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ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
(REZEPTIONSÄSTHETIK / READER-
RESPONSE CRITICISM)
by Carlos Ceia | Dez 30, 2009 | 0 comments

Escola de teoria literária identificada na era pós-estruturalista, a par tir dos finais da
década de 1960, em primeiro lugar na Alemanha e mais tarde nos Estados Unidos,
tendo em comum a defesa da soberania do leitor na recepção crítica da obra de ar te
literária. Na Alemanha, tomou o nome de Rezeptionästhetik; no mundo anglo-americano,
vingou a expressão reader-response criticism; em por tuguês, por força da dificuldade de
tradução literal da expressão inglesa, tem-se preferido a tradução estrita do original
alemão.

Na origem, foi um grupo de críticos da Universidade de Konstanz, que começou por


divulgar as suas teses na revista Poetik und Hermeneutik, a par tir de 1964. Numa época
em que Hans-Georg Gadamer desenha um novo rosto para a hermenêutica, com
Wahrheit und Methode (1960), uma justaposição chama de imediato a atenção para o
facto de, para uma estética da recepção do leitor, as questões do sentido e da
interpretação textual dos modelos hermenêuticos serem tão indispensáveis como as
questões linguísticas e formais. Ao contrário da reader-response criticism, que é
constituída por críticos mais ao menos independentes (Normand Holland, Stanley
Fish, David Bleich, Michael Riffaterre, Jonathan Culler), a estética da recepção reúne
maior consenso entre os seus seguidores. Embora Wolfang Iser seja talvez o mais
conhecido membro desta escola fora do seu contexto alemão, Hans Rober t Jauss,
discípulo da hermenêutica de Gadamer, é o mais inflexível dos críticos da estética da
recepção. No seu ensaio nuclear, “A História Literária como um Desafio [Provokation] à
Teoria da Literatura” (1970; traduzido para por tuguês com o título A Literatura como
Provocação – História da Literatura como Provocação Literária, trad. de Teresa Cruz, Vega,
Lisboa, 1993), procurou ultrapassar os dogmas marxistas e formalistas que não
privilegiam o leitor no acto interpretativo do texto literário. Qualquer obra de ar te
2
literária só será efectiva, só será re-criada ou “concretizada”, quando o leitor a
legitimar como tal, relegando para plano secundário o trabalho do autor e o próprio
texto criado. Para isso, é necessário descobrir qual o “horizonte de expectativas” que
envolve essa obra, pois todos os leitores investem cer tas expectativas nos textos que
lêem em vir tude de estarem condicionados por outras leituras já realizadas,
sobretudo se per tencerem ao mesmo género literário. A história da literatura como
“provocação literária” é uma reacção contra a limitação da soberania do leitor na
estética marxista, onde está circunscrito à posição social que se lhe determina, e
contra a tirania formalista que “apenas necessita do leitor como sujeito da percepção”
(pp.55-56). A proposta de Jauss para uma estética da recepção da obra de ar te
pretende levar-nos mais além do estudo das condições de produção dessa obra e do
autor dela: “Se se olhar a História da literatura no horizonte do diálogo entre obra e
público, diálogo responsável pela construção de uma continuidade, deixará de existir
uma oposição entre aspectos históricos e aspectos estéticos, e poderá restabelecer-
se a ligação entre as obras do passado e a experiência literária de hoje que o
historicismo rompeu.” (pp.57-58).

Embora se registem diferentes pontos de vista no seio da escola americana conhecida


por reader-response criticism, os críticos atrás nomeados parecem concordar na
impor tância do leitor no que respeita à determinação do sentido de um texto, ao
contrário da tradição que toma o texto como uma entidade que recolhe já na sua
natureza o seu próprio sentido, deixando para o leitor crítico a tarefa de o identificar.
A reader-response criticism não valida este papel restrito do leitor mais como um
tradutor-intérprete do sentido do texto do que como um interpretador criativo que
pode agir sobre esse sentido modificando-o. Norman N. Holland, em 5 Readers Reading
(1975), ao comparar cinco diferentes mas legítimas leituras de um mesmo texto
literário (“A Rose for Emily”, de Faulkner), procura mostrar que é aquilo a que chama o
“tema-identidade” (identity theme) do leitor que constitui o sentido do texto. Tomando
como modelo inspirador as propostas de Wolfgang Iser sobre o leitor implícito e o leitor
real, apresentadas nas obras Die Implizite Leser (1972) e Der Akt des Lesens – Theorie
asthetischer Wirkung (1976), os críticos nor te-americanos proclamaram a falência da
objectividade do texto, aliás um princípio par tilhado pela desconstrução. O texto
literário deixa então de ser tomado como um númeno kantiano ou qualquer objecto
inteligível, para ser compreendido como um meio de estabelecer uma espécie de
contrato de concordância entre leitor e autor.

