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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4

2 A CHEGADA AO BRASIL ....................................................................................... 5

3 OS ÍNDIOS.............................................................................................................. 6

4 OS PERÍODOS DO BRASIL COLONIAL ................................................................ 9

5 TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORAÇÃO ............................................................ 9

6 INÍCIO DE COLONIZAÇÃO - AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS ......................... 10

7 O GOVERNO GERAL ........................................................................................... 12

7.1 Os três primeiros governadores do Brasil..............................................................14

8 A COLONIZAÇÃO SE CONSOLIDA ..................................................................... 14

9 A ESCRAVIDÃO - ÍNDIOS E NEGROS ................................................................ 15

10 O MERCANTILISMO............................................................................................. 19

11 ESTADO E IGREJA .............................................................................................. 20

12 AS INSTITUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL........................................ 22

13 AS DIVISÕES SOCIAIS ........................................................................................ 24

14 MEIOS DE PRODUÇÃO E AS FORMAS DE TRABALHO UTILIZADAS PELA


INDÚSTRIA AÇUCAREIRA NO BRASIL COLONIAL.................................................. 27

15 OURO E DIAMANTES .......................................................................................... 31

15.1 A coroa e o controle das minas..............................................................................32

16 A CRISE DO SISTEMA COLONIAL ...................................................................... 34

17 A administração Pombalina................................................................................... 35

18 A INCONFIDÊNCIA MINEIRA ............................................................................... 39

19 A INDEPENDÊNCIA ............................................................................................. 43

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19.1 A proclamação da Independência como última medida perante a intransigência
das Cortes Portuguesas ................................................................................. 56

20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 60

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala


de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que
seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a
pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é
a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe
convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e
prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 A CHEGADA AO BRASIL

Fonte: aventurasnahistoria.uol.com.br

Muito ainda se discute se o nascimento do Brasil se deu por acaso, mas não há dúvida
de que foi cercado de grande pompa. A primeira nau de regresso da viagem de Vasco da
Gama chegou a Portugal, produzindo grande entusiasmo, em julho de 1499.
Meses depois, a 9 de março de 1500, partia do Rio Tejo em Lisboa uma frota de treze
navios, a mais aparatosa que até então tinha deixado o reino, aparentemente com destino às
índias, sob o comando de Pedro Álvares Cabral.
A frota, após passar as Ilhas de Cabo Verde, tomou rumo oeste, afastando-se da costa
africana até avistar o que seria terra brasileira a 21 de abril. Nessa data, houve apenas uma
breve descida à terra e só no dia seguinte a frota ancoraria no litoral da Bahia, em Porto
Seguro.

Desde o século XIX, discute-se se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do
acaso, sendo produzida pelas correntes marítimas, ou se já havia conhecimento
anterior do Novo Mundo e Cabral estava incumbido de uma espécie de missão secreta
que o levasse a tomar o rumo do ocidente. Tudo indica que a expedição de Cabral se
destinava efetivamente às índias. Isso não elimina a probabilidade de navegantes

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europeus, sobretudo portugueses, terem frequentado a costa do Brasil antes de 1500.
(FAUSTO, 2007, apud SOUZA, 2011, p. 30).

De qualquer forma, trata-se de uma controvérsia que hoje interessa pouco, pertencendo
mais ao campo da curiosidade histórica do que à compreensão dos processos históricos.

3 OS ÍNDIOS

Fonte: sohistoria.com.br

Quando os europeus chegaram à terra que viria a ser o Brasil, encontraram uma
população ameríndia bastante homogênea em termos culturais e linguísticos, distribuída ao
longo da costa e na bacia dos Rios Paraná-Paraguai. Pode-se distinguir dois grandes blocos
que subdividem essa população: os tupis-guaranis e os tapuias.
Os tupis-guaranis estendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde pelo menos o
Ceará até a Lagoa dos Patos, no extremo Sul.

Os tupis, também denominados tupinambás, dominavam a faixa litorânea, do Norte até


Cananéia, no Sul do atual Estado de São Paulo; os guaranis localizavam-se na bacia
Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o extremo sul do que viria a ser
o Brasil.
Apesar dessa localização geográfica diversa dos tupis e dos guaranis, fala-se em
conjunto tupi-guarani, dada a semelhança de cultura e de língua. (FAUSTO, 2007, apud
SOUZA, 2011, p. 34).

Em alguns pontos do litoral, a presença tupi-guarani era interrompida por outros grupos,
como os Goitacazes na foz do Rio Paraíba, pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do
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Espírito Santo, pelos Tremembé na faixa entre o Ceará e o Maranhão. Essas populações eram
chamadas tapuias, uma palavra genérica usada pelos tupis-guaranis para designar índios que
falavam outra língua.
Os portugueses identificaram de forma impressionista muitas nações indígenas, como
os carijós, os tupiniquins, os tamoios, etc. É difícil analisar a sociedade e os costumes
indígenas, porque se lida com povos de cultura muito diferente da nossa e sobre a qual
existiram e ainda existem fortes preconceitos. Isso se reflete, em maior ou menor grau, nos
relatos escritos por cronistas, viajantes e padres, especialmente jesuítas.
Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas e índios
com qualidades negativas, de acordo com o maior ou menor grau de resistência oposto aos
portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pela eficiência militar e pela
rebeldia, foram sempre apresentados de forma desfavorável. De acordo com os mesmos
relatos, em geral, os índios viviam em casas, mas os aimorés viviam como animais na floresta.
Os tupinambás comiam os inimigos por vingança; os aimorés, porque apreciavam carne
humana.
Quando a Coroa publicou a primeira lei em que se proibia a escravização dos índios, só
os aimorés foram especificamente excluídos da proibição. Há também uma falta de dados que
não decorre nem da incompreensão nem do preconceito, mas da dificuldade de sua obtenção.
Não se sabe, por exemplo, quantos índios existiam no território abrangido pelo que é hoje o
Brasil e o Paraguai, quando os portugueses chegaram ao Novo Mundo.

Os grupos tupis praticavam a caça, a pesca, a coleta de frutas e a agricultura, mas


seria engano pensar que estivessem intuitivamente preocupados em preservar ou
restabelecer o equilíbrio ecológico das áreas por eles ocupadas. Quando ocorria uma
relativa exaustão de alimentos nessas áreas, migravam temporária ou definitivamente
para outras. FAUSTO, 2004, apud GOMES, 2011, p. 21).

De qualquer forma, não há dúvida de que, pelo alcance limitado de suas atividades e
pela tecnologia rudimentar de que dispunham, estavam longe de produzir os efeitos
devastadores da poluição de rios com mercúrio, ou da derrubada de florestas com
motosserras, características das atividades dos brancos nos dias de hoje.
Para praticar a agricultura, os tupis derrubavam árvores e faziam a queimada - técnica
que iria ser incorporada pelos colonizadores. Plantavam feijão, milho, abóbora e

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principalmente mandioca, cuja farinha se tornou também um alimento básico da Colônia. A
economia era basicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio.
Cada aldeia produzia para satisfazer a suas necessidades, havendo poucas trocas de
gêneros alimentícios com outras aldeias. Mas existiam contatos entre elas para a troca de
mulheres e de bens de luxo, como penas de tucano e pedras para se fazer botoque. Dos
contatos resultavam alianças em que grupos de aldeias se posicionavam uns contra os outros.
A guerra e a captura de inimigos - mortos em meio à celebração de um ritual cabalístico - eram
elementos integrantes da sociedade tupi. Dessas atividades, reservadas aos homens,
dependiam a obtenção de prestígio e a renovação das mulheres.

A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe.


Vindos de muito longe, com enormes embarcações, os portugueses, e em especial os
padres, foram de aldeia em aldeia, curando, profetizando e falando-lhes de uma terra
de abundância. Os brancos eram ao mesmo tempo respeitados, temidos e odiados,
como homens dotados de poderes especiais. (FAUSTO, 2012, apud MATOS, 2016, p.
12).

Por outro lado, como não existia uma nação indígena e sim grupos dispersos, muitas
vezes em conflito, foi possível aos portugueses encontrar aliados entre os próprios indígenas,
na luta contra os grupos que resistiam a eles. Por exemplo, em seus primeiros anos de
existência, sem o auxílio dos tupis de São Paulo, a Vila de São Paulo de Piratininga muito
provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios.
Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente aos
colonizadores, sobretudo quando se tratou de escraviza-los.

Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência cultural, as


epidemias e mortes. Do contato com o europeu resultou uma população mestiça, que
mostra, até hoje, sua presença silenciosa na formação da sociedade brasileira.
(FAUSTO, 2012, apud MATOS, 2016, p. 13).

Uma forma excepcional de resistência dos índios consistiu no isolamento, alcançado


através de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em limites muito
estreitos, esse recurso permitiu a preservação de uma herança biológica, social e cultural.
Mas, no conjunto, a palavra "catástrofe" é mesmo a mais adequada para designar o destino
da população ameríndia.

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4 OS PERÍODOS DO BRASIL COLONIAL

Podemos dividir a história do Brasil colonial em três períodos muito desiguais em termos
cronológicos: o primeiro vai da chegada de Cabral à instalação do governo geral, em 1549; o
segundo é um longo lapso de tempo entre a instalação do governo geral e as últimas décadas
do século XVIII; o terceiro vai dessa época à Independência, em 1822. O que justifica essa
periodização não são os fatos apontados em si mesmos, mas sim aquilo que expressam.
O primeiro período se caracteriza pelo reconhecimento e posse da nova terra e um
escasso comércio. Com a criação do governo geral inicia-se a montagem da colonização que
irá se consolidar ao longo de mais de dois séculos, com marchas e contramarchas. As últimas
décadas do século XVIII são uma referência para indicar um conjunto de transformações na
ordem mundial e nas colônias, que dão origem à crise do sistema colonial e aos movimentos
pela independência.

5 TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORAÇÃO

O descobrimento do Brasil não provocou, nem de longe, o entusiasmo despertado pela


chegada de Vasco da Gama à índia. O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de
exploração e contornos geográficos eram desconhecidas. Por vários anos, pensou-se que não
passava de uma grande ilha. As atrações exóticas - índios, papagaios, araras - prevaleceram,
a ponto de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe o nome de terra dos
papagaios.
O Rei Dom Manuel preferiu chamá-la de Vera Cruz e logo de Santa Cruz. O nome
"Brasil" começou a aparecer em 1503. Ele tem sido associado à principal riqueza da terra em
seus primeiros tempos, o pau-brasil. Seu cerne, muito vermelho, era usado como corante, e a
madeira, de grande resistência, era utilizada na construção de móveis e de navios.
E curioso lembrar que as "ilhas Brasil" ou coisa parecida são uma referência fantasiosa
na Europa medieval. Em uma carta geográfica de 1367, aparecem três ilhas com esse nome,
espalhadas no grupo dos Açores, na latitude da Bretanha (França) e na costa da Irlanda. As
primeiras tentativas de exploração do litoral brasileiro se basearam no sistema de feitorias,
adotado na costa africana.

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O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa, liderado
pelo cristão-novo Fernão de Loronha ou Noronha, que recebeu o monopólio comercial,
obrigando-se em troca, ao que parece, a enviar seis navios a cada ano para explorar
trezentas léguas (cerca de 2 mil quilômetros) da costa e a construir uma feitoria. O
consórcio realizou algumas viagens, mas, aparentemente, quando em 1505 o
arrendamento terminou, a Coroa portuguesa tomou a exploração da nova terra em suas
mãos. FAUSTO, 2012, apud, SILVA, 2014, p. 94).

Nesses anos iniciais, entre 1500 e 1535, a principal atividade econômica foi a extração
do pau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os índios. As árvores não cresciam
juntas, em grandes áreas, mas encontravam-se dispersas. À medida que a madeira foi-se
esgotando no litoral, os europeus passaram a recorrer aos índios para obtê-la.
O trabalho coletivo, especialmente a derrubada de árvores, era uma tarefa comum na
sociedade tupinambá. Assim, o corte do pau-brasil podia integrar-se com relativa facilidade
aos padrões tradicionais da vida indígena. Os índios forneciam a madeira e, em menor escala,
farinha de mandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e quinquilharias, objetos
de pouco valor para os portugueses.

O pau-brasil era trocado por machados, anzóis, tesouras e outras quinquilharias com
os índios. Logo, porém, os índios passaram a desejar mais. A extração da madeira
exercia um papel mediador, pois levava os índios a conhecer e participar do modo de
reprodução social que começava a ser construído, bastante eficiente e capaz de
sustentar muito mais seres humanos que as ordens sociais indígenas. A integração
sociometabólica indígena foi se dando por aproximação e concreto pertencimento das
relações de reprodução social que se construíam, e não simplesmente por guerras e
dominação. O índio percebeu logo que um machado de ferro representava cortar uma
árvore 12 vezes mais rápido. Os hábitos alimentares, técnicas de construção,
conhecimentos da terra que os índios tinham, iam se distribuindo, pouco a pouco,
segundo a ordem e organização de vida da colônia. (MATTA, 2013, apud, SILVA, 2014,
p. 94).

6 INÍCIO DE COLONIZAÇÃO - AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

O reino português não possuía recursos para colonizar o Brasil, e o mais importante,
fazer com que a colônia produzisse lucros. Este era um sério problema que deveria ser
resolvido pelos portugueses. A solução temporária veio com a fundação das Capitanias
Hereditárias, transferindo assim a responsabilidade de povoar e colonizar para a iniciativa
particular dos futuros donatários.
Desta forma, em 1534, o Brasil foi dividido em quinze lotes de terras, que deveriam ser
administrados pelos donatários nomeados pelo rei. Os futuros proprietários eram pessoas de
razoável poder econômico, porém não eram nobres, pois os nobres preferiam investir seus
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recursos na África ou na Índia. O Brasil nesta época não era confiável para grandes
investimentos, pois tudo estava para ser feito.

Nomeado pelo rei, o donatário era a autoridade máxima dentro da capitania. Com a
morte do donatário, a administração da capitania passava para seus descendentes. Por
esse motivo as capitanias eram chamadas de Capitanias Hereditárias (COTRIM, 1999,
apud SOUZA, 2011, p. 66).

Apesar disso, os donatários não eram proprietários das terras, isso significava que os
mesmos não poderiam vender as terras ou dividi-las, isso era um direito do rei. Ainda assim
os donatários possuíam vastos poderes, tanto na esfera econômica, como na administrativa.
Apesar de todo o alarde que a historiografia faz acerca das capitanias hereditárias
apenas duas floresceram, são elas: São Vicente e Pernambuco. As outras fracassaram logo
nos primeiros anos, ou pela falta de recursos, ou por ataques de índios, ou pelo desinteresse
do próprio donatário. O florescimento das capitanias de Pernambuco e São Vicente esteve
sempre associado ao cultivo da cana-de-açúcar que prevaleceu desde a sua fundação em
ambas as capitanias. Ou da caça ao índio que foi uma importante atividade econômica na
capitania de São Vicente, pois os vicentinos passaram a vender mão de obra escrava índia
para as demais regiões do Brasil.
É importante salientar que o Brasil inicialmente se transformou em uma colônia muito
diferente das que se criaram na América do Norte, ou mesmo na América Espanhola, a partir
dos séculos XVI e XVII.

Diversamente do que ocorreu nestas últimas, os colonizadores que aqui foram se


estabelecendo vieram não para refazer suas vidas nos mesmos moldes que os vigentes
em seu país de origem, mas para fazer fortuna – ou “fazer a América” –, procurando
extrair o máximo tanto da natureza como dos que trabalharam para eles no menor
tempo necessário. Nessa modalidade de colonização, o objetivo de nossos povoadores
não era, de modo algum, produzir por conta própria (e menos ainda por meio de seu
próprio trabalho), mas, primordialmente, enriquecer o mais depressa possível pela
exploração dos recursos naturais disponíveis e do trabalho alheio em bases servis –
mediante a escravização, primeiro dos povos indígenas da região e depois de africanos
especialmente importados (PRADO, 1987, apud SZMRECSÁNYI, 1998, p. 12).

Essa mentalidade foi muito prejudicial ao Brasil, pois tratava o país como um lugar a ser
colonizado com razões puramente exploratórias. Esta visão irá se intensificar, perdurando por
muitas décadas. Aos poucos, em função da falência e do abandono, as capitanias foram sendo
retomadas pela Coroa, sendo que as mesmas desapareceram definitivamente na segunda

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metade do século XVII. Aos poucos as capitanias foram sendo retomadas pela Coroa, sendo
que as mesmas desapareceram definitivamente na segunda metade do século XVII.

