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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

A RELAÇÃO ECONÔMICA SIMBIÓTICA ENTRE CHINA E ESTADOS


UNIDOS: A INTERDEPENDÊNCIA É SUFICIENTE PARA EVITAR UM
CONFLITO DE PODER ENTRE OS DOIS PAÍSES EM UM FUTURO
PRÓXIMO?

Thais Ribeiro Baptista


Orientador: Prof. Dr. Eduardo Barros Mariutti

CAMPINAS
2015
THAIS RIBEIRO BAPTISTA

A RELAÇÃO ECONÔMICA SIMBIÓTICA ENTRE CHINA E ESTADOS


UNIDOS: A INTERDEPENDÊNCIA É SUFICIENTE PARA EVITAR UM
CONFLITO DE PODER ENTRE OS DOIS PAÍSES EM UM FUTURO
PRÓXIMO?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à graduação do


Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) para a obtenção do título de Bacharel em Ciências
Econômicas, sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Barros Mariutti.

CAMPINAS
2015
A RELAÇÃO ECONÔMICA SIMBIÓTICA ENTRE CHINA E ESTADOS
UNIDOS: A INTERDEPENDÊNCIA É SUFICIENTE PARA EVITAR UM
CONFLITO DE PODER ENTRE OS DOIS PAÍSES EM UM FUTURO
PRÓXIMO?

THAIS RIBEIRO BAPTISTA

BANCA EXAMINADORA

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Barros Mariutti

Convidada: Prof.ª Dr.ª Ana Rosa Sarti

Monografia defendida em 04/12/2015


AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a toda a minha família, em especial meus pais Clovis e
Silvana, e minha irmã Caroline, por sempre acreditar em mim e me incentivar a buscar meus
sonhos. Não chegaria aqui se não fosse pela estrutura que me proporcionaram e por todo o
apoio que me deram. Vocês foram a base dos meus princípios e valores, e me formaram
acima de tudo como ser humano.

Agradeço também enormemente aos professores que estiveram presentes nesse longo
percurso, em especial meu orientador Eduardo Mariutti e a querida professora Ana Rosa Sarti,
que além de fazer parte da banca examinadora sempre me apoiou em minhas empreitadas no
seu papel de coordenadora de curso.

Não poderia esquecer de mencionar os amigos que fiz durante esses seis longos anos,
em especial Carolina, Alessandro, Laís, Júlio, Marcos e Alex. Todo o apoio de vocês e todo o
estudo conjunto contribuiu para que eu conseguisse chegar aqui. Agradeço imensamente pela
paciência e pela convivência.
“Quando a China despertar, o mundo tremerá.”

Napoleão Bonaparte, 1816


BAPTISTA, Thais Ribeiro. A relação econômica simbiótica entre China e Estados
Unidos: a interdependência é suficiente para evitar um conflito de poder entre os dois
países em um futuro próximo?. 2015. X páginas. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) – Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.

Resumo

Podemos verificar que é crescente a concorrência chinesa com os EUA em setores


estratégicos, como o bélico e o energético. Porém, as prioridades chinesas no momento não
anunciam qualquer investida contra os americanos por vários fatores, mas principalmente pela
complementariedade comercial, e de certo modo produtiva, que ainda é muito importante para
ambos os países. Para a China, desenvolver-se e ampliar seu dinamismo significa manter altos
seus volumes de exportação, pois seu mercado interno ainda não é capaz de absorver toda a
produção. Já os Estados Unidos necessitam do financiamento chinês para manter sua dívida
fiscal nos níveis em que se encontra hoje.
A hipótese que esta pesquisa buscará confirmar é que estas relações econômicas
simbióticas atuais entre China e EUA não serão suficientes para conter um conflito entre os
dois países em um futuro próximo - se a China realmente concluir um projeto regional de
poder e continuar investindo em áreas estratégicas conflitantes com os interesses dos EUA -
pois essa nova configuração global poderá desafiar o poder americano e afirmar a China como
potência hegemônica.

Palavras-Chave: China – Estados Unidos – Hegemonia – Investimento Direto


Estrangeiro – Cadeias Produtivas – Relações sino-americanas
ABSTRACT

There is a growing competition between China and U.S. in strategic sectors such as
military and energetic. However, China's priorities at the moment do not advertise any attack
against the Americans by several factors, but mostly by commercial, and somewhat
productive, complementarity, which is still very important for both countries. For China, to
develop and expand internally it means keeping high export volumes, as its domestic market
is not yet able to absorb all its production. Also, the United States needs Chinese funding to
maintain their debt at the levels they are today.
The hypothesis that this research will seek to confirm is that these current symbiotic
economic relationship between China and the US will not be enough to contain a conflict
between the two countries in the near future - if China really completes a regional project and
continue to invest in strategic areas that conflict with US interests - because this new global
setting can challenge American power and assert China as a hegemonic power.

Keywords: China - United States - Hegemony - Foreign Direct Investment - Production


Chains - China-US Relations
Índice de Siglas

ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático


ELP- Exército Libertação Popular Chinês
EPI – Economia Política Internacional
ET – Empresas Transnacionais
EUA – Estados Unidos da América
IED – Investimento Estrangeiro Direto
IPEG – International Political Economy Group
OECD - Organization for Economic Co-operation and Development
OFDI – Outward Foreign Direct Investment
OMC – Organização Mundial do Comércio
PCC – Partido Comunista Chinês
PIB – Produto Interno Bruto
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
TI – Tecnologia da Informação
UE – União Européia
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Crescimento Anual do PIB Chinês* (1989-2012).................................................11


Gráfico 2 – Comércio entre China e EUA (1985-2014) em US$ Bilhões................................34
Gráfico 3 – Importações Norte-Americanas de Manufaturas vindas dos países do Círculo de
Fogo como um Percentual do Total de Manufaturas Importadas dos EUA (1990, 2000 e
2010).........................................................................................................................................35
Gráfico 4 – Projeção de Crescimento da Classe Média Chinesa..............................................36
Gráfico 5 – Reservas Internacionais Chinesas (Menos Ouro) em US$ Bilhões.......................37
Gráfico 6 – Gasto Militar Chinês 1989-2014 (Em US$ Bilhões correntes).............................42
Gráfico 7 – Gasto Militar China e EUA 1989-2014 (% do PIB)..............................................42
Gráfico 8 - Gasto Governamental Chinês em P&D 1991-2013 (% do PIB)...........................43
Gráfico 9 – Índex de dependência energética (2013)...............................................................47
Índice de Tabelas

Tabela 1 – Importações Chinas por Categoria de Produtos (Em US$ 100 milhões)................47
Índice

Introdução 11
Capítulo 1 – Conceitos e temas fundamentais das Relações Internacionais e da
Economia Política Internacional 17
1.1. A teoria das Relações Internacionais e suas vertentes teóricas 17
1.2. A Economia Política Internacional 23
Capítulo 2 – As Relações Econômicas Simbióticas entre China e EUA 26
2.1. Os fluxos de IED na China 26
2.2. A relação comercial entre China e EUA 34
2.3. Poder Financeiro Chinês 37
Capítulo 3 – Pontos de Tensão 41
3.1. Militarização Chinesa e Tecnologia 41
3.3. Integração regional no Sudeste Asiático 44
3.4. Setor Energético e Bens Primários 46
Conclusão 50
Bibliografia 52
Anexos
11

Introdução

Muito se especula sobre o crescimento chinês, e se o mesmo se sustentará no novo


contexto internacional. Porém, trata-se de analisar a trajetória chinesa, e os seus principais
desafios e transformações desde meados do século XX até o período recente.
Após o aprofundamento da abertura econômica em 1992, a China passou a receber
grande parte dos fluxos de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) mundiais,
principalmente em investimentos greenfield. Assim, passou a deslocar as atividades
produtivas de vários países para o seu território, e por consequência aumentou
exponencialmente seu volume de exportações, principalmente para os Estados Unidos,
mudando a direção do seu comércio internacional (MEDEIROS, 2007). Neste sentido, foi
sendo construída uma complementariedade das cadeias produtivas entre esse dois países -
sendo a China grande importadora de tecnologia, bens de capital e insumos dos EUA, o qual
é, por sua vez, o principal destino das exportações de manufaturados chineses.
Propõe-se, dessa forma, dada a inserção chinesa no cenário internacional e a crescente
importância deste país nas relações internacionais, demonstrar neste estudo como se alcançou
um intenso patamar de crescimento e qual sua participação na economia mundial, e o que isso
representa para as relações internacionais de poder com os EUA e com resto do mundo. Entre
1990 e 1999 a China cresceu a uma taxa média de 9,5%, e teve um alto índice de IED, sendo
o terceiro destino dos maiores investimentos do mundo (ACIOLY, 2005). Ver Gráfico 1.

Gráfico 1 – Crescimento Anual do PIB Chinês (1989-2014)

Fonte: Banco Mundial


Elaboração: Autora

Nesse sentido, existem duas vertentes que explicam este grande ritmo de crescimento
chinês neste período. A primeira atribui o sucesso às exportações ao “mercantilismo chinês”.
12

