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INSTITUTO DE ECONOMIA
CAMPINAS
2015
THAIS RIBEIRO BAPTISTA
CAMPINAS
2015
A RELAÇÃO ECONÔMICA SIMBIÓTICA ENTRE CHINA E ESTADOS
UNIDOS: A INTERDEPENDÊNCIA É SUFICIENTE PARA EVITAR UM
CONFLITO DE PODER ENTRE OS DOIS PAÍSES EM UM FUTURO
PRÓXIMO?
BANCA EXAMINADORA
Em primeiro lugar agradeço a toda a minha família, em especial meus pais Clovis e
Silvana, e minha irmã Caroline, por sempre acreditar em mim e me incentivar a buscar meus
sonhos. Não chegaria aqui se não fosse pela estrutura que me proporcionaram e por todo o
apoio que me deram. Vocês foram a base dos meus princípios e valores, e me formaram
acima de tudo como ser humano.
Agradeço também enormemente aos professores que estiveram presentes nesse longo
percurso, em especial meu orientador Eduardo Mariutti e a querida professora Ana Rosa Sarti,
que além de fazer parte da banca examinadora sempre me apoiou em minhas empreitadas no
seu papel de coordenadora de curso.
Não poderia esquecer de mencionar os amigos que fiz durante esses seis longos anos,
em especial Carolina, Alessandro, Laís, Júlio, Marcos e Alex. Todo o apoio de vocês e todo o
estudo conjunto contribuiu para que eu conseguisse chegar aqui. Agradeço imensamente pela
paciência e pela convivência.
“Quando a China despertar, o mundo tremerá.”
Resumo
There is a growing competition between China and U.S. in strategic sectors such as
military and energetic. However, China's priorities at the moment do not advertise any attack
against the Americans by several factors, but mostly by commercial, and somewhat
productive, complementarity, which is still very important for both countries. For China, to
develop and expand internally it means keeping high export volumes, as its domestic market
is not yet able to absorb all its production. Also, the United States needs Chinese funding to
maintain their debt at the levels they are today.
The hypothesis that this research will seek to confirm is that these current symbiotic
economic relationship between China and the US will not be enough to contain a conflict
between the two countries in the near future - if China really completes a regional project and
continue to invest in strategic areas that conflict with US interests - because this new global
setting can challenge American power and assert China as a hegemonic power.
Tabela 1 – Importações Chinas por Categoria de Produtos (Em US$ 100 milhões)................47
Índice
Introdução 11
Capítulo 1 – Conceitos e temas fundamentais das Relações Internacionais e da
Economia Política Internacional 17
1.1. A teoria das Relações Internacionais e suas vertentes teóricas 17
1.2. A Economia Política Internacional 23
Capítulo 2 – As Relações Econômicas Simbióticas entre China e EUA 26
2.1. Os fluxos de IED na China 26
2.2. A relação comercial entre China e EUA 34
2.3. Poder Financeiro Chinês 37
Capítulo 3 – Pontos de Tensão 41
3.1. Militarização Chinesa e Tecnologia 41
3.3. Integração regional no Sudeste Asiático 44
3.4. Setor Energético e Bens Primários 46
Conclusão 50
Bibliografia 52
Anexos
11
Introdução
Nesse sentido, existem duas vertentes que explicam este grande ritmo de crescimento
chinês neste período. A primeira atribui o sucesso às exportações ao “mercantilismo chinês”.
12
Ou seja, de forma mais geral, propõe que o dinamismo da economia chinesa está relacionado
à estratégia das “portas abertas” de Deng Xiaoping, a qual se adeuquou às estratégias das
grandes empresas multinacionais que visavam as exportações (MEDEIROS, 2010). Esta
estratégia se iniciou com um conjunto de reformas graduais na década de 1980. Seu propósito
era modernizar a economia e o Exército de Libertação Popular (ELP), preservando o
monopólio de poder do Partido Comunista Chinês (PCC).
A segunda interpretação, de Lo & Guai (2006), é de que o investimento interno feito
pelo próprio governo, principalmente em setores intensivos em capital, teria liderado este
crescimento. Estes investimentos em grande parte teriam sido destinados às áreas urbanas,
priorizando as zonas especiais, e marginalizando a agricultura e o interior. Estes
investimentos estatais teriam criado as condições para a expansão da capacidade produtiva.
Porém, o que se verifica é que tais investimentos na verdade se intensificaram apenas após a
crise asiática em 1997, quando o governo chinês lançou um grande programa de obras
públicas, e este “keynesianismo desenvolvimentista” acarretou forte expansão dos
investimentos.
Em 1991 dois fatos contribuíram para a decisão chinesa de continuar e aprofundar a
sua abertura econômica. O primeiro foi o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviética
(URSS) – segundo Medeiros (2008), a extinção da URSS foi um fator catalisador para a
reorganização de uma estratégia de abertura controlada e experimental em que os mecanismos
de mercado foram sistematicamente introduzidos na China sem romper internamente as
estruturas de poder. O segundo fato foi a condução da Guerra do Golfo e a exposição das
armas norte-americanas e sua novas tecnologias, as quais reforçaram a obsolescência do
armamento chinês e a debilidade do Exército de Libertação Popular (ELP) – assim, Deng
Xiaoping passa a comprar novas tecnologias e a desenvolver localmente armamentos de ponta
através de parcerias estatais-privadas e de fluxos de IED.
Com o aprofundamento da abertura econômica em 1992, a China passou a receber
grande parte dos fluxos de IED do mundo, principalmente em investimentos greenfield
(LONG, 2005), e retomou o seu ritmo de crescimento acelerado. Paralelamente à ampliação
da abertura econômica chinesa, em 1995 a valorização do iene japonês em relação ao dólar e
a contração das exportações asiáticas para outros mercados, principalmente para o mercado
americano, teve forte impacto na dinâmica regional do sudeste asiático. As moedas que eram
vinculadas ao dólar se valorizaram neste período, com exceção do yuan chinês, o qual passou
por uma forte desvalorização em 1994. Com o câmbio desvalorizado em relação às economias
vizinhas e o sucesso das redes de comércio estabelecidas no início dos anos 1990, a China
13
passou a deslocar a produção dos países asiáticos para o seu território, e consequentemente
aumentou exponencialmente seu volume de exportações, principalmente para os Estados
Unidos, mudando a direção do seu comércio internacional (MEDEIROS, 2007).
Em 1997, a região asiática sofre uma abrupta recessão e colapso cambial, porém, a
China, após sofrer com a deflação e queda nas taxas de crescimento do PIB, implementa uma
política anticíclica com aumento dos gastos públicos e ampliação dos investimentos. Esta
política permitiu que se mantivesse, de certa forma, o crescimento chinês e a estabilidade do
yuan – o que transformou a China num importador líquido na Ásia.
A partir dos anos 2000, a China começa a ter um papel central na Ásia através de
arranjos cambiais e financeiros e uma nova direção da política externa para a cooperação
regional. Além disso, com o câmbio valorizado em relação às economias asiáticas, e
desvalorizado em relação ao dólar, a China transformou-se numa base de exportação para os
Estados Unidos (MEDEIROS, 2008), tornando-se também muito importante nas redes de
comércio internacionais. Deste modo, em 2001, dado o crescimento da sua influência, após
uma série de reformas, a China é admitida à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Segundo o Relatório da UNCTAD (2004), após a elevação dos fluxos a partir de 2001,
em 2003 a China supera os Estados Unidos e passa a ser o maior receptor de IED no mundo.
E em 2007, a China ultrapassa novamente os Estados Unidos e torna-se o maior país
exportador mundial, ficando atrás apenas do conjunto de países da União Europeia (UE).