7 O GOVERNO GERAL

Com a derrocada do projeto das Capitanias Hereditárias, Portugal viu-se na obrigação


de assumir a tarefa de povoar e colonizar definitivamente o Brasil. No centro desta questão
está a instituição do Governo-Geral.
Porém, para reorganizar o processo de colonização, pois o mesmo estava esfacelado
em virtude da malsucedida experiência colonizadora das capitanias hereditárias, Portugal teria
que investir uma grande soma de moedas. Conforme foi dito anteriormente, a experiência das
capitanias foi um investimento privado, a Coroa não desembolsou nenhum centavo nesta
tarefa. Chegava, agora, a hora do rei de Portugal assumir definitivamente, para si, a tarefa de
povoar e colonizar a colônia.

Para reorganizar o processo de ocupação e colonização da América portuguesa, seria


necessário investir cerca de 400 mil cruzados, o equivalente a 1,4 toneladas de ouro.
Dessa vez, porém, o dinheiro não viria de investidores particulares, arrendatários ou
especuladores, mas do Tesouro Régio. Tesouro, aliás, progressivamente depauperado,
pois Portugal atravessava uma grave crise econômica que, desde 1537, só fazia
crescer. Em 1547, o reino possuía em caixa pouco mais de 3 milhões de cruzados, mas
devia 3 milhões e 880 mil, a maioria em empréstimos a juros de 25% ao ano. Criar o
Governo Geral no Brasil significaria, portanto, despender mais de 1/8 da receita régia
num momento em que a Coroa devia mais do que arrecadava. Para investir tanto
dinheiro em um território que, até então, era menos rentável dentre todas as possessões
ultramarinas portuguesas, o rei D. João III e seus assessores precisavam ter bons
motivos. (BUENO, 2006, apud SOUZA, 2011, p. 72).

Nesta época, a América portuguesa era pouco lucrativa. Além disso, ela era pouco
povoada, pois viviam aqui não mais do que 2 mil colonos de origem europeia. Apesar disso, o
rei fazia questão que o Brasil fosse colonizado e povoado, pois esse posicionamento estava
ligado a uma política imperial na qual o definhamento financeiro da Índia, o avanço mulçumano
no Marrocos e no Mediterrâneo e as sempre instáveis relações de Portugal com as Coroas
vizinhas desempenharam papel preponderante. O estabelecimento do Governo-Geral, iria
permitir um maior controle da colônia por parte de Portugal.
A Coroa cada vez mais iria impor os seus desejos sobre as terras americanas. A
centralização imposta pelo Governo Geral irá diminuir sensivelmente o poder dos donatários,
assim Portugal criava as bases da centralização política no Brasil. Certamente, e não é
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exagero afirmar que, o Governo Geral contribuiu em muito para a atual configuração do
território brasileiro, pois somos o único país da América Latina que não viu seu território se
fragmentar em pequenos estados.

O Estado português começara a estabelecer, a partir de 1540, uma série de


mecanismos que lhe haviam permitido aumentar o controle, a coerção e o domínio
sobre seus súditos. Essas novas e eficientes formas de exercícios de poder incluíam a
realização de recenseamentos populacionais, alistamento militar obrigatório, definição
mais rígida das fronteiras do reino e criação de um sistema judicial mais poderoso e
intrusivo – além, é claro, de formas de tributação mais amplas, associada a métodos de
cobrança mais eficientes. Os novos mecanismos de controle desse governo mais forte,
centralizado e racional iriam se tornar presentes não só no cotidiano daqueles que
viviam em Portugal: tão cedo quanto possível, seriam exportados para os territórios
ultramarinos. O estabelecimento do Governo Geral – e a concentração da Coroa –
desponta como a face mais visível desse processo em relação ao Brasil. (BUENO,
2006, apud SOUZA, 2011, p. 72).

A instituição do Governo Geral, em 1º de abril de 1549, tinha como principal objetivo


organizar e botar ordem na casa. Isso seria feito na forma de normatização dos impostos, das
condutas, e o principal, submeter não apenas os índios revoltosos às regras dos colonizadores
portugueses, mas todos aqueles que, de alguma forma, contestassem a autoridade do rei.
O que estava prestes a se iniciar no Brasil com a instalação do Governo Geral era,
portanto, uma reação do Estado contra a ambiguidade, a fraqueza e a experimentação que
haviam marcado a aventura colonial dos portugueses na primeira metade do século XVI, como
observa o historiador norte-americano Harold B. Johnson.
Esse movimento rumo à rigidez e à codificação, e a deliberada exclusão de alternativas,
decretaria o fim daquilo que, com alguma liberalidade, se pode chamar de “período romântico”
do expansionismo luso. Do ponto de vista dos que estavam do outro lado do processo – no
caso do Brasil, os colonos que tentavam reinventar suas vidas no trópico, lutando para libertar-
se das amarras e “travões” sociais tão presentes no reino –, as novas regras seriam percebidas
como uma profunda intromissão em seu cotidiano. Os portugueses radicados na América
fariam de tudo para conspirar contra a nova ordem. Pode-se afirmar, por isso, que a chegada
do Governo Geral assinala o primeiro conflito entre o indivíduo e o Estado em terras brasileiras.
Juntamente com a expedição que trouxe o primeiro governador geral do Brasil – Tomé
de Sousa – estavam presentes os primeiros jesuítas, Manuel da Nóbrega e outros cinco
padres. Estes jesuítas seriam os responsáveis pela instalação das primeiras escolas na
colônia. Além disso, eles tinham a árdua tarefa de catequizar os indígenas.

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7.1 Os três primeiros governadores do Brasil

Tomé de Sousa: foi o fundador da cidade de Salvador. Ele governou de 1549 até 1553
e sua expedição, composta de seis navios, trouxe cerca de mil pessoas, além de gado, cavalos
e ovelhas. Nesta época, foi criado o primeiro bispado brasileiro, início da pecuária e do cultivo
da cana-de-açúcar, além da fundação de engenhos.
Duarte da Costa: segundo governador-geral da Brasil. Ele governou de 1553 até 1558
e sua expedição trouxe o jesuíta José de Anchieta. No seu governo os franceses invadiram o
Rio de Janeiro e fundaram um povoado chamado de “França Antártica”.
Mem de Sá: foi o terceiro governador-geral. Ele governou de 1558 até 1572 e expulsou
os franceses do Rio de Janeiro, combateu os índios, sendo o responsável pela destruição de
mais ou menos trezentas aldeias, incentivou a importação de negros africanos para servirem
de mão de obra escrava.
Desta forma, o Governo-Geral se instituiu no Brasil, tendo como principal característica
a centralização política e a normatização das condutas dos habitantes do Brasil. No próximo
item estudaremos a fundação da cidade de Salvador e sua importância no contexto do Brasil
colonial.

8 A COLONIZAÇÃO SE CONSOLIDA

Após as três primeiras décadas, marcadas pelo esforço de garantir a posse da nova
terra, a colonização começou a tomar forma. Como aconteceu em toda a América Latina, o
Brasil viria a ser uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu
gêneros alimentícios ou minérios de grande importância. A política da Metrópole portuguesa
consistirá no incentivo à empresa comercial, com base em uns poucos produtos exportáveis
em grande escala e assentada na grande propriedade.
Essa diretriz deveria atender aos interesses de acumulação de riqueza na Metrópole
lusa, em mãos dos grandes comerciantes, da Coroa e seus afilhados. Como Portugal não tinha
o controle dos circuitos comerciais na Europa, controlados, ao longo dos anos, principalmente
por espanhóis, holandeses e ingleses, a mencionada diretriz acabou por atender também ao
conjunto da economia europeia. A opção pela grande propriedade ligou-se ao pressuposto da
conveniência da produção em larga escala. Além disso, pequenos proprietários autônomos

14
tenderiam a produzir para a sua subsistência, vendendo no mercado apenas um reduzido
excedente, o que contrariaria os objetivos da Coroa e dos grandes comerciantes.

9 A ESCRAVIDÃO - ÍNDIOS E NEGROS

Fonte: observatorio3setor.org.br

As razões da opção pelo escravo africano foram muitas. É melhor não falar em causas,
mas em um conjunto de fatores. A escravização do índio chocou-se com uma série de
inconvenientes, tendo em vista os fins da colonização. Os índios tinham uma cultura
incompatível com o trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório, como pretendido
pelos europeus. Não eram vadios ou preguiçosos. Apenas faziam o necessário para garantir
sua subsistência, o que não era difícil em uma época de peixes abundantes, frutas e animais.
Muito de sua energia e imaginação era empregada nos rituais, nas celebrações e nas guerras.

E permite El-Rei que sejam estes índios escravos por estar certificado de sua vida e
costumes que não são capazes de serem forros, e merecem que os façam escravos
pelos grandes delitos que tem cometido contra os portugueses, matando e comendo
centos deles e milhares deles, em que entrou Bispo e muitos sacerdotes. [...]. Além
desta razão, estão os reis informados de que não pode sustentar este Estado do Brasil
sem haver nele muitos escravos do gentio da terra para se granjearem os engenhos, e
fazendas dela, porque sem este pavor despovoar-se-á, ao que os padres não querem
ter respeito, porque eles são os que mais tiram proveito deste gentio (SOUZA apud
VAINFAS, 1986, p. 76).

As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eram


totalmente estranhas a eles. Podemos distinguir duas tentativas básicas de sujeição dos índios

15
por parte dos portugueses. Uma delas, realizada pelos colonos segundo um frio cálculo
econômico, consistiu na escravização pura e simples.
A outra foi tentada pelas ordens religiosas, principalmente pelos jesuítas, por motivos
que tinham muito a ver com suas concepções missionárias. Ela consistiu no esforço em
transformar os índios, através do ensino, em "bons cristãos", reunindo-os em pequenos
povoados ou aldeias. Ser "bom cristão" significava também adquirir os hábitos de trabalho dos
europeus, com o que se criaria um grupo de cultivadores indígenas flexível às necessidades
da Colônia.
As duas políticas não se equivaliam. As ordens religiosas tiveram o mérito de tentar
proteger os índios da escravidão imposta pelos colonos, nascendo daí inúmeros atritos entre
colonos e padres. Mas estes não tinham também qualquer respeito pela cultura indígena. Ao
contrário, para eles chegava a ser duvidoso que os índios fossem pessoas. Padre Manuel da
Nóbrega, por exemplo, dizia que "índios são cães em se comerem e matarem, e são porcos
nos vícios e na maneira de se tratarem".
Os índios resistiram às várias formas de sujeição, pela guerra, pela fuga, pela recusa
ao trabalho compulsório. Em termos comparativos, as populações indígenas tinham melhores
condições de resistir do que os escravos africanos. Enquanto estes se viam diante de um
território desconhecido onde eram implantados à força, os índios se encontravam em sua casa.
Outro fator importante que colocou em segundo plano a escravização dos índios foi a
catástrofe demográfica. Esse é um eufemismo erudito para dizer que as epidemias produzidas
pelo contato com os brancos liquidaram milhares de índios. Eles foram vítimas de doenças
como sarampo, varíola, gripe, para as quais não tinham defesa biológica. Duas ondas
epidêmicas se destacaram por sua violência entre 1562 e 1563, matando mais de 60 mil índios,
ao que parece, sem contar as vítimas do sertão.
A morte da população indígena, que em parte se dedicava a plantar gêneros
alimentícios, resultou em uma terrível fome no Nordeste. Não por acaso, a partir da década de
1570 incentivou-se a importação de africanos, e a Coroa começou a tomar medidas através
de várias leis, para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos índios.
As leis continham ressalvas e eram burladas com facilidade. Escravizavam-se índios
em decorrência de "guerras justas", isto é, guerras consideradas defensivas, ou como punição
pela prática de antropofagia. Escravizava-se também pelo resgaste, isto é, a compra de
indígenas prisioneiros de outras tribos, que estavam para ser devorados em ritual

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antropofágico. Só em 1758 a Coroa determinou a libertação definitiva dos indígenas. Mas, no
essencial, a escravidão indígena fora abandonada muito antes pelas dificuldades apontadas e
pela existência de uma solução alternativa.
Ao percorrer a costa africana no século XV, os portugueses haviam começado o tráfico
de africanos, facilitado pelo contato com sociedades que, em sua maioria, já conheciam o valor
mercantil do escravo. Nas últimas décadas do século XVI, não só o comércio negreiro estava
razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade. Os colonizadores tinham
conhecimento das habilidades dos negros, sobretudo por sua rentável utilização na atividade
açucareira das ilhas do Atlântico.
Muitos escravos provinham de culturas em que trabalhos com ferro e a criação de gado
eram usuais. Sua capacidade produtiva era assim bem superior à do indígena. Durante a
primeira metade do século XVII, nos anos de apogeu da economia do açúcar, o custo de
aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho e,
mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700, um escravo se
pagava em trinta meses.

Os africanos foram trazidos do chamado "continente negro" para o Brasil em um fluxo


de intensidade variável. Os cálculos sobre o número de pessoas transportadas como
escravos variam muito. Estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos
brasileiros 4 milhões de escravos, na sua grande maioria jovens do sexo masculino.
(FAUSTO, 2006, apud FERREIRA, 2011, p. 24).

A região de proveniência dependeu da organização do tráfico, das condições locais na


África e, em menor grau, das preferências dos senhores brasileiros. No século XVI, a Guiné
(Bissau e Cacheu) e a Costa da Mina, ou seja, quatro portos ao longo do litoral do Daomé,
forneceram o maior número de escravos. Do século XVII em diante, as regiões mais ao sul da
costa africana - Congo e Angola - tornaram-se os centros exportadores mais importantes, a
partir dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda.
Os angolanos foram trazidos em maior número no século XVIII, correspondendo, ao
que parece, a 70% da massa de escravos trazidos para o Brasil naquele século. Costuma-se
dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os sudaneses, predominantes na
África ocidental, Sudão egípcio e na costa norte do Golfo da Guiné, e os bantos, da África
equatorial e tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique.
Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizados no
Brasil provinham de muitas tribos ou reinos, com suas culturas próprias. Por exemplo: os
17
iorubas, jejes, tapas, hauçás, entre os sudaneses; e os angolas, bengalas, monjolos,
moçambiques, entre os bantos.
Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de Janeiro,
cada qual com sua organização própria e fortemente concorrentes. Os traficantes baianos
utilizaram-se de uma valiosa moeda de troca no litoral africano, o fumo produzido no
Recôncavo. Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina, à Guiné e ao Golfo de Benin,
neste último caso após meados de 1770, quando o tráfico da Mina declinou.
O Rio de Janeiro recebeu sobretudo escravos de Angola, superando a Bahia com a
descoberta das minas de ouro, o avanço da economia açucareira e o grande crescimento
urbano da capital, a partir do início do século XIX. Seria errôneo pensar que, enquanto os
índios se opuseram à escravidão, os negros a aceitaram passivamente.
Fugas individuais ou em massa, agressões contra senhores, resistência cotidiana
fizeram parte das relações entre senhores e escravos, desde os primeiros tempos. Os
quilombos, ou seja, estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e
recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas, existiram às
centenas no Brasil colonial. Palmares - uma rede de povoados situada em uma região que
hoje corresponde em parte ao Estado de Alagoas, com vários milhares de habitantes - foi um
desses quilombos e certamente o mais importante.
Formado no início do século XVII, resistiu aos ataques de portugueses e holandeses
por quase cem anos, vindo a sucumbir, em 1695, às tropas sob o comando do bandeirante
Domingos Jorge Velho. Admitidas as várias formas de resistência, não podemos deixar de
reconhecer que, pelo menos até as últimas décadas do século XIX, os escravos africanos ou
afro-brasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório.
Bem ou mal, viram-se obrigados a se adaptar a ele. Dentre os vários fatores que
limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva, lembremos que, ao contrário dos índios, os
negros eram desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, lançados em levas
sucessivas em território estranho. Por outro lado, nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à
escravização do negro.
Ordens religiosas como a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes
proprietários de cativos. Vários argumentos foram utilizados para justificar a escravidão
africana. Dizia-se que se tratava de uma instituição já existente na África e assim apenas

18
transportavam-se cativos para o mundo cristão, onde seriam civilizados e salvos pelo
conhecimento da verdadeira religião.

