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Oreomnr weet een Frxcerrte neu RiCn Tne Tmt rennet cidade, medo da distincia, Exe eee scene Eton trncunen etn necrat Perinat ak rc ae See moe eee ore eects Corrente roms Premera ete tay fect eset ents para o hospital dos brancos, dos ere mune nie al - Frantz Fanon Comprando este liv, voc® ajudou a Casa da Resisténcia/FOB, do Feira de ‘Santana-BA, no Combate ao coronavi- Tus entre trabalhadoras e trabalhado- Tes pobres. $6 0 povo salva 0 povol Frantz Fanon Mata COLONIALISMO CJERRA SEM QYMOS TERRA SEM CANS swyrterrasemamoswordpress.com "www. facebook.com/tsa.editora ‘wow instagram.com/tsa.editora ‘sa.editora@gmailcom TRADUCKO: FANON, Frantz. Medicina y colonia lismo, i: Sociologia de una revolucién. Ediciones ra: Ciudad del México, 1976 ita de Santana 34 Site: oeuvres. Tastagram: Gesu ao5! Brash, 2828. Sickel anor Errante Fanon. tke Titulo, coo: 329.501 (© exemplo argelino Acconsulta Vigilancia médica, cuidados e“duplo poder” A colonizagao 0 médico autéctone 0 médico europeu durante alutade libertagio 0 povo argelino, a tecnologia médica ‘en guerra de ibertacio SUMARIO Frantz Fanon MEDICINA E COLONIALISMO (0 EXEMPLO ARGELINO Acigncia médica ocidental, que penetrou na Argélia ao mesmo tempo em que 0 racismo € a humilhagio, como parte do sistema opressi- vo, sempre provocou uma atitude ambivalente nna populagao nativa, A mesma ambivaléncia 6 encontrada em todas as formas de presenca do ‘ocupante. Com a medieina, abordamos um dos tracos mais trigicos da situagio colonial, Objetiva e humanamente, é desejavel que um pais tecnicamente avangado fornega a outro 0 seu comhecimento e us descobertas de seus si bios, Quando adisciplina em questao diz respeito A saiide do homem, e quando seu prinefpio basi ‘co mitigara dor, fica claro que nenhuma cond: ta negativa poderia ser justficada, Mas a situacio colonial é moldada de tal forma que obriga 0s co- [MEDIGINA B GOLONIALISMO | lonizados vem numa confusio quase organica ‘ médico, o engenheiro, o professor, 0 policial © ‘aguarda tural. A visita dbrigatdria do médico ao dowar ou. vila 6 quase sempre precedida de uma reuniao do povo, a pedido das autoridades poli Cais. O médico que chega nesta atmosfera de co- tergio geral nunca é um médico nativo, mas sim tum médico que pertenee a sociedade dominante cemuitas vezes a0 exército. As estatsticasdostrabalhos de sade nfo sio interpetadas pelos povos nativos como uma tielhoria no combats is docngas cm gral, tas amo uma nova evidéncia Ga ocupagao do pas ‘Quando autoridadesfrancesas mostram sos Sistanteso sanatrio Tit Ourou ou as instal fies hovpitalarey de Mustafa, em Argel, dizem lictamenter “Bi o que tems fit pelos ha Bitantes deste pat; este pats nos deve tid no pan exitria sta €aorigem de wna ‘erladelrarestrigio mental no native, uma pro funda difculdade para ser objetivo, para sepa tara boa semente das ervasdaninhas: E claro que existe excegSes. Em certos pe tiodos de calma, em certas discussbes lies, 0 individuo colonizado reconhece francamente 0 aue & postiva na agdo do dominador, Mas essa fa fééimediatamente utllada pelo ocupante etransformada em justfcativa paraa ocupagio, ‘TR do Diva dminsatia rural G|FRANTZ FANON {Quando nativ, superando suas defesasinstin- thas eapés uim grande esforgo para a verdade, air: “iso € bom. Digo porque penso asst © colonizador transforma a frase c interpreta ‘io wdlembora, © que farfamoe sem voce?" ‘Assim, ao nivel da sociedade global, a0 nivel da sociedade colonizada, sempre descobrimes ssa atitude de fuga para evar qualquer attude ‘hatizada, prs justamente as ances ao iter pretadas pelo acupante come tm conve para fer aoe, como conti de ne Enpoténcia congenits, 0 povo colonizado coma umtodo e na ocasio de certs benfeitoes, rex {3rd de forma brutal, indiferenciada e catego x, aos setores aivos do grupo dominante. Em fxios extremos, no & taro ouvir as segues feflexdes: Nos mio te pedimos nal quem te ‘hamou? Leve seus hospitals e instalagBes por- {ula evltem para suas trms" © colonialism, depois de ter contado com ‘a conquista militar ¢ um sistema policial, tenta Jjustificar sua existéncia e legitimar a ocupacio por suas obras. Forado a admitir, em nome da verdade e da ravio, certas formas de presenga do ocupante, 0 coldnizado sente-se imediatamente preso por todo o sistema, ¢ adverte que a verdade da agdo médica na Argélia é também a verdade da pre- senga francesa na Argélia sob seu disfarce colo- nial, Portanto, como ¢ impossivel estar do lado do inimigo e do povo ao mesmo tempo, do seu MEDICINA B COLONIALISMO? | povo que deja ter uma existncla nacional em eu proprio slo, sua alternativas sto mui I Initadas: Rejelta em Bloc os médicos,os profes. Sores, os engenheits, os para-queditas im uma sociedade homogénes, a aitude do doente em relagio ao madico € de confianga, O dente se coloca nas dos do medio, ele se entrega a ee. tle entrega 0 seu corpo acl. Ele aceita que a mio do medica provoque ov agave Seu soffimento, pos o doentenio ignora que aumento do softimento durante exame ann cla paz em seu corpo. 1m uma sociedade homogénes, em nenhom momento 0 paciente desconfia do seu medic. Ein termos de téenea e conhecimento, & claro ue uma cert divida pode penetrar no esp to do paciente, mas éjustamente a falta de con franca no médico que pode minar a eonfianea Griginal. Este comportamento € universal e nos ® enconiramos em alguns enguadramentos ge ogrifieos nacionas, Mas também € Spo que, em certs eireunstincas, certs modiicagics Sensveis desta stuagio se manifestam, 0 prisioneiro alemo que va ser operado por um cirurgido francés, na fase pré-anestésiea, rmuitas vezes implora para nao ser morto. Da ‘mesma forma, enconttamos no cirurgiao uma preoeupacio especial de sucesso na operacio por eausa dos demais prisioneiros, pots ele no {gnora a interpretacao que poderia ser dad a uma falha operatéria, A | PRANTZEANON tém encontrado nestas situagdes particulares temas notiveis; apds cada guerra ha uma explo- ragio