Segundo Medeiros (2000), o incrível crescimento das exportações chinesas, assim como o seu
superávit comercial com os EUA, foi muito importante para manter as taxas de crescimento e
o desenvolvimento chinês. Assim, o modelo de crescimento chinês baseado na produção
voltada para exportações e suas políticas voltadas ao IED, aliados à forte presença do Estado,
permitiu a criação das grandes reservas internacionais, compostas em sua maioria, por títulos
da dívida americana.
A primeira vez que se profetizou o fim da hegemonia mundial americana foi no final
da década de 1970, após a derrota dos EUA na Primeira Guerra do Vietnã, o fim do padrão
dólar e o primeiro choque do petróleo. Porém, segundo Fiori (2008), ao contrário do que
alguns autores marxistas afirmaram, hoje está claro que a crise de 1970 não enfraqueceu o
poder americano. Na verdade foi em 1973, logo após a guerra do Vietnã, que os EUA
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negociaram a sua parceria estratégica com a China, fato claro que com contribuiu para o fim
da União Soviética e da Guerra Fria1.
Para Fiori (2008), a crise hipotecária e financeira americana de 2007-2008 se
transformou numa crise financeira global, mas ainda não conseguiu atingir a centralidade do
dólar, dos títulos da dívida e da economia americana. E, apesar do fracasso político americano
no Iraque, o poder militar dos EUA continua muito superior ao das demais potências juntas.
Além disso, os EUA permanecem no controle de cerca de 70% da informação ao redor do
mundo, e a moeda-chave internacional ainda é o dólar.
Porém, à medida que a China assume um papel central na Ásia acirram-se os conflitos
geopolíticos com os EUA em diversos planos (MEDEIROS, 2007). Em 2003, a China
permitiu o uso do yuan como moeda para pagamento nos contratos comerciais com os países
de fronteira, bem como vem encorajando empresas chinesas a usar o yuan em investimentos
na Ásia, demonstrando um movimento de regionalização monetária. Além disso, as grandes
reservas internacionais em títulos da dívida americana garantem uma posição estratégica da
China nas relações internacionais, pois auferem grande poder de barganha e negociação,
principalmente no que tangem as políticas americanas. E por fim, como já foi adiantado, a
China tem investido em áreas estratégicas como energia, tecnologia, aeroespacial e militar.
Segundo Gowan (2009, p. 5): “o poder financeiro fortalecido da China e de outros
Estados do Leste Asiático poderia se chocar com as velhas relações imperiais de crédito e
dívida entre o mundo atlântico e o Sul, ao oferecer ao último fontes alternativas de apoio
financeiro”. Porém, ainda de acordo com o autor, as prioridades estratégicas da China
demonstram que, no momento, o intuito não é construir novos arranjos institucionais para a
economia mundial. A China está concentrada em desenvolver-se domesticamente da costa
para o interior do país, e manter assim a sua dinâmica de crescimento – logo, não se coloca
como prioridade desafiar os EUA.
Contudo, é esse poder financeiro crescente da China e suas grandes reservas
internacionais em títulos da dívida americana que demonstram sua força social e econômica
crescente. Nesse sentido, a China demonstra cada vez mais poder influenciar as políticas
econômicas internacionais. Para Morrison (2009), policymakers americanos já demonstram
certa preocupação em relação à pressão que a China poderá exercer caso discorde das
decisões dos Estados Unidos. Se o crescimento americano continuar dependente deste mesmo
1 Segundo Fiori (2004) é possível verificar que propondo aos chineses o retorno à velha parceria, iniciada em
1844 e revigorada com a aproximação sino-americana em 1943, os EUA bloqueiam a possibilidade de uma
hegemonia russa no sudeste asiático, afirmando a China como um rival forte na região.
15
mecanismo, cada vez menos serão capazes de determinar suas regras e estarão cada vez mais
subordinados às suas dívidas de longo prazo com matriz de crédito do Leste Asiático
(MORRISON, 2009).
A complementariedade do comércio entre China e Estados Unidos, sendo o último o
grande importador de produtos manufaturados sino-americanos, não coloca na indústria o
terreno da principal disputa de interesses entre os dois países. Segundo Medeiros (2007), a
China coloca-se com um “duplo-polo” na economia mundial – o principal produtor de
manufaturas intensivas em mão-de-obra e grande mercado para a produção mundial de
máquinas e equipamentos, indústrias de tecnologia e matérias-primas; e também, em um
mecanismo complementar, grande importador de insumos, partes e componentes e bens de
capital. Seria esse segundo polo o gerador de uma competição estratégica entre os dois países.
A crescente dependência chinesa às importações de insumos, e principalmente de
petróleo, fez com empresas petroleiras estatais chinesas fossem em busca de uma ampliação
da produção em países do Oriente Médio e da África. Muitas vezes, a contrapartida às
importações de petróleo tem se dado por armas produzidas na China. Portanto, essa disputa
pelo petróleo e o mercado de armas, ao contrário da indústria, não possui qualquer
complementaridade com os EUA (MEDEIROS, 2010).
Podemos verificar que é crescente a concorrência chinesa com os EUA em setores
estratégicos, como o bélico e o energético. Porém, as prioridades chinesas no momento não
anunciam nenhum grande duelo contra os americanos por vários fatores, mas principalmente
pela complementariedade comercial que ainda é muito importante para ambos os países. Para
a China, desenvolver-se e ampliar seu dinamismo significa manter altos seus volumes de
exportação, pois seu mercado interno ainda não é capaz de absorver toda a produção. O gasto
norte-americano gera o dinamismo do sistema, e para isso o financiamento chinês torna-se
importante, de forma a garantir a manutenção de sua dívida pública nos níveis atuais.
Nesse sentido, a pesquisa proposta terá o esforço de responder a seguinte pergunta: A
relação econômica simbiótica entre China e Estados Unidos é suficiente para evitar um
conflito de poder entre os dois países em um futuro próximo?
A hipótese que esta pesquisa buscará confirmar é que estas relações econômicas
simbióticas atuais entre China e EUA não serão suficientes para conter um conflito entre os
dois países em um futuro próximo, se a China realmente concluir um projeto regional de
poder e continuar investindo em áreas estratégicas conflitantes com os interesses dos EUA,
pois essa nova configuração global poderá desafiar o poder americano e afirmar a China como
potência hegemônica.
16
Alguns autores afirmam que o surgimento da teoria das Relações Internacionais como
disciplina está ligada ao fim da Segunda Guerra Mundial e à configuração de um sistema
internacional bipolar, ou seja, como necessidade da Ciência Política em superar as descrições
historicistas e o Direito Internacional na construção de teorias explicativas das ações dos
Estados e das suas motivações no cenário internacional.
E. B. Mariutti (2013) coloca como um bom ponto de partida a Primeira Guerra
Mundial e a renovação do interesse no tema das relações entre os Estados, cuja prosperidade
econômica não garantia a paz, e pelo contrário, gerou um conflito entre as potências
industrializadas mais destrutivo do que todas as outras guerras antes registradas. Assim, a
grande questão era como se evitar outro conflito mundial. A fundação do primeiro
departamento de Relações Internacionais na Escócia em 1919 inicia o debate sobre como
normatizar esse estudo pelos chamados idealistas. Porém, é consenso que a luta pela
hegemonia mundial e a configuração de um equilíbrio de poder instável e muito competitivo
durante a Guerra Fria intensificou o debate teórico na época e possibilitou a difusão dessa
área do conhecimento.
Segundo Karen Mingst em Essentials of International Relations temos como o
resultado mais importante da 2a Guerra Mundial a emergência de duas superpotências que se
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colocam como os principais atores no sistema internacional – Estados Unidos (EUA) e União
Soviética (URSS). Durante o período da Guerra Fria, portanto, se verifica o dualismo do
debate entre visões contrastantes sobre a sociedade e a ordem internacional desses dois
principais atores. De um lado temos o liberalismo norte-americano e de outro o marxismo
soviético.