Ao contrário da indígena, a escravidão africana nunca chegou a ser questionada, nesta


época, sendo objeto de simples observações, ou surgindo como solução para o trabalho
na colônia, em face dos limites que a sujeição de nativos impunha aos Senhores
(VAINFAS, 1986, apud FERREIRA, 2011, p. 24).

Além disso, o negro era considerado um ser racialmente inferior. No decorrer do século
XIX, teorias pretensamente científicas reforçaram o preconceito: o tamanho e a forma do crânio
dos negros, o peso de seu cérebro etc. "demonstravam" que se estava diante de uma raça de
baixa inteligência e emocionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição.
O contraste com os indígenas é nesse aspecto evidente. Estes contavam com leis
protetoras contra a escravidão, embora, fossem pouco aplicadas e contivessem muitas
ressalvas. O negro escravizado não tinha direitos, mesmo porque era considerado
juridicamente uma coisa e não uma pessoa.

Lembremos também o tratamento que era dado ao negro na legislação. O contraste


entre o indígena e o negro é nesse aspecto evidente, estes contavam com leis
protetoras contra a escravidão, embora estas fossem pouco aplicadas. O negro
escravizado não tinha direitos, mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa
e não uma pessoa (FAUSTO, 2006, apud FERREIRA, 2011, p. 26).

10 O MERCANTILISMO

Fonte: conhecimentocientifico.r7.com

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A forma pela qual, ao longo de alguns séculos, a Coroa portuguesa tratou de assegurar
os maiores ganhos do empreendimento colonial relaciona-se com as concepções de política
econômica vigentes na época, abrangidas pela expressão "mercantilismo". Falamos em
"concepções" no plural porque seria equivocado imaginar que houve uma política econômica
dos Estados europeus, sempre idêntica, entre os séculos XV e XVIII.
Ela variou muito, de país a país, de período a período, mas alguns traços essenciais
podem ser definidos. A doutrina mercantilista não era, em si mesma, uma teoria econômica
baseada em conceitos, mas um receituário de normas de política econômica. Foi a partir da
prática e para justificá-la que se chegou à formulação de uma teoria.
Tanto a prática como a teoria partiam do princípio de que não há ganho para um Estado
sem prejuízo de outro. Como alcançar o ganho? Atraindo para si a maior quantidade possível
do estoque mundial de metais preciosos e tratando de retê-lo. Isso deveria ser alcançado por
uma política de proteção dos produtos do país através de uma série de medidas: reduzir pela
tributação elevada, ou proibir a entrada de bens manufaturados estrangeiros e facilitar o
ingresso de matérias-primas; inversamente, proibir a saída de matérias-primas produzidas no
país e estimular a exportação de manufaturados quando estes concorressem vantajosamente
no mercado internacional.
Pelo conjunto de medidas, verifica-se que a política mercantilista pressupunha uma
ampla intervenção do Estado, seja assumindo diretamente certas atividades econômicas, seja
criando condições favoráveis a determinados grupos para alcançar os objetivos visados. Não
se tratava de uma política absurda, como poderia parecer por sua obsessão pelos metais
preciosos. Pelo contrário, era coerente com as possibilidades de ação dos Estados nacionais
em via de criação e crescimento, em um período no qual a moeda metálica tinha uma grande
importância para consolidar o Estado.

11 ESTADO E IGREJA

As duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam destinadas a organizar a
colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica. Embora se trate de instituições
distintas, naqueles tempos uma estava ligada à outra. Não existia na época, como existe hoje,
o conceito de cidadania, de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado,
independentemente da religião.
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A religião do Estado era a católica e os súditos, isto é, os membros da sociedade,
deviam ser católicos. Em princípio, houve uma divisão de trabalho entre as duas instituições.
Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia,
dotá-la de uma administração, desenvolver uma política de povoamento, resolver problemas
básicos, como o da mão-de-obra, estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir
entre Metrópole e Colônia.

Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do Estado por parte dos


colonizadores que se instalariam no Brasil, seja pela força, seja pela aceitação dessa
autoridade, ou por ambas as coisas.
O papel da Igreja se tornava relevante. Como tinha em suas mãos a educação das
pessoas, o "controle das almas" na vida diária, era um instrumento muito eficaz para
veicular a ideia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado.
Mas o papel da Igreja não se limitava a isso. Ela estava presente na vida e na morte
das pessoas, nos episódios decisivos do nascimento, casamento e morte.
O ingresso na comunidade, o enquadramento nos padrões de uma vida decente, a
partida sem pecado deste "vale de lágrimas" dependiam de atos monopolizados pela
Igreja: o batismo, a crisma, o casamento religioso, a confissão e a extrema unção na
hora da morte, o enterro em um cemitério designado pela significativa expressão
"campo-santo". (FAUSTO, 1995, apud DERRIDA, 2002, p. 79).

Na história do mundo ocidental, as relações entre Estado e Igreja variaram muito de


país a país e não foram uniformes no âmbito de cada país, ao longo do tempo. No caso
português, ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado através de um mecanismo
conhecido como padroado real. O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de
Roma ao Estado português, em troca da garantia de que a Coroa promoveria e asseguraria
os direitos e a organização da Igreja em todas as terras descobertas.
O rei de Portugal ficava com o direito de recolher o tributo devido pelos súditos da Igreja
conhecido como dízimo, correspondente a um décimo dos ganhos obtidos em qualquer
atividade. Cabia também à Coroa criar dioceses e nomear os bispos.

Muitos dos encargos da Coroa resultavam, pelo menos em tese, em maior


subordinação da Igreja, como é o caso da incumbência de remunerar o clero e construir
e zelar pela conservação dos edifícios destinados ao culto. Para supervisionar todas
essas tarefas, o governo português criou uma espécie de departamento religioso do
Estado: a Mesa da Consciência e Ordens. (FAUSTO, 2006, apud TEIXEIRA, 2010, p.
12).

O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado pelo fato de que a Companhia
de Jesus até a época do Marquês de Pombal (1750-1777) teve forte influência na Corte.

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Na Colônia, o controle sofreu outras restrições. De um lado, era muito difícil enquadrar
as atividades do clero secular - aquele que existe fora das ordens religiosas -, disperso pelo
território; de outro, as ordens religiosas conseguiram alcançar maior grau de autonomia.
A maior autonomia das ordens dos franciscanos, mercedários, beneditinos, carmelitas
e principalmente jesuítas resultou de várias circunstâncias. Elas obedeciam a regras próprias
de cada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da
colonização, como a indígena.
Além disso, na medida em que se tornaram proprietárias de grandes extensões de terra
e empreendimentos agrícolas, as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua
sobrevivência. Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja, quando
havia oportunidade, por um caminho individual. Exemplo célebre é o de alguns padres
participantes da Inconfidência Mineira, que se dedicavam a grandes lavouras, a trabalhos de
mineração, ao tráfico de escravos e diamantes.
A presença de padres pode ser constatada praticamente em todos os movimentos de
rebelião, a partir de 1789, prolongando-se após a independência do Brasil até meados do
século XIX. As razões dessa presença estão pouco estudadas. A rebeldia destes tinha origem
em sua extração social, nas dificuldades de ascensão na carreira, na atuação mais próxima à
população. De qualquer forma, seria engano estender a todo o clero essa característica de
rebeldia, visível, mas excepcional. Na atividade do dia a dia, silenciosamente e às vezes com
pompa, a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros, e de inculcar na
população a obediência aos seus preceitos, assim como aos preceitos do Estado.

12 AS INSTITUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

Vejamos em síntese quais foram as principais instituições e órgãos da administração


portuguesa no Brasil, a partir do governo geral. Antes, lembremos que não havia
especialização clara dos diferentes órgãos como hoje ocorre. Atividades executivas e
judiciárias, por exemplo, não estavam delimitadas.
Existiam autoridades que tanto realizavam tarefas de administrar como de julgar
questões surgidas entre as pessoas. Entre as figuras de cúpula, destacavam-se os
governadores de capitania, especialmente os das mais importantes. Acima deles, ficava o
governador-geral.
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A partir de 1763, quando a sede do governo foi transferida da Bahia para o Rio de
Janeiro, tornou-se comum a outorga ao governador-geral, pelo rei, do título de Vice-Rei e
Capitão-General do Mar e Terra do Estado do Brasil. Os vice-reis tinham extensas atribuições,
dispondo do conjunto das forças armadas. Representavam e encarnavam, à distância, a
pessoa do monarca português, o que não era pouco, em uma época de contatos e
comunicações difíceis.
Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores: o Militar, o da
Justiça e o da Fazenda. As forças armadas de uma capitania compunham-se da tropa de linha,
das milícias e dos corpos de ordenança. A primeira constituía um contingente regular e
profissional permanentemente em armas. Era quase sempre composta de regimentos
portugueses. Para completar os efetivos, as autoridades coloniais deveriam engajar gente
branca da Colônia. Mas como poucas pessoas queriam voluntariamente ingressar na tropa em
seus níveis mais baixos, as autoridades lançavam mão do recrutamento, que se tornou o
espantalho da população.

Na Bahia, por exemplo, em fins do século XVIII, logo que começava a ação violenta dos
agentes recrutadores, constatava-se a carestia dos gêneros alimentícios porque os
lavradores abandonavam as roças. As milícias eram tropas auxiliares, recrutadas, entre
os habitantes da Colônia, para serviço obrigatório e não-remunerado. Quase não se
apresentavam voluntários, e o método do recrutamento forçado, principalmente dos
pobres, aí imperava. Por último, existiam as ordenanças, formadas por todo o resto da
população masculina entre dezoito e sessenta anos, exceto os padres. (FAUSTO, 2006,
apud SILVA, 2012, p. 7).

Ao contrário das milícias, as ordenanças constituíam uma força local e para elas não
havia recrutamento. Sua atividade militar limitava-se a exercícios periódicos e a agir quando
surgissem na localidade tumultos ou outros acontecimentos extraordinários. Os órgãos de
Justiça, às vezes com funções administrativas, eram representados pelos vários juízes, entre
os quais se destacava o ouvidor da comarca, nomeado pelo soberano por três anos.
Para julgar recursos das decisões, existiam os Tribunais da Relação, presididos pelo
governador ou pelo vice-rei, a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro.
Por sua vez, o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar a realização de
despesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador de cada capitania.
As Câmaras Municipais, com sede nas vilas e nas cidades eram compostas de
membros natos, ou seja, não-eleitos, e de representantes eleitos. Votavam nas eleições, que
eram geralmente indiretas, os "homens bons", ou seja, proprietários residentes na cidade,

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excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros,
mulatos e cristãos-novos.
O campo de atividade das Câmaras Municipais variou muito. Nos primeiros tempos da
Colônia, Câmaras como as de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se de fato a
principal autoridade das respectivas capitanias, sobrepondo-se aos governadores e chegando
mesmo, em certos casos, a destituí-los. Posteriormente, seu poder diminuiu, refletindo a
concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa.
As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. Arrecadavam tributos,
nomeavam juízes, decidiam certas questões, julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias
verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio. Elas
foram controladas, sobretudo até meados do século XVII, pela classe dominante dos
proprietários rurais e expressavam seus interesses. As Câmaras de Belém e São Paulo, por
exemplo, procuraram garantir o direito de organizar expedições para escravizar os índios, e as
do Rio de Janeiro e Bahia muitas vezes estabeleceram moratória para as dívidas dos senhores
de engenho e combateram os monopólios comerciais.
Graças ao seu enraizamento na sociedade, as Câmaras Municipais foram o único órgão
que sobreviveu por inteiro e até se reforçou, após a Independência.

13 AS DIVISÕES SOCIAIS

Um princípio básico de exclusão distinguia determinadas categorias sociais, pelo menos


até uma carta-lei de 1773. Era o princípio de pureza de sangue. Impuros eram os cristãos
novos, os negros, mesmo quando livres, os índios em certa medida e as várias espécies de
mestiços. Eles não podiam ocupar cargos de governo, receber títulos de nobreza, participar
de irmandades de prestígio etc. A carta-lei de 1773 acabou com a distinção entre cristãos
antigos e novos, o que não quer dizer que daí para a frente o preconceito tenha se extinguido.
O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas. Mais profundo do que ele
era o corte que separava pessoas e não-pessoas, ou seja, gente livre e escravos,
considerados juridicamente coisa. A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à
etnia e à cor, pois escravos eram, em primeiro lugar, negros, depois, índios e mestiços. Toda
uma nomenclatura se aplicava aos mestiços, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos,

24
curibocas ou caboclos, nascidos da união entre branco e índio; os cafuzos, resultantes da
união entre negro e índio.
Convém distinguir, porém entre escravidão indígena e negra. Do início da colonização
até a extinção formal da escravidão indígena, houve índios cativos e os chamados forros ou
administrados. Estes eram índios que, após a captura, tinham sido colocados sob a tutela dos
colonizadores. Sua situação não era muito diversa dos cativos. Entretanto, se em geral a
situação do índio era muito penosa, não equivalia à do negro. A proteção das ordens religiosas
nos aldeamentos indígenas impôs limites à exploração pura e simples. A própria Coroa
procurou estabelecer uma política menos discriminatória. Um alvará de 1755, por exemplo,
chegou mesmo a estimular os casamentos mistos de índios e brancos, considerando tais
uniões sem "infâmia alguma". O mesmo alvará previa uma preferência em "empregos e
honras" para os descendentes dessas uniões e proibia que eles fossem chamados de
"caboclos" ou outros nomes semelhantes que pudessem ser "injuriosos". Tratamento muito
diferente recebiam as uniões de índio com negro. Por exemplo, o vice-rei do Brasil mandou
dar baixa do posto de capitão-mor a um índio, porque "se mostrara de tão baixos sentimentos
que casou com uma preta, manchando seu sangue com esta aliança e tornando-se assim
indigno de exercer o referido posto". A significativa presença de africanos e afro-brasileiros na
sociedade brasileira pode ser constatada pelos indicadores de população no fim do período
colonial. Negros e mulatos representavam cerca de 75% da população de Minas Gerais, 68%
de Pernambuco, 79% da Bahia e 64% do Rio de Janeiro. Apenas São Paulo tinha uma
população majoritariamente branca (56%). Cativos trabalhavam nos campos, nos engenhos,
nas minas, na casa-grande. Realizavam nas cidades tarefas penosas, no transporte de cargas,
de pessoas, de dejetos malcheirosos ou na indústria da construção. Foram também artesãos,
quitandeiros, vendedores de rua, meninos de recado etc.

As relações escravistas não se resumiram a um vínculo direto entre senhor e escravo,


sem envolver outras pessoas. Houve cativos alugados para a prestação de serviços a
terceiros e, nos centros urbanos, existiram os "escravos de ganho" - uma figura comum
no Rio de Janeiro dos primeiros decênios do século XIX. Os senhores permitiam que
os escravos fizessem seu "ganho", prestando serviços ou vendendo mercadorias e
cobravam deles, em troca, uma quantia fixa paga por dia ou por semana. Escravos de
ganho foram utilizados em pequena e em larga escala, de um único cativo até trinta ou
quarenta. Se a maioria deles exercia sua atividade nas ruas, caindo inclusive na
prostituição e na mendicância, com o assentimento de seus senhores, existiram
também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em lojas, ou operários.
(FAUSTO, 2006, apud TEIXEIRA, 2010, p. 14).