comercial real destes problemas. Os pri Sioneiros franceses dos campos alemiies os co- nheciam hem, pois pediam a seus compatriotas que trabalhavam na enfermaria do campo para Asst ds operabesrelizadas pelos cirurgies ‘ais situagbes se multiplicam em territ6rio colonial. A’ morte repentina de argelinos em hospitais, comum em qualquer servico de sai- de, 6 interpretada como uma decisio homicida consciente, como resultado das manobras cri ‘minosas do tédico europeu. A rejeicio a inter- nagio por parte do angelino expressa essa mar- gem de diivida sobre a natureza humanitéria do édico dominante, Devemos dizer, mesmo que no seja a regra, que em certos servigos hospi- talares, se praticam experimentos em pessoas vivas numa quantidade nada desprezivel: Durante décadas, apesar do apelo das médi- os, os argelinos tém tentado evitar a internagio hospitalar. Apesar do diagnéstico do técnico de 1 Gerold Fanceseshorpitalnads nos sevens silt ton do Hatin rancée ‘na Arlin vim eatas convuses ‘lépieas experiments promendas nos arglings eos pa sda Aa Nor, a inde areca as eats especie ‘aa una datas raga aes homens sabre oqo en mcs ances exo fando experincas, ah levads sob 0 "pre tt cetera raza de ceames comolementaes, 30 "ents a socidadeareling,« povo arin, pode demonsiar rae eosin hits 3 dein de prob ue caus nls fos ‘Smeal em ola nacional, |MEDICINA E COLONTALISMO 9 | ue qulguer divide pode ata seramente vida do paciente,geralmente encontramos uma Fecusa e uma recasa em transportar 0 pacien. te'ao hospital, © 0 consentimento € dado qua Sse sempre no iltimo momento, quando nao hhé mais nenhuma esperanga. B mesmo assim, «quem forma a decisio afar contro grupo; mas Gomo o caso & desosperador e a decsio demo ou muito tempo, na mairia das veres ha tm resultado fatal Estas experiécias io ao grapo mais um mo- tivo para efrgar sua erenga original no crater fundsmentalmente ruim do ocupentey mesmo qi de aja min ro arly ae dep Je muito esforco consequiu reduresigniieat ‘amente a tradicional desconfianga e impos a ‘mesmo a decisio de internagag, de repente Sentese ifinitamenteculpadosinferiorment, sles compromete a nio reptile. Os valores do frupo, momentanesmente abandonados, 80 ovamenteFeforgados eexclsios. Etasfamos cometendo um grave ero se de- siaiesemos de entender estes fates assimilando O comportamento descrito ao das populagdes ruraispobres dos pases europeus, Ocolonsado gue desconfia da internagio nto parte de vale feshomogencos como med da cigedey medo da Gintincia, medo de se sentirem desamparatos undo tpnadon da ca da ied de Srem envados para morret no hospitals med Rieter eneensomaet lonizado'naosereeuna a envi os doentes para 10] FRANTZ FANON hospital, mas para o hospital dos brancos, dos estrangeitos, do conquistador. 2 preciso, com paciéncia e lucider, analisar cada uuma das reagbes do colonizado, ¢ toda vez {que nio entendemos um fato devemos repetir due estamos diante de um drama mais profan- Gh, 0 drencontro imposed masta cap ‘aL Hf algum tempo se afiema que a recusa native em conta 1 médico europeu fol basoa da na fdelldade do nati aa ruae teenicas mo dicastradicionais ou na sua adesio aos feitice tos ou cutandeitos do grupo. Na verdade, esta uma realidade psicoldgica ainda muito visivel hd alguns anos, alo 6 entre as massas popula res dos paises geralmente avangados, mas tam- bam entre os proprios méaicos, Leriche relatou & hesitagio ou oposigio de certos médicos em utilizar 0 termbmetro, acostumados a tomar a temperatura no pulso, Tals exemplos poderiam Ser multiplicados indefinidamente. Nab se pode, Portanto,considerar uma aberraglo, em termos fe processos mentais, que certos individuos, acomtumados a praticat certos gestos dante de tima doenga, a adotar umm certo eomportamento za presenge da doenga conecbida como desor. dem, se recusem a abandoné-los porque outros estos Ihes sio impostos, ou seja, porque a nova {chica ge instala pela forga endo tolera a pre- senga de nenhim elemento tradicional Aqui também encontramos os mesmos fatos: “Abandonar 0 que tenho o hibito de fazer [MEDICINA B COLONIALISMO 11| quando minha mulher tosse e autorizar 0 mé- dico europeu a darthe injegio; ver-me literal- ‘mente insultado e tratado como um selvagem (isso existe), porque apliquei compressas na tes- ta do meu filho, que hé trés dias se queixa de ores de cabeca; dar razo a este homem que insulta.e nega os remédios que vém de muito longe ¢ um comportamento positivo no aspec to estritamente racional. E-verdade que, rigor, meu filo tem meningite e exige ser tratado como exigido pela meningite, Mas a conste Jacio colonial se configura de tal forma que o que éuma brutalidade fraterna e terna daqueles que s6 querem o meu bem, éinterpretado como uma manifestacio da hostilidade e da vontade Ge humilhagio do conquistador" Nao é possivel que a sociedade colonizada e ‘ sociedade colonizadora concordem em pres- tar homenagem, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, a um valor tinico. Caso a sociedade colo- nizada venha a expressar sua aceitagio de qual: quer aspecto da sociedade colonizadora, nao hi diivida de que se falaria imediatamente de inte- io em progresso. Devemos agora entrar no labirinto infernal, devido ao cardter tragico das relagbes gerais da sociedade argelina como pro- bblema da luta contra a doenga, concebido como ‘mais um aspecto da presenca francesa, Veremos tentio que ao longo da luta pela ibertagio come- ‘ca a surgir uma nova atitude do povo argelino ‘em relagao & tecnologia médica. 12) FRANTZ PANON A consuta © nlonado que visit 0 médieo & sempre um pouo rigid! ie respond com mons labob, @ moderado em suns explcagtes¢ logo provaca a impacienei do medio, Fssa aie Tio Ga mesa que ese tipo de edo mais ou ‘menos inoidor qu toda petton dosnt sents nt presenga do médico As expresses slo bum co hecids: tal médio sabe estabelecer um bom Contato com «pessoa dosnt falta o rela: fmentoe lbers tenstes. Mas justamente na Sinagio colonia as inkatasidiviuais alk herdade de ser voce meso, de tentaraleengar irl stag colonial a sociedade colonial Bm pouco tempo, o médico perde aesperanca de obter informacdes do colonizado € torna-se ‘mais especifico para o exame clinico, pensando que o corpo seri mais eomunicativo, Entretan- to, 0 corpo do colonizado 6 igualmente rigido. 