E LAZER
PROFESSOR
NEAD
Núcleo de Educação a Distância
Av. Guedner, 1610, Bloco 4
Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente
da Mantenedora Cláudio Ferdinandi.
Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Diretoria de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha,
Direção de Operações Chrystiano Mincof, Direção de Mercado Hilton Pereira, Direção de Polos
Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida, Direção de Relacionamento
Alessandra Baron, Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli, Gerência
de Produção de Contéudo Gabriel Araújo, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila
de Almeida Toledo, Supervisão de projetos especiais Daniel F. Hey, Coordenador(a) de Contéudo
Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva,
Designer Educacional Agnaldo Ventura, Ana Claudia Salvadego, Qualidade Textual Hellyery Agda,
Revisão Textual Helen Braga do Prado; Ludiane Aparecida de Souza, Ilustração Bruno Pardinho,
Fotos Shutterstock.
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Wilson Matos da Silva
Reitor da Unicesumar
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande as demandas institucionais e sociais; a realização
desaio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, de uma prática acadêmica que contribua para o
informação, conhecimento de qualidade, novas desenvolvimento da consciência social e política e, por
habilidades para liderança e solução de problemas im, a democratização do conhecimento acadêmico
com eiciência tornou-se uma questão de sobrevivência com a articulação e a integração com a sociedade.
no mundo do trabalho. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja
Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: ser reconhecida como uma instituição universitária
as escolhas que izermos por nós e pelos nossos fará de referência regional e nacional pela qualidade
grande diferença no futuro. e compromisso do corpo docente; aquisição de
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume competências institucionais para o desenvolvimento
o compromisso de democratizar o conhecimento por de linhas de pesquisa; consolidação da extensão
meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos universitária; qualidade da oferta dos ensinos
brasileiros. presencial e a distância; bem-estar e satisfação da
No cumprimento de sua missão – “promover a comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica
educação de qualidade nas diferentes áreas do e administrativa; compromisso social de inclusão;
conhecimento, formando proissionais cidadãos que processos de cooperação e parceria com o mundo
contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade do trabalho, como também pelo compromisso
justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar e relacionamento permanente com os egressos,
busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com incentivando a educação continuada.
boas-vindas
Fabrício Lazilha
Diretoria de Planejamento de Ensino
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
iniciando um processo de transformação, pois quando estes materiais têm como principal objetivo “provocar
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
proissional, nos transformamos e, consequentemente, forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
transformamos também a sociedade na qual estamos em busca dos conhecimentos necessários para a sua
inseridos. De que forma o fazemos? Criando formação pessoal e proissional.
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes Portanto, nossa distância nesse processo de
de alcançar um nível de desenvolvimento compatível crescimento e construção do conhecimento deve
com os desaios que surgem no mundo contemporâneo. ser apenas geográica. Utilize os diversos recursos
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos
se educam juntos, na transformação do mundo”. fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe
Os materiais produzidos oferecem linguagem das discussões. Além disso, lembre-se que existe
dialógica e encontram-se integrados à proposta uma equipe de professores e tutores que se encontra
pedagógica, contribuindo no processo educacional, disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
complementando sua formação profissional, seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
desenvolvendo competências e habilidades, e trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, acadêmica.
autor
Professor Mestre
Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
Mestre em Educação Física na área de Pedagogia do Movimento, Corporeidade
e Lazer pela UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba (2004). Especialista
em Educação Física pela mesma instituição na área de Lazer e Qualidade de Vida
(2003). Graduado em Educação Física pela UEM - Universidade Estadual de Maringá
(2000) e Bacharel em Teologia pelo STAGS - Seminário Teológico Reverendo Anto-
nio de Godoy Sobrinho (2009). Atualmente é professor da UNICESUMAR - Centro
Universitário de Maringá, atuando principalmente nos cursos de Educação Física,
Teologia e Administração, com ênfase nas seguintes áreas: ciência política, políticas
públicas, lazer, psicologia do esporte e educação física escolar.
Para informações mais detalhadas sobre sua atuação proissional, pesquisas e
publicações, acesse seu currículo disponível no endereço a seguir:
<http://lattes.cnpq.br/4353021635497581>.
6
apresentação
RECREAÇÃO E LAZER
Oldrey Patrick Bittencourt Gabriel
Cara(o) aluna(o), é com muita alegria que apresento O ideal é que a vida como um todo, e não apenas
a você o livro da disciplina Recreação e Lazer. Quan- a vida acadêmica, se desenvolva num movimento de
do ingressei no curso de Educação Física, movido, ação, relexão e nova ação, e assim sucessivamente.
principalmente, pelo interesse em lazer e recreação, Precisamos compreender o porquê fazemos o que
devido ao meu envolvimento desde a adolescência fazemos e como se deu esta construção tão complexa
com acampamentos e outras atividades de lazer, não que é a vida da humanidade nas suas mais variadas
imaginava a riqueza que permeava esta temática. A facetas; e uma dessas nuanças da vida humana é jus-
paixão fomentou um desejo de conhecer e me apro- tamente o lazer.
fundar nas discussões sobre esta área tão essencial Por isso, em nossa primeira unidade, priorizei as
para a vida humana. relexões em torno de um conceito operacional de
É muito comum que aqueles que ingressam no lazer, que permita situar a articular nossa temática
curso de Educação Física esperem que as disciplinas principal aos conceitos de cultura, tempo e atitude
sejam mais “práticas” e menos “teóricas”. Coloco na contemporaneidade. Destas discussões iniciais e
estes dois termos entre aspas, pois acredito que estas basilares, para nossos estudos, emergem discussões
duas esferas do conhecimento são indissociáveis. como o processo de surgimento de uma classe ociosa,
Quando as separamos, o teórico torna-se, na ver- como ela ostenta tal posição e como isso se relaciona
dade, um discurso vazio, pois perde a sua dimensão com as barreiras ao lazer, que geraram movimentos
real, prática. Já o prático torna-se uma espécie de de reivindicação ao longo da história, como o de luta
“tareismo”, ou seja, um fazer pelo fazer, mera téc- pelo “direito à preguiça”.
nica, apenas aplicações de receitas, sem nenhuma Na Unidade II, proponho que relitamos sobre a
relexão mais aprofundada. relação do lazer com o trabalho e as demais obrigações
Talvez com esta disciplina não seja diferente. sociais. Estas relações são fundamentais para a com-
Muitos, quem sabe, esperam que ela seja uma oicina preensão do lazer em toda a sua complexidade, pois no
na qual se ensine jogos, brinquedos, brincadeiras e, lazer e no trabalho corre o mesmo sangue social. Neste
de preferência, mais o como fazer do que o porquê. contexto, surge a igura do animador sociocultural, que
Obviamente que estas atividades são extremamente pode atender inúmeras demandas e ideologias, bem
importantes ao(à) futuro(a) professor(a), e devem como apresentar variadas características.
