Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Adriano Rodrigues de Oliveira


Matrícula 20212000029

Conceitos Elementares de Teoria do Jornalismo

Trabalho produzido para avaliação final da


disciplina de Teoria do Jornalismo do curso
de especialização em Comunicação
Política.

Prof. Heitor Rocha

Recife
2021
1. INTRODUÇÃO

O século XIX representa um importante marco para a história do jornalismo no mundo


ocidental. Segundo aponta Traquina, há quatro mudanças fundamentais que
caracterizam esse período, são elas: (1) industrialização da imprensa; (2) novo
paradigma que define a imprensa como geradora de fatos e não opiniões; (3)
emergência de autonomia, especialização e identidade profissional; (4) a definição dos
polos dominantes no jornalismo moderno, sendo um polo econômico/ comercial e um
polo ideológico/ intelectual (TRAQUINA, 2005).

Nesse contexto, serão discutidos neste trabalho alguns dos conceitos fundamentais para
a compreensão da dinâmica da atividade jornalística na contemporaneidade, bem como
seus principais valores e paradigmas colocados em debate a partir da visão de autores
como Nelson Traquina, John Soloski e David Manning White.

Nos tempos atuais, em que frequentemente o papel da mídia e do trabalho jornalístico


na sociedade é sistematicamente questionado, seja por vias republicanas ou por grupos
que operam por meios antidemocráticos, torna-se indispensável recorrermos aos debates
fundamentais acerca do trabalho jornalístico, seus desafios contemporâneos e, sobretudo
a sua responsabilidade no ambiente da democracia liberal.

Para tanto elucidar esses debates necessários, recorremos aqui a conceitos elementares
como a questão da objetividade, o ethos jornalístico, o papel do Gatekeeper a partir da
apresentação de um estudo de caso e a questão do profissionalismo na atividade
jornalística. Esses conceitos, que estão longe de esgotar o conhecimento básico em
teoria do jornalismo, trazem algumas questões fundamentais para o tema.

2. O POLO IDEOLÓGICO DO CAMPO JORNALÍSTICO

Nelson Tranquina (2005) aborda a questão do ethos jornalístico, apresentando a visão


de diferentes profissionais quanto ao ethos que deve orientar o trabalho jornalístico. É
possível inferir, a partir dos autores referenciados, que um dos papeis fundamentais do
jornalismo é, em última análise, empoderar os cidadãos com informação para que
possam exercer plenamente seus direitos no mundo democrático.

Nesse sentido, o jornalista exerceria a função de contrapoder e se colocaria a serviço da


opinião pública, oferecendo informações por meio de uma postura desinteressada para
que a sociedade possa estar vigilante na defesa da liberdade e da democracia. Essa
concepção, como é possível perceber, representa o esboço de um tipo ideal, ou
idealizado, no ethos do trabalho jornalístico.

Outra concepção importante acerca dos valores e normas do trabalho jornalístico é sua
relação com o conceito de liberdade no contexto democrático. Essa relação se dá
inclusive na luta contra as formas de censura, uma vez que, segundo a concepção
apresentada, a censura não pode conviver com a democracia. Para a efetivação dessa
luta e a consolidação dessa relação, é necessário que o jornalista tenha independência e
autonomia em relação aos demais agentes sociais.

Ainda acerca da relação do trabalho jornalístico com as liberdades democráticas,


destaca-se a questão da busca pela verdade. É consenso que não existe uma verdade
absoluta, a busca pelo fornecimento de informações honestas e verdadeiras dever ser um
norte para o trabalho jornalístico, o que inclusive é consagrado direta ou indiretamente
nos códigos deontológicos elaborados por diversos jornalistas ao longo do século XX.

2.1. A questão da objetividade jornalística

O valor mais discutido na análise de Traquina (2005) é o da objetividade, que não pode
ser simplificado pela mera dicotomia entre objetividade e subjetividade. Tal conceito
não surge como negação da subjetividade, mas com o reconhecimento de sua
inevitabilidade. As contribuições da psicologia e da sociologia nas primeiras décadas do
séculos XX, bem como as mudanças na esfera pública e na interpretação dos fatos pela
sociedade, proporcionaram um avanço na consolidação da ideia de objetividade.