Ou seja, de forma mais geral, propõe que o dinamismo da economia chinesa está relacionado
à estratégia das “portas abertas” de Deng Xiaoping, a qual se adeuquou às estratégias das
grandes empresas multinacionais que visavam as exportações (MEDEIROS, 2010). Esta
estratégia se iniciou com um conjunto de reformas graduais na década de 1980. Seu propósito
era modernizar a economia e o Exército de Libertação Popular (ELP), preservando o
monopólio de poder do Partido Comunista Chinês (PCC).
A segunda interpretação, de Lo & Guai (2006), é de que o investimento interno feito
pelo próprio governo, principalmente em setores intensivos em capital, teria liderado este
crescimento. Estes investimentos em grande parte teriam sido destinados às áreas urbanas,
priorizando as zonas especiais, e marginalizando a agricultura e o interior. Estes
investimentos estatais teriam criado as condições para a expansão da capacidade produtiva.
Porém, o que se verifica é que tais investimentos na verdade se intensificaram apenas após a
crise asiática em 1997, quando o governo chinês lançou um grande programa de obras
públicas, e este “keynesianismo desenvolvimentista” acarretou forte expansão dos
investimentos.
Em 1991 dois fatos contribuíram para a decisão chinesa de continuar e aprofundar a
sua abertura econômica. O primeiro foi o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviética
(URSS) – segundo Medeiros (2008), a extinção da URSS foi um fator catalisador para a
reorganização de uma estratégia de abertura controlada e experimental em que os mecanismos
de mercado foram sistematicamente introduzidos na China sem romper internamente as
estruturas de poder. O segundo fato foi a condução da Guerra do Golfo e a exposição das
armas norte-americanas e sua novas tecnologias, as quais reforçaram a obsolescência do
armamento chinês e a debilidade do Exército de Libertação Popular (ELP) – assim, Deng
Xiaoping passa a comprar novas tecnologias e a desenvolver localmente armamentos de ponta
através de parcerias estatais-privadas e de fluxos de IED.
Com o aprofundamento da abertura econômica em 1992, a China passou a receber
grande parte dos fluxos de IED do mundo, principalmente em investimentos greenfield
(LONG, 2005), e retomou o seu ritmo de crescimento acelerado. Paralelamente à ampliação
da abertura econômica chinesa, em 1995 a valorização do iene japonês em relação ao dólar e
a contração das exportações asiáticas para outros mercados, principalmente para o mercado
americano, teve forte impacto na dinâmica regional do sudeste asiático. As moedas que eram
vinculadas ao dólar se valorizaram neste período, com exceção do yuan chinês, o qual passou
por uma forte desvalorização em 1994. Com o câmbio desvalorizado em relação às economias
vizinhas e o sucesso das redes de comércio estabelecidas no início dos anos 1990, a China
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passou a deslocar a produção dos países asiáticos para o seu território, e consequentemente
aumentou exponencialmente seu volume de exportações, principalmente para os Estados
Unidos, mudando a direção do seu comércio internacional (MEDEIROS, 2007).
Em 1997, a região asiática sofre uma abrupta recessão e colapso cambial, porém, a
China, após sofrer com a deflação e queda nas taxas de crescimento do PIB, implementa uma
política anticíclica com aumento dos gastos públicos e ampliação dos investimentos. Esta
política permitiu que se mantivesse, de certa forma, o crescimento chinês e a estabilidade do
yuan – o que transformou a China num importador líquido na Ásia.
A partir dos anos 2000, a China começa a ter um papel central na Ásia através de
arranjos cambiais e financeiros e uma nova direção da política externa para a cooperação
regional. Além disso, com o câmbio valorizado em relação às economias asiáticas, e
desvalorizado em relação ao dólar, a China transformou-se numa base de exportação para os
Estados Unidos (MEDEIROS, 2008), tornando-se também muito importante nas redes de
comércio internacionais. Deste modo, em 2001, dado o crescimento da sua influência, após
uma série de reformas, a China é admitida à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Segundo o Relatório da UNCTAD (2004), após a elevação dos fluxos a partir de 2001,
em 2003 a China supera os Estados Unidos e passa a ser o maior receptor de IED no mundo.
E em 2007, a China ultrapassa novamente os Estados Unidos e torna-se o maior país
exportador mundial, ficando atrás apenas do conjunto de países da União Europeia (UE).
Segundo Medeiros (2000), o incrível crescimento das exportações chinesas, assim como o seu
superávit comercial com os EUA, foi muito importante para manter as taxas de crescimento e
o desenvolvimento chinês. Assim, o modelo de crescimento chinês baseado na produção
voltada para exportações e suas políticas voltadas ao IED, aliados à forte presença do Estado,
permitiu a criação das grandes reservas internacionais, compostas em sua maioria, por títulos
da dívida americana.
A primeira vez que se profetizou o fim da hegemonia mundial americana foi no final
da década de 1970, após a derrota dos EUA na Primeira Guerra do Vietnã, o fim do padrão
dólar e o primeiro choque do petróleo. Porém, segundo Fiori (2008), ao contrário do que
alguns autores marxistas afirmaram, hoje está claro que a crise de 1970 não enfraqueceu o
poder americano. Na verdade foi em 1973, logo após a guerra do Vietnã, que os EUA
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negociaram a sua parceria estratégica com a China, fato claro que com contribuiu para o fim
da União Soviética e da Guerra Fria1.
Para Fiori (2008), a crise hipotecária e financeira americana de 2007-2008 se
transformou numa crise financeira global, mas ainda não conseguiu atingir a centralidade do
dólar, dos títulos da dívida e da economia americana. E, apesar do fracasso político americano
no Iraque, o poder militar dos EUA continua muito superior ao das demais potências juntas.
Além disso, os EUA permanecem no controle de cerca de 70% da informação ao redor do
mundo, e a moeda-chave internacional ainda é o dólar.
Porém, à medida que a China assume um papel central na Ásia acirram-se os conflitos
geopolíticos com os EUA em diversos planos (MEDEIROS, 2007). Em 2003, a China
permitiu o uso do yuan como moeda para pagamento nos contratos comerciais com os países
de fronteira, bem como vem encorajando empresas chinesas a usar o yuan em investimentos
na Ásia, demonstrando um movimento de regionalização monetária. Além disso, as grandes
reservas internacionais em títulos da dívida americana garantem uma posição estratégica da
China nas relações internacionais, pois auferem grande poder de barganha e negociação,
principalmente no que tangem as políticas americanas. E por fim, como já foi adiantado, a
China tem investido em áreas estratégicas como energia, tecnologia, aeroespacial e militar.
Segundo Gowan (2009, p. 5): “o poder financeiro fortalecido da China e de outros
Estados do Leste Asiático poderia se chocar com as velhas relações imperiais de crédito e
dívida entre o mundo atlântico e o Sul, ao oferecer ao último fontes alternativas de apoio
financeiro”. Porém, ainda de acordo com o autor, as prioridades estratégicas da China
demonstram que, no momento, o intuito não é construir novos arranjos institucionais para a
economia mundial. A China está concentrada em desenvolver-se domesticamente da costa
para o interior do país, e manter assim a sua dinâmica de crescimento – logo, não se coloca
como prioridade desafiar os EUA.
Contudo, é esse poder financeiro crescente da China e suas grandes reservas
internacionais em títulos da dívida americana que demonstram sua força social e econômica
crescente. Nesse sentido, a China demonstra cada vez mais poder influenciar as políticas
econômicas internacionais. Para Morrison (2009), policymakers americanos já demonstram
certa preocupação em relação à pressão que a China poderá exercer caso discorde das
decisões dos Estados Unidos. Se o crescimento americano continuar dependente deste mesmo


1 Segundo Fiori (2004) é possível verificar que propondo aos chineses o retorno à velha parceria, iniciada em
1844 e revigorada com a aproximação sino-americana em 1943, os EUA bloqueiam a possibilidade de uma
hegemonia russa no sudeste asiático, afirmando a China como um rival forte na região.
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mecanismo, cada vez menos serão capazes de determinar suas regras e estarão cada vez mais
subordinados às suas dívidas de longo prazo com matriz de crédito do Leste Asiático
(MORRISON, 2009).
A complementariedade do comércio entre China e Estados Unidos, sendo o último o
grande importador de produtos manufaturados sino-americanos, não coloca na indústria o
terreno da principal disputa de interesses entre os dois países. Segundo Medeiros (2007), a
China coloca-se com um “duplo-polo” na economia mundial – o principal produtor de
manufaturas intensivas em mão-de-obra e grande mercado para a produção mundial de
máquinas e equipamentos, indústrias de tecnologia e matérias-primas; e também, em um
mecanismo complementar, grande importador de insumos, partes e componentes e bens de
capital. Seria esse segundo polo o gerador de uma competição estratégica entre os dois países.
A crescente dependência chinesa às importações de insumos, e principalmente de
petróleo, fez com empresas petroleiras estatais chinesas fossem em busca de uma ampliação
da produção em países do Oriente Médio e da África. Muitas vezes, a contrapartida às
importações de petróleo tem se dado por armas produzidas na China. Portanto, essa disputa
pelo petróleo e o mercado de armas, ao contrário da indústria, não possui qualquer
complementaridade com os EUA (MEDEIROS, 2010).
Podemos verificar que é crescente a concorrência chinesa com os EUA em setores
estratégicos, como o bélico e o energético. Porém, as prioridades chinesas no momento não
anunciam nenhum grande duelo contra os americanos por vários fatores, mas principalmente
pela complementariedade comercial que ainda é muito importante para ambos os países. Para
a China, desenvolver-se e ampliar seu dinamismo significa manter altos seus volumes de
exportação, pois seu mercado interno ainda não é capaz de absorver toda a produção. O gasto
norte-americano gera o dinamismo do sistema, e para isso o financiamento chinês torna-se
importante, de forma a garantir a manutenção de sua dívida pública nos níveis atuais.
Nesse sentido, a pesquisa proposta terá o esforço de responder a seguinte pergunta: A
relação econômica simbiótica entre China e Estados Unidos é suficiente para evitar um
conflito de poder entre os dois países em um futuro próximo?
A hipótese que esta pesquisa buscará confirmar é que estas relações econômicas
simbióticas atuais entre China e EUA não serão suficientes para conter um conflito entre os
dois países em um futuro próximo, se a China realmente concluir um projeto regional de
poder e continuar investindo em áreas estratégicas conflitantes com os interesses dos EUA,
pois essa nova configuração global poderá desafiar o poder americano e afirmar a China como
potência hegemônica.
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No primeiro capítulo será apresentada uma revisão teórica sobre as principais


definições e vertentes da Economia Política Internacional e da Teoria das Relações
Internacionais, para apresentar os conceitos que serão utilizados ao longo do texto, como
hegemonia, sistema mundial, equilíbrio de poder, entre outros. No capítulo 2 será abordada a
complementariedade das cadeias produtivas da China e dos EUA, principalmente, através da
análise dos fluxos de IED, internacionalização das empresas norte-americanas e relações
financeiras atuais entre os dois países. No capítulo 3 apresentaremos os pontos de tensão e
competição estratégica entre China e EUA, principalmente no que tange aos investimentos
chineses em projetos de energia, aeroespacial, tecnologia e militar. E por fim, será realizado
um balanço entre a complementariedade econômica dos dois países e os conflitos políticos.
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Capítulo 1 – Conceitos e temas fundamentais das Relações Internacionais e da


Economia Política Internacional

O nosso ponto de partida será a constituição das Relações Internacionais como


disciplina após o fim da Primeira Guerra Mundial e a consolidação da Economia Política
Internacional como campo de estudo durante a década de 1970. Em ambos os casos, trata-se
da necessidade de interpretar os problemas internacionais contemporâneos de forma
interdisciplinar – ou seja, de entender a dinâmica da economia e dos arranjos políticos
internacionais.
Porém, é necessário ressaltar de início que o referencial teórico apresentado neste
capítulo não será suficiente para exprimir o arranjo de forças da nova configuração global,
mas será tomado como base para o estudo geral que se pretende realizar neste trabalho sobre a
conjuntura atual: onde a China aparece cada vez mais como um segundo player frente ao
poder da política externa norte-americana.

1.1. A teoria das Relações Internacionais e suas vertentes teóricas

Alguns autores afirmam que o surgimento da teoria das Relações Internacionais como
disciplina está ligada ao fim da Segunda Guerra Mundial e à configuração de um sistema
internacional bipolar, ou seja, como necessidade da Ciência Política em superar as descrições
historicistas e o Direito Internacional na construção de teorias explicativas das ações dos
Estados e das suas motivações no cenário internacional.
E. B. Mariutti (2013) coloca como um bom ponto de partida a Primeira Guerra
Mundial e a renovação do interesse no tema das relações entre os Estados, cuja prosperidade
econômica não garantia a paz, e pelo contrário, gerou um conflito entre as potências
industrializadas mais destrutivo do que todas as outras guerras antes registradas. Assim, a
grande questão era como se evitar outro conflito mundial. A fundação do primeiro
departamento de Relações Internacionais na Escócia em 1919 inicia o debate sobre como
normatizar esse estudo pelos chamados idealistas. Porém, é consenso que a luta pela
hegemonia mundial e a configuração de um equilíbrio de poder instável e muito competitivo
durante a Guerra Fria intensificou o debate teórico na época e possibilitou a difusão dessa
área do conhecimento.
Segundo Karen Mingst em Essentials of International Relations temos como o
resultado mais importante da 2a Guerra Mundial a emergência de duas superpotências que se
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colocam como os principais atores no sistema internacional – Estados Unidos (EUA) e União
Soviética (URSS). Durante o período da Guerra Fria, portanto, se verifica o dualismo do
debate entre visões contrastantes sobre a sociedade e a ordem internacional desses dois
principais atores. De um lado temos o liberalismo norte-americano e de outro o marxismo
soviético.
O liberalismo tem suas origens na filosofia Iluminista do século XVIII. Montesquieu
(1689-1755) afirmava que a guerra era produto da sociedade e não era inerente aos
indivíduos. Kant em A Paz Perpétua (1989) acreditava na soberania das nações e na paz
mundial através de uma ação coletiva por meio de uma federação de estados nacionais. Nos
séculos XIX e XX o liberalismo retoma os princípios iluministas num esforço de compartilhar
sua visão otimista da natureza humana e sua preferência pelos regimes democráticos e pela
garantia das soberanias nacionais.
No plano internacional, o liberalismo se expressa na constituição das principais
instituições internacionais criadas durante o século XX com intuito de lidar com os conflitos
internacionais de forma multilateral, através do diálogo e da negociação. Dessa conjuntura
nascem as principais vertentes da teoria das Relações Internacionais que serão apresentadas a
seguir.