O liberalismo tem suas origens na filosofia Iluminista do século XVIII. Montesquieu
(1689-1755) afirmava que a guerra era produto da sociedade e não era inerente aos
indivíduos. Kant em A Paz Perpétua (1989) acreditava na soberania das nações e na paz
mundial através de uma ação coletiva por meio de uma federação de estados nacionais. Nos
séculos XIX e XX o liberalismo retoma os princípios iluministas num esforço de compartilhar
sua visão otimista da natureza humana e sua preferência pelos regimes democráticos e pela
garantia das soberanias nacionais.
No plano internacional, o liberalismo se expressa na constituição das principais
instituições internacionais criadas durante o século XX com intuito de lidar com os conflitos
internacionais de forma multilateral, através do diálogo e da negociação. Dessa conjuntura
nascem as principais vertentes da teoria das Relações Internacionais que serão apresentadas a
seguir.
1.1.1. O Idealismo
Pode-se verificar que nos estudos das Relações Internacionais há um predomínio das
teorias chamadas realistas e neorrealistas. Edward Carr em Vinte Anos de Crise (1946) é um
dos pioneiros a criticar os primeiros estudiosos idealistas das Relações Internacionais e
baseia-se em uma teoria desvinculada de princípios morais – ou seja, realista.
“O que se nos defronta na política internacional de hoje é, portanto, nada menos do que a
completa falência da concepção de moral que dominou o pensamento político e econômico
durante um século e meio. Internacionalmente, não é mais possível deduzir a virtude através
do raciocínio correto, porque não se pode mais seriamente crer que todo estado, ao buscar o
maior bem para o mundo inteiro, esteja visando ao maior bem para seus próprios cidadãos, e
vice-versa. A síntese da moral e da razão, pelo menos sob a forma crua do liberalismo do
século dezenove, é insustentável.”
Carr (1981) sintetiza como as pedras fundamentais do realismo os princípios
implícitos na doutrina de Maquiavel em O Príncipe: i) a história é uma sequência de causas e
efeitos; ii) a prática cria a teoria, e não vice-versa; iii) a ética é função da política e a moral é
produto do poder. “Segundo a hipótese ‘científica’ dos realistas, identifica-se, portanto, a
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realidade com o curso total da evolução histórica cujas leis é trabalho do filósofo investigar e
revelar”.
A consolidação do realismo como doutrina nas Relações Internacionais se dá com a
publicação do livro A Política entre as Nações de Hans Morgenthau logo após o fim da
Segunda Guerra Mundial. Para o autor, a política internacional é uma luta pelo poder, a qual
pode ser resumida em três níveis: i) os indivíduos no seu estado de natureza lutam pela sua
autopreservação; ii) a unidade autônoma de estado está constantemente lutando pelo poder
através do uso da força e reagindo para preservar o interesse nacional; iii) o sistema
internacional é anárquico e por isso a luta pelo poder é incessante.
O dogma central da teoria realista está na anarquia do sistema internacional. Esse
dogma foi primeiramente articulado por Thomas Hobbes (1988). Na ausência de uma
autoridade internacional não há restrições às ações dos Estados. Segundo Hobbes, devido a
esta independência, as pessoas “vivem em constante rivalidade e na condição e atitude de
gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos nos outros”.
Nesse sentido, podemos avançar na definição de equilíbrio de poder e do sistema
internacional realista/racionalista. Morgenthau (2003), sobre o equilíbrio em âmbito
internacional, diz:
“Em consequência, o propósito de todas as formas de equilíbrio será o de manter a estabilidade
do sistema, sem destruir a multiplicidade dos elementos que o compõe. Se o objetivo fosse
simplesmente a estabilidade, essa poderia ser alcançada, ao consentir-se que um dos elementos
destruísse ou dominasse os outros e lhes tomasse o lugar. Uma vez que o objetivo real envolve
a estabilidade mais a autopreservação de todos os elementos do sistema, o equilíbrio tem
função evitar que um elemento conquiste a supremacia sobre os demais.”
Para Raymond Aron, em Paz e Guerra entre as Nações (1979), basta que exista a
possibilidade de que as nações entrem em uma guerra geral para se definir um sistema
internacional. Ou seja, em geral, na teoria realista, o sistema internacional é caracterizado pela
interação entre Estados em uma relação de forças desigual e sem que haja uma instituição ou
poder supremo sobre os mesmos, caracterizando uma ordem anárquica. Os sistemas
internacionais podem ser diferenciados de acordo com sua polaridade (bipolaridade ou
multipolaridade) ou estratificação (distribuição dos recursos essenciais entre os estados do
sistema).
Entre as reinterpretações mais recentes da teoria realista está Kenneth Waltz em
Teoria das Relações Internacionais (2002). Como em seus antecessores, o princípio
fundamental está no equilíbrio de poder. Porém, para os neorrealistas esse equilíbrio é dado
pela estrutura do sistema, a qual, por sua vez, é definida pela distribuição de capacidades entre
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os Estados. Assim, podemos ter dois tipos de estruturas: a anárquica e a hierárquica. Em uma
estrutura hierárquica as funções são diferenciadas (só as capacidades podem variar), enquanto
no sistema anárquico as funçõe são similares para todas as unidades e o que varia é a
capacidade relativa entre elas (MARIUTTI, 2013).
A teoria realista foi dominante no período que se estende logo após a 2a Guerra
Mundial, inclusive sendo tomada como base para a política externa dos Estados Unidos
durante a Guerra Fria. Essa política basicamente buscava balancear o poder entre Estados
Unidos e União Soviética. Segundo o diplomata americano Henry Kissinger (1994), desde o
governo de Theodore Roosevelt, foi centrada nos princípios realistas de equilíbrio de poder:
“He (Theodore Roosevelt) was the first president to insist that it was America`s duty to make
its influence felt globally, and to relate America to the world in terms of a concept of national
interest. Like his predecessors, Roosevelt was convinced of America’s beneficent role in the
world. But unlike them, Roosevelt held that America had real foreign policy interests that went
far beyond its interest in remaining unentangled. Roosevelt started from the premise that
United States was a power like any other, not a single incarnation of virtue. If its interests
collided with those of other countries, America had the obligation to draw on its strength to
prevail.”
Como Kissinger demonstra, para a política externa americana iniciada com Theodore
Roosevelt em 1901, o objetivo mínimo era a sobrevivência e manutenção dos seus interesses,
e a máxima seria atingir a dominação mundial. O sistema internacional era concebido em uma
lógica de disputa de poderes entre os Estados.
A Escola Inglesa (ou “racionalista2”) é vista como o middle-course dos pontos de vista
intelectual e político que vigoravam durante o período da Guerra Fria. Segundo o professor
José Flávio Sombra Saraiva (2006), a Escola Inglesa situava-se entre o racionalismo realista e
o neoliberalismo institucionalista, os quais apresentavam a dicotomia do mainstream
intelectual das Relações Internacionais entre as décadas de 1950 e 1980.
A Escola Inglesa apresenta uma síntese entre o realismo e o idealismo. Segundo
Mariutti (2013):
“O que realmente singulariza a posição “racionalista” não é o quanto ela supostamente avança
com relação ao realismo, mas, paradoxalmente, o quanto ela reafirma seus fundamentos: trata-
2 Segundo a divisão proposta por Martin Wight (1992) a Escola Inglesa faria parte da tradição racionalista,
porém, não podemos confundi-la com as interpretações econômicas.
22
se, essencialmente, de defesa intransigente da soberania estatal como a base para a construção
de uma ordem internacional tendencialmente pacífica.”
Trata-se de se conceber o Sistema Internacional como uma sociedade de Estados que
interagem sob um conjunto de regras comuns. Segundo Hedley Bull, quando os Estados
mantêm contato regular entre si, e essa interação afeta direta ou indiretamente as decisões
desses Estados, podemos dizer que há a formação de um sistema internacional. Essas relações
entre os Estados podem ser de cooperação, conflito ou neutralidade. A sociedade
internacional existe quando os Estados estão ligados por valores e interesses comuns, e para
isso, utilizam-se das mesmas regras e participam das mesmas instituições (BULL, 2001).
