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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS – UFPel

ARTES VISUAIS, MÚSICA E LITERATURA INFANTIL

Prof. Edson Ponick


Aluno: Esdras Emmanuel Lins Maia
AMORIM, V.M; CASTANHO, M. E. Por uma educação estética na formação universitária de
docentes. Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 105, p. 1167-1184, set./dez. 2008.

O tema do texto, aqui resumido, consiste na discussão a respeito da elaboração de uma


proposta de educação estética para a formação de docentes na universidade. Esta discussão se
fundamenta na identidade entre o conceito ontológico de professor e o conceito de experiência
estética. Em outras palavras, este tipo de experiência fomenta “rearranjos subjetivos”
(AMORIM e CASTANHO, 2008, p.1168) que provocam o pensamento e, por conseguinte, a
formação de um sujeito pragmática, gnosiológica e epistemologicamente autônomo. Isto é, um
sujeito que, constantemente, aprende a partir de fontes diversas e mesmo antagônicas que
conformam nele um estado ou condição perene de descobertas e rupturas.

Outrossim, seus objetivos consistem na procura por respostas às questões relativas à


educação estética, a saber: como os elementos relativos ao mundo cotidiano, à concepção
artística da realidade e à fruição da arte podem suscitar no indivíduo um olhar ou uma
compreensão sensível do seu mundo interno, externo e relacional e, desse modo, como essa
idiossincrasia ou sensibilidade poderia ser reproduzida ou provocada em outras pessoas.

O primeiro tópico do texto procura estabelecer as causas da in-senbilidade


contemporânea no liberalismo ou neoliberalismo econômico e no pensamento pós-moderno que
considera congêneres. No entanto, a rigor, há diferenças significativas entre estes termos e
identifica-los seria intelectualmente impreciso, assim como atribuir as causas da insensibilidade
coetânea, exclusivamente, às realidades efetivas e supostas representadas por estas palavras. Na
verdade, para aquele efeito também contribuíram as produções culturais do espectro ideológico
oposto, em sua luta contra determinados valores éticos e espirituais que, dolosa ou
culposamente, identificou com a ideologia burguesa e com o capitalismo industrial.

Desse modo, para encontrar as causas possíveis desse fenômeno, seria preferível
remontar às tradições hieráticas ocidentais remotas e relativas à Queda (Gn.3), considerando a
objetividade da essência do relato ou mensagem mitológica. Assim sendo, desta causa última
ou penúltima e primeva, i. é, da realidade decaída e amorfa, teria resultado uma animosidade

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interpessoal física que extrapolou para o nível intelectual, fazendo surgir então uma guerra
ideológica a qual, na busca pelo poder ou pela imposição da narrativa, relativizou a realidade.
Esta relativização, por sua vez, consolidou-se numa determinada percepção da realidade que se
expressa no discurso teratológico pós-moderno. Ato contínuo, oportunisticamente, o
neoliberalismo econômico, apropriando-se deste discurso, conforma-o aos modos de produção
que, representados pelas grandes corporações industriais auxiliadas pela mídia, por sua vez,
conforma o homem contemporâneo adoecido e, por conseguinte, organiza a sociedade e o
mundo.

Assim, o homem adoecido, que via de regra este estado de coisas fabrica, se
caracterizaria pela incerteza a respeito da possibilidade do advento de um mundo melhor ou
mais justo e humano mediante o empreendimento coletivo de uma práxis política, visto que o
discurso pós-moderno ou neoliberal que preconiza o consumismo, a aparência e a tecnologia o
enganaria conceitualmente, entregando-o às pulsões mais básicas ou bestiais da psiquê.
Especificamente, este homem sem esperança seria marcado pela fragmentação, individualismo
ou sectarismo e pela ausência de valores solidamente lastreados em princípios éticos e,
consequentemente, pelo egoísmo, pela alienação e pelo narcisismo, em razão da sua separação
artificialmente provocada em relação a si mesmo, ao outro e ao seu contexto e meio ambiente.

Em face do exposto, é inegável a precisão da percepção sensível desta análise. O que,


contudo, não parece objetivo refere-se à pressuposição de uma conspiração global que atribui
poderes absolutos aos seres humanos como se estes fossem capazes de controlar,
completamente, a história. Por isso, é salutar que teorias como esta contemplem espaço ou
deixem margem para o jogo dinâmico de oposição e colaboração das diversas forças históricas,
além das variáveis imprevisíveis, não controláveis e mesmo desconhecidas que determinam o
curso da história em momentos cruciais. Caso contrário, descambará numa paranoia política
capaz de promover outro tipo de enfermidade cultural quando já sabemos que a realidade é mais
complexa do que qualquer sistematização filosófica possa deslindar.