08 misculos estio contrafdos e nio relaxados. © homem total, o colonizado, é confrontado 20 ‘mesmo tempo com um técnico e um caloniza- dor’, Cerlamente devemos ouvir as opinibes dos ‘médicos europeus que realizaram a consulta, ‘Tima obsonacis particular no mete ate geal do ca ‘sade, qo qoae mines estbclceFelagiar rent com 9 ea ‘ide coloniada no decker, ninconta, noeexpress ‘a presenea do coloivator Vena comaniagio ao Congreso de Psguatrse Nourlagltas i Meguafancsa de 155 Sob ‘ing araina a contest na pica aio ea. [MEDICINA E GOLONTALISMO 13 | Mas também devemos ouvir os pacientes quan- do eles stem do hospital, Enqunnto os maizos diner: “A dor nels € protopatica,pouco dif: renclads, difisa como hos animal € mais uim Malena geal do que uma dor loaliada’ os ‘jrmos dem: "Hes me perguntaram o que eu tenho como seu fosse medic eles acham que So superiorese nem so capazea de suber o que Hidde erado comigo; desde que entramos, ees tm nos perguntado gual €o nosso problema (Qs médicas dizem: “Essas possoas slo vulga: res". Os doentes indicam: “Eles néio me inspiram confianea’”, Enquanto os médicos dizem que os colonizaidos nio sabem © que querem, se para ficar doentes ou para curar, os nativos repetem: “Sabemos como entramos em seus consultérios, ‘mas ndo sabemos como vamos sait, e mesmo se ‘vamos sair”, Rapidamente o médico e a enfer- ‘meira elaboram uma regra de acio: com essas pessoas, nio se pratica medicina, mas a arte dos veterindrios (Sim, iso jd foi dito’. Finalmen- te, por uma questio de tenacidade, 0 médico cconsegue ter uma ideia aproximada da doenca prescreve um tratamento que As vezes nio 6 seuido, Os socilogos propdem entio uma ex plicagdo e colocam esse comportamento sob & rubrica do fatalismo. A anilise deste comportamento, que pode ser constantemente observada dentro do qua ‘Tame qe fi um cera mere de miicos qu ose ‘ronment, deforma harsna” Ma nerf Sk prssamnene etn tle boo ome on otroes 14 | FRANTZ FANON dro colonial, permite-nos, ao contxiio,chegar ‘outras conclusdes uandoo colonizado escapa do médico epre- secta nintagrdade do seu coro, ee pana gus funhou wma grande bata, Bar ocoloniado, ‘consulta ésempre um test. Quando asupero: "ade do colotador se eee apenas em a uns comprimidos ou xaropes ere tomados pelo paciente,ocolonizado tem una impressio de stéria sobre o inimigo, O final da consulta termina como confront. Os medicamentos ¢ Conselios representam apenas a escola deste teste. Quantoaofataliamo, essa aparentereeusa do pat em dever a vida do filho a0 colonizados, devesr estudada sob duas prspeetivas. Prime fo, hd ofato de que o colonbado, como todos os omens nos paises uberenaridon eon dese lados em todas as regies do mundo, pereebe a vida no como o lorescimento ou desenvol mento de uma ferlidade essencil, mas como tia lata permanente contra a motte atmoats lea, Que tquase morte se materializa em fome endémica, desemprego, epidemias, complexo delinferiosdade e falta de futuro sas ameacas ativas e obsticulos & existén- cia dos colonizados dio as suas vidas uma sen: gio de morte incompleta. A atitude de rejeica0 4 intervengio médica nio é uma rejeigao da vida, ‘mas uma enorme passividade diante dessa mor” te préxima e contagiosa. Numa outra perspecti- va, aauséncia de um comportamento adequado sublinha a desconfianca do colonizado em rela- |MEDICINA B COLONIALISMO 15 | «gio a0 técnico colonizador. As palavras do téeni- Co sito sempre interpretadas de uma forma pejo- tiva. A verdade objetiva esti constantemente viciada pela mentira da situagio colonial. VIGILANCIA MEDICA, CUIDADOS “DUPLO PODER” Seo argelino colonizado éum mau paciente,é inda pior como doente. Irregularidade na inges- tio de medicamentos, erro nas doses ou na for ma de administracio, incapacidade de valorizar aimportincia de visitas médicas regulares, atitu de paradoxal, frivola em relacio a dieta preseri- ta estas sdo as particularidades mais notaveis e ‘comuns apontadas pelo médico colonizador, Dat 2 impressao geral de que o paciente brinca de se esconder do seu médico, 0 médico nfo tem con- tole sobre o paciente. Apesar das promessas € juramentos, verifica a cada instante a presenga ‘de uma atitude de fuga e irresponsabilidade. Os esforeos do médico e sua equipe de enfermeizos para mudar este estado de coisas sio dificult {dos nao pela oposicdo coerente, mas pelo “esa parecimento” do paciente. Em primeiro lugar, 0 paciente nao retorna, ainda que Ihe tenha sido explicado detalhadamente que sua doenca, para ser curada, requer uma série de exames periédi- os. Osdetathesestio escritosnareceita,aneces- sidade de vigilancia constante foi-the explicada com precisa, ¢ ele se comprometeu solenemen- tea visita o médico em uma data fia. O médica 16 | FRANTZ FANON ‘espera por ele em vio; o doente niio voltari, E se ele voltar, hi evidéncias alarmantes de que a doenca progrediu terrivelmente, Na verdade, 0 oente retorna cinco ou seis meses depois e as veves um ano depois, E algo mais sério: os me- dicamentos nao foram tomados, Uma entrevista com o paciente revelou que eles s6 foram toma- dos uma vez ou, como as vezes acontece, que @ dose planejada para um més foi tomada de uma s6 vez, Talvea valha a pena parar para considerar esta particularidade, #4 que as explicagées suge- fdas nao sio satisfatorias, A tese socioligica nos diz que o“indigena” es peta firmemente ser curado de uma ver porto: {as, Na verdade, para. indigena, a doenga nfo void progressivamente mas atacao individuo ‘om bnitalidade, de modo que a agio dem re. media resulta menes des epetea cain, rltmiene progressia do que de seu carder mas: "vo de sha ago simullanea e totaly data pref FEncia queos indigenas em plas injecdes, De fscordo com esta