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Os negros libertos, sofriam a mesma descriminação de quando estavam trabalhando
como escravos. Pois para ele ficava praticamente os piores trabalhos eles tinham que suporta
isso, pois era uma maneira de se manter vivo e de se sustentar.
Nem mesmo entre os escravos deixaram de existir distinções, pois havia uma grande
diferença entre trabalha na casa-grande, trabalhar no campo ou trabalhar nas cidades, outras
distinções referiam-se à nacionalidade ou do tempo de permanência no país ou na cor da pele
“Boçal” era o cativo recém chegado da África, ignorante da língua e dos costumes, “ladino” o
que estava relativamente adaptado e falando e entendo o português, crioulo era nascido no
Brasil, os crioulos e mulatos eram preferidos para os serviços domésticos cabendo aos escuros
africanos os trabalhos mais árduos e pesados.
Além das distinções no âmbito da massa escrava, deve-se considerar que houve no
Brasil colonial um grande número de africanos ou afro-brasileiros livres ou libertos. Dados
referentes ao fim do período indicam que cerca de 42% da população negra ou mulata eram
constituídas por essa categoria. Sua condição era ambígua.
Considerados formalmente livres, voltavam na prática a ser escravizados de forma
arbitrária. Não podiam pertencer ao Senado da Câmara ou a prestigiosas irmandades leigas,
como a Ordem Terceira de São Francisco. Mesmo a liberdade de um ex-escravo podia ser
revogada, por atitudes de desrespeito para com seu antigo senhor.
A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando
seu modo de agir e de pensar. O desejo de ser dono de escravos, o esforço por obtê-los ia da
classe dominante ao modesto artesão branco das cidades. Houve senhores de engenho e
proprietários de minas com centenas de escravos, pequenos lavradores com dois ou três, lares
domésticos, nas cidades, com apenas um escravo.
O preconceito contra o negro ultrapassou o fim da escravidão e chegou modificado a
nossos dias. Até pelo menos a introdução em massa de trabalhadores europeus no centro-sul
do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como "coisa de negro".
Em teoria, as pessoas livres da Colônia foram enquadradas em uma hierarquia de
ordens (nobreza, clero e povo), uma característica do Antigo Regime. A transplantação desse
modelo, vigente em Portugal, teve pouco efeito prático no Brasil. Os títulos de nobreza foram
ambicionados pela elite branca, mas não existiu uma aristocracia hereditária. Os fidalgos eram
raros, e muita gente comum tinha pretensões a nobreza. A população livre e pobre abrangia
pessoas de condição diversa. Roceiros, pequenos lavradores, trabalhadores povoaram os

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campos; as poucas cidades reuniram vendedores de rua, pequenos comerciantes, artesãos.
Lembremos, de passagem, que esse quadro não foi estático.

14 MEIOS DE PRODUÇÃO E AS FORMAS DE TRABALHO UTILIZADAS PELA


INDÚSTRIA AÇUCAREIRA NO BRASIL COLONIAL

Fonte: infoescola.com

Os meios de trabalho e as técnicas que fizeram com que a plantation açucareira fosse
um sucesso estrondoso durante o século XVI e XVII é muito interessante para o estudo da
agricultura no Brasil. Analisando as técnicas utilizadas para o fabrico do açúcar e como
trabalhava a mão de obra, em sua maioria formada por escravos negros, desde o canavial,
passando pelo engenho, até o processo de encaixotamento para exportação do açúcar.
A pirâmide da sociedade açucareira colonial era dividida da seguinte maneira: os
senhores de Engenho ficavam no topo, visando sempre obter o maior lucro possível, através
da exportação, principalmente para a Europa, o grande comprador da época, tendo grande
poder e status nessa sociedade, e abaixo dos senhores de engenhos, ficavam seus familiares
e agregados.

“A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da


Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações
de açúcar”. (FREYRE, 1969, apud SILVA, 2019, p. 9).

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A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da
Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de
açúcar”. Consecutivamente, seus funcionários, que em geral era o capitão do mato e o feitor,
cuja sua principal função era controlar a classe escravista e puni-las caso tentassem fugir ou
desobedecer a qualquer ordem que lhes eram dadas. E abaixo de toda essa estrutura, vinham
os escravos, onde alguns, que tinham facilidade com as técnicas do engenho, conseguiam
algumas regalias, sendo considerado mestre do açúcar, já os outros tinham suas funções, fixas
ou revezadas.
Sendo fundamental para a produção do açúcar, os escravos faziam todo o trabalho
pesado, a plantação e a colheita do canavial, que ocorriam durante o dia, sendo as principais
tarefas relacionam ao campo, já que existiam outras como as limpezas de plantas que
prejudicariam a produção caso se alastrassem como a erva daninha, por exemplo, os trabalhos
no engenho não paravam em nenhum instante, exceto quando ocorresse algum problema, ou
para os reparos, e limpeza das moendas.

“[...]o trabalho em um engenho brasileiro era interrupto, sendo as tarefas pertinentes


aos canaviais realizadas durante o dia e as atividades da moenda feitas à noite. A
moenda ficava em funcionamento normalmente por dezoito a vinte horas, parando por
apenas algumas horas para a limpeza do mecanismo. ” (SCHWARTZ, 1988, apud
SILVA, 2019, p. 9).

Sem mão de obra escrava a indústria açucareira não existiria, pois era necessária muita
força física para o funcionamento dos engenhos, alguns engenhos baianos chegavam a ter
mais de trezentos escravos, o tráfico negreiro era bastante utilizado na época. Onde
inicialmente se produzia acima de três mil arrobas por ano, e consecutivamente com o
aumento da estrutura, passou-se a produzir mais de dez mil arrobas.
Percebendo que a utilização de indígenas como escravos não alavancaria a indústria
açucareira, percebemos o equívoco dos colonizadores, em achar que esse processo ocorreria
de forma natural como nas colônias africanas, a mão de obra dos índios foi útil para a
exploração do pau-brasil, massa não tinha a mesma eficácia na agricultura. Os donatários
quando tomavam posse de suas capitanias hereditárias, tinha o direito de escravizar os
nativos, porem ao perceberem a carência da produção indígena, eles se viram designados a
comprar negros para a execução do trabalho.
Ao contrário dos engenhos de outras ilhas colonizadas pelos portugueses, o Brasil não
pode construir engenhos de pequeno porte, pelo ambiente nada favorável em questão de
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ameaças dos nativos, sem esquecer que esse foi um dos motivos para a importação do
trabalho escravo africano. Outro fator que resultava em bastantes dificuldades para os
escravos era o transporte das caixas de açúcar para o porto, já que geralmente os engenhos
se localizavam nas matas próximos aos rios. Para a chegada do açúcar até o porto existiam
dois métodos para a locomoção, um deles era o marítimo, onde os engenhos que ficavam em
áreas litorais utilizavam esse meio, onde, em geral os escravos que faziam esse serviço, se
colocavam as caixas em pequenos barcos e navegavam até o porto. Já para os engenhos
distantes da zona litorânea, se usava carros de boi para o trajeto. Era necessária a mão de
obra escrava em praticamente tudo para manter esse mercado funcionando no Brasil colonial.
O açúcar do Brasil colonial era reconhecido internacionalmente, e cobiçado por diversas
potências econômicas da época, como as ocupações holandesas em 1621 na Bahia, onde os
holandeses não obtiveram sucesso e foram rapidamente expulsos pelos colonos. E a outra
invasão holandesa, ocorreu em Pernambuco no ano de 1630, dessa vez, bem-sucedida, onde
os holandeses conseguiram seu objetivo principal, que foi obter lucro com a indústria do
açúcar. Mesmo com algumas revoltas da população devido aos altos impostos cobrados pela
Holanda, eles ocuparam o território até 1654. Esse período de ocupação holandesa foi
fundamental para o desenvolvimento do açúcar em outras áreas, onde ouve uma transmissão
das técnicas do fabrico do açúcar aprendido aqui pelos holandeses durante o período de
ocupação na colônia de Portugal para as colônias inglesas e as francesas e com isso os
números de escravos cresceram nessa região, pois era necessária uma mão de obra que
suportasse fisicamente as necessidades para iniciar uma produção que daria início a um
comércio açucareiro que competisse com as colônias portuguesas.
Esse núcleo formado pelos senhores de engenho sendo proprietário de um terreno, e
sua mão de obra sendo totalmente escrava era natural no Brasil colonial, assim que a indústria
do açúcar começou a deslanchar. Os proprietários levavam prejuízos caso alguma fermenta
para o funcionamento estragasse, como a moenda, por exemplo. Além de imprevistos que
ocorriam no funcionamento das maquinas, o calendário religioso os obrigava a parar o serviço
na colheita às vezes. Esse era um ponto de discordância entre a igreja e os senhores, que
obvio, criavam um jeito para burlar essa lei e evitar que isso acontecesse. A importância em
manter os engenhos em funcionamento era tão grande nesse processo de transformação da
cana-de-açúcar em pães de açúcar que eram exportados para a Europa, que nem em caso de

29
acidente com algum escravo o seu funcionamento era interrompido. Já que além de ser
cansativo, ele colocava em risco o corpo do escravo por ser muito inseguro.

Os cativos realizavam um grande número de tarefas, sendo concentrados em sua


maioria nos pesados trabalhos do campo. A situação de quem trabalhava na moenda,
nas fornalhas e nas caldeiras podia ser pior. Não era incomum que escravos perdessem
a mão ou o braço na moenda. Muitos observadores que escreveram sobre os engenhos
brasileiros notaram a existência de um pé-de-cabra e uma machadinha próximos à
moenda para, no caso de um escravo ser apanhado pelos tambores, estes serem
separados e a mão ou braço amputado, salvando-se a máquina de maiores estragos.
(FAUSTO, 1996, apud SILVA, 2019, p. 9).

O sucesso da plantation no Nordeste é evidente, mas não é a única região especifica


que essa atividade se tornou lucrativa, na região Fluminense por exemplo, temos um
reconhecimento grande por parte dos portugueses de que a produção era estrondosa, o vice-
rei do Brasil pediu no ano de 1778 que os produtores de açúcar de Goytacazes, parasse sua
fabricação, pois a maioria dos transportes estavam sendo deslocado para tal, e atrapalhava a
capital, devido a limitação de cargas por viagem dos navios. Esse sistema de patriarcado, onde
o senhor controlava todas as ações em suas terras, foi mui eficaz no período colonial para seu
enriquecimento através da produção do açúcar, mas suas influências, são bem mais profundas
em nossa sociedade, a população brasileira tem bases no sistema da plantation brasileira
colonial, onde o Brasil se formou como um país agrícola, enraizado em um sistema de
exploração, formação genética hibrida, porém com preconceitos.

30
15 OURO E DIAMANTES

Fonte: megacurioso.com.br

Em suas andanças pelos sertões, os paulistas iriam afinal realizar velhos sonhos e
confirmar um raciocínio lógico. O raciocínio continha uma pergunta: se a parte do continente
que pertencia à América espanhola era rica em metais preciosos, por que estes não existiriam
em abundância também na colônia lusa? Em 1695, no Rio das Velhas, próximo às atuais
Sabará e Caeté, ocorreram as primeiras descobertas significativas de ouro. A tradição associa
a essas primeiras descobertas o nome de Borba Gato, genro de Fernão Dias. Durante os
quarenta anos seguintes, foi encontrado ouro em Minas Gerais, na Bahia, Goiás e Mato
Grosso.
Ao lado do ouro, surgiram os diamantes, cuja importância econômica foi menor,
descobertos no Serro Frio, norte de Minas, por volta de 1730. A exploração de metais preciosos
teve importantes efeitos na Metrópole e na Colônia. Na Metrópole, a corrida do ouro provocou
a primeira grande corrente imigratória para o Brasil. Durante os primeiros sessenta anos do
século XVIII, chegaram de Portugal e das ilhas do Atlântico cerca de 600 mil pessoas, em
média anual de 8 a 10 mil, pessoas das mais variadas condições, desde pequenos
proprietários, padres, comerciantes, até prostitutas e aventureiros.

A mineração produziu uma rápida concentração de populações em zonas pouco férteis,


provocando uma grande procura de alimentação e crises terríveis de fome. Como
solução, os mineradores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais passaram a ser

31
abastecidos com reses dos criadores do vale do São Francisco e sertões do Nordeste.
(SIMONSEN, 1937, apud PEDROSA, 2015, p. 3).

Por outro lado, os metais preciosos vieram aliviar momentaneamente os problemas


financeiros de Portugal. Na virada do século XVIII, a dependência lusa com relação à Inglaterra
era um fato consumado. Para ficar em um exemplo apenas, o Tratado de Methuen, firmado
pelos dois países em 1703, indica a diferença entre um Portugal agrícola, de um lado, e uma
Inglaterra em pleno processo de industrialização, de outro. Portugal obrigou-se a permitir a
livre entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu território, enquanto a Inglaterra
comprometeu-se a tributar os vinhos portugueses importados com redução de um terço do
imposto pago por vinhos de outras procedências.
É bom lembrar que a comercialização do vinho do Porto estava nas mãos dos próprios
ingleses. O desequilíbrio da balança comercial entre Portugal e Inglaterra foi, por muitos anos,
compensado pelo ouro vindo do Brasil. Os metais preciosos realizaram assim um circuito
triangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas;
outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750),
em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra;
a terceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos
britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra.

15.1 A coroa e o controle das minas

A extração de ouro e diamantes deu origem à intervenção regulamentadora mais ampla


que a Coroa realizou no Brasil. O governo português fez um grande esforço para arrecadar os
tributos. Tomou também várias medidas para organizar a vida social nas minas e em outras
partes da Colônia, seja em proveito próprio, seja no sentido de evitar que a corrida do ouro
resultasse em caos. Na tentativa de reduzir o contrabando e aumentar suas receitas, a Coroa
estabeleceu formas de arrecadação dos tributos que variaram no curso dos anos.

De um modo geral, houve dois sistemas básicos: o quinto e o da capitação. O primeiro


consistia na determinação de que a quinta parte de todos os metais extraídos devia
pertencer ao rei. O quinto de ouro era deduzido do ouro em pó ou pepitas levado as
casas de fundição. A capitalização, lançada pela Coroa em busca de maiores rendas,
em substituição ao quinto, era bem mais abrangente. Ela consistia, quanto aos
mineradores, em um imposto cobrado por cabeça de escravo, produtivo ou não, de sexo
masculino ou feminino, maior de doze anos. Os faiscadores, ou seja, os mineradores
sem escravos, também pagavam impostos por cabeça, no caso sobre si mesmo. Além

32
disso, o tributo era cobrado sobre estabelecimentos, como oficinas, lojas, hospedarias,
matadouros, etc. (BÓRIS apud LINS, 2000, pag.26)

Nos primeiros tempos da atividade mineradora, a Câmara de São Paulo reivindicou,


junto ao rei de Portugal, que somente aos moradores da Vila de São Paulo, a quem se devia
a descoberta do ouro, fossem dadas concessões de exploração do metal. Os fatos se
encarregaram de demonstrar a inviabilidade do pretendido, diante do grande número, não só
de portugueses, mas também de brasileiros, sobretudo baianos, que chegava à região das
minas. Disso resultou a guerra civil conhecida como Guerra dos Emboabas (1708-1709),
opondo paulistas de um lado, estrangeiros e baianos de outro.
Os paulistas não tiveram êxito na sua pretensão, mas conseguiram que se criasse a
Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, separada do Rio de Janeiro (1709), e a elevação da
Vila de São Paulo à categoria de cidade (1711). Em 1720, Minas Gerais se tornaria uma
capitania separada.
Se os paulistas não conseguiram o monopólio das minas, a Coroa procurou evitar que
elas se transformassem em território livre. Tentou impedir o despovoamento de Portugal,
estabelecendo normas para a emigração. A entrada de frades foi proibida e uma ordem regia
ao governador da capitania determinou a prisão de todos os religiosos que nela estivessem
"sem emprego ou licença”. Desde as primeiras explorações, os frades eram suspeitos de
contrabando. Um documento da época dizia ser "grande a multidão de frades que sobem às
minas e que sobre não quitarem seu ouro ensinam e ajudam os seculares a que façam o
mesmo".
Os ourives foram também muito visados pela própria natureza de sua profissão, sendo
obrigados a renunciar a ela sob pena de serem expulsos das áreas de mineração. Outros
esforços da Coroa buscaram impedir um grande desequilíbrio entre a região das minas e
outras regiões do país. Foi proibida a exportação interna, da Bahia para as minas, de
mercadorias importadas de Portugal; tomaram-se medidas no sentido de assegurar o
suprimento de escravos para o Nordeste, estabelecendo-se cotas de entrada de cativos na
região mineira.
Arrecadar impostos e organizar a sociedade das minas foram os dois objetivos básicos
da administração portuguesa, relacionados aliás entre si. Para isso, era necessário estabelecer
normas, transformar acampamentos de garimpeiros em núcleos urbanos, criar um aparelho
burocrático com diferentes funções.