1.1.1. O Idealismo

Como explicitado anteriormente, logo após a Primeira Guerra Mundial, torna-se


necessária a construção de uma teoria onde a grande questão era como se evitar um outro
conflito mundial. O presidente americano Woodrow Wilson se torna uma referência ao
desenvolver uma política externa centrada nos princípios do idealismo liberal. Em 8 de
janeiro de 1918 o presidente Wilson (1913) apresenta um proposta idealista para nortear uma
nova ordem mundial (chamada posteriormente de Idealismo Wilsoniano):
“There is only one possible standard by which to determine controversies between the United
States and other nations, and that is compounded by two elements: Our own honor and our
obligations to the peace of the world. A test so compounded ought easily to be made to govern
both the establishment of new treaty obligations and the interpretation of those already
assumed.”
A intepretação idealista tem como principal influência os pensadores iluministas como
Immanuel Kant e o primado da Ética sobre os projetos políticos. Kant defendia que as
democracias não entram em conflito entre si. O lema prioritário dos idealistas é o da justiça
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substantiva, ou seja, deve-se assegurar determinados direitos a todos – dados os pressupostos


éticos mínimos.
Conforme ressalta Mariutti (2013): “Por causa das virtudes intrínsecas à democracia –
e não por nenhuma forma de pressão – os Estados tendem, por decisão própria, a adotar esta
forma de governo”. Assim, para os idealistas, o sistema internacional seria dado por Estados
cooperativos, cujos objetivos seriam a promoção da paz e liberdade.
O diplomata americano Henry Kissinger destaca em seu livro Diplomacy (1994) que:
“Wilson was the originator of the vision of a universal world organization, the League of
Nations, which would keep the peace through collective security rather than alliances”.
Kissinger ainda constata que o objetivo da política externa americana de Wilson era
disseminar os princípios democratas, e que a difusão da democracia como forma de governo
poderia garantir a paz mundial.
O Idealismo foi duramente criticado pela teoria que surge posteriormente,
principalmente devido ao clima de desconfiança e a conjuntura que surgem durante a Segunda
Guerra Mundial. Nesse sentido, para a teoria realista, que será apresentada a seguir, a conduta
do Estado passa a ser no sentido do acúmulo de poder e da garantia da soberania nacional.

1.1.2. O Realismo e o Neorrealismo

Pode-se verificar que nos estudos das Relações Internacionais há um predomínio das
teorias chamadas realistas e neorrealistas. Edward Carr em Vinte Anos de Crise (1946) é um
dos pioneiros a criticar os primeiros estudiosos idealistas das Relações Internacionais e
baseia-se em uma teoria desvinculada de princípios morais – ou seja, realista.
“O que se nos defronta na política internacional de hoje é, portanto, nada menos do que a
completa falência da concepção de moral que dominou o pensamento político e econômico
durante um século e meio. Internacionalmente, não é mais possível deduzir a virtude através
do raciocínio correto, porque não se pode mais seriamente crer que todo estado, ao buscar o
maior bem para o mundo inteiro, esteja visando ao maior bem para seus próprios cidadãos, e
vice-versa. A síntese da moral e da razão, pelo menos sob a forma crua do liberalismo do
século dezenove, é insustentável.”
Carr (1981) sintetiza como as pedras fundamentais do realismo os princípios
implícitos na doutrina de Maquiavel em O Príncipe: i) a história é uma sequência de causas e
efeitos; ii) a prática cria a teoria, e não vice-versa; iii) a ética é função da política e a moral é
produto do poder. “Segundo a hipótese ‘científica’ dos realistas, identifica-se, portanto, a
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realidade com o curso total da evolução histórica cujas leis é trabalho do filósofo investigar e
revelar”.
A consolidação do realismo como doutrina nas Relações Internacionais se dá com a
publicação do livro A Política entre as Nações de Hans Morgenthau logo após o fim da
Segunda Guerra Mundial. Para o autor, a política internacional é uma luta pelo poder, a qual
pode ser resumida em três níveis: i) os indivíduos no seu estado de natureza lutam pela sua
autopreservação; ii) a unidade autônoma de estado está constantemente lutando pelo poder
através do uso da força e reagindo para preservar o interesse nacional; iii) o sistema
internacional é anárquico e por isso a luta pelo poder é incessante.
O dogma central da teoria realista está na anarquia do sistema internacional. Esse
dogma foi primeiramente articulado por Thomas Hobbes (1988). Na ausência de uma
autoridade internacional não há restrições às ações dos Estados. Segundo Hobbes, devido a
esta independência, as pessoas “vivem em constante rivalidade e na condição e atitude de
gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos nos outros”.
Nesse sentido, podemos avançar na definição de equilíbrio de poder e do sistema
internacional realista/racionalista. Morgenthau (2003), sobre o equilíbrio em âmbito
internacional, diz:
“Em consequência, o propósito de todas as formas de equilíbrio será o de manter a estabilidade
do sistema, sem destruir a multiplicidade dos elementos que o compõe. Se o objetivo fosse
simplesmente a estabilidade, essa poderia ser alcançada, ao consentir-se que um dos elementos
destruísse ou dominasse os outros e lhes tomasse o lugar. Uma vez que o objetivo real envolve
a estabilidade mais a autopreservação de todos os elementos do sistema, o equilíbrio tem
função evitar que um elemento conquiste a supremacia sobre os demais.”
Para Raymond Aron, em Paz e Guerra entre as Nações (1979), basta que exista a
possibilidade de que as nações entrem em uma guerra geral para se definir um sistema
internacional. Ou seja, em geral, na teoria realista, o sistema internacional é caracterizado pela
interação entre Estados em uma relação de forças desigual e sem que haja uma instituição ou
poder supremo sobre os mesmos, caracterizando uma ordem anárquica. Os sistemas
internacionais podem ser diferenciados de acordo com sua polaridade (bipolaridade ou
multipolaridade) ou estratificação (distribuição dos recursos essenciais entre os estados do
sistema).
Entre as reinterpretações mais recentes da teoria realista está Kenneth Waltz em
Teoria das Relações Internacionais (2002). Como em seus antecessores, o princípio
fundamental está no equilíbrio de poder. Porém, para os neorrealistas esse equilíbrio é dado
pela estrutura do sistema, a qual, por sua vez, é definida pela distribuição de capacidades entre
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os Estados. Assim, podemos ter dois tipos de estruturas: a anárquica e a hierárquica. Em uma
estrutura hierárquica as funções são diferenciadas (só as capacidades podem variar), enquanto
no sistema anárquico as funçõe são similares para todas as unidades e o que varia é a
capacidade relativa entre elas (MARIUTTI, 2013).
A teoria realista foi dominante no período que se estende logo após a 2a Guerra
Mundial, inclusive sendo tomada como base para a política externa dos Estados Unidos
durante a Guerra Fria. Essa política basicamente buscava balancear o poder entre Estados
Unidos e União Soviética. Segundo o diplomata americano Henry Kissinger (1994), desde o
governo de Theodore Roosevelt, foi centrada nos princípios realistas de equilíbrio de poder:
“He (Theodore Roosevelt) was the first president to insist that it was America`s duty to make
its influence felt globally, and to relate America to the world in terms of a concept of national
interest. Like his predecessors, Roosevelt was convinced of America’s beneficent role in the
world. But unlike them, Roosevelt held that America had real foreign policy interests that went
far beyond its interest in remaining unentangled. Roosevelt started from the premise that
United States was a power like any other, not a single incarnation of virtue. If its interests
collided with those of other countries, America had the obligation to draw on its strength to
prevail.”
Como Kissinger demonstra, para a política externa americana iniciada com Theodore
Roosevelt em 1901, o objetivo mínimo era a sobrevivência e manutenção dos seus interesses,
e a máxima seria atingir a dominação mundial. O sistema internacional era concebido em uma
lógica de disputa de poderes entre os Estados.

1.1.3. A Escola Inglesa

A Escola Inglesa (ou “racionalista2”) é vista como o middle-course dos pontos de vista
intelectual e político que vigoravam durante o período da Guerra Fria. Segundo o professor
José Flávio Sombra Saraiva (2006), a Escola Inglesa situava-se entre o racionalismo realista e
o neoliberalismo institucionalista, os quais apresentavam a dicotomia do mainstream
intelectual das Relações Internacionais entre as décadas de 1950 e 1980.
A Escola Inglesa apresenta uma síntese entre o realismo e o idealismo. Segundo
Mariutti (2013):
“O que realmente singulariza a posição “racionalista” não é o quanto ela supostamente avança
com relação ao realismo, mas, paradoxalmente, o quanto ela reafirma seus fundamentos: trata-


2 Segundo a divisão proposta por Martin Wight (1992) a Escola Inglesa faria parte da tradição racionalista,
porém, não podemos confundi-la com as interpretações econômicas.
22

se, essencialmente, de defesa intransigente da soberania estatal como a base para a construção
de uma ordem internacional tendencialmente pacífica.”
Trata-se de se conceber o Sistema Internacional como uma sociedade de Estados que
interagem sob um conjunto de regras comuns. Segundo Hedley Bull, quando os Estados
mantêm contato regular entre si, e essa interação afeta direta ou indiretamente as decisões
desses Estados, podemos dizer que há a formação de um sistema internacional. Essas relações
entre os Estados podem ser de cooperação, conflito ou neutralidade. A sociedade
internacional existe quando os Estados estão ligados por valores e interesses comuns, e para
isso, utilizam-se das mesmas regras e participam das mesmas instituições (BULL, 2001).
É importante, nesse sentido, definir o que distingue a Sociedade Internacional
proposta por Hedley Bull do Sistema Internacional - objeto de estudo das correntes anteriores.
Em um sistema, todas as unidade se comportam de formas diferentes, e preocupam-se com a
posição dos demais atores para tomarem suas decisões. Para o clássico Raymond Aron
(1979), em Paz e guerra entre as nações, basta que exista a possibilidade de que as nações
entrem em uma guerra geral para se definir um sistema internacional.
A Sociedade Internacional é um sistema onde existe uma formalização das questões
sobre o equilíbrio de poder, ou seja, uma consciência comum. A interação entre os Estados de
um Sistema Internacional pode gerar a existência de valores e normas comuns a todos estes
Estados. Hedley Bull define que existem alguns objetivos elementares a serem considerados
na formação de uma Sociedade Internacional: i) a preservação do próprio sistema; ii) a
manutenção da soberania ou independência dos estados; iii) a manutenção da paz; iv) a
limitação da violência para garantir o cumprimento das regras e da promessa de estabilidade;
v) cooperação com base em acordos (contratos); e vi) o mútuo reconhecimento da
propriedade e da soberania (BULL, 2001).
Nesse sentido, podemos entender que vivemos atualmente em uma Sociedade
Internacional, regida por valores comuns e pela presença de instituições internacionais que
tem como objetivo manter a paz e a soberania dos Estados, bem como garantir os valores
propostos acima. Porém, para Bull, esta sociedade é muito frágil, de modo que a estabilidade
e a ordem podem desaparecer, desde que os interesses dos menores Estados (ou terceiro
mundo) não sejam incorporados aos objetivos das grandes potências.
23

1.2. A Economia Política Internacional

Na década de 1970, com o colapso do sistema de Bretton Woods, torna-se cada vez
mais complicado explicar o contexto político e econômico apenas através das teorias clássicas
das Relações Internacionais apresentadas anteriormente. As teorias sobre Estado e hegemonia
já não eram suficientes para entender a conjuntura internacional. É nesse contexto, que em
1971 Susan Strange funda o International Political Economy Group (IPEG) – de forma a unir
o estudo da estrutura econômica e da estrutura política.