ser tratadas com a mesma seriedade e profundidade. Na unidade seguinte passamos a discutir o duplo
Contudo é de suma importância que compreendamos processo educativo no lazer. Tema de grande rele-
como o lazer surge no modelo de sociedade em que vância para a formação de qualquer educador, pois,
vivemos e como ele pode ser compreendido à luz do em geral, estamos condicionados a pensar na escola
que denominamos teoria do lazer. como formadora apenas de valores para o mundo do
trabalho e pouco para o mundo do lazer. Contudo samento do a ação proissional. A construção de um
ambos são importantes e relevantes socialmente. Ao repertório pessoal de atividades é fundamental para
analisarmos o lazer como espaço/tempo privilegiado a atuação proissional, e será mais eicaz na medida
para o lúdico, somos, imediatamente, remetidos à que represente uma compreensão aprofundada das
necessidade de repensar a sua relação com a cultura de peculiaridades de faixas etárias e ambientes que de-
maneira mais ampla e também com nossos modelos mandem ações especíicas.
e culturas escolares, por isso a nossa relexão sobre Portanto, caro(a) acadêmico(a), espero que este
estas relações. material contribua na sua formação, e que você avance
Outra temática que está muito presente nas discus- cada vez mais nas suas relexões e ações proissionais.
sões da Educação Física é a qualidade de vida, razão Há muitos outros assuntos que poderiam ser tratados
pela qual dedico a Unidade IV à aproximação entre aqui, mas elenquei aqueles que considero fundamen-
lazer e qualidade de vida à luz dos conceitos que tratei tais para este momento de sua formação acadêmica.
nas unidades anteriores. Nesta aproximação emergem São inúmeras as possibilidades de aprofundamento
muitos outros temas, mas, devido à impossibilidade neste universo de conhecimento, que vão desde a lei-
de discutirmos todos ele nesta fase, elegemos a cor- tura de bons livros, como por exemplo os utilizados
poreidade e a questão dos espaços e equipamentos neste material, como o contato com outras institui-
especíicos e não-especíicos de lazer para nossas dis- ções de ensino que se dedicam a pesquisas no campo
cussões sobre lazer e qualidade de vida. do lazer, inclusive com reconhecidos programas de
Por im, em nossa última unidade, apresento pós-graduação - tanto latu sensu quanto strictu sensu
uma proposta de elaboração de um repertório de / mestrado e doutorado -, e, ainda, a participação em
atividades em recreação e lazer. Com isso, entendo eventos (congressos, simpósios, encontros, semanas
que a relação teoria e prática pode ser garantida na acadêmicas etc.) relacionadas ao lazer e à recreação.
medida que temos um pano de fundo conceitual Não deixe de se aprofundar nesta temática. Ela não
profundo sobre o lazer, prevenindo a tentação de está relacionada apenas à sua vida proissional, mas à
simplesmente reproduzirmos atividades por meio de sua vida pessoal e daqueles que você ama e quer bem.
receitas prontas, sem nenhum senso crítico e emba- Sucesso e paz em sua jornada!
s u mári o
UNIDADE I UNIDADE IV
INTRODUÇÃO AO LAZER E À RECREAÇÃO LAZER E QUALIDADE DE VIDA
14 Conceito operacional de lazer 108 Conceitos, valores e parâmetros em lazer e
18 Lazer, cultura, tempo e atitude qualidade de vida
UNIDADE II
REPERTÓRIO DE ATIVIDADES EM RECREAÇÃO E
LAZER, RECREAÇÃO, TRABALHO E OBRIGAÇÕES LAZER
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Conceito operacional de lazer
• Lazer, cultura, tempo e atitude
• Classe ociosa, emulação pecuniária e barreiras ao lazer
• O direito ao trabalho e o direito à preguiça
Objetivos de Aprendizagem
• Descrever o processo de construção de um conceito
operacional de lazer na sociedade contemporânea.
• Articular os conceitos lazer, cultura, tempo e atitude
para a compreensão do lazer e da recreação na
contemporaneidade.
• Deinir e descrever o surgimento do conceito de classe
ociosa, sua relação com a emulação pecuniária e as
barreiras ao lazer.
• Apresentar o processo de desenvolvimento histórico de
reivindicação pelo direito ao trabalho em concomitância
com a busca pelo direito à preguiça.
unidade
I
INTRODUÇÃO
Um Conceito Operacional
de Lazer
Para formar uma base de análise ao lazer e a recre- balho e na questão do tempo (cotidiano), tendo como
ação e sua relação com as possibilidades de atuação pano de fundo o modo de produção capitalista.
proissional do(a) professor(a) de Educação Física, Em primeiro lugar, acredito na necessidade de
é necessário estabelecer, primeiramente, uma dis- estabelecer o conceito que será base a todas as refe-
cussão acerca do lazer, pois a opção por uma com- rências feitas neste estudo do lazer, pois conforme
preensão especíica deste tema determinará toda a Marcellino (2002, p. 21) “a incorporação do tema
trajetória de raciocínio. ‘lazer’ ao vocabulário comum é relativamente re-
Serão destacados conceitos relativos ao lazer ba- cente e marcada por diferenças acentuadas quanto
seado em nosso foco de estudo, pois acredito que este ao seu signiicado”, situação esta que acredito gerar
tema, enquanto área de pesquisa e atuação, permite muitas confusões quando se busca estabelecer uma
várias abordagens. É muito importante reairmar que abordagem e relações com outras esferas da dinâmi-
as bases para a compreensão do lazer estão nas rela- ca social, como a recreação, mais especiicamente no
ções que se estabelecem no chamado mundo do tra- âmbito da Educação Física escolar.