33
Em 1711, o governador de São Paulo e Minas elevou os acampamentos de Ribeirão do
Carmo, Ouro Preto e Sabará à condição de vila. Depois, vieram Caeté, Pitangui, São João Del
Rei e outros. Ribeirão do Carmo foi a primeira vila a se transformar em cidade, recebendo o
nome de Mariana (1745). Na tentativa de assegurar "a lei e a ordem", a Coroa criou juntas de
julgamento e nomeou ouvidores. Estes foram muitas vezes incumbidos não só de julgar
questões como de supervisionar a arrecadação do quinto do ouro, tarefa que, em princípio,
devia caber ao provedor mor.
Para controlar escravos, escoltar o transporte do ouro e reprimir distúrbios vieram de
Portugal para Minas Gerais, em 1719, duas companhias de Dragões, forças militares
profissionais. Criaram-se também milícias para enfrentar casos de emergência, lideradas por
brancos e compostas não só de brancos como de negros e mulatos livres.
As grandes distâncias, a corrupção das autoridades locais, a posição dessas
autoridades entre a Coroa e o mundo da Colônia, os conflitos de atribuição dos funcionários
foram alguns dos fatores que dificultaram a ação do governo português. Além disso, seria
equivocado pensar que as diretrizes provenientes de Lisboa representassem um todo
coerente. Dúvidas, demoras, mudanças de rumo contribuíram para introduzir uma grande
distância entre as intenções e a realidade.

16 A CRISE DO SISTEMA COLONIAL

Alguns fatos significativos balizaram as transformações do mundo ocidental, a partir de


meados do século XVIII. Em 1776, as colônias inglesas da América do Norte proclamaram sua
independência. A partir de 1789, a Revolução Francesa pôs fim ao Antigo Regime na França,
o que repercutiu em toda a Europa, inclusive pela força das armas. Ao mesmo tempo, ocorria
na Inglaterra uma revolução silenciosa, sem data precisa, tão ou mais importante do que as
mencionadas, que ficou conhecida como Revolução Industrial. A utilização de novas fontes de
energia, a invenção de máquinas, principalmente para a indústria têxtil, o desenvolvimento
agrícola, o controle do comércio internacional são fatores que iriam transformar a Inglaterra na
maior potência mundial da época.

Crise do sistema colonial é, portanto, aqui entendida como o conjunto de tendências


políticas e econômicas que forcejavam no sentido de distender ou mesmo desatar os
laços de subordinação que vinculavam as colônias ultramarinas às metrópoles
europeias. (NOVAIS, 1981, apud GOMES, 2016, p. 58).
34
Na busca pela ampliação dos mercados, os ingleses impõem ao mundo o livre comércio
e o abandono dos princípios mercantilistas, ao mesmo tempo que tratam de proteger seu
próprio mercado e o de suas colônias com tarifas protecionistas. Em suas relações com a
América espanhola e portuguesa, abrem brechas cada vez maiores no sistema colonial, por
meio de acordos comerciais, contrabando e aliança com os comerciantes locais.
O mundo colonial é afetado também por outro fator importante: a tendência a limitar ou
a extinguir a escravidão, manifestada pelas maiores potências da época, ou seja, a Inglaterra
e a França. É comum ligar-se essa tendência ao interesse britânico em ampliar mercados
consumidores, a partir da vantagem obtida sobre os concorrentes com a Revolução Industrial.
Entretanto, essa afirmação contém apenas uma parte da verdade. A ofensiva antiescravista
decorre também dos novos movimentos nascidos nos países mais avançados da Europa, sob
a influência do pensamento ilustrado e mesmo religioso, como é o caso da Inglaterra.
Acrescente-se a isso, no caso francês, a insurreição de negros libertos e escravos nas
Antilhas.
Em fevereiro de 1794, a França revolucionária decretou o fim da escravidão em suas
colônias; a Inglaterra faria o mesmo em 1807. Lembremos, porém, quanto à França, que
Napoleão revogou a medida em 1802. Essas iniciativas contrastaram com as tomadas pelos
colonos americanos após a independência dos Estados Unidos em 1776. Apesar do caráter
liberal e anticolonialista da revolução, os interesses dos grandes proprietários rurais
predominaram: a escravidão só foi extinta em alguns Estados do Norte, onde os cativos tinham
pouca significação econômica.

17 A ADMINISTRAÇÃO POMBALINA

Em meados do século XVIII, Portugal era um país atrasado, com relação às grandes
potências europeias. Dependia da Inglaterra, de quem em troca recebia proteção diante da
França e da Espanha. Ainda assim, a monarquia lusa procurava manter o sistema colonial e
limitar a crescente presença inglesa no Brasil. Um marco importante nesse período é o da
ascensão de Dom José I ao trono, em 1750. Não propriamente pelo rei, mas por seu ministro
Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal.
Até sua indicação para o ministério, com mais de cinquenta anos, Pombal tivera uma
carreira relativamente obscura como representante de Portugal na Inglaterra e diplomata na
35
Corte austríaca. Sua obra, realizada ao longo de muitos anos (1750-1777), representou um
grande esforço no sentido de tornar mais eficaz a administração portuguesa e introduzir
modificações no relacionamento Metrópole-Colônia.
A reforma constituiu uma peculiar mistura do velho e do novo, explicável pelas
características de Portugal. Ela combinava o absolutismo ilustrado com a tentativa de uma
aplicação consequente das doutrinas mercantilistas. Essa fórmula geral se concretizou em
uma série de medidas.
De acordo com as concepções do mercantilismo, Pombal criou duas companhias
privilegiadas de comércio - a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755)
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759). A primeira tinha por objetivo
desenvolver a região Norte, oferecendo preços atraentes para mercadorias aí produzidas e
consumidas na Europa, como o cacau, o cravo, a canela, o algodão e o arroz, transportadas
com exclusividade nos navios da companhia. Introduziu também escravos negros que, dada a
pobreza regional, foram na sua maior parte reexportados para as minas de Mato Grosso.

Sendo notorio a V. Magestade, que de presente naõ ha neste Reyno naos de guerra,
que a Companhia possa comprar, nem de fóra se poderião mandar vir com a brevidade,
e boa construçaõ competentes: E naõ lhe sendo occultos, nem os encargos, que a
mesma Companhia toma sobre si exonerando a Coroa dos Comboyos das Frotas
daquelle Estado, e da guarda das suas costas, nem os grandes gastos, e despezas,
que a mesma Companhia será obrigada a fazer nestes principios, assim em navios, e
aprestos delles, como nas suas cargas: se serve V. Magestade de lhe fazer mercê, e
doação por esta vez sómente de duas Fragatas de Guerra; huma de quarenta até
cincoenta peças, outra de trinta até quarente para os Comboyos, e successivo serviço
da mesma Companhia (Portugal, 1755, apud LVES, 2013, p. 17).

A segunda companhia buscou reativar o Nordeste dentro da mesma linha de atuação.


A política pombalina prejudicou setores comerciais do Brasil marginalizados pelas companhias
privilegiadas, mas não teve por objetivo perseguir a elite colonial. Pelo contrário, colocou
membros dessa elite nos órgãos administrativos e fiscais do governo, na magistratura e nas
instituições militares.
O programa econômico de Pombal foi em grande medida frustrado porque, em meados
do século XVIII, a Colônia entrou em um período de depressão econômica que se prolongou
até o fim da década de 1770. As principais causas da depressão foram a crise do açúcar e, a
partir de 1760, a queda da produção de ouro. Ao mesmo tempo que as rendas da Metrópole
caíam, cresciam as despesas extraordinárias destinadas a reconstruir Lisboa, destruída por
um terremoto em 1755, e a sustentar as guerras contra a Espanha, pelo controle da extensa

36
região que ia do sul de São Paulo ao Rio da Prata. Pombal tentou coibir o contrabando de ouro
e diamantes e tratou de melhorar a arrecadação de tributos.
Em Minas Gerais, o imposto de capitação foi substituído pelo antigo quinto do ouro, com
a exigência de que deveria render anualmente pelo menos cem arrobas do metal. Depois de
uma série de falências, a Coroa se incumbiu de explorar diretamente as minas de diamante
(1771). Ao mesmo tempo, procurou tornar a Metrópole menos dependente das importações
de produtos industrializados, incentivando a instalação de manufaturas em Portugal e mesmo
no Brasil. Uma das medidas mais controvertidas da administração pombalina foi a expulsão
dos jesuítas de Portugal e seus domínios, com confisco de bens (1759). Essa medida pode
ser compreendida no quadro dos objetivos de centralizar a administração portuguesa e impedir
áreas de atuação autônoma por ordens religiosas cujos fins eram diversos dos da Coroa. Além
dos jesuítas, em meados da década de 1760, os mercedários - segunda ordem em importância
na Amazônia - foram expulsos da região e tiveram suas propriedades confiscadas. Mas o alvo
principal foi a Companhia de Jesus, acusada de formar "um Estado dentro do Estado".
No Brasil, a consolidação do domínio português nas fronteiras do Norte e do Sul
passava, segundo Pombal, pela integração dos índios à civilização portuguesa. Se não se
contasse com uma população nascida no Brasil identificada com os objetivos lusos, seria
inviável assegurar o controle de vastas regiões semidespovoadas. Daí a adoção de uma série
de medidas com relação aos indígenas. A escravidão dos índios foi extinta em 1757; muitas
aldeias na Amazônia foram transformadas em vilas sob administração civil; a legislação
incentivou os casamentos mistos entre brancos e índios.

Em 1757, Marquês de Pombal, ministro de D. José I, criou o Diretório dos Índios, para
regulamentar o trabalho compulsório, substituindo o poder temporal dos missionários
sobre os índios, através do governo de um diretor responsável pela repartição. Produziu
“um manual de civilização que é essencialmente de habilitação ao trabalho para o
branco” (ALMEIDA, 1997, apud Ramos, 1999, p.6).

Essa política de assimilação se chocava com o paternalismo jesuíta, sendo um ponto


central de conflito. Ao mesmo tempo, os jesuítas espanhóis eram acusados de fomentar uma
rebelião indígena na região de Sete Povos das Missões do Uruguai, contra a entrega daquele
território aos portugueses - a chamada Guerra dos Guaranis, que durou de 1754 a 1756. As
extensas propriedades da Companhia de Jesus eram cobiçadas por parte dos membros da
elite colonial e da própria Coroa. A maioria das propriedades urbanas e rurais confiscadas aos

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jesuítas foi arrematada em leilão por grandes fazendeiros e comerciantes. Suas maiores
igrejas passaram para as mãos dos bispos não integrados nas ordens religiosas.
Muitos dos colégios da companhia se transformaram em palácios de governadores ou
hospitais militares. No todo, houve um grande desperdício, em especial de bens culturais,
como as bibliotecas, que foram consideradas coisa de pouco valor. A expulsão da ordem abriu
um vazio no já pobre ensino da Colônia.

A Coroa portuguesa, ao contrário da espanhola, temia a formação na própria Colônia


de uma elite letrada. Já no século XVI, a Espanha criou na América várias
universidades: a de São Domingos, em 1538, e as de São Marcos, em Lima, e da
Cidade do México, em 1551. Nada disso ocorreu na América lusa, durante todo o
período colonial. Aliás, praticamente a mesma coisa aconteceu com a imprensa, que
surgiu nas maiores cidades coloniais da América espanhola também no século XVI.
Enquanto isso, ressalvando-se uma oficina gráfica aberta em 1747 no Rio de Janeiro e
logo depois fechada por ordem real, a imprensa no Brasil só nasceria no século XIX,
com a vinda de Dom João VI. (BORIS,2000, apud RICCIARDI, 2019, p. 24).

Para remediar os problemas criados com a expulsão dos jesuítas na área do ensino, a
Coroa tomou algumas medidas. Foi criado um imposto especial, o subsídio literário - para
sustentar o ensino promovido pelo Estado.
O bispo de Pernambuco criou o seminário de Olinda, que se voltou em parte para as
ciências naturais e a matemática. Pequenos clubes de intelectuais surgiram no Rio de Janeiro
e na Bahia. As medidas de Pombal contra as ordens religiosas faziam parte de uma política
de subordinação da Igreja ao Estado português. Este tratou porem de evitar conflitos diretos
com o papa. A Igreja, por sua vez, aceitou a expulsão dos jesuítas. Mais do que isso, em 1773,
o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus, convencido de que ela trazia mais
problemas do que vantagens. A ordem dos jesuítas só voltaria a existir em 1814.

38
18 A INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Fonte: brasilescola.uol.com.br

O movimento “Inconfidência Mineira” tem relação direta com todos os aspectos da


história de Minas: econômica, política e cultural. Tem suas raízes econômicas no ouro e
diamantes descobertos nestas terras e políticas na truculência do regime colonial absolutista
de Portugal, na exploração e arrecadação de impostos sobre esse ouro. As raízes culturais
também estão ligadas ao ouro, pois os “mineiros” puderam se dar conta da opressão exercida
pela Metrópole, exatamente porque de Coimbra trouxeram ideais liberais, embora muito mais
pelo contato com outros estudantes europeus do que através do ensino obtido na Universidade
de Portugal.

Em 1787, dentre os dezenove estudantes brasileiros matriculados na Universidade de


Coimbra, dez eram de Minas. Coimbra era um centro conservador mas ficava na
Europa, o que facilitava o conhecimento das ideias e a aproximação com as
personalidades da época[...]como Thomaz Jefferson embaixador dos Estados Unidos
em 1786. (FAUSTO, 2002, apud SOUZA, 2006, p.43).

Da história pessoal dos inconfidentes mineiros, constata-se que tinham como razão para
o descontentamento, além do ideal de liberdade na economia e na política, um outro motivo
relevante: o da conservação da distinção. Fausto dá a seguinte informação sobre estes
inconfidentes:

Todos eles tinham vínculos com as autoridades coloniais na capitania. [...] O


entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com a

39
chegada a Minas do governador Luís da Cunha Meneses em 1782. Meneses
marginalizou os membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de amigos.
(FAUSTO, 2002, apud SOUZA, 2006, p.43).

Ao lado disso, nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrara em
uma fase de declínio, marcada pela queda contínua da produção de ouro e pelas medidas da
Coroa no sentido de garantir a arrecadação do quinto.
Analisando um pouco a história pessoal dos inconfidentes, veremos que tinham também
razões específicas de descontentamento. Em sua grande maioria, eles constituíam um grupo
da elite colonial, formado por mineradores, fazendeiros, padres envolvidos em negócios,
funcionários, advogados de prestígio e uma alta patente militar, o comandante dos Dragões,
Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos com as autoridades
coloniais na capitania e, em alguns casos (Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga),
ocupavam cargos na magistratura.
José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte, uma exceção. Desfavorecido pela
morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e
tentara sem êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de alferes, o grau
inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o
apelido algo depreciativo de Tiradentes.
O entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com
a chegada a Minas do governador Luís da Cunha Meneses, em 1782. Cunha Meneses
marginalizou os membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de amigos.
Embora não pertencesse à elite, o próprio Tiradentes se viu prejudicado, ao perder o comando
do destacamento dos Dragões que patrulhava a estratégica estrada da Serra da Mantiqueira.
A situação agravou-se em toda a região mineira com a nomeação do Visconde de
Barbacena para substituir Cunha Meneses. Barbacena recebeu do ministro português Melo e
Castro instruções no sentido de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas de
ouro. Para completar essa quota, o governador poderia se apropriar de todo o ouro existente
e, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um imposto a ser pago por cada
habitante da capitania. Recebeu ainda instruções no sentido de investigar os devedores da
Coroa e os contratos realizados entre a administração pública e os particulares.
A situação se agrava ainda mais com a nomeação do Visconde Barbacena em
substituição a Meneses, por fim de mandato. Às ordens para investigar todos os
contratos firmados entre a coroa e particulares, soma-se a possibilidade de o Visconde

40
lançar a “derrama”, um tributo a mais a ser pago por todos os habitantes da capitania
(FAUSTO, 2002, apud BOTTON, 2009, p. 37).

As instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a capitania e mais diretamente
sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores devedores da Coroa. Essas dívidas
originavam, muitas vezes, de contratos feitos com o governo português para arrecadar
impostos. Na época colonial, era comum conceder essa função pública a particulares com
boas relações na administração. Eles pagavam uma quantia à Coroa pelo direito de cobrar os
impostos, ganhando a diferença entre esse pagamento e o que conseguiam arrecadar. Mas,
frequentemente, os contratadores nem sequer chegavam a completar o pagamento à Coroa,
daí resultando dívidas que iam se acumulando.
Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos últimos meses de
1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não chegaram, porém, a pôr
em prática seus planos. Em março de 1789, Barbacena decretou a suspensão da derrama,
enquanto os conspiradores eram denunciados por Silvério dos Reis. Devedor da Coroa como
vários dos inconfidentes, Silvério dos Reis estivera próximo destes, mas, optara por livrar-se
de seus problemas denunciando o movimento. Seguiram-se as prisões em Minas e a de
Tiradentes no Rio de Janeiro.
O longo processo realizado na capital da Colônia só terminou a 18 de abril de 1792. A
partir daí, começou uma grande encenação da Coroa, buscando mostrar sua força e
desencorajar futuras rebeldias. Só a leitura da sentença durou dezoito horas! Tiradentes e
vários outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois, uma carta de clemência
da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em banimento, ou seja, expulsão do
Brasil, com exceção do caso de Tiradentes. Na manhã de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi
enforcado num cenário típico das execuções no Antigo Regime. Entre os ingredientes desse
cenário se incluíam a presença da tropa, discursos e aclamações à rainha. Seguiram-se o
esquartejamento do corpo e a exibição de sua cabeça, na praça principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes? A resposta não é simples, pois a maioria das fontes
à nossa disposição é constituída do que disseram os réus e as testemunhas no processo
aberto pela Coroa, no qual se decidia, literalmente, uma questão de vida ou morte.
Aparentemente, a intenção da maioria era a de proclamar uma República, tomando como
modelo a Constituição dos Estados Unidos.

41
(...) tinham em vista a Independência Global do Brasil, não tendo jamais passado por
seus planos a hipótese de formar uma república somente em Minas Gerais. A
documentação existente permite afirmar que o plano era iniciar a revolta por Minas,
estendê-la ao Rio de Janeiro (garantindo a vital saída para o mar) e em seguida às
demais capitanias. (JARDIM, 1972, apud FURTADO, 2001, p. 348).

O poeta e ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga governaria durante os primeiros três


anos e depois disso haveria eleições anuais. O Distrito Diamantino seria liberado das restrições
que pesavam sobre ele; os devedores da Coroa, perdoados; a instalação de manufaturas,
incentivada. Não haveria exército permanente. Em vez disso, os cidadãos deveriam usar
armas e servir, quando necessário, na milícia nacional.
O ponto mais interessante das muitas medidas propostas é o da libertação dos
escravos, que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de rebeldia não só do
Brasil Colônia como do Brasil independente. De um lado, no plano ideológico, é
incompreensível que um movimento pela liberdade mantivesse a escravidão; de outro, no
plano dos interesses, como é que membros da elite colonial, dependentes do trabalho escravo,
iriam libertá-los? Essa contradição surge no processo dos inconfidentes, mas é bom ressalvar
que nem sempre depoimentos derivados de interesses pessoais predominaram nas
declarações. Alvarenga Peixoto, um dos maiores senhores de escravos entre os conjurados,
defendeu a liberdade dos cativos, na esperança de que eles assim se tornassem os maiores
defensores da República. Outros, como Alvares Maciel, achavam, pelo contrário, que sem
escravos não haveria quem trabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se
a uma solução de compromisso, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no
Brasil.
A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos históricos de alcance
aparentemente limitado podem ter impacto na história de um país. Como fato material, o
movimento de rebeldia não chegou a se concretizar, e suas possibilidades de êxito, apesar do
envolvimento de militares e contatos no Rio de Janeiro, eram remotas. Sob esse aspecto, a
Revolução de 1817, que a partir de Pernambuco se espraiou por uma grande área do
Nordeste, teve maior importância. Mas a relevância da Inconfidência deriva de sua força
simbólica: Tiradentes transformou-se em herói nacional, e as cenas de sua morte, o
esquartejamento de seu corpo, a exibição de sua cabeça passaram a ser evocadas com muita
emoção e horror nos bancos escolares. Isso não aconteceu da noite para o dia e sim através
de um longo processo de formação de um mito que tem sua própria história. Em um primeiro

42
momento, enquanto o Brasil não se tornou independente, prevaleceu a versão dos
colonizadores.
A própria expressão "Inconfidência Mineira", utilizada na época e que a tradição
curiosamente manteve até hoje, mostra isso. "Inconfidência" é uma palavra com sentido
negativo que significa falta de fidelidade, não observância de um dever, especialmente com
relação ao soberano ou ao Estado. Durante o Império, o episódio incomodava, pois, os
conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de governo. Além disso, os dois
imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta da Rainha Dona Maria, responsável
pela condenação dos revolucionários. A proclamação da República favoreceu a projeção do
movimento e a transformação da figura de Tiradentes em mártir republicano. Existia uma base
real para isso.
Há indícios de que o grande espetáculo, montado pela Coroa portuguesa para intimidar
a população da Colônia, causou efeito oposto, mantendo viva a memória do acontecimento e
a simpatia pelos inconfidentes. A atitude de Tiradentes, assumindo toda a responsabilidade
pela conspiração, a partir de certo momento do processo, e o sacrifício final facilitaram a
mitificação de sua figura, logo após a proclamação da República. O 21 de abril passou a ser
feriado, e Tiradentes foi cada vez mais retratado com traços semelhantes às imagens mais
divulgadas de Cristo. Assim se tornou um dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir
não só pela direita e pela esquerda como pelo povo da rua.

19 A INDEPENDÊNCIA

Fonte: gentedeopiniao.com.br
43
D. João nasceu em 13 de maio de 1767, no Palácio Real da Ajuda. Era o segundo filho
da rainha D. Maria I e de D. Pedro III. Como era o segundo filho homem, pouco se sabe sobre
sua educação, tendo em vista que a prioridade das instruções era do primogênito.

[...] em Portugal as ideias iluministas entraram lentamente e não fizeram parte da


formação de d. João, que preferia muito mais as artes ao debate das ideias políticas.
D. João possuía hábitos similares ao do seu pai, d. Pedro III. Era religioso e apreciava
a música barroca. Vivia no Palácio de Queluz, num idílio e bucólico que os jardins da
propriedade ofereciam. (ASSUNÇÃO, 2008, apud CICHOSKI, 2010, p. 20).

Parte importante da sua vida foi a definição do casamento com a infanta d. Carlota
Joaquina de Bourbon, no dia 27 de março de 1785, em Madri, por procuração, tendo a
cerimônia de oficialização do casamento ocorrido no dia 9 de junho, em Lisboa. Essa medida
era estratégica para a confirmação dos laços entre as coroas dos dois países, objetivando
perpetuar o mutuo interesse. Os esforços foram tão grandes nesse sentido que uma irmã de
D. João também se casou com um infante espanhol.
A grande mudança na vida do infante D. João ocorre no ano de 1788 com a morte do
seu irmão, o príncipe da Beira, D. José de Bragança, no dia 11 de setembro, passando D. João
a ser o sucessor da coroa, deixando de ser infante para se tornar príncipe do Brasil. A partir
de 1791 D. Maria I começa a apresentar problemas de saúde, sendo que em 10 de fevereiro
de 1792, D. João assume a regência que se confirmaria de forma absoluta no dia 13 de julho
de 1799 quando uma junta médica diagnostica a impossibilidade de recuperação da rainha.
O período era pouco favorável a tomada do poder por parte de um príncipe inepto as
atividades governamentais. Portugal estava em estado calamitoso, em virtude do terremoto de
Lisboa de 1755 que ainda deixava suas marcas na capital, bem como a situação econômica
do país, totalmente dependente do comercio monopolístico que exercia sobre o Brasil, tendo
sua manufatura pouco desenvolvida e apresentando poucos investimentos para a mudança
da situação, em virtude do escoamento das riquezas brasileiras rumo a Inglaterra
(ASSUNÇÃO, 2008). Como agravante, a mentalidade do povo português ainda estava mais
ligada à Idade Média, com a religião se apresentando com força vigorosa, em especial por
conta da forte estruturação da Companhia de Jesus. Diante dessa situação, o rompimento com
o comércio inglês não era uma opção, ainda que as tropas de Napoleão não estivessem
dispostas a tolerar essa relação.

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No ano de 1807 a pressão napoleônica começou a tomar corpo e surgiram as ameaças
de declaração de guerra contra os países que não respeitassem as determinações do Tratado
de Tilsit, que previa a invasão dos países que continuassem comercializando com a Inglaterra.
Quando Portugal recebe o segundo ultimato, no dia 12 de agosto daquele ano, a Inglaterra
oferece seus préstimos para escoltar a Corte portuguesa para o Brasil. Diante dessa situação,
D. João VI começou a fazer encenações, junto com o governo inglês para demonstrar uma
postura adepta a causa Continental. Entretanto, Napoleão não se enganava com esses
artifícios e preparava a tomada de Portugal (assinando o Tratado de Fontainebleau, obtendo
a permissão da passagem das tropas francesas pela Espanha). Em virtude das manifestações
de Napoleão de acabar com a soberania de Portugal e findar a Casa de Bragança, D. João VI
não teve alternativa além da fuga para o Brasil, que aconteceria no dia 29 de novembro de
1807, mesmo dia em que Jean-Andoche Junot, marechal francês, adentravam em Lisboa.

Com essa mudança fundamental na organização do governo português, qual seja a


mudança do centro político para o Brasil, se enraízam as motivações que viriam a
frutificar a independência do Brasil (NEVES, 2003, apud CICHOSKI, 2010, p. 21).

Com a elevação do Brasil a Reino Unido, ao lado de Portugal e Algarves (em 16 de


dezembro de 1815), o retrocesso a condição de colônia jamais poderia se efetivar. Esse
movimento foi uma jogada política de D. João VI para poder integrar o Congresso de Viena,
visto que Portugal há muito figurava como coadjuvante no cenário político europeu.

“Foi, portanto, por causa do Brasil, que Portugal tomou assento no Congresso de Viena
da Áustria em 1817, como a oitava grande potência da Europa. ” (MORAIS, 2004, apud
CICHOSKI, 2010, p. 21).

Apesar de este ter sido o pináculo das alterações políticas que D. João VI reservou para
o Brasil, desde que por aqui chegara, já vinha realizando alterações fundamentais que
permitem a atribuição da vinda da família real em 1808 como a fundação do novo império
brasiliense. Outro ponto fundamental foi a coroação e sagração no dia 6 de fevereiro de 1818,
como rei luso-brasileiro, tendo o reino sede na capital do Rio de Janeiro, sendo o único rei
coroado nas Américas.
Por doze anos (1808-1820) Portugal teve de experimentar o gosto vexatório de se
transmutar de metrópole para colônia. Por mais que a decisão de retirar a família real de
Portugal não tenha sido veementemente contraposta, logo após o fim da ocupação francesa,
em 1814, o descontentamento começou a surgir (em grande parte estimulado pela diplomacia
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britânica), culminando em uma tentativa de conspiração em 1817, promovida pela maçonaria
portuguesa, que não obteve sucesso por ter sido delatada ao Marechal William Beresford,
inglês que chefiou as tropas portuguesas na luta contra a ocupação francesa e garantiu os
poderes políticos do país em decorrência da ausência da Corte Portuguesa.
Com a execução dos articuladores deste plano, prolifera o descontentamento que se
materializa na constituição do Sinédrio, uma organização secreta exclusivamente política que
objetivava revolucionar Portugal, obrigar a volta da Corte para Lisboa, e proclamar a monarquia
constitucional representativa apesar do alvará de D. João VI, datado de 30 de março de 1818
que proibia a existência desse tipo de instituição no Reino Unido. Em decorrência da
insurreição popular em Galiza e da ausência do Marechal Beresford (que viera ao Rio de
Janeiro), o Sinédrio constata a conjuntura oportuna para realizar o levante em 24 de agosto de
1820, na cidade do Porto, sendo seguida pelas cidades de Coimbra, Braga e Lisboa nos dias
4, 5 e 15 de setembro, respectivamente. Entretanto, as expensas do que originalmente
almejava, a revolução constitucionalista portuguesa de 1820 revolucionou também o Brasil.

Os revoltosos proclamaram uma Junta de Cortes a fim de promulgar nova Constituição.


Chegando a notícia em 12 de Novembro, pelo brigue Providência, D. João VI
imediatamente reúne seus conselheiros para traçar a melhor resposta ao revolto povo
português. A disputa política em torno do rei se divide em duas frentes: a) a condenação
da revolta e a permanência do rei no Brasil, advogada pelo conselheiro Tomás Antônio;
e b) a volta do rei a Portugal para dirigir os trabalhos da Junta de Cortes, visão do
conselheiro Pedro de Sousa Holstein, duque de Palmela com o apoio do Conde dos
Arcos. D. João VI estava resoluto em acatar a primeira das opções, tinha adorado o
Brasil, seu clima, a cidade do Rio de Janeiro e a receptividade de um povo tão submisso,
onde podia exercer sua vontade real sem restrições (VARNHAGEN, 1957, apud
CICHOSKI, 2010, p. 23).

A primeira derrota de D. João VI ocorre no dia 26 de fevereiro de 1821, quando uma


delegação de portugueses (em especial militares e religiosos que, estavam as ordens do
príncipe D. Pedro) pressiona o rei a jurar previamente a Constituição que estava se fazendo
em Portugal e a realizar uma reforma geral nos ministérios. Diante da pressão o rei sucumbe
e muito a contragosto dá Constituição ao povo. Com maioria no poder, a facção portuguesa
no Brasil efetiva sua vontade e já se ouvem boatos de que o rei regressaria a Portugal. Em 7
de março chega um oficio da Junta de Cortes insistindo para que o rei parta, ao que é
respondido por um decreto, no mesmo dia, onde estabelece sua volta a Portugal e a
permanência de seu filho como Príncipe Regente, bem como a convocação de eleições para
a nomeação dos deputados brasileiros que participariam da Junta de Cortes em Portugal.
Demonstrando sua profunda tristeza em se retirar do Reino do Brasil (que ele praticamente
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criara como visto anteriormente), o rei havia caído em grande melancolia, sempre enxugando
seus olhos úmidos de lagrimas, diante do profundo pesar de deixar o Brasil. Fato que se
comprova pelas palavras que expressa no decreto:

Exige a escrupulosa religiosidade com que me cumpre preencher ainda os mais árduos
deveres, que me impõem o prestado juramento, que faça ao bem geral de todos os
meus povos, um dos mais custosos sacrifícios de que é capaz o meu paternal e régio
coração, separando-me pela segunda vez de vassalos, cuja memória me será sempre
saudosa, e cuja propriedade jamais cessará de ser em qualquer parte, um dos mais
assíduos cuidados do meu paternal governo (D. João VI, apud MORAIS, 2004, p. 232).

A resposta liberal tomou a capital na virada do dia 21 para o dia 22 de abril, quando da
eleição dos deputados do Rio de Janeiro para integração da Junta de Cortes, bem como para
definição de outros assuntos acerca da estruturação do governo, tendo em vista a partida do
rei (sendo que ainda nessa oportunidade, muitos ainda tentavam convencer D. João VI a ficar
no Brasil). Após muito tumulto e discussões, decidiu-se por levar ao rei a proposta de adoção
da Constituição espanhola enquanto não tivesse concluída a nova Constituição portuguesa. A
meia-noite a deputação que encaminhara a proposta, voltava a Praça do Comércio (local da
votação) com a declaração real de que a proposta havia sido acatada pelo rei. Motivados por
essa primeira vitória, os liberais articulavam enviar nova deputação a presença do rei com o
objetivo de agradecer sua anuência, bem como realizar a proposta de uma nova Junta de
Governo.

Enquanto se davam as discussões e votações, o edifício do Senado havia sido cercado


pelos militares (representantes dos interesses portugueses), levando as diferenças
políticas ao embate físico. O resultado desse conflito foi a publicação de quatro decretos
por parte do rei (1) anulando a Constituição espanhola; (2) implementando uma
devassa; (3) conferindo uma nova formatação do governo brasileiro, sendo nomeado
D. Pedro como Príncipe Regente e um corpo de ministros como seus assessores; e (4)
a equiparação dos benefícios aos oficiais brasileiros, com relação aos portugueses
(LUSTOSA, 2000, apud CICHOSKI, 2010, p. 24).