tese, 0 curandeiro deve car em um instante. Peregrinagées a um santuario, &confecgio de amiletos ou a redagio de um reritos estas medidas terapeutias sto aplica ediato com a mixta eicdcin Assim como negligenciar um dever ital ou voiaruma proibigao desencadein a doencs, realizar certas 0 3 precrgds do candio ga festabelega o equilibria entre as diferentes focgan envolvidasnavida do grupo. |MEDICINA BE COLONIALISMO 17 FE verdade que essa explicagio tem uma parte de verdade, mas parece-nos ue a interprelagio de um fato novo, nascido da situagio colonial, Ge atitudes anteriores & conquista estrangeira € segundo uma perspectiva andloga, € de cer ta forma falsa, mesmo que se descubram lacos estreitos de parentesco com esquemas tradicio fais. Temos visto que a dominacio colonial de sencadeia estimula um conjunto de compor ‘amentos agressivos e de rejeicdo por parte do colonizado. Fst ultimo faz um esforgo conside- rivel para se manter afastado do mundo colo pial, para nio ser um alo fécil para a aeao do conguistador. Na vida cotidiana, porém, coloni- zados eos colonizadores nio deixam de estabe- Tecerlagos de dependéncia econdmica, tecnica ou administrativa. f claro que o colonialismo twansforma todas as caracteristicas da sociedade auéctone, O grupo dominante chega com seus ‘aloren osnpecom tana vlenca ea pro pria vida dos colonizados éencurraladae ha defensiva, na clandestinidade, Nessas onc Ges, 0 dominio colonial desnatura até mesmo as relacBes que o colonizado tem com sua pro pria cultura. Em um grande niimero de casos, a Dratica da tradigao ¢ uma prética opaca, pois os Colonizados nao podem rejitar completamente as descabertas modernas #0 arsenal de contro Ie de doencas representado pelos hospitis, am- buldncias, enfermeiros.. Mas 0 colonivado que acl aintervenci da ieniea medica se 40 for ao hospital, esté sujeto a uma pressio sig- nlfatva do seu grupo, todos tadiionais de 18 | FRANTZ FANON cura si splicadosslém da moderna tecnologia rédica,“Doisremedie valem mais do que Devemos lembrar que multas vees 0 colonia do que aceita penislina ot digtalina segue iultaneamente © tatamento prescrto pelo Curandero em sua vila ou barr © eolonizado peroebe confusamente que a penillina mai ecg, mas por rases pai Ens psicolgieas e socnis (ocurandeito tem um papel e uma necessdade de viven ele €obrign. fora recorer também § medicina tradicional Paicologicamente, o colonizado nao pode rej tar faclmente, neste setor especie, os cost ie do grupo, as reaybes de sua cultura doen { Ingerir medicamentos, mesmo que maven, Signiica admit, limitagn mas sem ambiguide de, a penetragio ocidental. Significa expressar onflangaina ciéncla médica do estranged. Ab- Sorvera dose inteta deumna ver signif itera mente pagar sua dvida com esta elena Assumir um comportamento que se desen- volve com o tempo, respeltose de una forma {uase obsessva da prescricao do colonizador € slgo qvaseimpossvel nests casos. Na verdad O outto poder interventor em paraeloe qua 0 eireulo purifeador da terapoutca octal, Cada comprimida que €ingertd ou cata inj Ereplicada com cortas cerimbnias prévias ou om uma visita uum curandelo, As woes surge to enfermo o medo de ser um campo de bata: tha deforgas diferentes eopastas,Hste medo di origem testes importantes eta o quad da MEDICINA E COLONIALISMO 19 | doenca muda. Mais uma vez, mundo colonial se manifesta em toda a complexidade e multi plicidade de suas facetas. Surge continuamente ‘a oposigao de mundos que se excluem, a intera 0 contraditéria de diferentes técnicas, 0 con- fronto veemente de valores. 0 COLONIZADO 0 MEDICO AUTOCTONE Astuagio colonial nose contenta em vicar a selagio entre médico e paciente, Temos moe trado gue o médico aparece sempre como um lo da cadcia colonialist, como’ ports or da pln ocuname Agora Yeremon qe ext am iguldade da doente Trent tecnologia medica ‘manifesta também quando o médleo fas parte 4 povo dominado, 1d uma manifesta ambiva léntin do grupo calonieado para com qu tum de seus membros que utilize uma téenica fu uma forma de compartamentotpiea do con guitar, Pra pro, na verdad, 0 6nic idigena a prova via de que qualquer um de fun membros € capa deer engenheit, advo gudo ou médico, Masaomesmotempo eno final, Ea prova do abismo que existe entre 0 grupo ho- mogéneo e fechado, e a desercio das categorias pcoldgicas ou emocionaisespeciicas das pt fas, O méieoindigena & um médica europe 2ado,ocldentalzado,eem certas circunstancias ni Gconsiderado parte integrante da sociedade dominada. Hl €taitamente empurrado para 0 campo dos opressores, 0 campo inimigo. Nao & 20| FRANTZ FANON por acaso que em slgumascoldnins, para cara: ferizare homem avangado,éusada vexpressio: "Hleassumin os costumes do amo" Para grande pate dos colonizados, 0 médico aulgctone 6 equiparado ao poliial autSctone, 0 {allo notirlo,Ohomem colonizado se ongutha fos sucessos de sua rece, mesmo tempo, alien peoratvamente técnica. A aitude APimédied autéctone em relagio 4 medicina ta. ‘clonal de seu pas tom sido caracternada ha muito tempo por uma inegivel agressivdade, O meio sutdetone sents psicologieamente brigade s enfatiarforemente ma necente en: trada em um univers raiona; da a tendencla aterta a se desviar das praca bdsias de se ovo, Hé uma ambivaléncia por parte do colo ado em relagdo ao médice autctone, assim como por parte do médico autdetone em rela (Goa certscaracterieticas denn cultura ge incuta o encontro entre o medion eo doente, Em primeiro gan enfermo coloninado que determina reap, Assim que for recone ‘ superioridade das idonias ocidentas bre os métndostradiionsisdecura, ele seha preferiel fecorter aos colonizadores qu sio de fato “os ‘erdadeiros danos da tcnica Do ponto de vista ntl comm ver gue 8 meen ropes reeeher tanto pacientes argelinos com> teuropeus,enquanto os medicosargelinos ger. ‘mente 86 recebem argelins. Claro que existem lgumas exces, mas em geal esta deserieao "lide para a Argalis, Dewido A complex in. -MEDICINA E COLONIALISM 21 | teragio das leis