É importante, nesse sentido, definir o que distingue a Sociedade Internacional
proposta por Hedley Bull do Sistema Internacional - objeto de estudo das correntes anteriores.
Em um sistema, todas as unidade se comportam de formas diferentes, e preocupam-se com a
posição dos demais atores para tomarem suas decisões. Para o clássico Raymond Aron
(1979), em Paz e guerra entre as nações, basta que exista a possibilidade de que as nações
entrem em uma guerra geral para se definir um sistema internacional.
A Sociedade Internacional é um sistema onde existe uma formalização das questões
sobre o equilíbrio de poder, ou seja, uma consciência comum. A interação entre os Estados de
um Sistema Internacional pode gerar a existência de valores e normas comuns a todos estes
Estados. Hedley Bull define que existem alguns objetivos elementares a serem considerados
na formação de uma Sociedade Internacional: i) a preservação do próprio sistema; ii) a
manutenção da soberania ou independência dos estados; iii) a manutenção da paz; iv) a
limitação da violência para garantir o cumprimento das regras e da promessa de estabilidade;
v) cooperação com base em acordos (contratos); e vi) o mútuo reconhecimento da
propriedade e da soberania (BULL, 2001).
Nesse sentido, podemos entender que vivemos atualmente em uma Sociedade
Internacional, regida por valores comuns e pela presença de instituições internacionais que
tem como objetivo manter a paz e a soberania dos Estados, bem como garantir os valores
propostos acima. Porém, para Bull, esta sociedade é muito frágil, de modo que a estabilidade
e a ordem podem desaparecer, desde que os interesses dos menores Estados (ou terceiro
mundo) não sejam incorporados aos objetivos das grandes potências.
23
Na década de 1970, com o colapso do sistema de Bretton Woods, torna-se cada vez
mais complicado explicar o contexto político e econômico apenas através das teorias clássicas
das Relações Internacionais apresentadas anteriormente. As teorias sobre Estado e hegemonia
já não eram suficientes para entender a conjuntura internacional. É nesse contexto, que em
1971 Susan Strange funda o International Political Economy Group (IPEG) – de forma a unir
o estudo da estrutura econômica e da estrutura política.
outros atores se dá tanto no âmbito econômico como no âmbito político, permeando as quatro
estruturas citadas.
Segundo Strange, nas teorias clássicas de Relações Internacionais o Estado detém o que
a autora chama de poder relativo; ou seja, cada Estado determina o comportamento do outro
(mesmo que ambos queiram agir de forma diferente), dependendo das suas relações de poder.
Já o poder estrutural é a capacidade de definir a estrutura do sistema econômico através da sua
atuação em uma ou mais estruturas listadas acima. “Structural power, in short, confers the
power to decide how things shall be done, the power to shape frameworks within which states
relate to each other, relate to people, or relate to corporate enterprises.” (STRANGE, 1994,
p. 25).
Peter Gowan vai além das relações entre os atores nos ambientes político e econômico,
e define que o próprio Estado não é apenas um conjunto de políticos eleitos, mas sim um
instrumento que os capitalistas utilizam para garantir seus interesses. Logo, as relações dos
atores não-governamentais não se dão apenas com o Estado, mas através do Estado, o qual
procurará garantir tais interesses no âmbito internacional (GOWAN, 1999).
Outro autor importante é Robert Cox que afirma, ao contrário dos outros autores já
mencionados, que as estruturas são compostas por processos históricos e sociais, os quais
estão em constante transformação. Segundo Cox, existem três forças sociais principais que
engendram tais processos: as capacidades materiais (recursos e capacidades tecnológicas de
produção), o conhecimento e as instituições sociais. “This may be called a political-economy
perspective of the world: power is seen as emerging from social processes rather than taken
as given in the form of accumulated capabilities, that is as the result of these processes.”
(COX, 1981, p. 105).
Nesse sentido, fica claro que a interação entre as cadeias produtivas e as empresas
transnacionais da China e dos EUA trazem implicações para a competição no cenário
internacional. As políticas externas implementadas por ambos tem consequências tanto
externas quanto internas – tema que será discutido adiante. Cada vez mais observa-se que a
China vem forçando uma distribuição do poder internacional através não só das relações
interestatais, mas também por outros atores como as empresas transnacionais atuantes em seu
território.
Mas também é notável que a China ao mesmo tempo não contesta a ordem vigente, e
sim vem se beneficiando das suas relações com as empresas multinacionais e sua participação
nas cadeias globais de valor. O que pretendemos estudar adiante é justamente se essa relação
estrutural observada atualmente será mantida ou se existirá a possibilidade de conflito quando
a interação Estado-firmas não se sobrepuser às relações Estado-Estado.
26
internacionalização da produção pode ocorrer por meio de três formas básicas, a saber, o
comércio internacional, o IED e a relação contratual.
Por comércio internacional, entende-se que os bens cruzam as fronteiras nacionais pela
forma de exportação. No caso de serviços, sendo o mesmo geralmente um produto intangível,
o comércio internacional envolve o deslocamento dos consumidores ou dos produtores.
Porém, há possibilidade de se ter acesso a produtos de uma nação noutra, por meio de
operações de empresas de uma nação em outro território, isto é, o IED representa outra forma
de internacionalização da produção. Exportação e IED são formas alternativas, que envolvem
tanto relações de substituição quanto de complementaridade. Ao instalar uma planta em outro
país, uma empresa pode ocasionar um efeito de substituição, com a redução das importações
deste país receptor. Por outro lado, o IED pode ter uma relação de complementaridade com o
comércio internacional, por meio do comércio intra-industrial, com a importação de insumos,
peças ou componentes. Há também a relação contratual, onde há transferência de um ativo
específico à propriedade, que permite a internacionalização da produção.
Nas duas primeiras formas tratadas de internacionalização da produção, a exportação e
o investimento estrangeiro direto, a empresa produz ela própria o bem ou serviço, enquanto na
relação contratual o agente de produção é um residente. Como descrito em Baumann, Canuto
e Gonçalves (2004), “pela exportação e pelo investimento estrangeiro direto a própria
empresa estrangeira faz, enquanto por meio da relação contratual ela faz fazer”. Assim, a
exportação e o IED envolvem a internacionalização da produção, enquanto a relação
contratual a externaliza.
Dunning (1980) formula a teoria do paradigma eclético, a qual afirma que os motivos
que levam uma empresa a se internacionalizar derivam de uma reunião das teorias dos demais
autores, isto é, estão relacionados com as vantagens competitivas e comparativas de
localização e os benefícios da internalização. Conhecido como OLI (Ownership, Location,
Internalization), o paradigma eclético propõe que os custos de se internacionalizar serão
compensados quando a empresa conseguir aliar esse conjunto de vantagens e explorá-lo,
realizando, assim, o IED. Além do agrupamento de teorias, Dunning também é responsável
por caracterizar os tipos de investimentos diretos realizados pelas empresas, classificando-os
por motivação para sua realização. Ao todo, são quatro os motivos: Resource Seeking, Market
Seeking, Efficiency Seeking e Strategic Assets Seeking.
Uma empresa busca por recursos (Resource Seeking) para diminuir custos de produção
geralmente de produtos de baixo valor agregado, visando à exportação. Dessa forma, a
localização do investimento será influenciada por disponibilidade e custos de recursos
28
os investimentos.