Hoje, o tipo de questões teóricas que pré-ocupam o estudioso do fenómeno literário


tende a concentrar-se, auto-reflexivamente, nos conceitos que dominam num dado
momento histórico e nos conceitos que sempre dominaram a própria história da
linguagem. Como propõe Stanley Fish, o principal divulgador da reader-response criticism
nor te-americana, a literatura não pode conter propriedades formais pretensamente
definidoras do que é ou não é a literatura: “A literatura é o produto de um modo de ler,
de um acordo comunitário acerca daquilo que deverá contar como literatura, que leva
os membros da comunidade a prestar um cer to tipo de atenção a criarem literatura.” (Is
There a Text in This Class?, 1980). O “modo de ler” não é fixo, mas varia ao longo dos 2
tempos, por isso Fish propõe a estética não como sendo a especificação definitiva de
propriedades literárias e não literárias, mas sim “uma descrição do processo histórico
pelo qual tais propriedades emergem”. O conceito de “comunidade interpretativa”
surge então como corolário deste conhecimento relativo da natureza da literatura:
“Os sentidos não são propriedade nem de textos fixos e estáveis nem de leitores
livres e independentes, mas de comunidades interpretativas que são responsáveis
tanto pela configuração das actividades do leitor como pelos textos que essas
actividades produzem.”

Todo o leitor pode ser de alguma forma, em algum momento, por algum motivo um
crítico. É impensável a crítica que não resulte de um acto de ler e porque este é a sua
origem, a escrita só se revela no acto de consumação da leitura. Não há
críticos/escritores em primeira instância. A produção do texto crítico só é possível
depois do acto de ler algo que também é escrita. A ideia bar thiana-estruturalista do
crítico como um prolongamento do escritor, continuando sempre a ser escritor, um
especialista da escrita, um demiurgo do texto, perde a sua lógica na origem: antes de
ser escritor, o crítico tem de ser leitor, tem que estar dependente, subordinado por um
dever de originalidade, a um texto já concebido. Não tem como missão a
reconstituição do objecto analisado, mas a sua interrogação, não a sua repetição, mas
a dissecação da sua natureza. Desde os Princípios de Crítica Literária (1924), de I. A.
Richards, que a prática crítica toma como princípio geral de actuação o postulado do
crítico como leitor, como um leitor mais atento e especializado, cuja missão é expor o
seu ponto de vista formado pela leitura explícita do texto literário. O Bar thes
estruturalista recusará esta perspectiva. Para ele, a crítica literária não é identificável
com a leitura, o crítico não é um leitor, porque este é aquele que se limita ao acto de ler
palavra por palavra um texto, simplesmente repetindo-o. Enquanto a leitura é
assumida como um processo de simples identificação com o texto, a crítica – não faz,
por tanto, sentido a separação que nos parece natural entre leitura crítica e leitura
espontânea, em que a primeira se refere a um exercício especulativo e a segunda a um
mero acto de descodificação verbal sem intuito de "tocar" no texto – coloca o crítico
a uma cer ta distância do texto.

A estética da recepção quer devolver ao leitor um estatuto estético e epistemológico