14
EDUCAÇÃO FÍSICA
Até mesmo a tentativa acadêmica de estabelecer Deste modo, me aproprio de um conceito opera-
uma deinição de lazer torna-se tarefa complexa na cional de lazer e não propriamente de uma deini-
medida que não consegue abarcar todas as variáveis ção de lazer, mesmo que este conceito seja transitó-
da vida. Entretanto, enfatizo a contribuição de de- rio. Este conceito, do lazer historicamente situado,
terminados teóricos, no sentido de delagrar e de- é apresentado por Marcellino (2001, p. 15-17) da
senvolver as discussões acadêmicas sobre a temática. seguinte forma:
Um exemplo dessa tentativa é o conceito de lazer es-
tabelecido por Dumazedier (1975, p. 34): 1- Cultura vivenciada (praticada, fruída ou
conhecida) no tempo disponível das obriga-
ções proissionais, escolares, familiares, sociais,
[...] conjunto de ocupações às quais o indivíduo
combinando os aspectos tempo e atitude. Falo
pode entregar-se de livre vontade, seja para re-
do concreto da sociedade contemporânea –
pousar, seja para divertir-se, recrear-se e entre-
como é, e não do devir, como deveria ser - in-
ter-se ou ainda para desenvolver sua formação
clusive de uma sociedade que eu próprio con-
desinteressada, sua participação social volun-
sidere mais justa. Quando me reiro à cultura,
tária, ou sua livre capacidade criadora, após
não estou reduzindo o lazer a um único conte-
livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações
údo, considerando-o a partir de uma visão par-
proissionais, familiares e sociais.
cial, como geralmente ocorre quando se utiliza
a palavra cultura, quase sempre restringindo-a
aos conteúdos artísticos. Aqui abordo os diver-
Apesar de fomentar outras discussões para o desen-
sos conteúdos culturais. E, inalmente, quando
volvimento conceitual de lazer, é possível estabele- vivenciada, não estou restringindo o lazer à
cer críticas pertinentes a esta conceituação. Uma prática de uma atividade, mas também ao co-
delas é feita por Faleiros (1980, p. 61) ao destacar nhecimento e à assistência que essas atividades
podem ensejar, e até mesmo à possibilidade do
que o conceito estabelecido por Dumazedier esbar-
ócio, desde que visto como opção, e não com
ra numa visão funcionalista e, ao tentar conceitu- a esfera das obrigações, no nosso caso, funda-
ar o lazer, não dá conta de toda a dinâmica social, mentalmente, a obrigação proissional.
sendo uma ferramenta que supre determinadas
necessidades, mas cria muitas outras. O conceito 2- O lazer gerado historicamente e dele poden-
de lazer de Dumazedier é identiicado, portanto, da do emergir, de modo dialético, valores ques-
seguinte maneira: tionadores da sociedade de um modo geral, e
sobre ele também sendo exercidas inluências
[...] um invólucro vazio para ser preenchido da estrutura social vigente. A relação que se es-
com as atividades que são desenvolvidas em tabelece entre lazer e sociedade é dialética, ou
função de determinadas necessidades, desde seja, a mesma sociedade que o gerou, e exerce
que realizadas distintamente de certas obriga- inluências sobre o seu desenvolvimento, tam-
ções institucionalizadas. Esse conceito de lazer bém pode ser por ele questionada, na vivência
histórico parece buscar o seu conteúdo orga- de seus valores. No nosso caso especíico, é o
nizando no mundo da aparência (FALEIROS, próprio sistema econômico [...] que gerou a
p. 61, 1980). possibilidade de lazer que temos, sendo cons-
tantemente adaptado, até mesmo pelos valores
vivenciados no próprio lazer.
15
RECREAÇÃO E LAZER
3- Um tempo que pode ser privilegiado para A citação apresentada, ao contrário do que pode
vivências de valores que contribuam para mu- parecer, pela sua densidade conceitual, descomplica
danças de ordem moral e cultural, necessárias uma série de questões ao estabelecer um arcabouço,
para solapar a estrutura social vigente. A vivên-
um esqueleto, uma estrutura básica para situarmos
cia desses valores pode se dar de uma perspec-
tiva de reprodução da estrutura vigente ou da qualquer outra discussão que se deseja fazer em tor-
sua denúncia e do seu anúncio - por meio da no do lazer.
vivência de valores diferentes dos dominantes Portanto, nela considero estarem presentes os
-, imaginar e querer vivenciar uma sociedade principais elementos que caracterizam o lazer sob
diferenciada.
uma determinada visão de mundo, e que nos au-
xiliam na compreensão do nosso papel enquanto
4- Portador de um duplo aspecto educativo – professores(as) de Educação Física dentro e fora da
veículo e objeto de educação, considerando-se,
escola.
assim, não apenas suas possibilidades de des-
canso e divertimento, mas de desenvolvimento Lembre-se que, como destaca o autor, não se tra-
pessoal e social. E aqui não se está negando o ta de um conceito fechado sobre o lazer, mas é aber-
descanso e o divertimento, mas simplesmente to e, portanto, dinâmico, na medida que deve pres-
enfatizando a dimensão menos considerada do
supor um constante processo de diálogo, inerente à
lazer, a de desenvolvimento que o seu vivenciar
pode ensejar. própria dialética. É o que ele denomina de conceito
operacional, pois visa a intervenção, a operacionali-
zação de relexões e ações em torno do lazer.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
SAIBA MAIS
17
RECREAÇÃO E LAZER
Lazer, Cultura,
Tempo e Atitude
A compreensão do lazer, a partir do conceito opera- Com relação ao aspecto temporal, há a neces-
cional apresentado anteriormente, está atrelada ao sidade de situar-se no aqui e agora, e não em pro-
entendimento do conceito de cultura em um sentido jeções futuras. Isso não signiica que não devemos
mais amplo. Portanto, a cultura deve ser entendida buscar uma perspectiva ideal de mundo e lutar para
como um “conjunto de modos de fazer, ser, interagir o triunfo deste ideal. Signiica, sim, que a busca das
e representar que, produzidos socialmente, envolvem explicações, relexões e análises da sociedade são ba-
simbolização e, por sua vez, deinem o modo pelo qual seadas em fatos materiais, concretos e não em supo-
a vida social se desenvolve” (MACEDO, 1982, 1984, p. sições e conjecturas sobrenaturais.
35). Além da estreita ligação com o trabalho, o lazer Esta historicidade, para a análise e entendimen-
possui, portanto, uma relação determinante com as to do lazer na sociedade contemporânea, deve levar
outras esferas de obrigações humanas, pois todas elas em conta as relações advindas do trabalho no modo
são parte da mesma cultura. de produção capitalista. É necessário destacar este
18
EDUCAÇÃO FÍSICA
aspecto, pois uma discussão que não situe o lazer A Revolução Industrial, como airma Galbraith
historicamente pode caminhar para rumos diver- (1982), constituiu-se em um conjunto de transfor-
gentes de análise da temática. É necessário, ainda, mações, que a partir da metade do século XVIII,
destacar que não há uma oposição entre o lazer e o passou a alterar, primeiramente, a vida da Europa
trabalho, mas uma dependência. ocidental e, de forma acelerada, espalhou-se por
O desaparecimento de um signiicaria a extinção todo o mundo. Estas transformações estão ligadas
do outro, pois é justamente a dinâmica do trabalho principalmente à substituição do trabalho artesanal,
nas sociedades capitalistas que permite a compreen- que utilizava basicamente as mãos e ferramentas,
são do lazer da forma como o conceito operacional pelo trabalho assalariado, com o predomínio do uso
o descreve. de máquinas.