Em 1997, a região asiática sofre uma abrupta recessão e colapso cambial, porém, a
China, após sofrer com a deflação e queda nas taxas de crescimento do PIB, implementa uma
política anticíclica com aumento dos gastos públicos e ampliando os investimentos. Esta
política permitiu que se mantivesse, de certa forma, o crescimento chinês e a estabilidade do
yuan – o que transformou a China num importador líquido na Ásia. Segundo Medeiros
(2007), desde de 1997 o yuan vem sido usado crescentemente em operações off-shore na
região, especialmente como meio de troca com países da fronteira, e também para turismo e
investimento em Hong Kong, Macau e Singapura. Nesse sentido, segundo Hsiao & Hsiao
(2004), com a crise de 1997, os fluxos de IED antes dirigidos à países como Indonésia,
Malásia e Filipinas, começaram a se direcionar para as novas economias industrializadas
asiáticas: Hong Kong, Taiwan e China.
A partir de 1997 revisa-se então a orientação para o IED, transferindo o incentivo às
exportações para a indústria de alta tecnologia Segundo Lin (2000) vários incentivos foram
criados para fomentar a indústria de tecnologia como por exemplo: (1) retorno de 100% do
valor adicionado fiscal e de imposto de renda por três anos para indústrias de alta tecnologia,
médicas e de materiais; (2) retorno de 100% do imposto de renda durante dois anos para
indústrias de alta tecnologia reconhecidas; (3) benefícios fiscais totais ou parciais para
importações, transferência ou novas exposições tecnológicas; e (4) serviços expressos do
governo para tributação, registro, avaliações de compras, permissões, etc.
Assim, ao final dos anos 90, e com a recuperação da economia chinesa após a crise de
1997, a expansão dos investimentos voltados ao mercado interno, a criação de zonas voltadas
ao progresso tecnológico, e as estratégias das grandes empresas transnacionais no mercado
chinês, levaram a uma nova onda de investimentos externos, porém dessa vez voltada ao
desenvolvimento e atendimento também do mercado interno. O esforço do investimento em
centros tecnológicos permitiu também que as exportações chinesas passassem a compor bens
de maior intensidade tecnológica, principalmente, bens relacionados à Tecnologia de
Informação (TI) (MEDEIROS, 2007).
(4) A quarta fase (2000 – atualmente)
A partir dos anos 2000, a China começa a ter um papel central na Ásia através de
arranjos cambiais e financeiros e uma nova direção da política externa para a cooperação
regional. Além disso, com o câmbio valorizado em relação às economias asiáticas após a crise
asiática, e desvalorizado em relação ao dólar, a China transformou-se numa base de
exportação para os Estados Unidos (MEDEIROS, 2008), tornando-se também muito
33
importante nas redes de comércio internacionais. Deste modo, em 2001, dado o crescimento
da sua influência, após uma série de reformas, a China é admitida à Organização Mundial do
Comércio (OMC). A entrada de IED na China se dava, antes de sua admissão à OMC, sob a
forma de joint-ventures ou através de firmas totalmente estrangeiras – porém, neste último
caso, estas firmas estrangeiras eram obrigadas a exportar 50% da sua produção ou produzir e
transferir tecnologias avançadas. A partir de 2000, como parte das reformas, as restrições
citadas começam a ser relaxadas (ACIOLY, 2005).
Segundo o Relatório da UNCTAD (2004), após a elevação dos fluxos a partir de 2001,
em 2003 a China supera os Estados Unidos e passa a ser o maior receptor de IED no mundo.
E em 2007, a China ultrapassa novamente os Estados Unidos e torna-se o maior país
exportador mundial, ficando atrás apenas do conjunto de países da União Europeia (UE).
Segundo Medeiros (2000), o incrível crescimento das exportações chinesas, assim como o seu
superávit comercial com os EUA, foi muito importante para manter as taxas de crescimento e
o desenvolvimento chinês.
Porém, é importante ressaltar que, segundo dados apresentados por Yuqing (2007), o
IED de empresas norte-americanas é, na maior parte das vezes, direcionado para o próprio
mercado doméstico chinês. Em 2003 há indicações de que aproximadamente 75% das vendas
das filiais norte-americanas na China foram para o mercado interno chinês. Além disso, 25%
do que é exportado por tais empresas, 7% são importações reversas para os EUA. Ou seja, o
incrível crescimento das exportações chinesas se deu principalmente por conta de IED de seus
próprios vizinhos como Japão e Taiwan.
No relatório atual (UNCTAD, 2013), a China continua despontando como o principal
receptor de IED do mundo, apesar de ter sofrido um grande impacto com a crise global de
2007-2008. Neste momento, torna-se importante também por aumentar os envios de IED,
principalmente para países da região do sudeste asiático e África. Este fenômeno interessante
tem se dado devido a realocação das atividades industriais de transnacionais chinesas e
estrangeiras devido à tendência crescente dos custos de produção. Além da realocação dentro
da região, há também um movimento dessas empresas para o interior da própria China: “(…)
foreign productive facilities have been relocating inland from the coastal area of China,
leading to a boom in FDI inflows to the middle and western areas of the country.”
(UNCTAD, 2013, p. 46).
34
Como já citado anteriormente, até o final da década de 1990, a indústria chinesa (por
meio dos investimentos diretos) estava focada na produção e exportação de produtos
manufaturados de baixo valor agregado. Logo, as exportações para os EUA nesse período
35
eram basicamente formadas por produtos de baixo valor e trabalho-intensivos, como por
exemplo brinquedos, produtos eletrônicos de consumo, tênis, têxtil e vestuário.
Porém, após as reformas do início dos anos 2000, com o fomento às indústrias de alta-
tecnologia, o perfil das exportações chinesas para os EUA tem se diversificado. De acordo
com o U.S. Census Bureau, em 2003 os produtos de tecnologia avançada só representavam
19,2% do total exportado pela China para os EUA. Em 2014, tais produtos passaram a
representar 31,1% das exportações. Essa mudança de perfil das exportações chinesas tem se
mostrado preocupante para alguns, visto que mostra o aumento da competitividade na
indústria de alta tecnologia. Porém, cabe ressaltar que, como alguns autores afirmam, trata-se
apenas da montagem de produtos finais e produção de partes de produtos eletrônicos, e que a
China ainda não detém domínio nesse setor.
Segundo Morrison (2011), no Gráfico 3 é possível observar que o considerável
aumento das importações norte-americanas vindas da China se deu por conta do processo de
movimentação das cadeias produtivas, com transferências das plantas produtivas export-
oriented de outros países do Círculo de Fogo do Pacífico3 (Pacific Rim) para a China. Isso
reflete a terceira fase dos influxos de IED na China e o seu fomento às empresas voltadas à
exportação. Principalmente após a crise asiática de 1997, as empresas passam a direcionar
suas plantas para a China seguindo as estratégias de Resource Seeking conforme a taxonomia
de Dunning (1980).
As exportações norte-americanas para a China têm crescido também nos últimos anos,
como vimos anteriormente, porém não às mesmas taxas que as importações. As reservas
internacionais chinesas aumentaram de US$ 5,5 bilhões em 1989 para US$ 3,8 trilhões no
final de 2014, conforme Gráfico 5. Apesar do governo chinês não divulgar a composição das
reservas, estima-se que 70% a 75% são compostas por ativos denominados em dólar. Além
disso, de acordo com o Departamento do Tesouro Nacional dos EUA, a China é hoje o maior
detentor de títulos públicos americanos, com US$ 1,3 trilhões em Dezembro de 2014.
É importante ressaltar que a China adotou desde o final da década de 1980 o regime de
câmbio fixo com sua moeda subvalorizada, e em 2005 adotou um regime de flutuação
38
administrada, onde o yuan passou a flutuar dentro de uma banda estreita. Apesar dessa
mudança de regime, para atender políticas, principalmente advindas dos EUA, estudos
empíricos reforçam em sua maioria a percepção convencional do yuan subvalorizado. Essa
estratégia, também chamada de diplomacia do ‘yuan fraco’ (BIANCARELLI , CUNHA e
PRATES, 2005) objetiva a preservação do crescimento e da estabilidade econômica e política.