Diante dessas circunstâncias, parte o rei três dias depois da publicação dos decretos
(26 de abril de 1821). O sentimento de el-rei e da família real, de deixarem o Brasil, se
descobria nas lágrimas de todos, exceto a rainha. Está aberto o caminho para a
Independência.
A representação brasileira na Junta de Cortes de Portugal é um capítulo muito singular
na história aqui retratada. Nas seções da referida Junta de Cortes encontramos a evidência
dos interesses portugueses a favor da recolonização do Brasil. A princípio, a Junta de Cortes

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se comprometia a não versar sobre o Brasil, até que seus deputados não tivessem chego a
Portugal, entretanto, com a saída do rei, os deputados portugueses passaram a agir de forma
arbitrária, tentando reorganizar a política brasileira em forma de províncias, redundando em
tolher a autoridade do Príncipe Regente, forçando-o a também regressar a Europa.
A supremacia dos interesses portugueses é explicada, em parte, por conta da demora
dos deputados brasileiros eleitos (a maioria das eleições ocorreram no período de viagem da
V. Majestade a Portugal) em tomar posse de seus assentos em Portugal (os primeiros somente
chegaram ao fim de agosto, praticamente dois meses depois da chegada do rei). Além disso,
evidencia a displicência dos eleitos, pois “de uns oitenta que devia dar o Brasil, apenas
estavam presentes uns trinta, em princípios de março de 1822”, ou seja, passados oito meses
da chegada do rei em Lisboa (e eleitos a maior parte dos deputados no Brasil).
Ultrajado pela forma como fora tratado pela Junta de Cortes, D. Pedro resolve ficar no
Brasil, conferindo as condições para sua Independência. Entretanto, essa postura não poderia
ser prevista quando da saída do rei a Portugal. A regência de D. Pedro havia sido deveras um
grande desafio. O primeiro problema enfrentado pelo Príncipe foi relativo às finanças do
governo que pouco arrecadava (além do rombo que a Corte fez quando da sua saída, deixando
o governo do Rio de Janeiro à beira da falência), obrigando D. Pedro a readequar até mesmo
seus gastos pessoais para não ir à bancarrota. Em seguida, as tensões políticas começaram
a pulular em torno do príncipe. A primeira delas foi a reação dos militares contra o poder
concedido ao Conde dos Arcos, amigo íntimo do Príncipe. No dia 5 de junho de 1821, Jorge
de Avilez Zuzarte comanda uma divisão das tropas e pretende fazer com que o Príncipe
depusesse o Conde dos Arcos. D. Pedro acata os pedidos das tropas portuguesas e
reorganiza a estrutura administrativa da regência com um grupo sugerido pelos próprios
manifestantes. Esse fato torna o Príncipe muito mais próximo das tropas, chegando a
freqüentar periodicamente os quartéis em jantares em sua honra, enquanto o 5 de junho
representa uma ameaça aos brasileiros, tendo por reflexo o fechamento do comércio, por conta
do medo de que, por mero capricho, as tropas pudessem realizar arrastões. Além de estar
inclinado a causa portuguesa, o príncipe mostrava-se, ansioso pela hora de poder regressar a
Portugal, tanto que comunicara ao pai:

[...] peço a V. M., por tudo quanto há de mais sagrado, me queira dispensar este
emprego, que seguramente me matará, pelos contínuos e horrorosos painéis que tenho,
uns já à vista, e outros, muito peores, para o futuro, os quais eu tenho sempre diante

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dos olhos... perdoará o meu modo de escrever; mas é a verdade que o faz, não sou eu
(D. PEDRO, apud VARNHAGEN, 1957, p. 86).

O revés para a causa portuguesa (que até então parecia ter ganhado o direito de
estabelecer o projeto para o futuro do Brasil) começa, como citado anteriormente, com as
decisões da Junta de Cortes, em especial, a decisão de acabar com um poder central no Brasil,
fazendo com que cada Província atuasse de forma independente, respondendo diretamente a
Lisboa, que chega ao país no início do mês de outubro. Essa resolução resultou no surgimento
dos sentimentos em favor da Independência, visto que até então se apregoava, inclusive entre
os partidários da causa brasileira, a permanência do vínculo eterno entre as duas nações.
Sendo nesse momento a postura do Príncipe de manutenção da ordem, criticando os
separatistas.
Desta forma, além de instar a rebeldia política e o clamor pela independência, a Junta
de Cortes comete outro erro ao exigir que D. Pedro retorne, em decretos que chegaram no dia
12 de dezembro de 1821.

[...] via-se ofendido em sua dignidade, com o atrevimento dos que, ousando pôr em
dúvida, suas leais intenções, - o tratavam, quando já pai de filhos, como um mancebo
imberbe, levado à força a viajar, ouvindo os conselhos e instruções de alguns mentores,
que as Cortes lhe deviam destinar (VARNHAGEN, 1957 apud CICHOSKI, 2010, p. 25).

Neste sentido, logo se organizaram manifestações pedindo para que D. Pedro


permanecesse no Brasil. Destaque nessa etapa tomaram o Clube de Resistência no Rio de
Janeiro, que a partir da iniciativa de frei Sampaio conseguiu coletar 8 mil assinaturas no dia 29
de dezembro, bem como a maçonaria, através da Loja Comércio e Artes, comandada por
Joaquim Gonçalves Ledo, que orientou as conversas de José Clemente Pereira, presidente do
Senado da Câmara, com o príncipe. Existem grandes divergências quanto ao protagonismo
das manifestações em favor do Fico. O Clube de Resistência, fundado por José Joaquim da
Rocha (que nessa época também integrava assiduamente os quadros da maçonaria brasileira)
foi o grande responsável por empreender as condições do Fico.
O protagonismo estava na Província do Rio de Janeiro, e mais intimamente, na
maçonaria (visto que todos os pretensos realizadores do fico eram, aquele tempo, maçons)
que havia enviado Pedro Dias de Macedo Pais Lima a São Paulo e Paulo Barbosa da Silva a
Minas. Segundo nome este que é palco de divergência, visto que é confundido por algumas
fontes com o cônego Januário da Cunha Barbosa.

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- O Sr. Clemente Pereira: - (...) E, no dia 20, saiu daqui para Minas outro comissário,
também por parte do Rio de Janeiro, encarregado de igual comissão; foi o Sr. Paulo
Barbosa da Silva. - Um Sr. Deputado: - Foi o Sr. Cônego Januário. - O Sr. Clemente
Pereira: - Não Sr.; esse foi para a aclamação; estou bem certo nos fatos; foi o Sr. Paulo
Barbosa. (CÂMARA DE DEPUTADOS, no ano de 1841, apud ASLAN, 1975, p. 115).

Suprimida essa divergência histórica, cabe ressaltar que o envio desses emissários
para Minas e São Paulo visava atender as demandas do príncipe, que, segundo seu
guarda-roupa, Francisco Maria Gordilho de Barbuda era de “que se três províncias lhe
pedissem que ficasse, não sairia do Brasil”. (MELO, 2004, apud CICHOSKI, 2010, p.
26).

Percebendo essa grande movimentação, no dia 2 de janeiro o príncipe já mandava ao


seu pai carta assombrado com as posições que se tomavam em todo o canto, salientando que
estava cada vez mais difícil fazer cumprir as resoluções da Junta de Cortes portuguesa.
Mostrando-se insustentável a situação, D. Pedro convoca uma audiência no Senado da
Câmara, para o dia 9 de janeiro. Após discursos a favor da permanência do príncipe no Brasil,
D. Pedro responde afirmativamente. Está dado o fico!

“Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo
que fico”. (D. PEDRO, apud, MORAIS, 2004, p. 86).

Agora além da independência, o caminho para a instalação do Império brasileiro é


construído, por mais que a medida, a princípio, tenha sido tão somente paliativa, pois D. Pedro
esperava novas ordens da Junta de Cortes, visto que ainda não estava convertido a causa
brasileira, mas via na sua permanência a única alternativa de manter o Reino unido e não
provocar desordem e anarquia no Brasil, da qual a primeira vítima dos revoltosos, seria o corpo
militar português. Logo, até o partido da causa portuguesa se deu por satisfeito com a
resolução do príncipe.
Entretanto, a satisfação durou pouco. Os militares racharam de vez, sendo que os
apoiadores da causa portuguesa queriam obrigar o príncipe a partir, com armas nas mãos,
enquanto os partidários da causa brasileira começavam a se aquartelar no Campo de
Sant´Ana junto com populares e até mesmo eclesiásticos. Sabendo disso, o general Avilez
(comandando as tropas da Divisão Auxiliadora de Portugal) corre até o príncipe para pedir que
essa aglomeração fosse desfeita. Recebendo como resposta uma negativa ao seu pedido,
pede demissão do cargo de governador das armas. Temendo o pior, D. Pedro ordena que sua

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família se retire para Santa Cruz até que a situação na capital fosse normalizada. Apesar dos
atritos, nenhum conflito se deu. D. Pedro manifestava-se defensor da união e da tranquilidade,

“[...] não penseis em separação, nem levemente; se isso fizerdes, não conteis com a
minha pessoa” (D. PEDRO, apud VARNHAGEN, 1957, p. 101).

Ao passo que Avilez também já pronunciava justificativas e dizia-se a serviço do Brasil,


mas as tropas da Divisão Auxiliadora portuguesa foram transferidas para fora da cidade, tendo
em vista a manutenção da ordem.
Com o partido português combalido diante dos últimos acontecimentos, o ministério
português pede demissão. Para recompor os quadros do governo D. Pedro chama José
Bonifácio para assumir o ministério. A escolha, se devia ao reconhecimento de que o Andrada
era uma notoriedade no campo das ciências. Havia retornado ao Brasil, justamente para
empreender alguns estudos, se envolvendo na política graças a D. João VI que o nomeara
Conselheiro do governo de São Paulo quando o Rei ainda estava no Brasil. Além disso, muito
se fala da fidelidade do ministro aos Bragança. Lutara contra os franceses invasores (visto que
em 1807 se encontrava em Portugal), instigando, inclusive a formação de um batalhão
acadêmico, composto de estudantes (evidenciando o quanto sua reputação no campo das
ciências era verdadeira).
Apesar da nova configuração do governo, a tensão social se manifestava pelo fato das
tropas da Divisão Auxiliadora de Avilez continuarem próximas da cidade do Rio de Janeiro.
Em 30 de janeiro o Ministro da Guerra dirige uma portaria para que a divisão saia do Brasil nos
dias 4 e 5 de fevereiro. Como o 29 embarque não começara, no dia 9 de fevereiro o príncipe
manda avisar que,

“[...] não lhes daria mais quartel em parte nenhuma” e ameaça as tropas portuguesas:
“Já ordenei; e, se não executarem amanhã, começo a lhes fazer fogo” (D. PEDRO apud
VARNHAGEN, 1957, p. 103).

Apesar do acalorado debate, nenhum conflito ocorreu, muito provavelmente em virtude


do adoecimento do filho de D. Pedro, João Carlos, o príncipe da Beira, que viria a falecer no
dia 14, sendo que o fato fora amplamente divulgado pela imprensa local, culpando os
transtornos provocados pela Divisão Auxiliadora como causa da fuga da família real para Santa
Cruz às pressas e, como consequência, agravamento da condição do menino (que segundo o
próprio D. Pedro, em carta ao avô da criança, dizia que tinha a saúde debilitada).

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Sem a presença militar de Portugal no Rio de Janeiro, D. Pedro passa a tomar ações
decisivas para a estruturação do país como Nação autônoma, contradizendo todas as
demandas da Junta de Cortes (ainda que o discurso em prol da manutenção do Reino Unido
permanecesse). Uma das primeiras medidas é a convocação de um Conselho de Estado para
que todas as províncias tenham representantes na capital e discutam o futuro do país. Surge
nesse momento também, as primeiras demandas, por parte dos liberais, no sentido de formar
uma Constituinte brasileira, sendo que o projeto, apresentado pela Câmara é adiado pelo
ministério, esperando-se que o Conselho de Estado seja formado e possa deliberar sobre o
assunto. Apesar das críticas contra o ministro Bonifácio, foi de suas mãos que surgiu a
proposta da dita junta de Procuradores Gerais, em documento entregue a S.A.R., o Príncipe
Regente por parte de uma representação da Província de São Paulo.
Além dessas reformulações na estrutura administrativa do governo, no dia 4 de maio
ordenou que os decretos das Cortes não se dessem no Brasil cumprimento sem terem primeiro
o – Cumpra-se – do Regente, fato este que animou o partido brasileiro a tal ponto de conferir
ao príncipe o título de “Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil”. Animados com o aceite do
príncipe a tal título, no dia 13 de maio de 1822, os liberais insistem em fazer a Assembleia
Constituinte Brasileira e apresentam uma representação ao Príncipe no dia 23 de maio. No dia
2 de junho são eleitos os Procuradores do Rio de Janeiro, fazendo, no dia seguinte, a primeira
reunião do Conselho de Procuradores das Províncias, onde reivindicam a convocação da
Assembléia. Em 19 de junho de 1822 são regulamentadas as instruções para a formação da
dita Corte brasileira através do voto indireto, visto que “sem igualdade de direitos concedidos
aos povos do Brasil, seria impossível manter a união mostrando claramente que a intenção,
apesar de tudo, era a consolidação do Reino unido, com a permanência do Brasil, bem como
sua unidade.
No famoso dia 7 de setembro de 1822, D. Pedro brada a Independência na beira do rio
Ipiranga, em virtude das recorrentes tentativas da Junta de Cortes de Portugal em sua
obsessão por tornar o Brasil novamente colônia, onde chega as mãos do príncipe o decreto
que versa:

I) A que continuasse o príncipe no Rio de Janeiro, até a publicação da


Constituição, quase a terminar-se, governando, com sujeição a el-rei e as
Cortes, as províncias que então lhe obedeciam, sendo, porém, nomeados por
el-rei os secretários de Estado, em cujo conselho se tomariam as resoluções, e
devendo somente o da repartição competente assinar a correspondência que
fosse para el-rei ou as Cortes; por outro artigo deste mesmo documento, seriam

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logo eleitas e instaladas as Juntas de Governo nas províncias onde ainda as
não houvesse, e eram nomeados secretários de Estado do Reino e Justiça o
Desembargador Sebastião Luís Tinoco da Silva, da Fazenda o Dr. Mariano
José Pereira da Fonseca, da Guerra o Tenente-General Manuel Marins do
Couto Reis e da Marinha o Vice-Almirante José Maria da Almeida; II) a que se
procedesse a uma investigação sumária contra os que tivessem contribuído a
evitar que seguissem para Lisboa os deputados eleitos pela província de Minas;
III) a que se declarasse nulo, irrito e de nenhum valor o [decreto] do príncipe
real, de 16 de fevereiro, convocando procuradores das províncias, devendo
logo suspender-se a sua execução naqueles onde se houvesse principiado; IV)
a que se verificasse a responsabilidade do ministério do Rio de Janeiro, não só
por esse decreto, mas também por quaisquer atos da sua administração em
que a responsabilidade pudesse ter lugar. Ordenava finalmente que fossem
processados e julgados os membros da Junta de S. Paulo, signatários da
representação de 24 de dezembro, e bem assim os quatro emissários daquela
cidade que tinham assinado o discurso ao príncipe no mesmo sentido, ficando,
porém, a execução da sentença dependente da decisão das Cortes
(VARNHAGEN, 1957, p. 135).

Além disso, contribuíram decisivamente para sua ação uma série de cartas que
chegaram junto com essas resoluções.

De Lisboa, escrevia Antônio Carlos de Ribeiro de Andrada relatando as últimas atitudes


das Cortes e dizendo-lhe que estavam ali reunidos “inimigos de toda ordem e que não
poupavam real pessoa de V.A.R., de envolta com os ataques ao Brasil”. A carta
apaixonada de D. Leopoldina rogava: “É preciso que voltes com a maior brevidade;
esteja persuadido, que não é só o amor, amizade que me faz desejar, mais que nunca,
a sua pronta presença, mas sim as críticas circunstancias em que se acha o amado
Brasil; só a sua presença, de muita energia e rigor, para salva-lo da ruína. As notícias
de Lisboa são péssimas”. A essas palavras da futura imperatriz, seguiam-se as do
ministro do Reino, que ficaram para sempre na história: “Senhor, o dado está lançado
e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A.R., quanto
antes e decida-se [...]” (LUSTOSA, 2000, apud CICHOSKI, 2010, p. 29).