Analisar o lazer num modo de produção escra-
vista ou feudal possibilitaria entendimentos diferen-
tes do que seria o lazer hodierno, visto que as re-
lações estabelecidas entre os seres humanos seriam
outras, bem como as relações com o tempo, o que,
consequentemente, determinariam outras atitudes
diante desta estrutura temporal.
Até o século XVII, a vida humana, com exceção
de uma restrita elite de privilegiados, tinha suas ra-
zões primárias em elementos básicos da vida econô-
mica. A alimentação, vestimenta e moradia eram o
que havia de mais essencial à vida humana. Galbrai-
th (1982, p. 2) descreve a provisão destas necessida-
des da seguinte forma:
19
RECREAÇÃO E LAZER
1º) [...] sociedade tradicional, marcadamente Cria-se uma pequena janela temporal em que
rural, e mesmo nos setores urbanos pré-in- poderiam ser realizadas atividades virtuosas, dife-
dustriais, não havia separação entre as vá-
rentes das pesadas e alienantes cargas do trabalho
rias esferas da vida do homem. [...] O binô-
mio trabalho/lazer não era caracterizado e as industrial. É “a partir do momento que marca o iní-
ações se desenrolavam como na representa- cio da transição do estágio tradicional para o mo-
ção de uma peça teatral, com os “atores” atu- derno que se veriica a ruptura entre a vida como um
ando de forma integrada e linear, dominando
todo e o lazer, fazendo com que este adquira signii-
toda a história de seus personagens; 2º) Na
sociedade moderna, marcadamente urbana, a cação própria” (MARCELLINO, 2003, p. 20).
industrialização acentuou a divisão social do Ainda, acerca da gênese do lazer em sua concre-
trabalho, que se torna cada vez mais especia- tude histórica, o autor airma que:
lizado e fragmentado, obedecendo ao ritmo
da máquina e a um tempo mecânico, afastan-
[...] a gestação do fenômeno lazer, como esfe-
do os indivíduos da convivência nos grupos
ra própria e concreta, dá-se, paradoxalmente, a
primários e despersonalizando as relações.
partir da Revolução Industrial, com os avanços
[...] Caracteriza-se o binômio trabalho/lazer tecnológicos que acentuam a divisão do traba-
e as ações se desenvolvem como na gravação lho e a alienação do homem do seu processo e
de um ilme, onde os “atores” participam de do seu produto. O lazer é resultado dessa nova
cenas estanques, sem conhecer a história de situação histórica – o progresso tecnológico, que
seus personagens, cenas essas frequentemente permitiu maior produtividade com menos tem-
interrompidas para serem retomadas em se- po de trabalho. Nesse aspecto, surge como res-
quências totalmente diferenciadas. posta às reivindicações sociais pela distribuição
do tempo liberado de trabalho, ainda que, num
primeiro momento, essa partilha fosse encarada
Marcellino (2003) airma, ainda, que a industria-
apenas como descanso, ou seja, recuperação da
lização é o divisor de águas entre os dois estágios força de trabalho (MARCELLINO, 2003, p. 14).
(sociedade tradicional e moderna). Este processo
de mudança gera modiicações signiicativas no
comportamento das pessoas, bem como no meio-
-ambiente.
Esta quebra espaço-temporal, advinda de um
novo modo de produção, gerou novas atitudes por
parte dos trabalhadores, pois as relações com as vá-
rias obrigações sociais também foram transforma-
das. Destaco que houve uma ruptura, por exemplo,
do tempo/espaço de trabalho. Até então o locus de
trabalho estava intimamente ligado à festa, ao lúdi-
co, ao prazer. Ao passar por esta cisão, a alegria e
o lúdico, que estavam presentes na mesma esfera,
passam a existir como possibilidades em espaços/
tempos diferentes.
20
EDUCAÇÃO FÍSICA
Para Marcellino (2003, p. 11), a deterioração da destas instituições sociais no que diz respeito à ati-
qualidade e do signiicado da vida, a problemática tude, não que tenham se extinguido.
das relações sociais, movidas pela lógica da produ- O lazer da sociedade industrial e pós-industrial
tividade e acumulando os indivíduos em “fábricas, não é, portanto, o mesmo lazer dos gregos da
bancos, grandes edifícios de escritórios e ruas, onde antiguidade, mas um lazer gerado dialeticamente
a funcionalidade imediata constitui a maior preocu- no modo de produção capitalista e dele dependente.
pação” gera o afastamento de si próprio, do outro Ao mesmo tempo que este lazer foi gerado por uma
e da natureza, ocasionando, por exemplo, as várias certa dinâmica do modo de produção capitalista,
formas de violência urbana. ele é o locus privilegiado para geração de valores
Neste sentido, há a atribuição de uma grande questionadores dessa própria sociedade.
importância ao que é produtivo (gerador de bens
de consumo ou mercadorias). Deixam-se oculto os
resultados que este tipo de produtividade acarreta
para a expressividade humana. As pessoas, neste
contexto, são apenas engrenagens na lógica produ-
ção/consumo. A lógica deste processo está baseada
em valores imediatistas e utilitaristas. Trabalha-se
para consumir e consome-se para trabalhar, e, as-
sim, sustenta-se o mercado de produção.
Na perspectiva de um lazer que seja instrumento
de dominação, reduzindo ou extinguindo o conli-
to social - visto como reforço e não como reação à
alienação do homem contemporâneo, e mais ainda
como uma fonte de grandes rendas por meio da in-
dústria do lazer, de forma a alimentar o mercado -
podemos notar os altos graus de imposição advindos
de uma urgente necessidade do sistema econômico,
ou seja, seus membros além de produtores, têm que
se tornar também os consumidores. O trabalho industrial privou a possibilidade de
Outras características que devem ser conside- entretenimento, da presença do lúdico no ambiente
radas no processo gestacional do lazer é a redução de trabalho, como era possível, por vezes, no traba-
do aspecto tempo de trabalho, nascido das reivin- lho rural, no qual as necessidades e anseios pode-
dicações sociais, e a progressiva redução do tempo riam ser supridos até mesmo em meio à lida diá-
dedicado a outras obrigações, tais como familiares, ria, numa dinâmica social mais humana. Camargo
sociais, religiosas e políticas. Além do aspecto tem- (1986, p. 144) faz a seguinte observação sobre esta
po, houve uma progressiva redução da dominação transição:
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RECREAÇÃO E LAZER
[...] nas danças tradicionais, em quase todas lho e produto do trabalho. O trabalho passou a
as culturas, os gestos do trabalho na terra, na ser fragmentado, de difícil compreensão, dada
madeira, com os companheiros, são incorpo- a sua complexidade tecnológica. [...] a um tem-
rados e estilizados, demonstrando a ligação po natural, humano, uno, integral, do campo, a
efetiva e lúdica. Isso é impossível na linha de indústria opôs um tempo artiicial, alienado da
montagem, onde a menor distração de um ele- produção, que não se integra nem à dinâmica
mento prejudica a produtividade dos demais. familiar [...] (CAMARGO, 1986, p. 144).