psicoldgicas que dominam a soeiedade colonizada, o médico autéctone esté muitas vezes em uma situagio falsa, Aqui, nos Iembramos de forma pritiea do drama dos inte lectuais colonizados antes da luta de libertagao, ‘Vamos agora olhar para as mudaneas mais importantes introduzidas na Argélia pela guerra nacional de libertacio. (0 MEDICO EUROPEU DURANTE ‘A LUTA DE LIBERTAGAO ome repr, 0 médico colonizarassumiy a atitude do seu grupo em relagao a luta do povo argelino, Por tras do “médico que costura as fe- tidas da bumanidade’, esté.o homem, membro de uuma sociedade dominante que se beneficia na Argélia de tum nivel de vida incomparavel- mente superior ao de seu colega metropolitano*. Tipit médica ms canis fequentmente stun um ‘ardor Ge patria sematond. teres de dun Gets, ‘Senda de penta ov visa BY, rio plone, {Bes oe sadteraia sand setae de um cane” Sagano a vrdade gat ton nin port nna Stiga, Seat dlmo cu, on tesco geralmento Enlocam pacientes dena capa eps 10020 ina ficlram quo avast erin. Aconoce amin auc mE {fo av fc utara (hd isn exemple ta Neda) for Ese saografias com saad dew aptador de po, AiCaconemos eta do um mon oropen ae rain em {abs Gogo de Onna: el conta como em dias de fmeveadoyanow st 20.000 rancos em una man de te ihe, "repro tésscrogas de taranhos dierent, cen de vo lpn, digo ao poet: eal neg rare qr, oF 22 | FRANTZ FANON Além disso, nos centros de colonizagio, 0 médico ¢ quase sempre, ao mesmo tempo, um latifundidrio. f excepcional ver na Argélia, tpi cea coldnia de povoagao, um médica que ndo se dedica & agricultura, trabalhando o solo, Quer tenha herdado a terra de sua familia, quer a te- nha adquirido pessoalmente, o médico também um colonizador. A populacao europeia na Argé- lia ainda nao deu origem, de forma decisiva, aos diversos setores da vida éconémica. A sociedade colonial é uma sociedade dindmiea, mal estrutu- ada, ¢ 0 emigrante, mesmo o técnico, assume sempre um certo grau de polivaléncia, Em todo europeu que vive nas coldnias, hé o industrial, 0 fazendeiro, oaventureiro, Mesmo no funcionérin piiblico que é enviado por dois anos para uma co- 1Bnia, ha certas perfis p O individuo europeu na A lugar em uma sociedade estruturada e relati- vamente estivel. A sociedade colonial esta em perpétuo movimento, Cada colono inventa uma nova sociedade, desenvolve ¢ inicia novas estru- turas. As diferencas entre artesios, funciondrios piiblicos, trabalhadores e profissionais liberais io mal definidas. Cada médico tem suas prd- prias vinhas e o advogado cuida de seus campos de arroz com tanta dedicacao quanto qualquer colona, 0 médico ndose define socialmente ape- nas pelo exereicio de sua profissio. Ele também dono de moinhos, adegas e pomares, e seus 5,100 0 00 anon?” Que rempro, nos di ae mcm, ‘piclonteesalbe jen mascara |MEDICINA F COLONTALISMO 23 conhecimentos médicos sio apresentados por ‘ele como uma mera distracRo. Por nio depen- der exclusivamente de sua clientela, e por obter ‘enorme renda de suas propriedades, 0 médico assume um conceito particular de moralidade profissional e prética médica. orgulho coto- nialista, 0 desprezo pelo cliente, a brutalidade ente nativo, a total falta de Sthunao preciso dos clientes para viver™ O me dico de Besanson, de Lidge ou a Basia gia dopals ese refugia no setorecondmico definido poratia teniea tim contato com una Ihumanidade constan temente frida, « dos doentes ou indefesos, 0 tedic se cla no plano don alors, Dal sua tfllagho regular a partidos democriico esas iéig antcolonalstas, Mas nas coldnas, ome Gico faz pare da colonizago, da dominagao, da txploragdo. Na Argélia, no, devemos nos preender que médicos ¢professores universit Fos estjam a frente dos movimentos colonial. Do ponto de vista econdmico, o médico arge- lino esta interessado na manutencio da opres- sio colonial. Nao se trata de valores ou princi pias, mas do nivel de vida incomparavelmente levado que a situacio colonial Ihe proporciona. Epor isso que muitas vezes ele se torna um lider milliciano ou um organizador de raids “contra tervoristas’, Nas coldnias, em tempos normais, ‘ow seja, fora da guerra de libertacio, ha no inte Iectual algo do cowboy e do pioneiro. Em um pe- 24 | FRANTZ FANON riodo de crise, 0 cowboy empunha seu revélver fe seus instrumentos de tortura, Nesta terrivl guerra que enstnguenta a Ar aia, € precisa fan um esforgo para compre- Ender certosfatos, objetivamente dolorosos em uma situagio normal. Oassassinato de alguns rédios na Argélia nunca fol devidamente x Blleado no mundo. Nas guerras mals crags, « tradiedo exige que o corpo medic soja deixado de lato. Por exemplo, em 1944, quando lbera ‘nos uma vis na reqito de Belfort, deixamos fuardasna porta de uma escola onde crurgies Slemies operavam os feridos. Os politicos ar- felinos nao desconhecem a existencia das Tes guerra es conhecem bom diuldade do problema ea damien naar de popula Européia, Nese caso, como podemes explicar a deciao contra a vida deum medica? ‘Isso acontece quase sempre porau o proprio. ee a comportamento, decidiu ex- ulrse do cirel protetor que ox prineipios © ‘alores da profissio médica fesom ao seu Fedor. O médico que morreu isolado na Anglia 6 sem: pre um eriminoso de guerra, im uma situacio Colonial existem realidadesespectBeas. tm uma Aleterminada regio, o médica € 4s wezes o mais Sedento de sangue’e implacivel dos colonic dores, Sua qualidade coma médico entio desa- parece, Assim como era médion e proprictrio, {gor é um torturador e apenas aedentalmen: touum médico, Por outro lado, «autoridade do- Iinante organizou o “comportamento geral do MEDICINA B COLONIALISMO 25 | méatco” diante data libertadora Assim, qual uet médico que trate um argeling com urna fe ‘Ada suspeita deve, sob amesga de puniglo,to- tna o nome do pacionte seu endereco, 0 nome Gnqusles que-o companham, seus enderegos © comunicilo ds autordades" Quanto 20s farmactuticos, logo foram orde nado ano vender medicaments como pent Tin, estveptomtcina,antidtcns em ger, deo. tl, algodaoestriizdo