1.2.1. A Teoria da Economia Política Internacional (EPI)

A EPI, portanto, seria a articulação entre duas vertentes de estudo: a Economia


Internacional e as Relações Internacionais (ou Política Internacional). Nesse sentido, Robert
Gilpin, afirma que “States, and other powerful actors as well, use their power to influence
economic activities to maximize their own economic and politcal interests.” (2001). Na EPI o
Estado deixa de ser o ator principal, tornando-se apenas parte de um sistema mais complexo
onde as relações entre fatos políticos e econômicos abrangem diversos atores como: as
instituições, as empresas transacionais e seus interesses, os grupos econômicos, etc.
Robert O. Keohane, juntamente com o seu professor Joseph Nye, explora em “Power
and Interdependence: World Politics in Transition” a interdependência entre os múltiplos
atores das Relações Internacionais e sua forma de interação no sistema internacional.
Keohane chama de interdependência complexa as diversas interações transacionais, que vão
além das relações interestatais estudadas pelas teorias convencionais (KEOHANE & NYE,
1989). As interações acontecem através do que Nye chama de “soft power” – a atratividade
exercida pelo conjunto de valores sociais e políticos e o conteúdo da politica externa de um
estados sobre outros. Essa atratividade repousa em suas instituições, ideologias e cultura –
permitindo legitimar o poder de um Estado.
Da mesma forma, para Susan Strange, uma das principais autoras da EPI, as relações de
poder num sistema internacional não são restritas aos Estados (e suas preocupações com a
segurança nacional e a manutenção da paz). Estas relações se dão em um plano externo onde
atores não-estatais detém cada vez mais poder. Para definir o plano internacional, Strange
desenvolve um modelo de poder estrutural, composto por quatro estruturas básicas: produção,
segurança, conhecimento e finanças (STRANGE, 1988). Logo, o poder do Estado e dos
24

outros atores se dá tanto no âmbito econômico como no âmbito político, permeando as quatro
estruturas citadas.
Segundo Strange, nas teorias clássicas de Relações Internacionais o Estado detém o que
a autora chama de poder relativo; ou seja, cada Estado determina o comportamento do outro
(mesmo que ambos queiram agir de forma diferente), dependendo das suas relações de poder.
Já o poder estrutural é a capacidade de definir a estrutura do sistema econômico através da sua
atuação em uma ou mais estruturas listadas acima. “Structural power, in short, confers the
power to decide how things shall be done, the power to shape frameworks within which states
relate to each other, relate to people, or relate to corporate enterprises.” (STRANGE, 1994,
p. 25).
Peter Gowan vai além das relações entre os atores nos ambientes político e econômico,
e define que o próprio Estado não é apenas um conjunto de políticos eleitos, mas sim um
instrumento que os capitalistas utilizam para garantir seus interesses. Logo, as relações dos
atores não-governamentais não se dão apenas com o Estado, mas através do Estado, o qual
procurará garantir tais interesses no âmbito internacional (GOWAN, 1999).
Outro autor importante é Robert Cox que afirma, ao contrário dos outros autores já
mencionados, que as estruturas são compostas por processos históricos e sociais, os quais
estão em constante transformação. Segundo Cox, existem três forças sociais principais que
engendram tais processos: as capacidades materiais (recursos e capacidades tecnológicas de
produção), o conhecimento e as instituições sociais. “This may be called a political-economy
perspective of the world: power is seen as emerging from social processes rather than taken
as given in the form of accumulated capabilities, that is as the result of these processes.”
(COX, 1981, p. 105).

1.2.2. A EPI e sua relação com o presente estudo

Segundo Susan Strange, as mudanças estruturais que ocorreram na economia


internacional nos últimos anos intensificaram a competição entre os estados por market share.
Essa competição faz com que o Estados passem a negociar e barganhar diretamente com a
firmas com o objetivo de atraí-las para os seus territórios (STRANGE, 1994, p. 9). Porém,
com a integração cada vez maior do mercado mundial, é difícil que as políticas
implementadas no sentido de ganhar essa competição não entre em conflito com outras
políticas. Muitas vezes, até mesmo as políticas domésticas acabam sendo afetadas pelo
movimento do Estado em barganhar diretamente com as empresas.
25

Nesse sentido, fica claro que a interação entre as cadeias produtivas e as empresas
transnacionais da China e dos EUA trazem implicações para a competição no cenário
internacional. As políticas externas implementadas por ambos tem consequências tanto
externas quanto internas – tema que será discutido adiante. Cada vez mais observa-se que a
China vem forçando uma distribuição do poder internacional através não só das relações
interestatais, mas também por outros atores como as empresas transnacionais atuantes em seu
território.
Mas também é notável que a China ao mesmo tempo não contesta a ordem vigente, e
sim vem se beneficiando das suas relações com as empresas multinacionais e sua participação
nas cadeias globais de valor. O que pretendemos estudar adiante é justamente se essa relação
estrutural observada atualmente será mantida ou se existirá a possibilidade de conflito quando
a interação Estado-firmas não se sobrepuser às relações Estado-Estado.
26

Capítulo 2 – As Relações Econômicas Simbióticas entre China e EUA

2.1. Os fluxos de IED na China

Investimentos estrangeiros diretos (IED) englobam a participação no capital total ou


parcial de empresas sediadas no país e os empréstimos intercompanhia (entre matrizes e
filiais). Atualmente, os fluxos de IED correspondem à grande parte do fluxo de capitais entre
as nações. O IED é caracterizado por ser produtivo, ou seja, não gera especulação, sendo
realizado com objetivo de se obter maior competitividade no cenário internacional, além de
ser forma de internacionalização das empresas. A OECD (Organization for Economic Co-
operation and Development) considera um investimento estrangeiro como investimento direto
quando este detém uma participação no capital de, no mínimo, 10%, e pode exercer influência
sobre a gestão da empresa receptora.
Deste modo, uma das principais características do IED é que o investidor estrangeiro
possui o controle total ou parcial do empreendimento que recebeu o capital. De modo distinto
do capital de portfólio, os ativos denominados por IED apresentam baixa liquidez. Os prazos
de permanência tendem a ser longos pelo próprio objetivo de constituir ou participar de
empreendimentos produtivos, cuja maturação é tão indefinida quanto o tempo de vida de uma
empresa. A incerteza quanto ao prazo para o retorno e a rentabilidade do capital investido
obviamente o caracterizam como investimento de risco.
Em alguns casos, as Empresas Transnacionais (ET) são veículos de empréstimos
internacionais. As matrizes fornecem capital à suas filiais estrangeiras na expectativa de um
recebimento posterior. À medida que as empresas transnacionais financiam suas filiais, o IED
acaba tendo o mesmo efeito que os empréstimos internacionais. Porém, a existência de
empresas transnacionais não necessariamente reflete um fluxo de capitais líquido de um país a
outro.
A questão a ser compreendida é que, embora as empresas transnacionais sirvam, em
alguns casos, de veículo para os fluxos internacionais de capitais, é um erro enxergar o IED
como forma alternativa de os países emprestarem dinheiro uns aos outros. Na verdade, o
ponto principal do IED é permitir a formação de organizações multinacionais, isto é, permitir
a ampliação do controle é seu objetivo e propósito essencial. O IED é caracterizado como
uma das formas do processo da internacionalização da produção, devido esta ocorrer sempre
que os residentes de um país tem acesso a bens e serviços originários de outro país. A
27

internacionalização da produção pode ocorrer por meio de três formas básicas, a saber, o
comércio internacional, o IED e a relação contratual.
Por comércio internacional, entende-se que os bens cruzam as fronteiras nacionais pela
forma de exportação. No caso de serviços, sendo o mesmo geralmente um produto intangível,
o comércio internacional envolve o deslocamento dos consumidores ou dos produtores.
Porém, há possibilidade de se ter acesso a produtos de uma nação noutra, por meio de
operações de empresas de uma nação em outro território, isto é, o IED representa outra forma
de internacionalização da produção. Exportação e IED são formas alternativas, que envolvem
tanto relações de substituição quanto de complementaridade. Ao instalar uma planta em outro
país, uma empresa pode ocasionar um efeito de substituição, com a redução das importações
deste país receptor. Por outro lado, o IED pode ter uma relação de complementaridade com o
comércio internacional, por meio do comércio intra-industrial, com a importação de insumos,
peças ou componentes. Há também a relação contratual, onde há transferência de um ativo
específico à propriedade, que permite a internacionalização da produção.
Nas duas primeiras formas tratadas de internacionalização da produção, a exportação e
o investimento estrangeiro direto, a empresa produz ela própria o bem ou serviço, enquanto na
relação contratual o agente de produção é um residente. Como descrito em Baumann, Canuto
e Gonçalves (2004), “pela exportação e pelo investimento estrangeiro direto a própria
empresa estrangeira faz, enquanto por meio da relação contratual ela faz fazer”. Assim, a
exportação e o IED envolvem a internacionalização da produção, enquanto a relação
contratual a externaliza.
Dunning (1980) formula a teoria do paradigma eclético, a qual afirma que os motivos
que levam uma empresa a se internacionalizar derivam de uma reunião das teorias dos demais
autores, isto é, estão relacionados com as vantagens competitivas e comparativas de
localização e os benefícios da internalização. Conhecido como OLI (Ownership, Location,
Internalization), o paradigma eclético propõe que os custos de se internacionalizar serão
compensados quando a empresa conseguir aliar esse conjunto de vantagens e explorá-lo,
realizando, assim, o IED. Além do agrupamento de teorias, Dunning também é responsável
por caracterizar os tipos de investimentos diretos realizados pelas empresas, classificando-os
por motivação para sua realização. Ao todo, são quatro os motivos: Resource Seeking, Market
Seeking, Efficiency Seeking e Strategic Assets Seeking.
Uma empresa busca por recursos (Resource Seeking) para diminuir custos de produção
geralmente de produtos de baixo valor agregado, visando à exportação. Dessa forma, a
localização do investimento será influenciada por disponibilidade e custos de recursos
28

naturais, qualificação e custo da mão de obra, infraestrutura do país para a exploração de


recursos e exportação dos produtos, restrições governamentais ao IED e a remessas de capital,
incentivos governamentais aos investimentos.
O segundo motivo é a busca por mercado (Market Seeking), caracterizado pelo
objetivo da empresa de ofertar seus produtos para o mercado interno do país no qual o
investimento será realizado e, posteriormente, a quaisquer zonas de livre comércio que estiver
inserido. Quando o motivo é a busca por mercado, as variáveis que influenciam o IED são o
tamanho do mercado interno e regional, crescimento do mercado doméstico e regional,
disponibilidade e custo da mão de obra qualificada, qualidade na infraestrutura nacional e
barreiras comerciais. O excesso de competição e a saturação do mercado consumidor
doméstico são dois dos principais motivos para que as empresas busquem mercados
diferentes.
Para se reduzir os custos de produção e melhorar a eficiência da organização, as
empresas realizam o IED com o motivo de Efficiency Seeking ou busca por eficiência. A
localização desse tipo de investimento é influenciada pelas variáveis fatores relacionados ao
custo de produção, disponibilidade e custo de mão de obra qualificada, disponibilidade de
fatores de produção especializados, ambiente empreendedor que encoraje a cooperação e o
aumento da competitividade das empresas.
O quarto e último motivo pelas quais as empresas realizam o IED é a busca por ativos
estratégicos (Strategic Assets Seeking), tendo como objetivo fortalecer as vantagens
competitivas da empresa ou reduzir as de seus concorrentes, principalmente buscando em
outros mercados, conhecimentos que podem ser incorporados à empresa investidora. As
variáveis que influenciam o destino desses investimentos são as disponibilidades e preços de
ativos de conhecimento, condições de mercado que protegem ou fortalecem as vantagens
competitivas, oportunidades para a cooperação de conhecimento, entre outras.
Além das vantagens citadas acima trazidas para as empresas que investem via IED, os
países receptores destes fluxos também obtém custos e benefícios. Segundo o relatório da
OECD de 2002, os “benefícios líquidos” advindos dos fluxos de IED para o país receptor
variam de acordo com o contexto e infraestrutura destes países: nível geral de educação e
saúde, intensidade tecnológica das empresas domésticas, abertura para o comércio
internacional, competitividade e políticas regulatórias. Porém, mesmo quando os países não
possuem todo o aparato institucional listado acima, este ainda podem se beneficiar dos fluxos
de IED: melhorando as suas condições de financiamento, alcançando melhores taxas de
crescimento, e se beneficiando da formação bruta de capital fixo. Custos como, por exemplo,
29

a necessidade de reestruturação industrial e problemas com as mudanças nos padrões de


distribuição, podem ser mitigados, segundo o relatório, com a flexibilização das estruturas,
estabilidade macroeconômica e implementação de políticas regulatórias e legais adequadas
para a recepção destes fluxos.
Nesse sentido, de uma maneira geral, os países receptores são beneficiados pelos
fluxos de IED, principalmente onde as estruturas econômicas e legais criam um ambiente
saudável para os negócios (OECD, 2002). Porém, ainda há desafios em verificar se tais
benefícios contribuem ou não para o desenvolvimento geral da nação receptora de IED.
Muitas vezes, a crescente participação destes países nas redes internacionais de produção se
dá em indústrias de baixo nível tecnológico e segmentos intensivos em mão-de-obra, e apesar
de isto lhes permitir aumentar a renda per capita e os níveis de emprego, nem sempre
significará aumentar a qualificação da mão-de-obra e transferir tecnologia. Assim, esses
benefícios não necessariamente representarão um salto para um novo padrão de crescimento
industrial acelerado e sustentado (AKYÜZ, 2005).
Porém, conforme veremos a seguir, para a China o IED foi um importante fator que
contribuiu para o seu desenvolvimento e crescimento. O investimento direto estrangeiro
aliado à estratégia política de Deng Xiaoping e de seus sucessores, ao efetivar o papel de
alavancar o crescimento das empresas chinês, através principalmente da transferência de
tecnologia para a indústria nacional, e respeitando sempre a política de exportação e geração
de empregos, fomentou o crescimento econômico e o consumo das famílias chinesas,
promovendo, dessa forma, um efeito multiplicador (SAMBARTTI & BRANDENBURG,
2011).
Além deste efeito multiplicador, os fluxos de IED possibilitaram o aprimoramento da
tecnologia no país como resultado da competição e da transferência tecnológica. Segundo
pesquisa de Long et al. (2003), das 442 empresas chinesas participantes, 29,9% apresentaram
um “grande avanço tecnológico”, 61,5% registraram “certo avanço tecnológico”, 7,3%
“nenhum avanço tecnológico” e 1,3% um “decaimento nos níveis de tecnológicos”.
Efeitos de crowding-out não são tão visíveis em decorrência do processo de
crescimento aliado aos fluxos de IED. Podemos citar o efeito de recrutamento de mão-de-obra
qualificada e a dificuldade das empresas domésticas em recrutar tais talentos, dadas as
estratégias agressivas de competição das empresas estrangeiras. Porém, com o aumento dos
intercâmbios estudantis e os investimentos em educação, atualmente há mão-de-obra
qualificada suficiente para atender as empresas domésticas e estrangeiras. Assim, esse efeito
foi compensado pelas transformações na educação (LONG, 2005).
30