A própria organização do espaço de trabalho
inibe qualquer tentação de diversão e entrete- Uma reivindicação dos trabalhadores, em virtude
nimento. Enim, as longas jornadas de traba- do nascimento de um tempo artiicial que determi-
lho no início da industrialização, apenas dei-
nou a realização de atividades lúdicas compartimen-
xavam tempo para o sono.
talizadas e imprimiu nestas uma característica do
O processo de industrialização representou, efeti- próprio trabalho alienado (veja mais sobre isso na
vamente, uma quebra temporal que, com as novas Leitura Complementar), foi a tentativa da redução
atitudes e necessidades, criaram um novo padrão de da jornada de trabalho.
vida. A exploração, via longas jornadas de trabalho, Esta reivindicação nasceu devido a ausência de um
impelia ao trabalhador, num primeiro momento, a tempo de lazer na lógica de racionalização do tempo
mera necessidade de descanso, no tempo liberado instituída pelo capitalismo. Nos primórdios da
do trabalho. Entretanto, neste tempo não era pos- industrialização “trabalhava-se cinco mil horas por
sível vivenciar qualquer outra possibilidade além da ano, o que signiicava jornada diária de dezesseis
recuperação para a próxima jornada. horas, de segunda a domingo, quase todos os dias
A busca por um modo de vida melhor, com o do ano” (CAMARGO, 1986, p. 145).
advento da Revolução Industrial, exigia uma dedica-
ção exclusiva à vida nas fábricas. Este tipo de traba-
lho preservou apenas a característica de longas jor-
nadas nos períodos de safras, inerentes ao trabalho
rural, no qual a grande maioria dos trabalhadores
estavam inseridos. Entretanto, uma característica
que era fundamental para um trabalho mais huma-
no havia sido perdida:
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Neste sentido, a sustentação da vivência e consu- De acordo com a obra A teoria da classe ocio-
mo no lazer estaria relacionada à capacidade que de- sa, de Veblen (1965), as pessoas superiores, ge-
terminado indivíduo ou grupo social possui de man- ralmente com o maior poder inanceiro, domi-
ter uma massa de trabalhadores ao seu dispor para nam seus inferiores em pecúnia mediante gastos
realizar um trabalho que lhe sustente e que, conse- supérluos. Já as menos favorecidas buscam, de
quentemente, seja favorável ao ócio e ao consumo. A todas as formas, alcançar o nível social dos pri-
tese de Veblen (1965, p. 14) consiste em airmar que: meiros, esgotando todas as suas energias e posses.
A descrição da classe ociosa é feita da seguinte
[...] pessoas acima da linha da mera subsistên- forma, pelo autor:
cia nesta época, e em todas as épocas anterio-
res, não aproveitam o excesso que a sociedade
[...] compreende as classes nobres e as classes
lhes deu visando primordialmente a propósitos
sacerdotais e grande parte de seus agregados.
úteis. Não buscam elas expandir suas próprias
[...] Estas ocupações não-industriais das clas-
vidas, viver com mais sabedoria, mais inteli-
ses altas são em linhas gerais de quatro espé-
gência e mais compreensão, mas buscam im-
cies – ocupações governamentais, guerrei-
pressionar as outras pessoas pelo fato de serem
ras, religiosas e esportivas. [...] Estas quatro
possuidoras desse excesso.
formas de atividade dominam o esquema de
vida das classes altas - reis ou chefes –, estas
Os processos e maneiras para gerar estas impres-
são as únicas formas de atividades permitidas
sões são denominados por este autor de “consumo pelo costume ou pelo bom senso da comuni-
conspícuo”. A característica básica desta dinâmica é dade. Na verdade, quando o esquema é dei-
o dispêndio de dinheiro, tempo e esforço, quase de nido já nitidamente, até mesmo os esportes
não se consideram atividade legítima para os
todo inutilmente, na busca de expandir o ego.
membros da classe mais alta (VEBLEN, 1965,
Um clássico exemplo dessa dinâmica de con- p. 20-21).
sumo conspícuo na sociedade industrial foi o au-
tomóvel. A escolha de um carro deixou de lado as Outro aspecto importante destacado por Veblen
questões exclusivamente funcionais, pois passou a (1965) é que as características das atividades ou fun-
ter fundamentos na manutenção ou aumento do ções industriais se desenvolveram de tarefas que,
prestígio diante da comunidade. primitivamente, nas sociedades bárbaras, cabiam às
mulheres. Este fato revela a valorização social, tendo
como parâmetro principal o conceito laboral atrela-
do ao gênero masculino, pois até mesmo em socie-
dades industrializadas, as atividades antes relegadas
ao gênero feminino passam a ser desempenhadas
pelos trabalhadores de ambos os gêneros, que sus-
tentam a possibilidade de ócio de uma classe supos-
tamente mais elevada.
25
RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
27
RECREAÇÃO E LAZER
O DIREITO AO TRABALHO E O
DIREITO À PREGUIÇA
Na obra O direito à preguiça, publicada originalmen- zer, com as possibilidades de desfrutar das virtudes
te em forma de panleto revolucionário em 1880, daquilo que Lafargue, intencionalmente, denomina
Paul Lafargue demonstra inquietação pelo fato de os preguiça, como forma de criticar um dos setes peca-
trabalhadores perceberem que sustentam o ócio de dos capitais.
uma classe privilegiada que os explora, mas que ao Lafargue deixa claro que os trabalhadores de
lutar pelos seus direitos ao trabalho, sem se darem sua época não tinham possibilidades de acesso aos
conta, estão perdendo direitos ao tempo disponí- mesmos direitos e privilégios da “preguiça” de seus
vel. Lutam tanto pelo trabalho, que se esqueceram patrões, mas que deveriam se atentar para tal explo-
da importância de usufruírem das benesses do la- ração, desigualdade e injustiça.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
Ao escolher e propor como um direito um pe- Neste sentido, Matos (2003, p. 13) airma que
cado capital, o autor visa diretamente ao que
Lafargue foi um dos pioneiros a “romper com o
denomina “religião do trabalho”, o credo da
burguesia (não só francesa) para dominar as caráter sadomasoquista da civilização contem-
mãos, os corações e as mentes do proletariado, porânea”. A autora airma ainda que O direito à
em nome da nova igura assumida por Deus, preguiça é uma descrição antecipada das realida-
o Progresso. Esta escolha é duplamente con- des vividas na contemporaneidade, pois faz uma
sistente. Em primeiro lugar, é consistente com
incisiva crítica à lógica de mercado, da indústria,
as obras de Lafargue nesse período, quando
se ocupa com a origem das religiões, da cren- ciência e técnica, airmando que sua ética é anti-
ça num deus pessoal transcendente, na alma e -humana e que, portanto, sua moral precisa ser
sua imortalidade, na vida futura de salvação ou negada e substituída por outra na qual o ser hu-
danação. Por que a burguesia crê em Deus e na
mano esteja efetivamente no controle.