e sono antteniea, sem 8 devlda preserigdo médica, Além disso, eles f fam fortemente aconselhados a anotar 9 ident Ente do comprador eo enderego do pacente A partir do momento em que estas medidas passaram a ser conhecides pelo povo, confirma: Fim sua certeza de um pertelo scordo entre os Colonizadores para combaté-tes. Convencidas de que eseas ordens estavamn sendo exceutadas por médlicos efarmacéuticos europeus, a8 aut ‘TO Glin de Onda dow Mics na Trans stow ma posi mul ross sb eats moda, de sadn com 8 [Bande dio tances, Aun nou pean, © peor dale em arial rg 90 Const de Ors os ‘niin gl do Constantin ede Oran, eset or trade ene nem tenures cob Set peters al profesional pes wlan, Combro abe go in ven ana psar cmamasnn soe, SShauuforsnelgtocn a aj les amigo ini: Fike ov ovale qu go de eal mo tke by ml dow tr tds pct co tess data, ndgndentonats ec condi, anal {dt sutessntint qieom”Dgos {ining on hn conpeur ecru sumer ‘Sondons dns euiades ancora 26 | FRANTZ FANON ridades francesas colocaram policiais & paisana ‘¢informantes em torno das farmacias argelinas, Him certas regides, o fornecimento de medica. mentos hava se tornado um problema dif © joroso. # impossivel obter dleool, drogas sul- fatadas e seringas, Em 1955, o Comando Militar Francés, em seus edlculos das perdas argelinas, quase sempre incluia um certo ntimero de hi otéticos feridos que “sem os devidos cuidados médicos deveriam ser considerados mortos". © médico colonizador também reforgou a sua pertenca & sociedade dominante através de certas atitudes. Quando o processo judicial dos argelinos que permaneceram vivos apés o in cio dos interrogatérios policiais, muitas vezes a defesa solicita um exame médico forense. As vezes este pedido dos advogadas 6 atendido, O édico europeu designado sempre relata que nada no exame pode levar & suposicao de que © acusado tenha sido torturado. Rxcepcional- ‘mente, no inicio de 1955, alguns argelinos foram chamados como especialistas, mas esta pritica foi rapidamente banida. Além disso, os médicos europeus, que chegaram ao ponto de apontar "a cexisténcia de elementos que poderiam sustentar 4 hipétese de lesdes que provavelmente se de- viam ao tratamento mencionado pelo acusado" desencadearam imediatamente um contra-in. terrogatério. Obviamente, esses médicos nunca mais foram chamados de novo, Acontece tam- ‘bém que um médico europeu na Argélia emite lum certificado de morte natural 4 autoridade -MEDICINA B COLONIALISM 27| Bb eee emma nea arr ears UR arate angst eyecare engl Aaa Se ee EE sein Sea pain mE Se ray settee eee erin oneness ence AM oh ann a aaa ‘Todas as academias médieas em todos os pa foes do mundo condenaram formalimente 0 uso desta pritica para fins judicial, e 0 médien que iol ates principios solenes écolocado fora das Tormasfandamentais a medina Um medicg ue faz guerra ao seu povo, como médico, deve ‘spelt as leis oternacionals de sa profs. 28 | FRANTZ FANON ‘Um médico criminoso, em todos os paises do mundo, é condenado 4 morte. 0 exemplo dos médicos nos campos navistas onde foram rea- lizadas experiéncias humanas 6 particularmen- te edificante. Os médieos europeus na Argélia usam 0 “soro da verdade” com uma frequencia surpreendente. Recordemos aqui as experién- cias narradas por Henri Alleg em La Question’ Nés mesmos temos tratado homens © mu- Iheres que foram submetidos a essa tortura por muitos dias. Em outro lugar estudaremos as gra- éncias dessa pritica, masa partir de agora podemos ‘apontar que a sequela mais im- porlante se manifesta como uma incapacidade de distinguir entre verdade e mentira, e como ‘um medo quase obsessiva de revelar o que deve ser escondido’, De fato, & preciso lembrar que dificilmente hi um argelino que aio conheca algum segredo da Revolucao, Meses apés a tor tura, o ex-preso hesita em dizer seu nome, sua cidade natal... Qualauer questio 6 experimen- tada como uit repetigao da duplaunidade do ‘executor-torturador. Outros médicos, comissionados nos diversos centros de tortura, intervém apés cada sessio, ajudando 0s torturados a se recuperarem e pos. sibilitando novas sessdes. Neste caso, o impor. tante € que o prisioneiro nio morra, Tonicos cardiacos, vitaminas em doses macicas, antes, durante € apds ax sessdes, sio aplicados para Tia Quin, BA de Minit, 1951p. 74 segues -MBDICINA B COLONTALISMO 29 | manter o argelino entre a vida e a morte. O mé- dico intervem dex vezes, e dez vezes entrega 0 prisioneiro ao carrasco. Dentro do corpo médico europeu ma Argélia, especialmente no corpo de saiide militar, tais, situagdes sio comuns. A moral profissional, a Gtica médica, o respeito a si mesmo e aos ou- tos, deram lugar as atitudes mais primérias, degradantes e perversas. Finalmente, énecessi rio apontar 0 costume de certos psiquiatras que ‘correm para ajudar a policia. Assim, os psiquia tras de Argel, conhecidos de um bom nime- ro de presos, aplicaram choques elétrieos nos aacusados e os interrogaram na fase de retorno -consciéneia caracterizada por certa confusdo, abandono da resisténca edesaparecimento das Aefesas da pessoa, Quando, felizmente, esses homens sao liberados porque, apesar dessa bar- bite, 0 médico nio obteve nenhuma informa- co, tudo 0 que resta é uma personalidade des- ‘rufda, O trabalho de reconstrucdo do homem é, portanto, extremamente dificil; este é um dos ‘muitos etimes de que o colonialismo francés é culpado na Argélia’ Tings medio mites, chamados & bea de Sito do um foldadoarelinn feo em combat, se recuando a intr. (© pretest ofc gra que nia via qualquer possbidade de ‘Adri. Eotetann, pss a more dest argelio, o medion ‘eeoneceram queen solo The pare prtertelpisto {Goi com a tonsequene obriagio se alimentsto enquant Stuardsee a pena de morte. Os argligs Ga repo de Ma ‘Shem que o rene spar bats ope crsanguenado dos Tendo de gues, detdor nos coredares do esabelciment {40 | FRANTZ FANON (0 POVO ARGELINO, A TEGNOLOGIA MuDICA BA GUERRA DE LIBERTAGAO Vérias vezes tivemos ocasiio de apontar 0 surgimento de virios comportamentos