O acúmulo de reservas internacionais é o reflexo dos objetivos do BPoC de impedir
que haja valorização do Yuan e com isso manter o crescimento export-led. Com a moeda
desvalorizada em relação ao dólar, a China garante que seus produtos sejam competitivos, o
que por sua vez fomenta as exportações e o crescimento do PIB. Além disso, as reservas
internacionais são também uma proteção contra crises financeiras, como a Crise Asiática de
1997.
Assim, segundo Collis e Hartquist (2008), essa estratégia de subvalorização da moeda
faz com que o comércio se torne muito unilateral, ou seja, causa um déficit em conta corrente
do parceiro comercial – no caso os EUA. Para financiar esse déficit, o país deve emitir títulos
da dívida pública. Logo, as reservas internacionais chinesas, com grande parte em títulos
públicos americanos ou ativos denominados em dólar, é uma simetria em relação à balança
comercial com os EUA. De acordo com Prasad e Sorkin (2009), entre 2000 e 2008 o superávit
em conta corrente da China foi responsável por 78% do acúmulo de reservas internacionais.
Segundo Carneiro (2010):
“Esse financiamento automático do déficit em transações correntes constitui uma prerrogativa
da moeda reserva, mas também de outras moedas conversíveis. Assim, temos a sequencia:
exportação da China para os EUA, denominada em dólar e financiada por um banco americano
que antecipa os recursos em dólar para o exportador chinês. No vencimento do empréstimo o
importador liquida-o em dólar. Por sua vez, o exportador chinês que detém os dólares –
depositados num banco americano – é obrigado a vendê-los ao Banco Central da China. A
compra dos dólares por parte do BC chinês se faz a uma taxa fixa de câmbio evitando assim
que a ampliação da oferta de dólares valorize o yuan. Na sequência o BC chinês pode ou não
esterilizar o impacto monetário da operação” p.10.
Para a China, esta simbiose dá muito poder ao governo chinês, o qual demonstra cada
vez mais poder influenciar as políticas econômicas internacionais. Para Morrison (2009),
policymakers americanos já demonstram certa preocupação em relação à pressão que a China
poderá exercer caso discorde das decisões dos Estados Unidos. Se o crescimento americano
continuar dependente deste mesmo mecanismo, cada vez menos serão capazes de determinar
suas regras e estarão cada vez mais subordinados às suas dívidas de longo prazo com matriz
39
de crédito do Leste Asiático (MORRISON, 2009). Além disso, conforme afirma Murphy
(2006):
“A China tem a esperança de que, se e quando o regime financeiro global centrado no dólar
desmanchar, ela terá́ uma economia suficientemente desenvolvida que permita ao Yuan ocupar
um espaço entre as principais divisas mundiais sem ser necessário algum lastro em moeda
estrangeira, tal como as reservas em dólar atualmente proporcionam. Isto irá permitir que a
China lide melhor com o colapso do poder de compra americano quando os EUA forem
finalmente forçados a viverem de acordo com seus meios.” p.61.
Para a China, esse arranjo é vantajoso, mas ao mesmo tempo apresenta efeitos
negativos (MARIUTTI, 2012). É preciso observar que a China torna-se cada vez mais
dependente dos mercados consumidores desenvolvidos (para manter o crescimento export-
led), dos bancos americanos para a administração das reservas e principalmente do IED norte-
americano nas unidades produtivas sediadas no país (MARIUTTI, 2012). Segundo Tavares e
Belluzzo (2004), a China também é “devedora” dos EUA, devido ao grande volume de
investimentos que conseguiu atrair e precisa manter.
A China também tem se mostrado importante para a região asiática no sentido de
transmitir os impulsos de crescimento para os outros países – através do aumento do comércio
entre tais países com importações de insumos e equipamentos. Essa integração será abordada
no próximo capítulo, mas cabe mencionar que desde a Crise Asiática de 1997, há um esforço
de institucionalização da cooperação econômica – comercial e financeira na região (CUNHA
e BIANCARELLI, 2005):
“Medidas recentes, como os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os “Asian Bond
Market Initiatives” – uma série de medidas voltadas ao aprimoramento dos mercados de
capitais da região, com o intuito de viabilizar a fixação das poupanças na região – e a ideia de
criação de um Fundo Monetário Asiático (inicialmente esboçada pelos japoneses em 1997, e
retomada pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, em 2005), além de diversos acordos de
livre comércio, vêm dando vida ao que se pode perceber com a busca politicamente consciente
de ampliar margens de manobra para a realização de estratégias desenvolvimentistas em um
novo ambiente de globalização econômica com predomínio das finanças privadas.” p. 21.
Nesse sentido, Segundo Gowan (2009, p. 5): “o poder financeiro fortalecido da China
e de outros Estados do Leste Asiático poderia se chocar com as velhas relações imperiais de
crédito e dívida entre o mundo atlântico e o Sul, ao oferecer ao último fontes alternativas de
apoio financeiro”. Porém, ainda de acordo com o autor, as prioridades estratégicas da China
demonstram que, no momento, o intuito não é construir novos arranjos institucionais para a
economia mundial. A China está concentrada em desenvolver-se domesticamente da costa
40
para o interior do país, e manter assim a sua dinâmica de crescimento – logo, não se coloca
como prioridade desafiar os EUA.
A China tem tentado aumentar o seu poder financeiro, encorajando o uso do yuan para
o financiamento do comércio, principalmente na região asiática, e agora representa 9% do
total global de transações financeiras, enquanto o dólar ainda é responsável por 81% do total.
Enquanto a China não desenvolver um mercado de capitais doméstico mais profundo e
sofisticado, e uma política cambial que gere confiança, o yuan não aumentará o seu papel a
ponto de desafiar o dólar (NYE, 2015).
41
Nas últimas décadas a China tem aumentado o seu gasto militar quantitativa e
qualitativamente. De acordo com o Banco Mundial, em 2014 o gasto militar passa dos US$
200 bilhões, quase três vezes o dobro que Japão e Índia, conforme Gráfico 6. Observa-se,
entretanto, que esse aumento se dá apenas nominalmente, de forma proporcional ao seu
crescimento, pois em participação percentual no PIB não há grande variação (Gráfico 7).
Porém, muitos analistas dizem que a China subestima seus gastos militares nos relatórios que
publica. Principalmente porque boa parte desse investimento tem se dado de forma qualitativa
por meio de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
42
Fonte: OCDE
Elaboração: Autora
O aumento dos gastos com P&D refletiu um dos eixos da estratégia nacional de
capacitação em torno de um programa espacial. Segundo Cassiolato (2013), a China
praticamente dobra o orçamento em P&D militar entre 1996 e 2004 para aproximadamente
US$ 5 bilhões. Em termos globais de gastos em P&D militar, a China, em 2004, era superada
apenas pelos EUA, à frente da Rússia (US$ 4 bilhões), da França (US$ 3,5 bilhões) e do
Reino Unido (US$ 3,4 bilhões).
De acordo com o Relatório Anual ao Congresso do Departamento de Defesa do
governo dos EUA (2015), a China tem persistido no projeto de longo prazo de modernização
das suas forças militares, principalmente voltado para conter conflitos regionais de curta
duração. Segundo o relatório, o foco principal do investimento chinês continua sendo um
potencial conflito no estreito de Taiwan. Durante o ano de 2014, o ELP melhorou ainda mais
suas capacidades com mísseis de curto e médio alcances, aeronaves de alto desempenho,
defesa aérea integrada, operações de informação, entre outros.
Um ponto importante ressaltado pelo relatório e de grande destaque atualmente é o
programa de modernização naval do ELP. A marinha chinesa já é a maior na Ásia, e tem
colocado grande esforço na modernização dos equipamentos de mais longo alcance para
atingir mares mais distantes. Com isso a China não se torna ainda uma ameaça à hegemonia
naval norte-americana. Porém, sendo o maior país exportador do mundo e dependente das
rotas marítimas, esse desenvolvimento vai além do plano militar, e faz parte da sua estratégia
de expandir o seu peso econômico nas relações internacionais e nas rotas de comércio.