No segundo tópico, Amorim e Castanho (2008) identificam o conceito de leitura


freiriano, que decorre do processo precedente de interpretação do mundo, com o cerne
principiológico da arte o qual, no decorrer do texto, as autoras definem usando vários termos e
expressões que apontam, em uníssono, para a capacidade humana de ressignificar ou mudar o
sentido individual dos objetos e elementos constituintes do mundo e o da realidade como um
todo a partir da imaginação, do pensamento ou de um modo particular de apreensão desta pelo

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sujeito. Para tanto, de acordo com as autoras (idem) a arte, intencionalmente, imprime um
caráter ambíguo às obras que produz mediante a transgressão do código vigente, como a
linguagem formal em um drama literário por exemplo, a fim de desarticular a percepção
habitual ou comum sobre algo já conhecido, causando a estranheza. Desse modo, a fruição da
obra lança a pessoa ao caos conceitual mediante a experimentação de sensações e sentimentos
não cotidianos, demandando dela uma nova organização das ideias, ou um novo entendimento,
ou ainda uma nova visão a partir de uma perspectiva inusitada ou de uma esfera de vivências
inabitual a qual, finalmente, pode gerar um novo homem; sensível ao mundo interno, externo e
relacional mencionado ao princípio.

O tópico seguinte, que pretende explicitar conceitos, rememora o óbvio, a saber, o fato
de que a realidade se constitui de elementos ou signos sensíveis cuja transmissão intelectual
mais precisa das informações que comportam, portanto, nunca prescindirá das experiências
pessoais de cada indivíduo. Sendo assim, a arte, com o seu duplo código simbólico, a um só
tempo sensível e intelectual ou racional, permitiria uma apreensão muito mais profunda da
cultura (resultante do contato com esta realidade), habilitando o sujeito para uma participação
mais ativa e efetiva na sua elaboração.

As autoras (ibdem) se referem ainda à penetração aos interstícios da cultura, por meio
da fruição de obras de arte, cujos os elementos constitutivos são revolucionários, como um fator
indispensável para incrementar a capacidade de provocar mudanças radicais no pensamento e
no comportamento no seio de uma cultura ou sociedade. Contudo, neste ponto, é mister apontar
para o fato de que tais elementos não são, exclusivamente, de cunho revolucionário, mas
também conservador. Destarte, ao expor os alunos a novas experiências a fim de enriquecer o
seu repertório, é necessário informa-los a respeito de sensibilidades estéticas plurais. Caso
contrário, suas sensibilidades peculiares serão tolhidas e suas experiências, limitadas
ideologicamente, produzindo frustração e compulsão.

No tópico da estética da professoralidade, por sua vez, ratifica-se a necessidade do


professor se apoiar nos saberes oriundos da fruição estética e no resgate e ampliação do sentido
do termo razão, que até o presente ainda se reduz ao conceito de racionalidade, para que seja
possível a concepção de uma proposta educativa focada na dimensão estética. Portanto, o
professor que, ao menos em parte, tem o poder de, ativamente, se construir ou de se transformar
e se recriar incansavelmente como tal, em meio as influências externas e experiências pessoais,
encontra na estética um aliado ontológico, pedagógico e político perfeito.

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Havendo sublinhado a natureza da estética como dimensão da existência e atuação
humanas, do mundo da consciência e da vida como um todo, capaz de provocar atitudes
relacionais sensíveis, belas e harmônicas consigo mesmo, com o outro e com o cosmos,
Amorim e Castanho (2008) também evidenciam o potencial educativo da arte como
provocadora dos sentidos cujas sensações e sentimentos correspondentes estimulam a criação
de novos significados para os signos do contexto com o qual nos relacionamos ou que se nos
apresentam cotidianamente. Em outras palavras, o processo de uma educação estética permite
que o indivíduo alcance outras esferas de vivências, o âmbito dos sentidos e sentimentos que,
então, serão despertados e educados. Em suas próprias palavras:

Por meio de experiências estéticas refletidas (e não meramente proporcionadas, sem


um enfoque reflexivo e uma discussão pertinente e profunda), com arte, os alunos
iriam aproximando-se do universo sensível, podendo estabelecer um elo entre si e
sua própria subjetividade. À medida que iria se reconhecendo como um sujeito
autor de sua própria história, conhecedor de sua maneira de olhar o mundo,
tornar-se-ia cônscio de sua função e do lugar como partícipe na construção do
mundo. Neste sentido, o docente que se faz far-se-ia, também, o sujeito criador (e
dono) de seu modo de olhar e fazer as relações humanas, o mundo, a educação.
(AMORIM e CASTANHO, 2008, p. 1182, grifo nosso)

No entanto, ao afirmar que a educação estética reivindica o sensível como janela de


apreensão do mundo, proporcionando um agir antropofágico capaz de tornar o conhecimento
algo próprio, as autoras (idem) se olvidam da relevância da ótica de terceiros como uma espécie
de testemunho que também compõe o processo educativo e nos capacita para a sociabilidade,
para uma medida mínimo necessária de empatia e confiança no outro. Por exemplo, nem todos
podem ir ao espaço, entretanto, acredita-se nas agências espaciais. Outrossim, a matemática,
amiúde, puramente racional também é uma forma válida de conhecimento. Portanto, bem
fundamentado nesses testemunhos e nas experiências próprias, pode-se inventar o
conhecimento, produzir crenças e fabricar convicções (AMORIM e CASTANHO, 2008). Caso
contrário, os currículos escolares tradicionais serão esvaziados, muito embora, nem tudo deste
conteúdo seja negativo. Ademais, eles são referências úteis e necessárias às experiências
pessoais no processo de aprendizagem.

Assim sendo, o artigo, com justiça, acrescenta a dimensão estética para uma possível e
viável proposta de educação com base num argumento correto relativo ao pertencimento desta
dimensão à própria vida como um todo e às suas partes, propondo, juntamente com isto o
oportuno alargamento do conceito de razão, contudo, parece desprezar o elemento racional e

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testemunhal do processo pedagógico. Uma educação estética não deve tratar, meramente, da
exclusão de determinados conhecimentos, mas, sobretudo, de incluir os que são necessários e
equilibrar ou redimensionar adequadamente os existentes.

Finalmente, quanto às impressões, aprendizagens e aplicações profissionais a partir do


texto, a proposta de formação de um professor segundo o princípio-chave da arte parece similar
à experiência pessoal proposta na expressão cunhada e cantada pelo poeta popular Raul Seixas;
metamorfose ambulante. Muito embora, a rigor, tais como imperativos categóricos kantianos,
hajam também aspectos da realidade que, necessariamente, nunca mudam, além da própria
mudança. Pois, se tudo muda o tempo todo, então o princípio da mudança nunca muda. Assim
como quanto ao conceito de relatividade quando se costuma asseverar que tudo é relativo, ou
seja, se tudo é relativo sempre, então, a relatividade é um dado imutável da realidade. No
entanto, segundo a tradição hierática ocidental e a percepção universal, outro elemento imutável
que pode ser apontado, é a empatia que, como princípio, deve prover supedâneo à ética.

Além disso, embora a Ed. Estética, em tese, não possua o mesmo conteúdo formal da
Ed. Religiosa, ao que parece, seus objetivos são análogos, i. é, a gestação de pessoas que lancem
olhares diferentes e sensíveis sobre a realidade, partindo do pressuposto ou da crença de que
ela pode ser diferente. Desse modo, assim como a estética preocupa-se em como fomentar este
“olhar”, a religião ou a ética cristã (não necessariamente organizada formalmente) preocupa-se
em como dar à luz genuínos rebentos ao Númen conforme o seu Paradigma. Sendo assim,
conceber o método ou descobrir os fatores que contribuem para essa metanóia é igualmente
relevante para os profissionais do Ensino Religioso.

Enfim, aplicando à educação o princípio-chave da arte, pode-se propor uma pedagogia


do perspectivismo que promova e encoraje os alunos a encontrarem novos prismas sob os quais
os elementos constituintes do mundo e a realidade como um todo ainda não foram postos ou
através dos quais ainda não foram vislumbrados. Isto se dá ampliando de maneira crítica, mas
sem preconceitos ou vícios ideológicos, seu repertório de experiências sensoriais, emocionais
e intelectuais.

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