radical: ‘mente novos na vida privada e publica do povo argelino, 0 aba, que qucbro ax cadeas do colonialismo. equilibrou atitudes exclusivista, reduziu posigdes extremas ¢ tomou obsoletas algumas teses controversas. A ciéneia médica @ as medidas de saide sempre foram propos: {as ou impostas ao povo pelo poder ocupante, Entretanto, na situagdo colonial, as eondicoes tmateriais e psicoldgicas para aprender sobre hi tiene ou assimilar nogbes sobre epidemias ndo podem ser alcangadas. Na situaglo colonia, ir Yer 0 médico, o administrador, 0 comandante da. policia ou! 0 prefeito sio comportamentos idénticos. A falta de interesse pela sociedade colonial ¢ a desconflanca dos representantes da autoridade sio sempre acompanhadas por uma falta de interesse e uma desconfianca quase me- cdnica em relagao as medidas mais positivas e benéficas para a populagao. Vimos que, desde os primeiros meses de luta, as autoridadés france: sas decidiram exercer controle sobre antibist os, er, dleool, soro anttetinico... 0 argelino que desejar obter algum desses medicamentos deve fornecer ao farmacutico informacées de talhadas sobre sie sobre paciente. No momen- to em que o povo argelino decide nao esperar mais pelo tratamento, o colonialismo proibe a vvenda de medicamentos einstrumentos ciring [MEDICINA B COLONIALISMO 1 | «cos. Quando o povo argelino quer viver e cuidar de simesmo, o poder ocupante o condenaauma horrivel agonia. Muitas famtlias assistem impo: tentes e com 0 coragao cheio de ressentimento 4 morte atrox do tétano dos moudjahidines fe- Fidos, que se refugiaram em suas casas, Desde 0 primeiros meses da Revolucio, as instruces da Frente Nacional de Libertagio tém sido cla ras: qualquer ferida, por mais benigna que seja, deve ser tratada no local com uma vacina contra ' tétano, O pova sabe disso. # quando a ferida, ‘que parece mé, foi lavada da terra que a cobria, de repente a meda do tétano se espalha. Agora, ‘ordem é categérica: é proibida a venda da vat tina contra 0 tétano, Hoje, dezenas de argelinos podem descrever a morte lenta e assustadora ‘de um homem ferido que foi progressivamente paralisado, depois contra-atacado, e mais tarde hhovamente paralisado pela toxina do tétano. Es tas testemunhas nos dizem que ninguém pode ficar no quarto até o final Batretanto, o angtino, as vezes encomen dando suas compras a um europe, vé que ele fetorna sem aifeuldade com os medicamentos hecessdrios © argelino havia supicado ante Honmente 4 todos os farmacGutieos foals, zo final teve que abrir mao de suas pretenses fuando percebeu o albar duro e inquisitive de {ods eles, Ao inves disso, 0 europeu volta com 1 ioe ces de medicaments conan ¢ inocente: Tais experiéncias nio tm proporeio- mde ao argelino um jlgamentoequdibrado da '32| FRANTZ FANON minora europa. A cignciadespoitiada, a ci- Tia serfs do homem 6, ¢ sun maiode inexistente nas cofinias Pars oargelno que di Fantehores implorou sem sucesso, com dish ona mio, por 100 grames de algodao ete 0 mundo éelonialists € um bloc monoitcn, Goma ool também proto, as frida 80 Tavadas com ium morma e as amputagoes 880 reaizaday sem nnestesia, pos a venda de ter também ¢ provide Mas essas substinciasindetectiveis, que sho smonopolizadas pelo adversirio e retiradas de Greulagio, azsumem tim now valor. Tals medi amentos, usados quase mecanicamente antes da Tuta de Iibertago, so transformados em ar mas. As eGlulas usbanas encarrogadas de fore: ter medicamentos sio tao importantes quanto aquelas cuja missio € obter informagaes sobre on planos ou movimentos do. adversrio. As: sim como o comerclante arglino descobre os melos de obter rceptores de ido para o povo, 6 farmactuticoangelino, a enfermelra angelina, 6 médico argelino, mutiplicam seus esforcos para qt os antbigtcos e outros medicamentos possam ser aplicados aos feridos. Durante os meses eruciais ce 1956 e 1957, grandes quantidades de medicamentos uem d ‘Tunisia e do Marrocos, que io salvar um mero incalculavel de vidas humanas. O desenvolvimento da guerra na Argélia, aor. sganizagio de unidades do Bxército de Libertagio |MEDICINA F COLONIALISMO 33 | Nacional em todo o tetitiio, coloco o proble tna dae pbc do forma dramatic Am tplicagdo de dreas pergosss para o adversiria levouo a interromper suas atividadesreglares, Como o transito de médicos para os douars, De tim dia para o outro, 0 povo fot abandonado ropa sorte a Hrente Nacional de labertagio fot cbrigada a tomar grandes medidas, incluin Go sorganiagdo de um sistema de sade capaz de substtir a vistas regulares do medic calo- stn Asim responsvel pelo cxidao com f snide na echula local tornotrse tim merbro importante do aparato revaluciondro. Por ov to lado, os problemas esto se tornando cada tee mais compleos. Além dos bombardelos © Gnepresao ao ci, agora se somam as doen. Gas naturals, Nao podemosfgnorar fata de que fara cada soldado angelino, dex cis sho mortos Ei feridos. Os depolmentes dos soldados fan: Ceses neste respato sho muito numerosos. De agora em dant, medicamentos e teenies s20 indspensdeels.Buranteeate perfodo so dadas trdens aos estudantes de medina, enfermetras ¢ médicos parasejuntarem aos combatentes AS Feumies sho organizadas etre ideres politicos Cespecialstas medics. Apds um certo tempo, Aclegados da populaga enearregado Se prble fhastde sade publica se juntam a cada célula ‘Todas estas questdes sto examinadas com um trite revoluionario exceptanal 0 paternalismo e a timidez foram excluidos. Pela contrario, é feito um esforgo sustentado $34] FRANTZ FANON para implementar um plano de satide perf mente elaborado. 