Já os efeitos de spillover são mais evidentes. Primeiramente, podemos verificar que a


gigante escala do mercado interno deixou espaço suficiente para as empresas domésticas,
apesar da competição estrangeira. Dadas as regulações em relação ao IED às empresas
totalmente estrangeiras que exigiam que a maior parte da produção fosse exportada, as
empresas domésticas não perderam seu espaço no mercado interno, e com o aumento da
escala, ainda podem competir mesmo com o relaxamento dessas regulamentações. E em
segundo lugar, verifica-se que a China implementou uma estratégia de mercado de troca de
tecnologias avançadas – empresas estrangeiras devem importar tecnologia em troca de
adentrarem o mercado interno – permitindo que essas tecnologias “transbordem” para a
indústria nacional (LONG, 2005).
Portanto, verificamos pelo caso chinês que, assim como demonstram estudos
econométricos e empíricos, há um atrelamento entre IED e crescimento econômico. Para isso
foi necessário que houvesse um contexto econômico e uma conjuntura institucional adequada
para o direcionamento de tais fluxos para que fosse possível o desenvolvimento da capacidade
produtiva e tecnológica; criação de empregos; qualificação da mão-de-obra; efeitos positivos
de spillover; aumento da competitividade das indústrias domésticas, desenvolvimento do
mercado interno; entre outros. Segundo Chyau Tuan e Linda F.Y.Ng (2002) podemos
caracterizar a entrada de IED na China e sua conjuntura institucional em 4 fases, sendo estas:
(1) A primeira fase (1979-1986)
A promulgação da Equity Joint Venture Law em 1979 é o marco de abertura da
chinesa para o IED. Durante esta fase, a lei focou-se nas joint-ventures de capital privado.
Várias leis e regulamentos foram promulgadas para organizar a entrada de IED nesse
formato. Em primeiro lugar, quatro zonas econômicas especiais (ZEE) foram criadas para
acomodar os fluxos de IED, como uma forma de política preferencial para o capital
estrangeiro em caráter experimental. Posteriormente, outras cidades portuárias/costeiras,
incluindo Xangai e Guangzhou foram abertas para o IED.
Assim, nesta fase, ainda havia grandes restrições às atividades de IED como restrições
ao câmbio, entrada no mercado doméstico, aquisição de equipamentos, etc. O montante
acumulado de entrada de IED nesse período (1979-86) foi ainda pequeno, cerca de US$ 7,5
bilhões, ou US$ 0,9 bilhão por ano em média. Investimentos vindos de Hong Kong
(incluindo Macau) dominaram os fluxos de IED para a China, principalmente por projetos
cross-border para fabricação e processamento de produtos intensivos em trabalho e
desenvolvimento imobiliário.
(2) A segunda fase (1987 – 1991)
31

Esse período foi representado pela ampliação e refinamento da legislação específica


do IED e subsídio do governo para as áreas com maior abertura. Durante esta fase, várias leis
e normas foram promulgadas, incluindo as leis das Joint Ventures e Subsidiárias Integrais, e
foi moldada a infraestrutura legal, institucional e física. Entre 1987 e 1991, os fluxos de IED
aumentaram quase quadruplicaram em relação à fase anterior para US$ 16,68 bilhões ou uma
média anual de US$ 3,34 bilhões.
Os fluxos de IED advindos de países desenvolvidos também aumentaram
gradualmente em 68,40% em 1991 (TUAN;NG, 2002), influenciados pelo sucesso da
experiência de Hong Kong. Porém, a restrição cambial chinesa ainda tornava difícil atrair os
investidores de países desenvolvidos capital. Já os fluxos de países em desenvolvimento eram
em sua maior parte orientados para exportação, o que evitava a restrição cambial.
(3) A terceira fase (1992-2000)
A partir de 1992, com o discurso de Deng Xiaoping, iniciou-se uma nova fase para
entrada de IED na China, onde o estabelecimento uma “economia socialista de mercado”
como política garantiu a confiança aos investidores estrangeiros. Os influxos de IED
aumentaram em quase 20 vezes em relação a segunda fase apresentada anteriormente,
somando em torno de US$ 324,70 bilhões, ou em média US$ 36,08 bilhões por ano.
Ao longo dos anos 90, a política de Deng Xiaoping tinha como estratégia diversificar
as exportações através de novas tecnologias (diversos centros tecnológicos foram criados) e
modernizar a infraestrutura por meio de investimentos públicos. Portanto, durante os anos
1990, foram implantadas medidas de direcionamento dos investimentos externos para
indústrias capital-intensivo (ACIOLY, 2005). Por isso, diferentemente da América Latina, o
IED esteve pouco relacionado às operações de fusões e aquisições ou fluxos financeiros, e se
concentrou no setor de manufatura por investimentos greenfield. Segundo Bradenburg &
Sambatti (2011), dentre os condicionantes do IED na China durante este período, pode-se
citar: o rápido crescimento econômico; o potencial de expansão do mercado consumidor e a
abundancia de mão-de-obra barata e relativamente qualificada; a estabilidade e previsibilidade
das políticas macroeconômicas chinesas; e o papel do governo na condução de políticas
fiscais, de regulamentação, e incentivos para a atração dos investimentos.
A padronização da infraestrutura institucional passou a atrair cada vez investidores dos
EUA, Japão e União Europeia. Foram promulgadas leis que não só protegiam o status legal
dos investidores estrangeiros, mas também atendiam às necessidades institucionais mais dos
investidores ocidentais, desburocratizando e padronizando regulamentos. Apesar de existirem
ainda os controles cambiais, os mesmos eram amplamente divulgados o que não atrapalhava
32

os investimentos.
Em 1997, a região asiática sofre uma abrupta recessão e colapso cambial, porém, a
China, após sofrer com a deflação e queda nas taxas de crescimento do PIB, implementa uma
política anticíclica com aumento dos gastos públicos e ampliando os investimentos. Esta
política permitiu que se mantivesse, de certa forma, o crescimento chinês e a estabilidade do
yuan – o que transformou a China num importador líquido na Ásia. Segundo Medeiros
(2007), desde de 1997 o yuan vem sido usado crescentemente em operações off-shore na
região, especialmente como meio de troca com países da fronteira, e também para turismo e
investimento em Hong Kong, Macau e Singapura. Nesse sentido, segundo Hsiao & Hsiao
(2004), com a crise de 1997, os fluxos de IED antes dirigidos à países como Indonésia,
Malásia e Filipinas, começaram a se direcionar para as novas economias industrializadas
asiáticas: Hong Kong, Taiwan e China.
A partir de 1997 revisa-se então a orientação para o IED, transferindo o incentivo às
exportações para a indústria de alta tecnologia Segundo Lin (2000) vários incentivos foram
criados para fomentar a indústria de tecnologia como por exemplo: (1) retorno de 100% do
valor adicionado fiscal e de imposto de renda por três anos para indústrias de alta tecnologia,
médicas e de materiais; (2) retorno de 100% do imposto de renda durante dois anos para
indústrias de alta tecnologia reconhecidas; (3) benefícios fiscais totais ou parciais para
importações, transferência ou novas exposições tecnológicas; e (4) serviços expressos do
governo para tributação, registro, avaliações de compras, permissões, etc.
Assim, ao final dos anos 90, e com a recuperação da economia chinesa após a crise de
1997, a expansão dos investimentos voltados ao mercado interno, a criação de zonas voltadas
ao progresso tecnológico, e as estratégias das grandes empresas transnacionais no mercado
chinês, levaram a uma nova onda de investimentos externos, porém dessa vez voltada ao
desenvolvimento e atendimento também do mercado interno. O esforço do investimento em
centros tecnológicos permitiu também que as exportações chinesas passassem a compor bens
de maior intensidade tecnológica, principalmente, bens relacionados à Tecnologia de
Informação (TI) (MEDEIROS, 2007).
(4) A quarta fase (2000 – atualmente)
A partir dos anos 2000, a China começa a ter um papel central na Ásia através de
arranjos cambiais e financeiros e uma nova direção da política externa para a cooperação
regional. Além disso, com o câmbio valorizado em relação às economias asiáticas após a crise
asiática, e desvalorizado em relação ao dólar, a China transformou-se numa base de
exportação para os Estados Unidos (MEDEIROS, 2008), tornando-se também muito
33

importante nas redes de comércio internacionais. Deste modo, em 2001, dado o crescimento
da sua influência, após uma série de reformas, a China é admitida à Organização Mundial do
Comércio (OMC). A entrada de IED na China se dava, antes de sua admissão à OMC, sob a
forma de joint-ventures ou através de firmas totalmente estrangeiras – porém, neste último
caso, estas firmas estrangeiras eram obrigadas a exportar 50% da sua produção ou produzir e
transferir tecnologias avançadas. A partir de 2000, como parte das reformas, as restrições
citadas começam a ser relaxadas (ACIOLY, 2005).
Segundo o Relatório da UNCTAD (2004), após a elevação dos fluxos a partir de 2001,
em 2003 a China supera os Estados Unidos e passa a ser o maior receptor de IED no mundo.
E em 2007, a China ultrapassa novamente os Estados Unidos e torna-se o maior país
exportador mundial, ficando atrás apenas do conjunto de países da União Europeia (UE).
Segundo Medeiros (2000), o incrível crescimento das exportações chinesas, assim como o seu
superávit comercial com os EUA, foi muito importante para manter as taxas de crescimento e
o desenvolvimento chinês.
Porém, é importante ressaltar que, segundo dados apresentados por Yuqing (2007), o
IED de empresas norte-americanas é, na maior parte das vezes, direcionado para o próprio
mercado doméstico chinês. Em 2003 há indicações de que aproximadamente 75% das vendas
das filiais norte-americanas na China foram para o mercado interno chinês. Além disso, 25%
do que é exportado por tais empresas, 7% são importações reversas para os EUA. Ou seja, o
incrível crescimento das exportações chinesas se deu principalmente por conta de IED de seus
próprios vizinhos como Japão e Taiwan.
No relatório atual (UNCTAD, 2013), a China continua despontando como o principal
receptor de IED do mundo, apesar de ter sofrido um grande impacto com a crise global de
2007-2008. Neste momento, torna-se importante também por aumentar os envios de IED,
principalmente para países da região do sudeste asiático e África. Este fenômeno interessante
tem se dado devido a realocação das atividades industriais de transnacionais chinesas e
estrangeiras devido à tendência crescente dos custos de produção. Além da realocação dentro
da região, há também um movimento dessas empresas para o interior da própria China: “(…)
foreign productive facilities have been relocating inland from the coastal area of China,
leading to a boom in FDI inflows to the middle and western areas of the country.”
(UNCTAD, 2013, p. 46).
34

2.2. A relação comercial entre China e EUA

As relações comerciais entre China e EUA aumentaram substancialmente nas últimas


décadas. O volume total de comércio entre os dois países aumentou de US$ 2 bilhões em
1979 para US$ 590 bilhões em 2014. As importações de produtos de baixo custo vindos da
China beneficiam os consumidores norte-americanos, pois aumentam o seu poder de compra.
Além disso, ao utilizar a China com o fim da sua linha montagem ou então ao importar
insumos chineses com baixo custo para a produção de bens nos EUA, faz com o que estes se
tornem mais competitivos a nível mundial (MORRINSON, 2011). Ao mesmo tempo, essas
importações também se mostram uma ameaça a indústria doméstica devido a sua
competitividade de preço.
O que se observa também, é que nas últimas décadas, as exportações chinesas para os
EUA aumentaram muito mais rapidamente do que as importações vindas dos EUA. Isso fez
com que os norte-americanos tivessem um déficit em relação a China cada vez maior,
conforme Gráfico 2. Esse grande superávit gerado na balança comercial possibilitou à China
se tornar o maior credor dos EUA com aproximadamente US$ 1,2 trilhão aplicados em títulos
públicos americanos ao final de 2014 – fato o qual será explorado na próxima seção do
capítulo.