São mencionados quatro procedimentos apontados por Gaye Tuchman que podem ser
aplicados ao trabalho jornalístico em prol da objetividade. O primeiro é a apresentação
de possibilidades conflituosas, na qual o jornalista apresenta diferentes versões do caso
em tela, podendo reivindicar a objetividade por ter apresentado os dois mais lados da
questão. O segundo é a apresentação de provas auxiliares, que são fatos suplementares
obtidos para corroborar uma afirmação. O terceiro é o uso judicioso das aspas, seja para
apresentar uma citação que suplementa os fatos, seja para colocar em causa a
legitimidade de algo que é citado. O quarto procedimento é a estruturação da
informação numa sequência apropriada, que envolve a escolha do lead.
Por fim, o autor destaca a noção de equidistância entre o profissional do jornalismo e os
diversos agentes sociais, prezando pela sua independência e apresentando diferentes
perspectivas sobre os fatos. Ressalta-se ainda que a postura do profissional do
jornalismo não é exclusiva responsabilidade desses especialistas, mas também da
própria sociedade e sua relação com a democracia, que também influencia essa postura.

3. O GATEKEEPER A PARTIR DE UM ESTUDO DE CASO

O autor David Manning White trata em seu artigo no livro organizado por Nelson
Traquina (2016) sobre a ideia de Gatekeeper que, conforme ele aponta, foi cunhada
inicialmente pelo cientista social Kurt Lewin, que afirma que determinados setores dos
gates são regidos ou por regras imparciais ou por um grupo “no poder” tomar a decisão
de “deixar entrar” ou de “rejeitar”. Assim, White busca examinar em seu estudo a forma
como um dos gatekeepers de um grande canal de comunicação opera o seu gate.

Para tanto, ressalta-se que há um ator fundamental a ser analisado neste estudo de caso,
que é o operador chave para a seleção das notícias que de fato irão a público. No caso
em tela, trata-se do redator telegráfico de um jornal não metropolitano, que possui 25
anos de experiência jornalística e 40 de idade, e é responsável pelo conteúdo que será
distribuído em 30.000 exemplares na região. A partir da figura deste profissional,
interessa compreender por que é que o editor telegráfico selecionava e rejeitava os
artigos fornecidos pelas agencias de notícias.

A partir da tabulação de dados referente aos registros das justificativas do gatekeeper


para cada notícia selecionada ou rejeitada, o autor aponta a identificação de alguns
padrões. Destaca-se, por exemplo, preferência deste por um estilo de escrita
conservador, rejeitando as notícias de tom mais sensacionalista ou apelativo. Ao mesmo
tempo, ele também tende a rejeitar as notícias que contém muitos números ou
estatísticas. Outro dado de destaque é a aparente irrelevância de uma distribuição
balanceada das notícias por categoria, o que se percebe, por exemplo, na presença
desproporcional de notícias sobre algumas categorias específicas como “interesse
humano” e “crime”.

A partir dessas inferências, o autor chega ao que ele chama de “conclusão óbvia” de que
os critérios para a seleção das notícias, bem como as preferências do gatekeeper em
relação a esses critérios pode ter mais relação com a dinâmica de concorrência das
organizações jornalísticas e com as expectativas em relação à satisfação do público. A
ser alcançado pelo veículo.

É interessante notar que na entrevista feita com o gatekeeper analisado, este, ao


responder às perguntas, afirma que de fato possui alguns preconceitos e que tem
preferências em relação a algumas políticas e figuras públicas, bem como tem
preferência pelas “estórias” de interesse humano. Também destaca-se na resposta a sua
preocupação em relação ao público, que também influencia sua seleção a partir da sua
perspectiva sobre a expectativa de cada um dos perfis de consumidores das notícias. No
que se refere ao estilo de escrita, ele conclui que um dos principais fatores considerados
para a seleção é a clareza.

Por fim, por meio da análise dos dados apresentados sobre a seleção e rejeição das
matérias das agências noticiosas, é possível concluir que a comunicação dessas notícias
possui um forte viés subjetivo, que parte em grande medida do conjunto de
experiências, atitudes e expectativas do próprio gatekeeper. Ressalta-se também a
grande importância da figura do gatekeeper que, assim como centenas de outros
existentes, desempenha um papel fundamental dentro do complexo processo da
comunicação jornalística.

4. O JORNALISTA E O PROFISSIONALISMO

O autor John Soloski, em seu artigo presente no livro de Traquina (2016), busca
compreender como o profissionalismo jornalístico afeta a busca e o relato das notícias.
De partida, o autor afirma que busca sustentar que o profissionalismo seria um método
eficiente e econômico por meio do qual as organizações jornalísticas controlam o
comportamento dos repórteres e dos editores. São apresentados ainda os resultados de
um estudo de observação-participante que examinou como uma organização jornalística
implementou as suas políticas editoriais.