imortalidade da alma?, indaga ele em vários es-
critos. Por que dessa crença ela chega às ideias Segundo Chaui (1999, p. 33), as obras de
de justiça, caridade e bem? Porque, responde maior inluência para Lafargue foram: Manuscri-
ele, a burguesia tolerou e patrocinou o desen- tos Econômicos de 1844 e o primeiro volume de O
volvimento das ciências da natureza (pois isso
Capital, ambos de seu sogro Karl Marx. O pressu-
era necessário para o capital), mas não tolera
e sim reprime toda tentativa de conhecimen- posto principal de O direito à preguiça, segundo a
to cientíico da realidade social (pois sabe que autora, é o “signiicado do trabalho no modo de
tal conhecimento a desmascara e enfraquece) produção capitalista, isto é, a divisão social do tra-
(CHAUI, 1999, p. 24). balho e a luta de classes”.
Neste sentido, De Masi (2001, p. 29) airma
A ideia de Progresso como um deus é desenvolvida que Lafargue não estabelece uma apologia à pre-
em A religião do Capital, também de autoria de La- guiça que vai contra o trabalho, defendendo “o
fargue, sempre de forma irreverente e contundente. direito ao ócio como única forma de equilíbrio
A obra deixa evidente uma busca de rompimento existencial [...]”. A forma utilizada pelo autor é a
com a realidade calcada na exploração da e na acei- contraposição a “[...] outros direitos, então de-
tação desta dominação por parte dos trabalhadores, fendidos para os operários: o direito ao trabalho,
que buscam cada vez mais trabalhar e servir à reali- reivindicado pelos revolucionários de 1848 [...]”.
dade criada pelo capital. Este é um dos pontos de severas críticas à obra
30
EDUCAÇÃO FÍSICA
de Domenico De Masi: a utilização e/ou tradução Platão e Aristóteles, esses pensadores gigantes
indevida de termos que originalmente expressa- [...], queriam que os cidadãos de suas Repúbli-
vam uma clara intencionalidade do autor. Neste cas ideais vivessem na maior ociosidade, pois,
acrescentava Xenofonte, ‘o trabalho tira todo
sentido, ao referir-se ao “Direito ao ócio”, entendo o tempo e com ele não há nenhum tempo livre
que deva permanecer a terminologia original do para a República e para os amigos’. Segundo
autor, “Direito à preguiça”, pela sua clara inten- Plutarco, o grande título de Licurgo, ‘o mais
sábio dos homens, para admiração da poste-
cionalidade.
ridade, era ter concedido a ociosidade aos ci-
dadãos da República, proibindo-os de exercer
qualquer trabalho’.
31
RECREAÇÃO E LAZER
Este quadro delineia parte do quadro que levava A obra O Direito à Preguiça é, portanto, uma
Lafargue a utilizar um tom de indignação em seu tentativa de recuperar uma esfera da dinâmica hu-
discurso, pois não aceitava que a preguiça dos ricos mana que havia sido perdida pelos trabalhadores
fosse garantida pelo trabalho desmedido dos po- contemporâneos a Paul Lafargue. A busca por mais
bres, num regime de trabalho, em média, de quinze dignidade no trabalho havia posto de lado uma
horas por dia, de forma insalubre. Chaui (1999, p. outra esfera da vida humana que, para o autor, era
16) airma que O Direito à Preguiça é um retrato da tão importante quanto o próprio trabalho, sob uma
organização social burguesa, que almejava atingir a perspectiva diferente da que os trabalhadores vi-
consciência mais profunda do proletariado enquan- nham experimentando.
to classe social. Portanto, “é a crítica da ideologia do Neste sentido, esta obra é de grande relevância
trabalho, isto é, a exposição das causas e da forma para a compreensão do lazer como um direito so-
do trabalho na economia, ou o trabalho assalariado”. cial, inclusive garantido pelo Artigo 6º da Constitui-
ção brasileira de 1988. Toda tentativa de usurpar os
REFLITA direitos dos trabalhadores a uma melhor qualidade
de vida, com dignidade e justiça ganha resistência na
Quando você ouve a palavra preguiça, ela lhe compreensão histórica de luta pelo direito à pregui-
soa mais positivamente ou negativamente? ça, ou direito ao ócio, ou de forma mais ampla, como
Não é interessante que Paul Lafargue tenha considero neste texto, direito ao lazer.
optado pelo uso de um termo tão controverso
para defender o lazer para classe proletária?
32
considerações inais
C
aro(a) aluno(a), procurei, nas primeiras relexões deste estudo, abor-
dar alguns conceitos que considero necessários para a compreensão do
lazer e da recreação, situando-os historicamente. Entendo que existam
outros aspectos relativos ao lazer que não foram discutidos, no entanto,
justiica-se pelo próprio objetivo do estudo que exige o entendimento do lazer
sob uma ótica especíica.
O conceito operacional de lazer adotado em nossas discussões ajuda-nos a
situar os debates em torno do tema. Há outros conceitos de lazer, e a opção por
um deles, obviamente, demonstra uma certa visão de mundo e um projeto de
sociedade da qual o lazer faz parte e tem grande relevância.
A existência de uma classe ociosa e os embates em torno das jornadas de tra-
balho sempre estarão presentes em sociedades que têm como base a exploração
do trabalho alheio. Neste sentido, a atuação dos diferentes proissionais no lazer
requer um entendimento do seu papel ou como legitimador, distrator, crítico, ou
transformador de uma determinada realidade da qual o lazer faz parte, mas que é
entendido, apenas, como uma parte da cultura mais ampla da sociedade.
As lutas históricas para a melhoria da qualidade de vida do trabalhador, da
qual O Direito à Preguiça faz parte, devem sempre ser compreendidas à luz da
forma como a sociedade está estruturada. Certamente haverá grupos que vão
desejar manter seu status quo, porque isto lhes convém. Como educadores, mais
especiicamente como professores, devemos entender nosso papel neste processo
de conscientização, que, apesar de estar nas mais diferentes áreas da vida, estão
galgadas na mesma infraestrutura concebida historicamente.