Gráfico 2 – Comércio entre China e EUA (1985-2014) em US$ Bilhões

Fonte: U.S. International Trade DataWeb – Census Bureau


Elaboração: Autora

Como já citado anteriormente, até o final da década de 1990, a indústria chinesa (por
meio dos investimentos diretos) estava focada na produção e exportação de produtos
manufaturados de baixo valor agregado. Logo, as exportações para os EUA nesse período
35

eram basicamente formadas por produtos de baixo valor e trabalho-intensivos, como por
exemplo brinquedos, produtos eletrônicos de consumo, tênis, têxtil e vestuário.
Porém, após as reformas do início dos anos 2000, com o fomento às indústrias de alta-
tecnologia, o perfil das exportações chinesas para os EUA tem se diversificado. De acordo
com o U.S. Census Bureau, em 2003 os produtos de tecnologia avançada só representavam
19,2% do total exportado pela China para os EUA. Em 2014, tais produtos passaram a
representar 31,1% das exportações. Essa mudança de perfil das exportações chinesas tem se
mostrado preocupante para alguns, visto que mostra o aumento da competitividade na
indústria de alta tecnologia. Porém, cabe ressaltar que, como alguns autores afirmam, trata-se
apenas da montagem de produtos finais e produção de partes de produtos eletrônicos, e que a
China ainda não detém domínio nesse setor.
Segundo Morrison (2011), no Gráfico 3 é possível observar que o considerável
aumento das importações norte-americanas vindas da China se deu por conta do processo de
movimentação das cadeias produtivas, com transferências das plantas produtivas export-
oriented de outros países do Círculo de Fogo do Pacífico3 (Pacific Rim) para a China. Isso
reflete a terceira fase dos influxos de IED na China e o seu fomento às empresas voltadas à
exportação. Principalmente após a crise asiática de 1997, as empresas passam a direcionar
suas plantas para a China seguindo as estratégias de Resource Seeking conforme a taxonomia
de Dunning (1980).

Gráfico 3 – Importações Norte-Americanas de Manufaturas vindas dos países do


Círculo de Fogo como um Percentual do Total de Manufaturas Importadas dos EUA
(1990, 2000 e 2010)

Fonte: U.S. International Trade Comission DataWeb.


Elaboração: Morrisson, 2011.

3 Círculo de Fogo do Pacífico inclui os países: Austrália, Brunei, Camboja, China, Hong Kong, Indonésia,
Japão, Coréia do Sul, Laos, Macau, Malásia, Nova Zelândia, Coréia do Norte, Papua e Nova Guiné, Filipinas,
Singapura, Taiwan, Tailândia, Vietnam e outros pequenas ilhas.
36

De acordo com o U.S. International Trade Census Bureau, em 2015 a China é a


principal origem dos produtos importados pelos EUA, representando 21,2% do total
importado. Em segundo e terceiro lugar aparecem Canadá e México, com 13,4% e 13,1%,
respectivamente. É clara, portanto, a dependência norte-americana em relação aos produtos
importados chineses, e como mencionado anteriormente, essas importações têm permitido
ganhos importantes no poder de compra do consumidor americano e na redução de custos de
insumos e peças utilizados na produção doméstica. O setor Manufatureiro que em 1997
representava 16,1% do PIB norte-americano, cai para 12,1% em 2014 (redução de
aproximadamente 25%).
Já para a China, em 2013 (último dado disponibilizado pelo National Bureau of
Statistics of China), os EUA não são o principal destino de suas exportações. Em primeiro
lugar, temos Hong Kong com 17,4%, e em segundo lugar EUA com 16,7% do total exportado
pela China. Se considerarmos o total dos países da Europa, temos 18,36% do total exportado,
à frente dos EUA.
Após a crise de 2008 e a recente queda nas taxas de crescimento econômico, ficou
mais evidente à China que o desenvolvimento exclusivamente export-led pode ser limitado. O
mercado interno tem se desenvolvido conjuntamente, porém ainda requer uma atenção maior.
É visível a ascensão de uma grande classe média e a diminuição da pobreza, e inclusive um
aumento da paridade do poder de compra da população. É possível observar a magnitude da
transformação com as projeções feitas pela McKinsey&Company (2013) no Gráfico 4.
Gráfico 4 – Projeção de Crescimento da Classe Média Chinesa

Fonte/Elaboração: McKinsey&Company (2013)


37

A complementariedade do comércio entre China e Estados Unidos, sendo o último o


grande importador de produtos manufaturados sino-americanos, não coloca na indústria o
terreno da principal disputa de interesses entre os dois países. Segundo Medeiros (2007), a
China coloca-se com um “duplo-polo” na economia mundial – o principal produtor de
manufaturas intensivas em mão-de-obra e grande mercado para a produção mundial de
máquinas e equipamentos, indústrias de tecnologia e matérias-primas; e também, em um
mecanismo complementar, grande importador de insumos, partes e componentes e bens de
capital. O segundo polo poderia ser gerador de uma competição estratégica entre os dois
países, conforme veremos no capítulo a seguir.

2.3. O Poder Financeiro Chinês

As exportações norte-americanas para a China têm crescido também nos últimos anos,
como vimos anteriormente, porém não às mesmas taxas que as importações. As reservas
internacionais chinesas aumentaram de US$ 5,5 bilhões em 1989 para US$ 3,8 trilhões no
final de 2014, conforme Gráfico 5. Apesar do governo chinês não divulgar a composição das
reservas, estima-se que 70% a 75% são compostas por ativos denominados em dólar. Além
disso, de acordo com o Departamento do Tesouro Nacional dos EUA, a China é hoje o maior
detentor de títulos públicos americanos, com US$ 1,3 trilhões em Dezembro de 2014.

Gráfico 5 – Reservas Internacionais Chinesas (Menos Ouro) em US$ Bilhões

Fonte: China State Administration of Foreign Exchange


Elaboração: Autora

É importante ressaltar que a China adotou desde o final da década de 1980 o regime de
câmbio fixo com sua moeda subvalorizada, e em 2005 adotou um regime de flutuação
38

administrada, onde o yuan passou a flutuar dentro de uma banda estreita. Apesar dessa
mudança de regime, para atender políticas, principalmente advindas dos EUA, estudos
empíricos reforçam em sua maioria a percepção convencional do yuan subvalorizado. Essa
estratégia, também chamada de diplomacia do ‘yuan fraco’ (BIANCARELLI , CUNHA e
PRATES, 2005) objetiva a preservação do crescimento e da estabilidade econômica e política.
O acúmulo de reservas internacionais é o reflexo dos objetivos do BPoC de impedir
que haja valorização do Yuan e com isso manter o crescimento export-led. Com a moeda
desvalorizada em relação ao dólar, a China garante que seus produtos sejam competitivos, o
que por sua vez fomenta as exportações e o crescimento do PIB. Além disso, as reservas
internacionais são também uma proteção contra crises financeiras, como a Crise Asiática de
1997.
Assim, segundo Collis e Hartquist (2008), essa estratégia de subvalorização da moeda
faz com que o comércio se torne muito unilateral, ou seja, causa um déficit em conta corrente
do parceiro comercial – no caso os EUA. Para financiar esse déficit, o país deve emitir títulos
da dívida pública. Logo, as reservas internacionais chinesas, com grande parte em títulos
públicos americanos ou ativos denominados em dólar, é uma simetria em relação à balança
comercial com os EUA. De acordo com Prasad e Sorkin (2009), entre 2000 e 2008 o superávit
em conta corrente da China foi responsável por 78% do acúmulo de reservas internacionais.
Segundo Carneiro (2010):
“Esse financiamento automático do déficit em transações correntes constitui uma prerrogativa
da moeda reserva, mas também de outras moedas conversíveis. Assim, temos a sequencia:
exportação da China para os EUA, denominada em dólar e financiada por um banco americano
que antecipa os recursos em dólar para o exportador chinês. No vencimento do empréstimo o
importador liquida-o em dólar. Por sua vez, o exportador chinês que detém os dólares –
depositados num banco americano – é obrigado a vendê-los ao Banco Central da China. A
compra dos dólares por parte do BC chinês se faz a uma taxa fixa de câmbio evitando assim
que a ampliação da oferta de dólares valorize o yuan. Na sequência o BC chinês pode ou não
esterilizar o impacto monetário da operação” p.10.
Para a China, esta simbiose dá muito poder ao governo chinês, o qual demonstra cada
vez mais poder influenciar as políticas econômicas internacionais. Para Morrison (2009),
policymakers americanos já demonstram certa preocupação em relação à pressão que a China
poderá exercer caso discorde das decisões dos Estados Unidos. Se o crescimento americano
continuar dependente deste mesmo mecanismo, cada vez menos serão capazes de determinar
suas regras e estarão cada vez mais subordinados às suas dívidas de longo prazo com matriz
39

de crédito do Leste Asiático (MORRISON, 2009). Além disso, conforme afirma Murphy
(2006):
“A China tem a esperança de que, se e quando o regime financeiro global centrado no dólar
desmanchar, ela terá́ uma economia suficientemente desenvolvida que permita ao Yuan ocupar
um espaço entre as principais divisas mundiais sem ser necessário algum lastro em moeda
estrangeira, tal como as reservas em dólar atualmente proporcionam. Isto irá permitir que a
China lide melhor com o colapso do poder de compra americano quando os EUA forem
finalmente forçados a viverem de acordo com seus meios.” p.61.
Para a China, esse arranjo é vantajoso, mas ao mesmo tempo apresenta efeitos
negativos (MARIUTTI, 2012). É preciso observar que a China torna-se cada vez mais
dependente dos mercados consumidores desenvolvidos (para manter o crescimento export-
led), dos bancos americanos para a administração das reservas e principalmente do IED norte-
americano nas unidades produtivas sediadas no país (MARIUTTI, 2012). Segundo Tavares e
Belluzzo (2004), a China também é “devedora” dos EUA, devido ao grande volume de
investimentos que conseguiu atrair e precisa manter.
A China também tem se mostrado importante para a região asiática no sentido de
transmitir os impulsos de crescimento para os outros países – através do aumento do comércio
entre tais países com importações de insumos e equipamentos. Essa integração será abordada
no próximo capítulo, mas cabe mencionar que desde a Crise Asiática de 1997, há um esforço
de institucionalização da cooperação econômica – comercial e financeira na região (CUNHA
e BIANCARELLI, 2005):
“Medidas recentes, como os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os “Asian Bond
Market Initiatives” – uma série de medidas voltadas ao aprimoramento dos mercados de
capitais da região, com o intuito de viabilizar a fixação das poupanças na região – e a ideia de
criação de um Fundo Monetário Asiático (inicialmente esboçada pelos japoneses em 1997, e
retomada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, em 2005), além de diversos acordos de
livre comércio, vêm dando vida ao que se pode perceber com a busca politicamente consciente
de ampliar margens de manobra para a realização de estratégias desenvolvimentistas em um
novo ambiente de globalização econômica com predomínio das finanças privadas.” p. 21.
Nesse sentido, Segundo Gowan (2009, p. 5): “o poder financeiro fortalecido da China
e de outros Estados do Leste Asiático poderia se chocar com as velhas relações imperiais de
crédito e dívida entre o mundo atlântico e o Sul, ao oferecer ao último fontes alternativas de
apoio financeiro”. Porém, ainda de acordo com o autor, as prioridades estratégicas da China
demonstram que, no momento, o intuito não é construir novos arranjos institucionais para a
economia mundial. A China está concentrada em desenvolver-se domesticamente da costa
40

para o interior do país, e manter assim a sua dinâmica de crescimento – logo, não se coloca
como prioridade desafiar os EUA.
A China tem tentado aumentar o seu poder financeiro, encorajando o uso do yuan para
o financiamento do comércio, principalmente na região asiática, e agora representa 9% do
total global de transações financeiras, enquanto o dólar ainda é responsável por 81% do total.
Enquanto a China não desenvolver um mercado de capitais doméstico mais profundo e
sofisticado, e uma política cambial que gere confiança, o yuan não aumentará o seu papel a
ponto de desafiar o dólar (NYE, 2015).
41