Ao discutir a questão da ideologia do profissionalismo, Soloski faz referência a autores


que apontam para uma incompatibilidade entre esta ideologia e o próprio modus
operandi do capitalismo e da lógica comercial. Isso ocorre porque a ideologia do
profissionalismo, na visão desses estudiosos, contém fortes componentes antilucro e
antimercado. No entanto, ao discorrer sobre o tema e analisar o arcabouço teórico sobre
o tema, chega-se a conclusão de que o profissionalismo e a organização comercial
burocrática não são polos distintos, mas sim pertencentes a uma mesma matriz histórica,
sendo complementares como formas de organização do trabalho.

Mais a frente surge novamente, conforme já discutido por Traquina (2005), a questão da
objetividade e sua relação com as normas profissionais do campo jornalístico. As
vantagens trazidas pelo uso da objetividade pelas organizações jornalísticas trazem a
estas duas formas de proteção: (1) o uso rigoroso de fontes para apresentar a exatidão
dos fatos isolam os jornalistas da posição de parciais; (2) ajuda a assegurar a posição
das organizações no monopólio de mercado. Segundo o autor, ao relatar a notícia
objetivamente, a lealdade do leitor para com um jornal não se dá em função de uma
ideologia, mas sim em função mais na eficácia da cobertura jornalística. Ressalta-se
ainda que, embora a apresentação das notícias e suas fontes sejam de competência do
jornalista, a organização terá muito influência sobre esse processo, sendo que o produto
final resultará da interação do profissionalismo jornalístico com os interesses da
organização.

O profissionalismo jornalístico é também um meio eficiente tanto como forma de


controle como forma de recompensa aos jornalistas. Este profissionalismo dá aos
jornalistas maior liberdade para seleção, relato e apresentação das “estórias”, embora as
organizações busquem estabelecer políticas editoriais como forma de limitar o
comportamento discricionário dos jornalistas. Nesse sentido, conclui-se que o
profissionalismo jornalístico seria como uma “espada de dois gumes”, pois apesar de ser
utilizado como meio de controle, também dá ao jornalista certo poder de desviar os
desejos da direção da organização sem comprometer a sua posição nela.

Por fim, Soloski conclui que a natureza organizacional das notícias é determinada por
uma interação entre o mecanismo de controle transorganizacional representado pelo
profissionalismo jornalístico e os mecanismos de controle representados pela política
editorial. Tais mecanismos atuando em conjunto colaboram para determinar as
fronteiras do comportamento profissional do jornalista, apesar de ser possível afirmar
que essas fronteiras são suficientemente estreitas para se poder confiar que os jornalistas
agem de acordo com o interesse da organização jornalística.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No jornalismo, a neutralidade pode significar a validação de discursos hegemônicos. O


entendimento de que jornalistas mantêm posição de exterioridade em relação aos
conflitos políticos e sociais lhes confere a possibilidade de colocar em circulação
julgamentos, sem a pecha de agir em nome de interesses específicos. Quando a
neutralidade é considerada um ideal que não se efetiva, mas que permite distinguir entre
o bom jornalismo e o ruim, a oposição entre fatos e julgamentos permanece ainda como
uma referência para jornalistas, público e analistas.

Contudo, o jornalismo cidadão, o ciberjornalismo, o deslocamento das fronteiras da


privacidade, em resultado da emergência de um novo regime de visibilidade promovido
pelas novas tecnologias, a hiperconcorrência no jornalismo, a instantaneidade da
informação, o poder das fontes, as redações multimídia e a globalização dos discursos
mediáticos são apenas alguns dos temas críticos de onde podem emergir novas práticas
que põem em causa a hierarquia dos valores do jornalismo, assentes numa visão menos
problematizada sobre a veracidade nas notícias. É preciso questionar se estas
transformações não nos colocam no limiar de um novo ethos, de modo a unir o
exercício da profissão e os valores do jornalismo num contexto de maior exigência.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são.


Florianópolis: Insular, 2ª ed., 2005.

SOLOSKI, John. O Jornalista e o profissionalismo: alguns constrangimentos no


trabalho jornalístico. In Nelson Traquina (org.) Jornalismo: questões, teorias e
“estórias”. Florianópolis: Insular, 2016.

WHITE, David Manning. O Gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias. In


Nelson Traquina (org.) Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Florianópolis: Insular,
2016.

Você também pode gostar