As palavras de José Bonifácio traduzem o sentimento geral do governo, o príncipe havia


ficado sem alternativas:

[...] ou proclamar de todo a Independência, para ser herói, ou submeter-se a cumprir e


fazer cumprir os novos decretos das Cortes, não já para ir como fora ordenado no ano
anterior, viajar com mentores, mas sim, mui provavelmente, para, finda a Constituição,
ser chamado a barra pelas Cortes, a fim de justificar pelos seus atos, e dobrar os joelhos
em presença dos seus imprudentes afrontadores, Fernandes Tomás, Peçanha e Xavier
Monteiro, ou para ser insultado nas ruas pelas mesma plebe que, das galerias das
Cortes, apupara pouco antes, com os gritos de “morra!” e “patifes!”, os zelosos
deputados defensores dos direitos do Brasil (VARNHAGEN, 1957, apud CICHOSKI,
2010, p. 29).

Na Junta de Cortes portuguesa, as reações a Independência não foram efetivas, em


virtude da demora das informações. No final de setembro, os deputados haviam decidido que
o príncipe embarcaria no prazo de um mês, depois de receber a intimação, sob pena de

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perdimento dos direitos a Coroa, publicando-se também o nome dos novos componentes do
governo regencial. Entretanto, os deputados tinham em mente somente a convocação da
Assembléia Constituinte Brasileira de 3 de junho, ainda não estavam cientes das dimensões
da questão. Cabe citar também, que a Constituição portuguesa foi finalizada no início do mês

de setembro, sendo que todos os deputados deveriam jurar e assinar, entretanto, alguns dos
deputados brasileiros se recusaram a proceder desta forma, tendo de fugir de Portugal.
As festividades que envolveram a proclamação da Independência foram determinantes
para acirrar as disputas políticas internas entre liberais e o ministério Andrada. O evento que
estremece as duas correntes foi a aclamação de D. Pedro como Grão-Mestre do Grande
Oriente (título do líder da principal potência maçônica, que havia sido fundada em junho
daquele ano) sendo que José Bonifácio era o titular do cargo e não fora comunicado
antecipadamente da dita resolução. Desta forma se acirram as relações de José Bonifácio, a
frente agora de outra sociedade secreta, fundada poucos meses antes (no dia 2 de junho de
1822), a Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz é frequentemente associada ao
Apostolado, que somente seria fundado no dia 2 de fevereiro de 1823), com os liberais dirigidos
por Joaquim Gonçalves Ledo e seus irmãos maçons. Continuando as comemorações, no dia
12 de outubro de 1822, D. Pedro é aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo
do Brasil no Campo da Aclamação.
A reação do ministro ocorre no mesmo mês, tendo perseguido, primeiramente, João
Soares Lisboa, redator do periódico Correio do Rio de Janeiro, por exaltar os sentimentos
democráticos do príncipe. O Intendente-Geral da Polícia o obrigou a assinar termo em que
suspendia sua publicação e que se comprometia a sair do Império. Em seguida, foi a vez do
Presidente da Câmara, José Clemente receber uma insinuação para pedir a sua demissão,
bem como Padre Antônio João de Lessa que fora manado viver a vinte léguas da capital. Além
deles dois coronéis e vários oficiais foram mandados fora em varais comissões. Diante da
situação, o próprio Imperador manda suspender as atividades da maçonaria na capital, tanto
das lojas, quanto do Grande Oriente.
Essas ações também repercutiram nos pasquins da época. Tão forte foi tal repercussão
que D. Pedro mandou que cessassem quaisquer perseguições. Revoltado, José Bonifácio
pede demissão do cargo em 27 de outubro. Além da proclamação publicada, os andradistas
buscaram assinaturas de diferentes personalidades da capital (vereadores, militares,

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procuradores-gerais) e conseguiram fazer com que o Imperador fosse, pessoalmente, pedir
para que José Bonifácio continuasse no governo, ocasião que é definida como “farsa a mais
ridícula, que podiam representar o Imperador e José Bonifácio”. Na mesma oportunidade, o
Imperador manda chamar os demais ministros e oficializa um governo totalmente Andradista,
as expensas do que se encontrava anteriormente, onde os liberais detinham algumas pastas,
recomendando a toda união, tranquilidade, vigilância e confiança no ministério que acabava
de nomear.
Restituídos do poder, os Andradas chegaram a tantos atos de arbitrariedade,
despotismo e triste vingança, que vieram a cavar o seu próprio descrédito.

José Bonifácio ordenou ao Intendente que, sem perda de tempo, houvesse de proceder
a uma rigorosa devassa sobre as pessoas já infamadas na opinião pública com facciosa
e perturbadoras da ordem, conspirando contra o governo estabelecido, propagando
contra ele atrozes calunias, e pretendendo excitar entre o povo a discórdia e a guerra
civil, derramar o sangue dos cidadãos honrados e pacíficos e cavar até os alicerces a
ruína da nascente Império, etc. (VARNHAGEN, 1957, apud CICHOSKI, 2010, p. 32).

Estava dada a largada para a “Bonifácia”, “monstruoso processo (...) contra vários
indivíduos, como republicanos e anarquistas, sendo alguns deles os que mais
trabalharam para a separação política e governamental do Brasil da sua antiga
metrópole, e pelo que forma uns presos e outros deportados. ” (MORAIS, 2004, apud
CICHOSKI, 2010, p. 32).

Em poucos dias os cárceres se encheram, houveram muitas deportações e um número


grande de perseguidos tratou de fugir. Em meio a toda essa confusão, ainda se teve tempo
para coroar e sagrar o 1º Imperador do Brasil, no dia 1º de dezembro de 1822, bem como se
cria a Ordem do Cruzeiro, puramente brasileira e explicitamente louva uma monarquia do
hemisfério austral. Fatos estes que demonstram a manutenção de um caráter monárquico e a
tentativa de instauração de uma nobreza na nova nação.
Durante o início de 1823 nada se consta, além do marasmo de uma nação
absolutamente despótica que persegue qualquer oposição.

“[...] em princípios de janeiro de 1823, encontrava-se o ministério quase sem oposição


no Rio de Janeiro, havendo conseguido, a força de perseguições, fazer calar todos os
que combatiam. ” (VARNHAGEN, 1957, apud CICHOSKI, 2010, p. 32).

Sendo a mais relevante ação do governo a continuação de perseguições, prisões e


espionagens. Paralelo a isso, o Brasil inteiro se organizava para a primeira sessão da

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Assembléia Constituinte, que viria a acontecer no dia 3 de maio de 1823, conferindo nova
dinâmica a política na capital.
Com minoria na Assembléia, os Andradas começam a apelar, criam um consistório de
caceteiros para, literalmente massacrar seus inimigos. Entretanto o Imperador não ficaria do
seu lado. No dia 30 de junho, acompanhado do comandante do esquadrão de cavalaria, alguns
oficias e 50 soldados, invade o Apostolado (onde o partido andradista discutia seus projetos
para a nação) e confisca todos os documentos, inclusive o projeto de constituição que ali era
arquitetado. Além disso, no dia 17 de julho demite os Andrada do ministério, principalmente
por conta de decretos autoritários contra os portugueses que residiam no Brasil. A partir desse
momento, as discussões na Assembléia, até então plácidas, tomariam outros rumos,
redundando na sua dissolução (ilegal) no dia 12 de novembro de 1823.

19.1 A proclamação da Independência como última medida perante a intransigência das


Cortes Portuguesas

No dia 14 de agosto, D. Pedro parte para São Paulo para acabar com a revolta (de
insatisfação contra os Andradas que lá estavam governando) irrompida no dia 23 de maio. No
dia 28 de agosto chegam notícias de Lisboa dizendo que as Cortes estavam mandando mais
tropas para o Brasil. Diante dessa notícia, D. Leopoldina, na condição de Presidente do
Conselho de Ministros e do Estado, em virtude da ausência do Príncipe Regente, convoca o
Conselho que se apressa em pôr o Príncipe a par dos novos acontecimentos. Recebendo
esses comunicados, no dia 7 de setembro, brada as margens do Ipiranga: “Independência ou
Morte”.
Apesar disso, a primeira declaração de independência acontece em uma sessão
maçônica. Essa sessão se realizou no dia 9 de setembro de 1822, foi a 14ª sessão do Grande
Oriente, tendo os trabalhos sido dirigidos por Joaquim Gonçalves Ledo (lembrando que o Grão-
Mestres, José Bonifácio, raramente comparecia as sessões), que, segundo a própria ata:

“(...) no sólio, que ocupava, dirigiu à Aug:. Assembléia um enérgico, nervoso e fundado
discursos, ornado daquela eloqüência e veemência oratória, que são peculiares a seu
estilo sublime, inimitável e nunca assaz louvado, e havendo nele com as mais solidas
razoes demonstrado que as atuais políticas circunstancias de nossa pátria, o rico, fértil
e poderoso Brasil, demandavam e exigiam imperiosamente que a sua categoria fosse
inabalavelmente firmada com a proclamação de nossa Independência e da Realeza
Constitucional na pessoa do Aug:. Príncipe Perpetuo Defensor Constitucional do Reino
do Brasil. Foi a moção aprovada por unanime e simultânea aclamação, expressada com
o ardor do mais puro e cordial entusiasmo patriótico. 75 (...) os IIr:. Apolonio Mollon,
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Camarão, Picanço, Esdras, Democrito e Caramuru e posto que todos aprovavam a
moção, reconhecendo a necessidade imperiosa de se fazer reconhecida a
Independência do Brasil e ser aclamado Rei dele o Príncipe D. Pedro de Alcântara, seu
Defensor Perpetuo Constitucional, contudo, como alguns dos mesmos opinantes
mostrassem desejos que fossem convidadas as outras Províncias coligadas para
aderirem a nossos votos e efetuar-se em todas simultaneamente a desejada
aclamação, ficou reservada a discussão para outra Assembléia Geral, sendo todos os
IIr:. Presentes encarregados de disseminar e propagar a persuasão de tão necessária
medida política...” (apud ASLAN, 1975, p. 230-231).

Essa passagem demonstra claramente o caráter político, onde a Maçonaria passa a


funcionar praticamente como um partido rígido e organizado, as expensas de se proclamar
sem fins políticos e religiosos.
Nessa mesma sessão, encontra-se mais um elemento de discórdia entre o parido liberal
e o partido conservador. Após as deliberações políticas, aconselhou-se aos Irmãos que
parassem de assinar o periódico O Regulador Brasileiro, por apresentar manifestações
contrárias aos princípios que a instituição defendia. Como o redator do periódico era também
maçom, fizeram na sessão seguinte, no dia 12 de setembro, uma repreensão ao Irmão
Sampaio por estar propagando esses princípios contrários aos jurados pela instituição. Ao que
é respondido pelo Irmão acusado que apenas havia transcrito aquelas opiniões e que não
eram aquelas as suas intimas convicções. Sendo então, novamente, repreendido
energicamente por ter deslizado dos seus deveres de bom Maçom e brasileiro, entretanto,
como havia se defendido de forma adequada, ao se comprometer a abandonar a “pérfida
correspondência” e passar a escrever segundo seus verdadeiros sentimentos em defesa da
causa do Brasil, o Presidente da sessão (Joaquim Gonçalves Ledo) convidada a todos os
demais irmãos a congraçarem com o acusado, festejando a desejada e estimável
reconciliação. Essa contenda apimentou as relações entre liberais e conservadores, uma vez
que a “pérfida correspondência” é atribuída a José Bonifacio, tratava da questão da defesa do
veto absoluto por parte do Príncipe Regente.
Na sessão de aparente reconciliação de Frei Sampaio com a maçonaria (visto que as
ligações daquele continuavam fortes com o parido conservador de José Bonifácio), Ledo
propõe que a instituição leve a cabo todas as medidas necessária para a realização da
aclamação do Augusto Defensor Rei Constitucional do Brasil. Para tanto, pede que sejam
enviados emissários para as Províncias do Brasil a fim de propagar a opinião e dispor os
ânimos do povo em prol da grande e gloriosa obra. Além dos emissários, o Grande Oriente
manda instruções ao Presidente do Senado e Câmara do Rio de Janeiro, José Clemente

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Pereira, para enviar circulares onde se comunicava a realização do Ato de Aclamação no dia
12 de outubro, aniversário de D. Pedro, e que, seriam introduzidas cláusulas de juramento
prévio que o Imperador deveria prestar a Constituição que a Assembléia Constituinte fizesse.
Declaração esta que motivavam ainda mais a disputa contra o partido conservador.
No Revérbero, o número 16, do dia 10 de setembro é mais um ponto de inflexão, e
novamente motivado pelas determinações emanadas das Cortes, visto que somente nessa
publicação os redatores conseguiram comentar a notícia do envio de tropas. As “Reflexões”
iniciam-se com as declarações do Correio Brasiliense que critica a posição dos Deputados de
Lisboa com relação aos assuntos do Brasil. Além disso, ressalta o latente despotismo que se
afigura em Portugal, uma vez que as Cortes começam a se alinhar com o Exército e com os
generais que tanto mal fizeram ao Brasil (em referência nominal ao General Luiz do Rego que
tomara medidas despóticas em Pernambuco, quando da Revolução em 1817) no pretexto de
abafar conspirações contra a Constituição.
Continuam os redatores indignados com as ideias que os portugueses fazem do Brasil,
visto que justificam o envio de tropas para cá por conta de uma provável sublevação de
escravos, a exemplo do que ocorrera na Ilha de São Domingos, ou seja, Haiti. Os redatores
argumentam a delicada situação de Portugal, uma vez que não descartam a ameaça que a
Espanha possa representar a esse país, caso realmente empenhe suas tropas na conservação
do Brasil, onde a medida de união com a Espanha (manifestada por alguns Deputados) ou
domínio espanhol só traria uma guerra civil que assolaria o país. Questiona ainda a
intransigência das Cortes, advogando que não podem ser condenados aqueles que estão
pedindo justiça. Nessa seara, destacam ainda o modo inadequado com que os Deputados
portugueses trataram a figura do Herói Nacional, D. Pedro, chamando-o de inexperiente,
desobediente, traidor e perjuro. Resumem as demandas dos brasileiros da seguinte forma:

Liberdade regulada pela Lei; igualdade da Lei marcada pela rasão: huma Monarquia
Representativa: divisão de Poderes bem assignalada: Representação electiva, e não
vitalícia, e menos hereditária: Religião de nossos Paes, Santa Religião Catholica
fundada no amor, e na charidade a mais analoga (quando não fosse a única Santa) aos
Brasileiros: a por nós escolhida e deffendida Dynastia de Bragança: o Principe, que
adoramos e por quem, ou morreremos, ou seremos felices (RCF II, Nº 16, 10 de
setembro de 1822, apud CICHOSKI, 2010, p. 76).

Diante desses argumentos, os autores se questionam o que mais poderiam fazer para
comprovar suas opiniões pautadas em razão e justiça. Convocam os portugueses que residem
no Brasil a juntarem-se a causa brasileira e não conseguem compreender como os militares
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da Divisão Auxiliadora, na visão dos redatores, responsável pela morte de D. João da Beira,
foram condecorados como Beneméritos da Pátria. Argumentam ainda que o Brasil não se
deixaria regredir a condição de colônia, e que lutaria contra os generais que as Cortes
insistissem em enviar ao país. Dizem que é chegada a hora do Brasil, pedem a todos os
brasileiros que se juntem ao Príncipe e que se cessem discórdias e intrigas. Atesta ainda a
esperança de que a Independência Brasileira seja bem vista no cenário internacional, visto
que:

[...] nenhuma Potencia do Mundo deixará de abençoar os nossos esforços, porque nós
honramos os Reis; nenhuma Republica deixará de aplaudir o nosso enthusiasmo,
porque nós amamos a Liberdade; nenhuma Nação deixará de coadjuvar-nos em nossos
trabalhos, porque nós queremos a paz com todas, respeitamos os seus direitos, para
que respeitem os nossos (RCF, 1822, apud CICHOSKI, 2010, p. 77).

Finalizando, rogam pela união das Províncias e pela formação da Assembléia, que junto
ao Príncipe, formando um Governo Constitucional, conseguiram resguardar o futuro brilhante
que o Brasil tem pela frente.

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