Capítulo 3 – Pontos de Tensão

À medida que a China assume um papel central na Ásia acirram-se os conflitos


geopolíticos com os EUA em diversos planos (MEDEIROS, 2007). Em 2003, a China
permitiu o uso do yuan como moeda para pagamento nos contratos comerciais com os países
de fronteira, bem como vem encorajando empresas chinesas a usar o yuan em investimentos
na Ásia, demonstrando um movimento de regionalização monetária. Além disso, as grandes
reservas internacionais em títulos da dívida americana garantem uma posição estratégica da
China nas relações internacionais, pois auferem grande poder de barganha e negociação,
principalmente no que tangem as políticas americanas.
A complementariedade do comércio entre China e Estados Unidos, sendo o último o
grande importador de produtos manufaturados sino-americanos, como já foi ressaltado, não
coloca na indústria o terreno da principal disputa de interesses entre os dois países. A China
como um grande importador de insumos, partes e componentes e bens de capital seria um
polo gerador de uma competição estratégica entre os dois países como veremos em um dos
pontos a seguir.
A crescente dependência chinesa às importações de insumos, e principalmente de
petróleo, fez com empresas petroleiras estatais chinesas fossem em busca de uma ampliação
da produção em países do Oriente Médio e da África. Muitas vezes, a contrapartida às
importações de petróleo tem se dado por armas produzidas na China. Portanto, essa disputa
pelo petróleo e o mercado de armas, ao contrário da indústria, não possui qualquer
complementaridade com os EUA (MEDEIROS, 2010).

3.1. Militarização Chinesa

Nas últimas décadas a China tem aumentado o seu gasto militar quantitativa e
qualitativamente. De acordo com o Banco Mundial, em 2014 o gasto militar passa dos US$
200 bilhões, quase três vezes o dobro que Japão e Índia, conforme Gráfico 6. Observa-se,
entretanto, que esse aumento se dá apenas nominalmente, de forma proporcional ao seu
crescimento, pois em participação percentual no PIB não há grande variação (Gráfico 7).
Porém, muitos analistas dizem que a China subestima seus gastos militares nos relatórios que
publica. Principalmente porque boa parte desse investimento tem se dado de forma qualitativa
por meio de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
42

Gráfico 6 – Gasto Militar Chinês 1989-2014 (Em US$ Bilhões correntes)

Fonte: Banco Mundial


Elaboração: Autora

Gráfico 7 – Gasto Militar China e EUA 1989-2014 (% do PIB)

Fonte: Banco Mundial – Acesso em 20/11/2015


Elaboração: Autora

Como vemos no Gráfico 8, a participação dos gastos governamentais em P&D no PIB


chinês aumentou de 0,7% em 1991 para 2,1% em 2014, conforme dados da OCDE. Na
década de 1980, o complexo produtivo militar chinês controlava todos os setores como
telecomunicações, energia, automobilístico, serviços de saúde, e etc. A produção voltada para
mercados não militares representava apenas 8%. Em 1996, essa produção aumenta para 80%
com o aumento da participação privada (CASSIOLATO, 2013). Porém, os militares ainda
detém controle dos setores estratégicos como telecomunicações, aeronáutica e energia.
43

Gráfico 8 - Gasto Governamental Chinês em P&D 1991-2013 (% do PIB)

Fonte: OCDE
Elaboração: Autora

O aumento dos gastos com P&D refletiu um dos eixos da estratégia nacional de
capacitação em torno de um programa espacial. Segundo Cassiolato (2013), a China
praticamente dobra o orçamento em P&D militar entre 1996 e 2004 para aproximadamente
US$ 5 bilhões. Em termos globais de gastos em P&D militar, a China, em 2004, era superada
apenas pelos EUA, à frente da Rússia (US$ 4 bilhões), da França (US$ 3,5 bilhões) e do
Reino Unido (US$ 3,4 bilhões).
De acordo com o Relatório Anual ao Congresso do Departamento de Defesa do
governo dos EUA (2015), a China tem persistido no projeto de longo prazo de modernização
das suas forças militares, principalmente voltado para conter conflitos regionais de curta
duração. Segundo o relatório, o foco principal do investimento chinês continua sendo um
potencial conflito no estreito de Taiwan. Durante o ano de 2014, o ELP melhorou ainda mais
suas capacidades com mísseis de curto e médio alcances, aeronaves de alto desempenho,
defesa aérea integrada, operações de informação, entre outros.
Um ponto importante ressaltado pelo relatório e de grande destaque atualmente é o
programa de modernização naval do ELP. A marinha chinesa já é a maior na Ásia, e tem
colocado grande esforço na modernização dos equipamentos de mais longo alcance para
atingir mares mais distantes. Com isso a China não se torna ainda uma ameaça à hegemonia
naval norte-americana. Porém, sendo o maior país exportador do mundo e dependente das
rotas marítimas, esse desenvolvimento vai além do plano militar, e faz parte da sua estratégia
de expandir o seu peso econômico nas relações internacionais e nas rotas de comércio.
A China vê o ELP como fundamental para alcançar o status de grande potência,
porém, por enquanto, o desenvolvimento militar chinês não se apresenta como uma ameaça
aos EUA, visto que a China é parte da estratégia norte-americana de construir uma ordem
estável e diversificada de segurança na região Ásia-Pacífico. Porém, esta estratégia norte-
44

americana não pode se limitar ao equilíbrio militar. Também afetam a ordem na região
asiática as dimensões econômicas, demográficas, culturais e políticas nas quais a China se
insere (STRATFOR, 2012).

3.2. Integração Regional Asiática

Por conta da sua ascensão econômica, a China tem liderado um projeto de integração
regional. Principalmente após a crise asiática de 1997, segundo Medeiros (2007), o yuan vem
sendo usado crescentemente em operações off-shore na região, especialmente como meio de
troca com países da fronteira, e também para turismo e investimento em Hong Kong, Macau e
Singapura. Nesse sentido, segundo Hsiao & Hsiao (2004), com a crise de 1997, os fluxos de
IED antes dirigidos à países como Indonésia, Malásia e Filipinas, começaram a se direcionar
para as novas economias industrializadas asiáticas: Hong Kong, Taiwan e China.
Além disso, o crescimento econômico da China voltado às exportações, deslocou parte
do comércio com os EUA de outros países asiáticos, conforme já visto anteriormente. Porém,
ao mesmo tempo, a expansão da economia chinesa promoveu a intensificação do comércio
intraregional, principalmente devido à necessidade de importação de insumos, partes e
componentes, e bens de capital. Com isso, a China se afirma como um exportador líquido
para os EUA enquanto o Japão transformou-se num importador líquido para a Ásia. O
crescimento asiático antes centrado nos EUA como destino final, passa a ser liderado pela
China (MEDEIROS, 2007).
Três fenômenos geopolíticos regionais tem maior relevância para a coesão na região
asiática, sendo eles: a tensões na península coreana; o binômio “integração econômica/
rivalidade política” com o Japão; e a questão da China com Taiwan (LEÃO, 2009). Segundo
o autor:
“Outras questões importantes para a dinâmica regional do Leste Asiático são: as tensões
territoriais entre China e Vietnã, Malásia e Filipinas e os fluxos transnacionais decorrentes da
numerosa diáspora chinesa na vizinhança meridional do país; a emergente competição indo-
chinesa; as tensões étnico-religiosas no noroeste chinês e suas consequências para a capacidade
da RPC de projetar-se em direção à Ásia Central; e a relação sino-russa, dominada por
diferenças nas dotações demográficas e energéticas potencialmente desestabilizadoras, mas
matizada por conjunturas estratégicas convergentes.” p. 116.

Em relação às tensões na península coreana, é importante destacar que caso haja uma
crise no regime de Kim Jong Il, há a possibilidade da aceleração do rearmamento japonês e
45

uma efetiva invasão da Coréia do Norte por uma coalisão dos EUA – Japão – Coréia do Sul.
Isso resultaria em uma unificação da península sob a proteção norte-americana, e a China
perderia a segurança da sua fronteira nordeste. Para a Coréia do Sul, o colapso do regime
norte-coreano também não é interessante, pois resultaria em migrações em massa e
deterioraria as expectativas dos agentes econômicos, bem como reduziria a sua importância
estratégica frente aos EUA – se a unificação das coreias fosse bem sucedida, nada garante que
os EUA manteriam a mesma política para a região. Para o Japão, a meta principal seria
eliminar a ameaça nuclear da Coréia do Norte, porém as autoridades sabem da inferioridade
de suas forças armadas ante uma Coréia unificada. Para os EUA, enquanto a tecnologia de
mísseis intercontinentais norte-coreanos for débil, o colapso do regime de Kim Jong Il e o
desarmamento norte-coreano não são uma prioridade (LEÃO, 2009). Com isso, beneficia-se a
China, pois prevalece a manutenção do status quo.
Para a China, o cenário mais complicado seria a mudança da posição do Japão na
dinâmica das relações econômicas sino-japonesas. Porém, o Japão se beneficia com uma
relação sino-japonesa mais amistosa em alguns aspectos como a exportação de bens de capital
e bens de consumo sofisticados, penetração do mercado interno chinês e aumento da
competitividade da indústria japonesa por meio de IED em operações sediadas na China.
Nesse sentido, não há perspectiva de uma ruptura apenas por valores e “orgulho nacional”
vindos do contexto histórico entre os dois países.
Segundo Feng Xiao-Ming (2002), existem atualmente quatro níveis de integração
regional e econômica na região asiática. O primeiro nível é formado pelos dez países da
ASEAN que implementaram um acordo de livre comércio em 2008. O segundo nível pelos
“10+1” - ASEAN com Japão, Coréia ou China. Em terceiro lugar temos o “3” formados por
fóruns trilaterais entre Japão, Coréia e China e por último o nível “10+3” formado pelos
países da ASEAN com os últimos citados.
Nos primeiro e segundo níveis, a China procura manter os fluxos de IED e fluxos de
comércio das matérias-primas que necessita e de produtos industrializados. Nos terceiro e
quarto níveis a China participa também de arranjos financeiros – em 2003 passou a permitir o
uso do yuan como moeda para pagamento de contratos comerciais regionais o que indica um
movimento de regionalização monetária. Portanto, fica evidente que a China vem ocupando
uma papel principal na Ásia. Segundo Medeiros (2007):
“É evidente que à medida que a China assume um papel central na Ásia acirram-se os conflitos
geopolíticos com os EUA em diversos planos. Entre estes, como observado ao longo deste
artigo, encontra-se a autonomia da política econômica chinesa. A iniciativa chinesa de
46

aprofundar as relações regionais, a internacionalização do seu mercado interno e o controle que


o governo exerce sobre a taxa de investimentos constituem, efetivamente, importantes
instrumentos para a sustentação desta autonomia e da trajetória de elevado crescimento
econômico que distinguiu a China nas duas últimas décadas.” p. 396.
Com a ascensão chinesa à liderança regional e com o Japão já enfraquecido nessa
disputa, principalmente pela estagnação econômica pós-crise asiática, a presença dos EUA na
Ásia deixou de ser incontestável. A presença dos EUA na Ásia como preservação da
segurança e manutenção da ordem torna-se menos justificável com um contexto regional
pacífico e de cooperação, principalmente econômica, sob a liderança chinesa. A manutenção
desse regionalismo e uma possível aliança entre os principais países como Japão, China e
Coréia, poderiam transformar a região em um dos principais centros de decisões
internacionais com grande influência política, além da influência econômica já existente.