A China vê o ELP como fundamental para alcançar o status de grande potência,
porém, por enquanto, o desenvolvimento militar chinês não se apresenta como uma ameaça
aos EUA, visto que a China é parte da estratégia norte-americana de construir uma ordem
estável e diversificada de segurança na região Ásia-Pacífico. Porém, esta estratégia norte-
44
americana não pode se limitar ao equilíbrio militar. Também afetam a ordem na região
asiática as dimensões econômicas, demográficas, culturais e políticas nas quais a China se
insere (STRATFOR, 2012).
Por conta da sua ascensão econômica, a China tem liderado um projeto de integração
regional. Principalmente após a crise asiática de 1997, segundo Medeiros (2007), o yuan vem
sendo usado crescentemente em operações off-shore na região, especialmente como meio de
troca com países da fronteira, e também para turismo e investimento em Hong Kong, Macau e
Singapura. Nesse sentido, segundo Hsiao & Hsiao (2004), com a crise de 1997, os fluxos de
IED antes dirigidos à países como Indonésia, Malásia e Filipinas, começaram a se direcionar
para as novas economias industrializadas asiáticas: Hong Kong, Taiwan e China.
Além disso, o crescimento econômico da China voltado às exportações, deslocou parte
do comércio com os EUA de outros países asiáticos, conforme já visto anteriormente. Porém,
ao mesmo tempo, a expansão da economia chinesa promoveu a intensificação do comércio
intraregional, principalmente devido à necessidade de importação de insumos, partes e
componentes, e bens de capital. Com isso, a China se afirma como um exportador líquido
para os EUA enquanto o Japão transformou-se num importador líquido para a Ásia. O
crescimento asiático antes centrado nos EUA como destino final, passa a ser liderado pela
China (MEDEIROS, 2007).
Três fenômenos geopolíticos regionais tem maior relevância para a coesão na região
asiática, sendo eles: a tensões na península coreana; o binômio “integração econômica/
rivalidade política” com o Japão; e a questão da China com Taiwan (LEÃO, 2009). Segundo
o autor:
“Outras questões importantes para a dinâmica regional do Leste Asiático são: as tensões
territoriais entre China e Vietnã, Malásia e Filipinas e os fluxos transnacionais decorrentes da
numerosa diáspora chinesa na vizinhança meridional do país; a emergente competição indo-
chinesa; as tensões étnico-religiosas no noroeste chinês e suas consequências para a capacidade
da RPC de projetar-se em direção à Ásia Central; e a relação sino-russa, dominada por
diferenças nas dotações demográficas e energéticas potencialmente desestabilizadoras, mas
matizada por conjunturas estratégicas convergentes.” p. 116.
Em relação às tensões na península coreana, é importante destacar que caso haja uma
crise no regime de Kim Jong Il, há a possibilidade da aceleração do rearmamento japonês e
45
uma efetiva invasão da Coréia do Norte por uma coalisão dos EUA – Japão – Coréia do Sul.
Isso resultaria em uma unificação da península sob a proteção norte-americana, e a China
perderia a segurança da sua fronteira nordeste. Para a Coréia do Sul, o colapso do regime
norte-coreano também não é interessante, pois resultaria em migrações em massa e
deterioraria as expectativas dos agentes econômicos, bem como reduziria a sua importância
estratégica frente aos EUA – se a unificação das coreias fosse bem sucedida, nada garante que
os EUA manteriam a mesma política para a região. Para o Japão, a meta principal seria
eliminar a ameaça nuclear da Coréia do Norte, porém as autoridades sabem da inferioridade
de suas forças armadas ante uma Coréia unificada. Para os EUA, enquanto a tecnologia de
mísseis intercontinentais norte-coreanos for débil, o colapso do regime de Kim Jong Il e o
desarmamento norte-coreano não são uma prioridade (LEÃO, 2009). Com isso, beneficia-se a
China, pois prevalece a manutenção do status quo.
Para a China, o cenário mais complicado seria a mudança da posição do Japão na
dinâmica das relações econômicas sino-japonesas. Porém, o Japão se beneficia com uma
relação sino-japonesa mais amistosa em alguns aspectos como a exportação de bens de capital
e bens de consumo sofisticados, penetração do mercado interno chinês e aumento da
competitividade da indústria japonesa por meio de IED em operações sediadas na China.
Nesse sentido, não há perspectiva de uma ruptura apenas por valores e “orgulho nacional”
vindos do contexto histórico entre os dois países.
Segundo Feng Xiao-Ming (2002), existem atualmente quatro níveis de integração
regional e econômica na região asiática. O primeiro nível é formado pelos dez países da
ASEAN que implementaram um acordo de livre comércio em 2008. O segundo nível pelos
“10+1” - ASEAN com Japão, Coréia ou China. Em terceiro lugar temos o “3” formados por
fóruns trilaterais entre Japão, Coréia e China e por último o nível “10+3” formado pelos
países da ASEAN com os últimos citados.
Nos primeiro e segundo níveis, a China procura manter os fluxos de IED e fluxos de
comércio das matérias-primas que necessita e de produtos industrializados. Nos terceiro e
quarto níveis a China participa também de arranjos financeiros – em 2003 passou a permitir o
uso do yuan como moeda para pagamento de contratos comerciais regionais o que indica um
movimento de regionalização monetária. Portanto, fica evidente que a China vem ocupando
uma papel principal na Ásia. Segundo Medeiros (2007):
“É evidente que à medida que a China assume um papel central na Ásia acirram-se os conflitos
geopolíticos com os EUA em diversos planos. Entre estes, como observado ao longo deste
artigo, encontra-se a autonomia da política econômica chinesa. A iniciativa chinesa de
46
As importações chinesas aumentaram de US$ 63,7 bilhões em 1991 para US$ 1,9
trilhões em 2013, segundo dados do National Bureau of Statistics of China. Esse aumento
nominal se deveu principalmente ao incrível crescimento chinês durante as últimas décadas e
a consequente necessidade crescente de insumos, partes, bens de capital, e recursos
energéticos. Na Tabela 1, observamos que os bens primários passaram de 17% das
importações em 1991 para 34,9% em 2013. Como decorrência do processo de
industrialização, no início da década de 1990, a importação de bens manufaturados
representava 83% das importações, e em 2013 passam para 68,9%. A maior parte das
importações de bens manufaturados continua concentrada nas importações de máquinas e
equipamentos do setor de transporte – representando 36,4% do total importado em 2013.
Os subsetores com maior destaque nos bens primários são o de matérias-primas não
comestíveis, como produtos minerais por exemplo, e o de combustíveis fósseis. Eles passaram
de 7,8% e 3,3% do total importado em 1991, para 14,7% e 16,2% do total importado em
2013, respectivamente. Isso demonstra a crescente necessidade chinesa das importações de
commodities e sua dependência energética. No Gráfico 9, divulgado pelo estudo da
UNCTAD (2014), mostra que a China é um dos países mais dependentes em energia no
mundo. O index da UNCTAD é calculado com base no saldo entre exportações e importações
de produtos do setor energético.