Portanto, nestas relexões iniciais, deve icar claro o potencial transformador
que o lazer possui. Para muitos, ele pode ser considerado uma área de menor
relevância. Contudo, não é isso o que percebemos quando nos aprofundamos na
teoria do lazer. O mesmo sangue que corre no mundo do trabalho é o que corre
no lazer e, neste sentido, a mesma importância que se dá ao trabalho deve ser
dada ao lazer.
33
atividades de estudo
4. Paul Lafargue escreveu em 1880 uma série de artigos que deu origem à
sua obra O direito à Preguiça, que ganhou status de um manifesto ilosó-
ico por seu caráter interpelativo e mobilizador. Qual a razão para Paul
Lafargue escolher o termo “preguiça” para compor o título de sua
principal obra?
34
LEITURA
COMPLEMENTAR
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RECREAÇÃO E LAZER
O direito à preguiça
Paul Lagargue
Editora: Hucitec/Unesp
Sinopse: o Direito à Preguiça (em francês, Le Droit à la Paresse) foi
um panleto revolucionário que trata das questões relativas ao tra-
balho na sociedade capitalista urbano-industrial e da luta por melhores condições de tra-
balho, principalmente no que tange às jornadas excessivas. Na época em que foi escrito, as
jornadas de trabalho tinham em média 12 horas e poderiam exceder em muito este tempo.
O dogma de que o trabalho digniica o homem é criticado de forma severa por Lafargue. A
santiicação do trabalho e a demonização da preguiça (ócio) é algo destrutivo ao ser humano
na opinião do autor. Com este panleto, muitas conquistas trabalhistas são alcançadas ao
redor do mundo.
Comentário: para as discussões em torno do lazer esta é uma obra clássica e fundamental.
Nelas estão expostas as bases que justiicam a luta pelo lazer como um direito social. Qual-
quer ação política em torno do lazer requer o conhecimento desta obra como elementos
revelador de um período histórico marcado por profunda exploração e desumanização do
trabalho e, consequentemente, do lazer.
Por meio deste documentário é possível compreender como e porque a Revolução Industrial
foi na delagrada na Inglaterra. A compreensão deste momento histórico é signiicativa para
o entendimento de como o trabalho foi se estruturando no modo de produção capitalista e,
consequente, gerando o que conhecemos hoje como lazer.
Documentário BBC - Revolução Industrial na Inglaterra
Para saber mais, acesse o site disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RZL-
SYKmWrjw>.
36
EDUCAÇÃO FÍSICA
Tempos Modernos
Ano: 1936
Sinopse: Chaplin trabalha em uma fábrica e em virtude de uma tipo
de trabalho repetitivo, extenuante e praticamente escravo sucum-
be a um colapso nervoso. Em virtude deste quadro, é internado em
um hospício. Ao retornar à “vida normal” encontra a fábrica fechada. Tem contato, então,
com uma jovem que realiza furtos para sobreviver. Chaplin se envolve numa confusão em
uma manifestação e é tomado como o líder comunista por ter levantado uma bandeira ver-
melha, dando a entender que ele estava liderando uma greve e acaba sendo preso. Após ser
solto, consegue um emprego numa outra fábrica, mas logo os operários entram em greve
novamente e ele se envolve novamente em confusão. É preso novamente, por acertar, sem
querer, uma pedra na cabeça de um policial. A jovem que conhecera nas ruas consegue tra-
balho como dançarina num salão de música e consegue um emprego de garçom para Cha-
plin. Mas novamente as confusões voltam a acontecer. Então os dois seguem, numa estrada,
rumo a mais aventuras emocionantes e divertidas para eles.
Comentário: este é ilme é um marco ao retratar de forma cômica a alienação no mundo do
trabalho. Para as discussões no campo do lazer e recreação é um ótimo retrato de como o
trabalho na sociedade urbano-industrial se estruturou e suas implicações para o tempo livre.
37
referências
38
gabarito
1.
• Cultura vivenciada (praticada, fruída ou conhecida) no tempo disponível das
obrigações proissionais, escolares, familiares, sociais, combinando os aspectos
tempo e atitude.
• O lazer gerado historicamente e dele podendo emergir, de modo dialético, valo-
res questionadores da sociedade de um modo geral, e sobre ele também sendo
exercidas inluências da estrutura social vigente.
• Tempo privilegiado para vivências de valores que contribuam para mudanças
de ordem moral e cultural, necessárias para solapar a estrutura social vigente.
• Portador de um duplo aspecto educativo – veículo e objeto de educação, consi-
derando-se, assim, não apenas suas possibilidades de descanso e divertimento,
mas de desenvolvimento pessoal e social.
2. Ele airma que no ambiente rural era possível, apesar de toda dureza inerente ao
trabalho, conciliar elementos lúdicos, como as danças tradicionais, com os gestos
do trabalho na terra, na madeira, com os companheiros. Este eram incorporados e
estilizados, demonstrando a ligação efetiva e lúdica. Na linha de montagem da Era
Industrial isso não seria mais possível, pois a menor distração de um elemento pre-
judica a produtividade dos demais, além de ser um perigo para o indivíduo e seus
companheiros de trabalho. A organização do espaço industrial diiculta a diversão
e entretenimento, além do que, no início do processo de industrialização, com as
longas jornadas de trabalho, só restava tempo para o descanso, e não para diverti-
mento e desenvolvimento pessoal e social.
3. Emulação pecuniária é a competição ou a demonstração de força por meio do di-
nheiro. O ócio e consumo conspícuo são demonstrações de poder por meio da frui-
ção do tempo disponível e das possibilidades de aquisição neste tempo por meio do
poder inanceiro. O ócio e consumo vicário são demonstrações de possibilidades do
ócio e do consumo baseados em uma capacidade, ou poder alheio, ou seja, a vivên-
cia e consumo no lazer estaria relacionada à capacidade que determinado indivíduo
ou grupo social possui de manter uma massa de trabalhadores ao seu dispor para
realizar um trabalho que lhe sustente e, consequentemente, este seja favorável ao
ócio e ao consumo.
4. A escolha do termo preguiça reporta-se às questões religiosas. Lafargue constrói
sua retórica em forma de incisiva paródia aos sermões religiosos, seguindo suas
regras. Preguiça é um dos sete pecados capitais e o que ele objetivou foi um ataque
ao “credo da burguesia”, ao que denomina “religião do trabalho”, cujo o deus seria o
Progresso. Ao descrever o capitalismo como uma nova forma de religião, apresenta
operários embrutecidos pelos dogmas do trabalho, os quais produzem sua própria
destruição. Reivindica uma nova redistribuição do tempo para que se possa desfru-
tar de outras virtudes que a vida oferece e que, devido a uma dinâmica de trabalho
exploradora e desmedida, priva os trabalhadores deste usufruto. A preguiça seria o
que hoje denominamos de lazer, com suas possibilidades de descanso, divertimento
e desenvolvimento.