que é suposto ser mais impor tante do que o do autor ou da própria obra de ar te
literária. Tal questão arrasta vários problemas que os textos doutrinários da estética
da recepção ainda não discutiram. Se a recepção do leitor é mais impor tante do que
tudo o mais, tudo o mais – obra, autor, contexto, inter texto, etc. – perde valor teórico;
se uma obra de ar te literária só pode ser uma obra de ar te quando o leitor a validar,
qualquer obra de ar te, no momento da sua concepção e produção, ficaria
condicionada à existência de um leitor, isto é, de um estranho que não entrou no génio
ar tístico para este se poder exprimir; se um escritor só pode ver-se reconhecido
como tal quando o leitor o determinar, qualquer escritor viverá sempre na
dependência de um daimon ameaçador. Por tanto, não podemos enunciar nestes
termos a questão que conduz à soberania do leitor. O primeiro aspecto a salientar
para rever este problema é dizer que se trata não de uma questão de aferir produtos
ou validar méritos ar tísticos mas de recognição. O papel do leitor crítico não deve ser 2
intervir na produção da obra de ar te, interferir no trabalho do autor, emitir juízos de
valor sobre a obra criada a fim de a situar em qualquer lista de referência. Se um leitor
trabalha criticamente sobre um texto, não modifica em nada a razão em que o autor
desse texto quis assumi-lo como obra de ar te, por isso nenhum texto literário nem
nenhum autor depende da existência eventual de um leitor. Só podemos falar com
rigor de dependência existencial na razão inversa: não há leitores sem previamente
existirem autores e textos para serem lidos. A tarefa de ler do leitor só pode ser
iniciada quando o escritor tiver terminado a sua tarefa de escrever, pelo que o autor
está sempre numa posição privilegiada em relação ao leitor, apenas neste ponto da
validação da obra de ar te como tal. Ora, se um leitor quiser agir criticamente sobre um
texto, não tem que se preocupar, aparentemente, com tal questão. Contudo, se se
exigir colocar no prato da balança o texto produzido para poder ser avaliado o seu
grau ar tístico, o que acontece irremediavelmente é o divórcio imediato com a
percepção que o autor tem ou teve desse texto no momento da sua produção.

{bibliografia}

David Bleich: Readings and Feelings – An Introduction to


Subjective Criticism (1977); Didier Coste : "Trois
conceptions du lecteur et leur contribution à une théorie du
texte littéraire", Poétique, nº43 (1980) ; Elizabeth
Freund: The Return of the Reader – Reader-Response Criticism
(1987); Frank Gloversmith (ed.): The Theory of Reading
(1984); Jane P. Tompkins (ed.): Reader-Response Criticism –
From Formalism to Post-Structuralism (1980); Jonathan Culler:
“Prologomena to a T heory of Reading”, in The Reader in the
Text: Essays on Audience and Interpretation, ed. por Susan
R. Suleiman and Inge Crosman (1980); Leon Roudiez: "Notes on the
Reader as Subject", Semiotext(e), vol.I, nº3, (1975);
Luiz Costa  Lima (ed.): A Literatura e o Leitor – Textos de
Estética da Recepção (1981); Molly Nesbit: “What Was an
Author?”, Yale French Studies, nº 73 (1987); Norman N.
Holland: The Dynamics of Literary Response (1968); Peter
Brooks: Reading for the Plot – Design and Intention in
Narrative (1984); R. C. Holub: Reception Theory – A
Critical Introduction (1984);

Regina Zilberman: Estética da Recepção e História Literária


(1989); Stanley Fish: “Interpreting
the Variorum”, Critical Inquiry, nº 2 (1976); Id.:
Is There a Text in this Class?: The Authority of Interpretive
Communities (1980); Steven Mailloux: “Reader-Response
Criticism?”, Genre, nº 10 (1977); Umber to Eco: Leitura
do Texto Literário – Lector in Fabula: A Cooperação
Interpretativa nos Textos Literários (Lisboa, 1983);
Wolfgang Iser: "Indeterminacy and the Reader’s Response", in 2
Aspects of Narrative – Selected Papers from the English
Institute, ed. por J.Hillis Miller (1971); Id.: "T he Reading
Process

A Phenomenological Approach", New Literary History, nº3
(1972a); Id.: Der implizite Leser;
Kommunikationsformen des Romans von Bunyan bis Beckett (1972b);
Id.: "Interaction Between Text and Reader", in The Reader in
the Text – Essays on Audience and Interpretations, ed. por
Susan R. Suleiman e Inge Crosman (1980); Id.: "Les problèmes de
la théorie contemporaine de la littérature: l’imaginaire et les
concepts-clés de l’époque", Critique, nº413 (1981); Id.:
"T he Act of Reading", in The Theory of Criticism – From Plato
to the Present, ed. por Raman Selden (1988); Id.:

Prospecting – From Reader Response to Literary Anthropology


(1989); Hans Rober t Jauss : Literaturgeschichte als
Provokation der Literaturwissenschaft, 1970. (A
Literatura como Provocação – História da Literatura como
Provocação Literária, Lisboa, 1993); Id.: "Esthétique de la
réception et communication littéraire", Critique, nº 413
(1981); Id. Aesthetic Experience and Literary Hermeneutics
(1982).

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