47
Tabela 1 – Importações Chinas por Categoria de Produtos (Em US$ 100 milhões)
Combustíveis,
Bens Matérias- Bens
Importação lubrificantes e Químicos e Insumos
Primários Primas Não- Manufaturados
Total materiais relacionados industriais
Total Comestíveis Total
relacionados
1991 $637,91 17,0% 7,8% 3,3% 83,0% 14,5% 16,4%
1996 $1.388,33 18,3% 7,7% 5,0% 81,7% 13,0% 22,6%
2001 $2.435,53 18,8% 9,1% 7,2% 81,2% 13,2% 17,2%
2002 $2.951,70 16,7% 7,7% 6,5% 83,3% 13,2% 16,4%
2003 $4.127,60 17,6% 8,3% 7,1% 82,4% 11,9% 15,5%
2004 $5.612,29 20,9% 9,9% 8,6% 79,1% 11,7% 13,2%
2005 $6.599,53 22,4% 10,6% 9,7% 77,6% 11,8% 12,3%
2006 $7.914,61 23,6% 10,5% 11,2% 76,4% 11,0% 11,0%
2007 $9.561,16 25,4% 12,3% 11,0% 74,6% 11,2% 10,8%
2008 $11.325,67 32,0% 14,7% 14,9% 68,0% 10,5% 9,5%
2009 $10.059,23 28,8% 14,1% 12,3% 71,2% 11,1% 10,7%
2010 $13.962,44 31,1% 15,2% 13,5% 68,9% 10,7% 9,4%
2011 $17.434,84 34,7% 16,3% 15,8% 65,3% 10,4% 8,6%
2012 $18.184,05 34,9% 14,8% 17,2% 65,1% 9,9% 8,0%
2013 $19.499,89 33,7% 14,7% 16,2% 66,3% 9,8% 7,6%
Fonte: National Bureau of Statistics of China – China Statistical Yearboook 2014
Elaboração: Autora
domina a demanda por energia - sendo a maior consumidora, produtora e importadora líquida
de energia no mundo. Em 2014, segundo a instituição, a China passou os EUA como maior
importadora de petróleo, atingindo 7 milhões de barris/dia.
Para suprir essa crescente demanda por produtos primários e energéticos, a China tem
investido mundialmente, incentivando por meio de envio de IED (Outward Foreing Direct
Investment – OFDI) a instalação de filiais e subsidiárias de empresas chinesas em várias
partes do mundo. Segundo dados da UNCTAD, os fluxos de IED Chinês para outros países
cresceram de US$ 2,9 bilhões em 2002 para US$ 87,8 bilhões em 2012. Do total do OFDI em
2012, podemos destacar países como Venezuela (US$ 1,5 bilhões), Cazaquistão (US$ 3
bilhões) e Nigéria (US$ 333 milhões). Em 2008, há grandes investimentos também na África
do Sul (US$ 4,8 bilhões).
Em 2006 40,4% do OFDI da China eram destinados às atividades de mineração e
petróleo (CHENG e MA, 2009). Além de petróleo, a China tem grande déficit em outros
minérios como cobre, bauxita, uranio, alumínio, manganês, ferro e etc. A estratégia desses
investimentos era, portanto, suprir essa demanda através de contratos de longo-prazo e
aquisições de empresas na indústria energética (TAYLOR, 2009). De acordo com o Boletim
Estatístico de OFDI de 2010 (MOFCOM, 2010), as maiores transnacionais não-financeiras
em estoque de OFDI em 2010 foram China Petrochemical Coporation (SINOPEC), China
National Petroleum Corporation (CNPC), China National Offshore Oil Corporation
(CNOOC), China Resources (Holding) Co. Ltd., China Ocean Shipping (Group) Company.
Para os EUA, o crescimento dos OFDI chineses podem significar um aumento da
competitividade, principalmente no setor de energia. Conforme o Gráfico 9, os EUA também
são dependentes energéticos, e tem um déficit nesse setor. Apesar dos OFDI norte-americanos
serem muito mais expressivos (US$ 27 bilhões somente no setor de mineração e extração em
2012 segundo a OCDE), a China se apresentará forte no futuro dada a tendência de
crescimento do seu OFDI em um setor onde os recursos são escassos e nenhuma concorrência
é desejada.
O setor energético é um ponto de tensão para a abertura da concorrência chinesa, pois
trata-se de um setor onde os recursos são escassos e há de certa forma uma preponderância
dos investimentos norte-americanos. Não só escassos os recursos naturais como também os
recursos humanos – a procura por mão-de-obra capacitada pelas transnacionais chinesas
deverá crescer, pois tais empresas precisarão adequar seu quadro de forma a se ajustas às
estruturas de mercado. Além disso, o OFDI da China também abre portas para a concorrência
49
das empresas chinesas nos setores de alta-tecnologia nos mercados externos, pois a entrada de
investimentos chineses poderá funcionar como uma “vitrine” para outros setores.
Como visto acima, as principais empresas engajadas no OFDI são empresas estatais
chinesas, como SINOPEC, CNPC e CNOOC. Essa busca por segurança energética centrada
no Estado levou a uma estratégia mercantilista, com o controle direto de campos de
petróleo/gás e rotas de abastecimento (ZHAO, 2008). Segundo Zhao (2008), isso levou a um
resultado misto em suas relações externas. Por um lado, esta traz a oportunidade de reforçar a
cooperação com seus vizinhos asiáticos, apoiando a ideia de uma ascensão pacífica da China
como líder de um projeto regional de poder. Por outro lado, a competição por recursos
energéticos pode tornar-se a faísca para a instabilidade regional e internacional. Como aponta
Kreft (2006):
The results of China’s energy diplomacy are being watched with growing unease, especially in
Asia but in other parts of the world as well . . . There is a danger that China’s neo-mercantilist
strategy to bolster energy security by gaining direct control both of oil and gas fields and
supply routes could result in escalating tensions in an already volatile region that lacks
regional institutions for conflict resolution and is in the midst of a difficult transition process,
which is due in fact to the rise of China. Competition for energy is exacerbating existing
rivalries between China and a number of its neighbors.
50
Conclusão
A partir das análises do primeiro capítulo foi possível constatar que a interdependência
entre China e EUA vem aumentando desde o início das relações bilaterais na década de 1980
em três dimensões: comercial, financeira e produtiva. As relações comerciais entre os dois
países se iniciam no final da década de 1980. Conforme a China introduz as reformas
institucionais e políticas durante o governo de Deng Xiao Ping, os IEDs norte-americanos
começam a criar uma imbricação de cadeias produtivas tanto com a China quanto com os
outros países do Leste Asiático. Após a crise asiática de 1997, mas principalmente no início
do século XXI, o acúmulo de reservas internacionais chinesas, principalmente em ativos
denominados em dólares, aumentou significativamente a interdependência financeira
bilateral.
As relações econômicas simbióticas entre China e EUA se dão, portanto, nas três
esferas mencionadas e de maneira a se aprofundarem dentro de um ciclo virtuoso de
crescimento. A estratégia chinesa de crescimento liderado por exportações direcionou o
investimento direto estrangeiro advindo dos EUA e outros países, principalmente em projetos
greenfield, à indústria exportadora, criando uma interdependência produtiva com a abertura
de filiais e joint-ventures. Essa industrialização com foco nas exportações e a existência de
condições extremamente competitivas, por sua vez, ampliou a relações comerciais entre os
dois países, tornando a China a principal fonte de produtos importados para os EUA. Essa
relação comercial estabeleceu a China como um país superavitário em relação aos EUA, o
qual para financiar o seu déficit em balança corrente deve emitir títulos da dívida do governo,
que são acumulados em forma de reservas internacionais chinesas.
Para os EUA, a China se apresenta como principal parceiro comercial, representando
21,2% das importações totais em 2015. Porém, o mesmo não se dá na via contrária. A China
ainda tem como principal foco a exportação para os seus próprios vizinhos e, recentemente,
também a produção para atender o seu florescente mercado interno. Como vimos
anteriormente, os IEDs americanos são em sua maioria voltados para o mercado interno
chinês e não à indústria exportadora. Isso, de certa foram, também torna a integração
produtiva não tão importante nessa simbiose quanto as relações de interdependência
comercial e financeira.
Assim, após a crise financeira global de 2008, com o a exacerbação do protecionismo
comercial e o aumento da competição internacional, é importante observar se as relações
produtivas com os EUA são realmente tão importantes para a China, a fim de evitar uma
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