3.3. Setor Energético e Bens Primários

As importações chinesas aumentaram de US$ 63,7 bilhões em 1991 para US$ 1,9
trilhões em 2013, segundo dados do National Bureau of Statistics of China. Esse aumento
nominal se deveu principalmente ao incrível crescimento chinês durante as últimas décadas e
a consequente necessidade crescente de insumos, partes, bens de capital, e recursos
energéticos. Na Tabela 1, observamos que os bens primários passaram de 17% das
importações em 1991 para 34,9% em 2013. Como decorrência do processo de
industrialização, no início da década de 1990, a importação de bens manufaturados
representava 83% das importações, e em 2013 passam para 68,9%. A maior parte das
importações de bens manufaturados continua concentrada nas importações de máquinas e
equipamentos do setor de transporte – representando 36,4% do total importado em 2013.
Os subsetores com maior destaque nos bens primários são o de matérias-primas não
comestíveis, como produtos minerais por exemplo, e o de combustíveis fósseis. Eles passaram
de 7,8% e 3,3% do total importado em 1991, para 14,7% e 16,2% do total importado em
2013, respectivamente. Isso demonstra a crescente necessidade chinesa das importações de
commodities e sua dependência energética. No Gráfico 9, divulgado pelo estudo da
UNCTAD (2014), mostra que a China é um dos países mais dependentes em energia no
mundo. O index da UNCTAD é calculado com base no saldo entre exportações e importações
de produtos do setor energético.
47

Tabela 1 – Importações Chinas por Categoria de Produtos (Em US$ 100 milhões)
Combustíveis,
Bens Matérias- Bens
Importação lubrificantes e Químicos e Insumos
Primários Primas Não- Manufaturados
Total materiais relacionados industriais
Total Comestíveis Total
relacionados
1991 $637,91 17,0% 7,8% 3,3% 83,0% 14,5% 16,4%
1996 $1.388,33 18,3% 7,7% 5,0% 81,7% 13,0% 22,6%
2001 $2.435,53 18,8% 9,1% 7,2% 81,2% 13,2% 17,2%
2002 $2.951,70 16,7% 7,7% 6,5% 83,3% 13,2% 16,4%
2003 $4.127,60 17,6% 8,3% 7,1% 82,4% 11,9% 15,5%
2004 $5.612,29 20,9% 9,9% 8,6% 79,1% 11,7% 13,2%
2005 $6.599,53 22,4% 10,6% 9,7% 77,6% 11,8% 12,3%
2006 $7.914,61 23,6% 10,5% 11,2% 76,4% 11,0% 11,0%
2007 $9.561,16 25,4% 12,3% 11,0% 74,6% 11,2% 10,8%
2008 $11.325,67 32,0% 14,7% 14,9% 68,0% 10,5% 9,5%
2009 $10.059,23 28,8% 14,1% 12,3% 71,2% 11,1% 10,7%
2010 $13.962,44 31,1% 15,2% 13,5% 68,9% 10,7% 9,4%
2011 $17.434,84 34,7% 16,3% 15,8% 65,3% 10,4% 8,6%
2012 $18.184,05 34,9% 14,8% 17,2% 65,1% 9,9% 8,0%
2013 $19.499,89 33,7% 14,7% 16,2% 66,3% 9,8% 7,6%
Fonte: National Bureau of Statistics of China – China Statistical Yearboook 2014
Elaboração: Autora

Gráfico 9 – Índex de dependência energética (2013)

Fonte: UNCTAD (2014)


Elaboração: UNCTAD

Dessa dependência energética destaca-se a forte necessidade chinesa por petróleo.


Como apontam os autores Zweig e Bi (2005), há duas décadas a China era o maior exportador
de petróleo do Leste Asiático, e em 2005 tornou-se o segundo maior importador dessa região.
De acordo com informações divulgadas pela Britsh Petroleum - BP Global (2015), a China
48

domina a demanda por energia - sendo a maior consumidora, produtora e importadora líquida
de energia no mundo. Em 2014, segundo a instituição, a China passou os EUA como maior
importadora de petróleo, atingindo 7 milhões de barris/dia.
Para suprir essa crescente demanda por produtos primários e energéticos, a China tem
investido mundialmente, incentivando por meio de envio de IED (Outward Foreing Direct
Investment – OFDI) a instalação de filiais e subsidiárias de empresas chinesas em várias
partes do mundo. Segundo dados da UNCTAD, os fluxos de IED Chinês para outros países
cresceram de US$ 2,9 bilhões em 2002 para US$ 87,8 bilhões em 2012. Do total do OFDI em
2012, podemos destacar países como Venezuela (US$ 1,5 bilhões), Cazaquistão (US$ 3
bilhões) e Nigéria (US$ 333 milhões). Em 2008, há grandes investimentos também na África
do Sul (US$ 4,8 bilhões).
Em 2006 40,4% do OFDI da China eram destinados às atividades de mineração e
petróleo (CHENG e MA, 2009). Além de petróleo, a China tem grande déficit em outros
minérios como cobre, bauxita, uranio, alumínio, manganês, ferro e etc. A estratégia desses
investimentos era, portanto, suprir essa demanda através de contratos de longo-prazo e
aquisições de empresas na indústria energética (TAYLOR, 2009). De acordo com o Boletim
Estatístico de OFDI de 2010 (MOFCOM, 2010), as maiores transnacionais não-financeiras
em estoque de OFDI em 2010 foram China Petrochemical Coporation (SINOPEC), China
National Petroleum Corporation (CNPC), China National Offshore Oil Corporation
(CNOOC), China Resources (Holding) Co. Ltd., China Ocean Shipping (Group) Company.
Para os EUA, o crescimento dos OFDI chineses podem significar um aumento da
competitividade, principalmente no setor de energia. Conforme o Gráfico 9, os EUA também
são dependentes energéticos, e tem um déficit nesse setor. Apesar dos OFDI norte-americanos
serem muito mais expressivos (US$ 27 bilhões somente no setor de mineração e extração em
2012 segundo a OCDE), a China se apresentará forte no futuro dada a tendência de
crescimento do seu OFDI em um setor onde os recursos são escassos e nenhuma concorrência
é desejada.
O setor energético é um ponto de tensão para a abertura da concorrência chinesa, pois
trata-se de um setor onde os recursos são escassos e há de certa forma uma preponderância
dos investimentos norte-americanos. Não só escassos os recursos naturais como também os
recursos humanos – a procura por mão-de-obra capacitada pelas transnacionais chinesas
deverá crescer, pois tais empresas precisarão adequar seu quadro de forma a se ajustas às
estruturas de mercado. Além disso, o OFDI da China também abre portas para a concorrência
49

das empresas chinesas nos setores de alta-tecnologia nos mercados externos, pois a entrada de
investimentos chineses poderá funcionar como uma “vitrine” para outros setores.
Como visto acima, as principais empresas engajadas no OFDI são empresas estatais
chinesas, como SINOPEC, CNPC e CNOOC. Essa busca por segurança energética centrada
no Estado levou a uma estratégia mercantilista, com o controle direto de campos de
petróleo/gás e rotas de abastecimento (ZHAO, 2008). Segundo Zhao (2008), isso levou a um
resultado misto em suas relações externas. Por um lado, esta traz a oportunidade de reforçar a
cooperação com seus vizinhos asiáticos, apoiando a ideia de uma ascensão pacífica da China
como líder de um projeto regional de poder. Por outro lado, a competição por recursos
energéticos pode tornar-se a faísca para a instabilidade regional e internacional. Como aponta
Kreft (2006):
The results of China’s energy diplomacy are being watched with growing unease, especially in
Asia but in other parts of the world as well . . . There is a danger that China’s neo-mercantilist
strategy to bolster energy security by gaining direct control both of oil and gas fields and
supply routes could result in escalating tensions in an already volatile region that lacks
regional institutions for conflict resolution and is in the midst of a difficult transition process,
which is due in fact to the rise of China. Competition for energy is exacerbating existing
rivalries between China and a number of its neighbors.
50

Conclusão

A partir das análises do primeiro capítulo foi possível constatar que a interdependência
entre China e EUA vem aumentando desde o início das relações bilaterais na década de 1980
em três dimensões: comercial, financeira e produtiva. As relações comerciais entre os dois
países se iniciam no final da década de 1980. Conforme a China introduz as reformas
institucionais e políticas durante o governo de Deng Xiao Ping, os IEDs norte-americanos
começam a criar uma imbricação de cadeias produtivas tanto com a China quanto com os
outros países do Leste Asiático. Após a crise asiática de 1997, mas principalmente no início
do século XXI, o acúmulo de reservas internacionais chinesas, principalmente em ativos
denominados em dólares, aumentou significativamente a interdependência financeira
bilateral.
As relações econômicas simbióticas entre China e EUA se dão, portanto, nas três
esferas mencionadas e de maneira a se aprofundarem dentro de um ciclo virtuoso de
crescimento. A estratégia chinesa de crescimento liderado por exportações direcionou o
investimento direto estrangeiro advindo dos EUA e outros países, principalmente em projetos
greenfield, à indústria exportadora, criando uma interdependência produtiva com a abertura
de filiais e joint-ventures. Essa industrialização com foco nas exportações e a existência de
condições extremamente competitivas, por sua vez, ampliou a relações comerciais entre os
dois países, tornando a China a principal fonte de produtos importados para os EUA. Essa
relação comercial estabeleceu a China como um país superavitário em relação aos EUA, o
qual para financiar o seu déficit em balança corrente deve emitir títulos da dívida do governo,
que são acumulados em forma de reservas internacionais chinesas.
Para os EUA, a China se apresenta como principal parceiro comercial, representando
21,2% das importações totais em 2015. Porém, o mesmo não se dá na via contrária. A China
ainda tem como principal foco a exportação para os seus próprios vizinhos e, recentemente,
também a produção para atender o seu florescente mercado interno. Como vimos
anteriormente, os IEDs americanos são em sua maioria voltados para o mercado interno
chinês e não à indústria exportadora. Isso, de certa foram, também torna a integração
produtiva não tão importante nessa simbiose quanto as relações de interdependência
comercial e financeira.
Assim, após a crise financeira global de 2008, com o a exacerbação do protecionismo
comercial e o aumento da competição internacional, é importante observar se as relações
produtivas com os EUA são realmente tão importantes para a China, a fim de evitar uma
51

guerra comercial, principalmente em relação à competição nos setores energéticos e de


recursos naturais. Além disso, a China tem se deparado com os limites do seu crescimento
export-led e tem se preocupado em desenvolver o seu mercado interno da costa para o
interior, de forma a depender menos do contexto internacional e das suas exportações para
manter as suas taxas de crescimento no longo prazo.
Ademais, como também foi apontado o rápido crescimento chinês trouxe também um
grande aumento nos investimentos militares. Há um grande esforço do PCC em ampliar os
gastos com armas e equipamentos militares. Como resume Friedberg (2005), os acadêmicos
“realistas pessimistas” afirmam que:
“As states capabilities grow, its leaders tend to define their interests more
expansively and to seek a greater degree of influence over what is going on
around them. Rising powers seek not only to secure their frontiers but to reach
out beyond them, taking steps to ensure access to markets, materials, and
transportation routes; to protect their citizens far from home, defend their
foreign friends and allies, and promulgate their values; and, in general, to
have what they consider to be their legitimate say in the affairs of their region
and of the wider world.” p. 19

A China tem aumentado sua influência e liderado um projeto de integração regional,


tanto através do comércio quanto como um estabilizador financeiro, principalmente após o
seu posicionamento na crise asiática de 1997. Nesse sentido, tem “questionado” a presença
norte-americana na região. Além disso, a China tem expandido sua marinha e seu alcance
marítimo como forma de aumentar as suas redes de transportes para garantir o acesso a
mercados mais distantes e melhorar seu acesso aos recursos energéticos e naturais de que
tanto necessita.
Portanto, apesar da grande simbiose entre os dois países em todas dimensões citadas, a
arrogância e o nacionalismo de alguns chineses e a insegurança dos norte-americanos em
relação ao declínio, podem levar a erros de políticas dos dois países e tornar difícil a relação
entre eles. Assim, é difícil prever se alguma hostilidade poderá ocorrer em dez ou vinte anos.
Porém, não se deve excluir a possibilidade de um conflito de poder caso as relações
diplomáticas não sejam corretamente direcionadas para aproveitar os benefícios da simbiose
entre os dois países.
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