico


de termos relativos a transtornos, que, por conseguinte, devem ser
eliminados com medicamentos, é abandonar a clínica feita
propriamente de sinais e sintomas que remetem a uma estrutura
clínica, que é a estrutura do próprio sujeito (p.12).
No momento que Sigmund Freud desenvolvia a psicanálise o movimento
psiquiátrico era da escola clássica, onde estavam as estruturações clínicas, e estas
estruturas estão incorporadas na teoria e na pratica psicanalítica, mas como vimos a
pouco, a psiquiatria sofre mutação a cada mudança civilizatória, ou seja, com a
biologização dos sintomas e pelas categorizações dos manuais ateóricos da
Associação Norte-Americana de Psiquiatria em nome da padronização das doenças a
fim de facilitar linguagem Psiquiátrica no mundo abandonou estas estruturas, QUINET
(2006) relata que estas estruturações clínicas são pré-psicanaliticas e que cada
categoria foi criada por pessoas diferentes, “Para a paranóia, Kraepelin, para a
esquizofrenia, Bleuler, para a perversão, Krafft-Ebing e para a neurose, Charcot”
(SOLER 1996, apud QUINET, 2006. p. 11).
Sendo assim a psicanálise acredita que o inconsciente existe em cada sujeito
citado acima e se o inconsciente é estruturado em linguagem a prática psicanalítica se
faz com a fala enquanto a prática psiquiátrica se faz calando o sintoma remediando-
os.

Pois lá onde há sintoma, está o sujeito. Não atacar o sintoma, mas


abordá-lo como uma manifestação subjetiva, significa acolhê-lo para
que possa ser desdobrado, fazendo aí emergir um sujeito - seja no
ataque histérico, na depressão melancólica, no delírio paranóico ou
no despedaçamento do esquizofrênico. Tratar do sintoma não
significa necessariamente barrar o sujeito "o acesso ao real que o
sintoma denota e dissimula (QUINET, 2006. p.13).

Com isso, podemos dizer que é a partir do simbólico que o diagnóstico


estrutural deve ser feito, pois cada estrutura tem o seu modo de negação da castração
do terceiro, o neurótico, recalca, o perverso, desmente e o psicótico, foraclui.

Na neurose, o complexo de Édipo, diz-nos Freud, é vítima de um


naufrágio, que equivale à amnésia histérica. O neurótico não se
recorda do que aconteceu em sua infância - amnésia infantil, mas a
estrutura edipiana se presentifica no sintoma (...). Na perversão, há
uma admissão da castração no simbólico e concomitantemente uma
recusa, um desmentido. Esse mecanismo, assim como os outros
modos de negação, ocorre em função do sexo feminino: por um lado
há a inscrição da ausência de pênis na mulher, portanto, da diferença
sexual; por outro, essa inscrição é desmentida. O retorno desse tipo
de negação particular do perverso é cristalizada no fetiche, cuja
determinação simbólica pode ser apreendida através de sua estrutura
de linguagem (...) já na psicose, o significante retorna no real,
apontando a relação de exterioridade do sujeito com o significante,
como aparece, de uma forma geral, nos distúrbios de linguagem
constatáveis por qualquer clínico que se defronte com um psicótico,
sendo que seu paradigma são as vozes alucinadas (QUINET, 2007.
p. 20).

Portanto a clínica é sempre algo a ser construído, para cada sujeito, não há um
tratamento esperando o paciente, há antes uma escuta, ou seja, é sempre a partir do
discurso de cada sujeito, pois a psicanálise não é fenomenológica, e sim estrutural.

Referências Bibliográficas.

FIGUEIREDO, Ana Cristina. Uma proposta da psicanálise para o trabalho em equipe


na atenção psicossocial. Mental, Barbacena, v. 3, n. 5, nov. 2005. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
44272005000200004&lng=pt&nrm=iso>. acessado em 24/07/2011.

QUINET, Antonio. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: JORGE ZAHAR EDITOR,
2006.

QUINET, Antonio. As 4+1 condições da análise.11ª ed. Rio de Janeiro: JORGE


ZAHAR EDITOR, 2007.

SOLER, Colette. O inconsciente a céu aberto. Rio de Janeiro: JORGE ZAHAR


EDITOR, 2007.

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