0 técnico de satide nao inicia “trabalho psicoldgico de aproximacZo para con- vencer as pessoas subdesenvolvidas”. Trata-se antes, sob a direedo da autoridade nacional, de zelar pela sate do povo, protegendo a vida das nnossas mulheres, dos nossos filhos e dos nossos combatentes. lipreciso ver claramente anova realidade que consul na Argélia, desde 1954, o surgimento dleuma potoncia nacional des autoridade na- onal lesa ade do poo ee sus macs co ovo abandonaa sua antiga passvidade,Opovo, Mobilaado nesta luta contra mort, contribu para o cumprimento das instrugSes com ex capclonal consciéncia e entusiasmo, 0 médico argelino, 0 médico autdctone que, como ji vimos, foi considerado antes do combate nacional como embaixador do ocupante, é rein- tegrado ao grupo. Dormino no chao com os ho- mens e mulheres das mechtas, vivendo o drama do povo, o médico argelino se torna um fragmen- to da carne argelina, A reticéneia do periodo de opressio absoluta desaparece, le nao é mais “0” ‘miédico, mas “nosso” médico, “nossa” técnico. A partir de agora, o povo exige e garante uma ‘tdenica livre de seus elementos estrangeiros. A guerra de ibertagio introduriu a tecnologia mé- ica eo téenico autéctone na vida cotidiana de ‘uitas regides da Argélia, Algumas comunida- dei Alcs consttuias por um corto nimero de cass |MEDICINA B COLONIALISMO 35 | es, acostumadas a traig de médicos europeus, finalmente veem médicos argelinos se estabelecerem defini ‘mente em suas vilas, A presenga simultinea da Revolucao e da medicina é evidente. f facil entender que estes eventos consti- tuem 0 substrato de uma paixio ineomparavel 0 ponto de partida de atitudes inovadoras. Os problemas de higiene e profilaxia si abordados hum ambiente criativoexcepeional As latrinas, que os planos de higiene elaborados pela admi- nistragio colonial nao conseguiram tornar acet- taveis nas mechtas, estio se multiplicando. As nnogies sobre a transmissio de parasitas intest- nais sio imediatamente assimiladas pelo povo. ‘Auta contra a agua parada e contra as infecgies congénitas tem alcancado resultados espetacu- lares. Nio sio mais a8 mies que negligenciam seus fillhos, mas a aureomicina que esta faltan- do, O pov quer ser curado, cuidar de si mesmo © entender as explicacdes de seus irmaos que sio médicos ou enfermeiros". As escolas para Tia arn oo, pereer uma modanca a atude do aelno em relan aos haste do nenpane Acontec is sont ai mca eum medeane® ou una cota of ‘close, lnposirel de serena nme ger aslevs o medica acinelaro cil aeracuare om ho Dal rgd prion ancses. le qu Resadese reeus lanes ds Revlugio deapareceram, ea ppulacoatonde stags do meso srgetine da gure Tate novo compar tment fmt car em 19861857. Durantewe prada tie {opontuidade de wsta un grande nimero Roepe Os ‘netic europe fio esconderam sua rurpres. Ape nic inser, sera" muguatos em relagh aos anasarte 36 | FRANTZ FANON enfermeiros so abertas e os analfabetos apren- dem em poucos dias a dar injecdes intravenosas, ‘Ao mesino tempo, as velhas supersticdes co mecam a desvanecer, Bruxaria, fé em curan- deitos (jéfortemente diminulda pela agao dos {ntelectuais)crenga nos djinn, todas as atudes ‘que parecem fazer parte da propria fisiologia do Angelina, esti sendo quebradas pela acto e pré- fica revoluciondrias", Mesmo os slogans diftels de aceltar por grupos humanos altamente teen feados sio assimilados pelos argclinos. Vamos citar dois exemplossignificativost Primetro, a proibigéo de dar bebida a uma pessoa ferida no abdomen, sta €uma instrucao Formal, Muitas conferéncias tem sido organiza. ds pata 2s pessoas Nenhum jover ou menina dlesconhece esta lel: nunca dé dgua a um solda- ado ferido na barriga. Apés um Bloqueio inical dg sangramento, as pessoas reutidas 20 fedor da pessoa ferida oem sem cede aos apelos do eombatente. Durante horas, as mulheres obst nadamente se recusam a dar ae homem ferido Toes cham as hosp a propario de para Devenos erence tubes que nesta ates siglo. ‘tengo de sadicmentos admiatgto tbe um tees ‘static em eonsegulr que os cvs laser sends pelos Itanceses,poupundo os madeamantos parce militares, ie cles no poderianretroctder 110“ (paral “Pou € um expr Pe ve as cs nos campo poplar abe ua ipa te ‘eogdo em tes os fendmenat david, ascent, ccc ho, eam, dacngae morte. No es espouin do dens, ‘uals congo interpreta como alo de um mau dina [MEDICINA F COLONIALISMO 37 | o gole de dgua que ele pede. O proprio filho do ‘moudjahid" nao hesitaré em dizer ao pai: “Aqui esté0 teu rifle; mata-me com ele, mas eu nio te darei a dgua que pedes’, Quando o médico che- tga, a operagio serd realizada eo moudjahid tera tuma boa chance de sobrevivéncia, © segundo exemplo diz respeito & dieta rigo- rosa ser observada durante uma infecedo de, No hospital, o cumprimento desta ordem & alcangado através da proibicio de visitas fami- Tiares, Na verdade, toda vez que um membro da familia 6 admitido perto do paciente, ele ou ela é persuadido pela "fome” do paciente atacado de febre tifdide e consegue deixar bolos ou fran- go. Uma perfuracio intestinal frequentemente Na situagdo colonial, esses problemas assu- ‘mem um aspecto particular, jf que 0 colonizado interpreta 0 slogan médico acima menciona- do como uma nova forma de tortura, de fome, ‘como uum tipo inédito de métodos desumanos do ocupante, Seo enfermo com tifbide que sofre uma erianea, ¢ facil entender os sentimentos do espirito da mie. Mas em pleno djebel , a en- fermeira ou médico argelino obtém do pacien- te tim comportamento décil. 0 primeiro passo neste processo é encontrar uma forma de ajudar ‘crianca a desenvolver uma sensacdo de segu- ranga e protegdo, A mée argelina que nunca em ‘Hiv dey On chamadoscombatentes de movimento de ier {acionclonal do mundn mgulmana. {36 | FRANTZ FANON sua vida havia visto um médico, segue ao pé da letra as instrugées do técnico, Os especialistas em educagio sanitéria de- vem refletir cuidadosamente sobre as novas situagdes que surgem no decorrer da luta de li- bertacdo nacional de um povo subdesenvalvid A partir do momento em que @ corpo da Nacio ‘comeca sua vida de forma coerente e dindmica, tudo € possivel. 0 conhecimento da “fisiologia do indigena’, ou da “personalidade de base” $i0 \iteis. Um povo que toma seu destino em Suas préprias mos assimila as mais modernas for- ‘mas de técnica a uma velocidade incrivel MEDICINA B COLONTALISMO 39 |

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