5. No trabalho não alienado, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. No traba-
lho alienado, a essência do ser humano é ocultada, e o trabalhador não se reconhe-
ce como produtor das obras. A divisão social do trabalho desconsidera as aptidões
e capacidades dos indivíduos, suas necessidades fundamentais e suas aspirações
criadoras. O trabalhador individual não é mais subjetivo, humano, pertencente a ele
mesmo, mas a uma outra classe, a quem vende sua força de trabalho no mercado.
Quando o trabalhador aliena para um outro (o burguês) sua força de trabalho, se
torna uma mercadoria destinada a produzir mercadorias, portanto desumanizado,
coisiicado.
39
LAZER, RECREAÇÃO,
TRABALHO E OBRIGAÇÕES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Lazer, trabalho e obrigações
• Lazer, animação sociocultural e recreação
Objetivos de Aprendizagem
• Esclarecer as relações entre lazer, trabalho e as demais
obrigações humanas na sociedade atual.
• Compreender o surgimento do animador sociocultural
no processo de desenvolvimento histórico do lazer e do
trabalho.
unidade
II
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a),
Em nossa segunda unidade, buscaremos compreender um pouco mais sobre
a relação do lazer como mundo do trabalho, bem como com as demais obriga-
ções sociais. Além disso, é necessária a compreensão de como se dá o surgimento
do animador sociocultural neste processo de desenvolvimento do lazer até ca-
racterizar-se na sociedade contemporânea. O tema do proissional do lazer, ou
animador sociocultural, como adotaremos em nossas discussões, será abordado
especiicamente em nossa última unidade, mas se faz necessária, neste momento
a abordagem para ins de compreensão do desenvolvimento histórico do lazer.
Não é possível lançar as bases para uma real compreensão do lazer sem que
estabeleçamos uma relação com o mundo do trabalho. O mesmo sangue social
que corre no trabalho corre no lazer. Qualquer alteração em um, certamente afe-
tará o outro. O que se deseja é que o proissional que atue em qualquer campo
do lazer tenha uma base consistente para compreender e perceber o potencial
transformador que possui o lazer. Tido por muitos como “coisa não séria”, o lazer
tem, em si, brechas que podem questionar modelos sociais desumanizadores e
fomentar ações de mudança.
A compreensão do lazer deve ser feita também na relação com demais obri-
gações sociais. Assim como o trabalho tem relação direta com o lazer, há tam-
bém uma relação direta entre as obrigações religiosas, sociais, político-par-
tidárias e familiares na determinação do que acontece no tempo disponível,
pois tais obrigações também são geradoras de valores.
Esperamos que, com as relexões propostas nesta unidade, você seja ins-
tigado a, ao menos, questionar a realidade na qual está inserido(a), anali-
sando e veriicando se cada um dos argumentos apresentados são coeren-
tes diante das suas vivências pessoais. Caso você esteja vislumbrando uma
atuação no campo do lazer, estas relexões certamente propiciarão uma
formação diferenciada como animador sociocultural.
Bons estudos!
RECREAÇÃO E LAZER
Lazer, Trabalho e
Obrigações
Tratar do lazer é abordar necessariamente o tempo As lutas para reivindicação de novas jornadas de
de trabalho e as obrigações religiosas, sociais, polí- trabalho, bem como para a humanização deste,
tico-partidárias e familiares, conforme Marcellino foram marcadas pelo sofrimento em todo o mun-
(2000, p. 7-9). Lembre-se de que as obrigações estu- do. Camargo (1986) descreve o processo históri-
dantis são uma categoria de trabalho. Com relação co de reivindicação aos direitos trabalhistas air-
à questão das obrigações sociais, vale destacar que: mando que as primeiras lutas foram sangrentas,
pois havia uma constante repressão policial às
[...] para se caracterizar uma determinada práti- manifestações. Na Europa, na metade do século
ca social como obrigação é necessário analisá-las
XIX, foram conquistados os primeiros resultados
a partir dos aspectos tempo e atitude. As obriga-
ções religiosas, por exemplo, podem ser caracte- das reivindicações trabalhistas. Com a chegada
rizadas desta forma ao estarem presas a um tem- de trabalhadores europeus já treinados no Brasil,
po pré-determinado e uma atitude que está de formando uma nova cultura do trabalho em solo
acordo com um anseio intrínseco do indivíduo. brasileiro, herdou-se, também, a consciência de
A religião, neste sentido, pode ser caracterizada
classe “com consciência sobre os rumos da luta
como lazer desde que não seja obrigatória e es-
teja respondendo a ao menos um dos conteúdos pela redução da jornada de trabalho” (Camargo
do lazer (MARCELLINO, 2000, p. 17-19). 1986, p. 146).
44
EDUCAÇÃO FÍSICA
45
RECREAÇÃO E LAZER
Portanto, os argumentos apresentados reforçam considerado como vazio de signiicados por poder
a ideia de que o lazer possui íntima relação com o ter como característica a possibilidade de ócio. Ou-
trabalho e que o processo de redução da jornada tras vezes não se trata o lazer com a devida serieda-
deste favoreceu o desenvolvimento do lazer. Entre- de, pois a possibilidade de divertimento é considera-
tanto, é necessário destacar que não é apenas na re- da como coisa para matar o tempo.
lação com o trabalho que o lazer se desenvolve. Na Com relação à existência e caracterização do lazer
medida que o tempo dedicado às obrigações coti- na sociedade urbano-industrial, é necessário destacar
dianas diminuem, tende a crescer o seu tempo e as que para que ele exista é condição sine qua non que
possibilidades para seu desenvolvimento. as obrigações diárias cessem, ou seja, o tempo para
A recíproca é inversamente verdadeira. Um au- a concretização e caracterização do lazer é o tempo
mento no tempo de trabalho e/ou das obrigações fora das obrigações do trabalho diário. Há um caráter
cotidianas, por necessidade, ambição ou qualquer liberatório no lazer, resultado de livre escolha.
outra razão, tende a privar o ser humano de uma
possibilidade de vivência de valores inerentes ao
próprio lazer.
Um problema enfrentado principalmente nas
sociedades menos desenvolvidas e com problemas
sociais emergenciais, como é o caso do Brasil, é
o de considerar determinadas atividades cotidia-
nas como de primeira necessidade e outras como
facultativas, ou desnecessárias. Marcellino (2003)
airma que, em muitos momentos, as atividades
de lazer são tratadas como sobremesa ou modis-
mo e que, para superar esta concepção, o assun-
to deve ser tratado com seriedade, no sentido de
compreender seu signiicado e importância para
a vida humana. Na esteira destas considerações,
Marcellino (2003, p. 17) propõe considerá-lo “não
como simples fator de amenização ou alegria para
a vida, mas como questão mesmo de sobrevivên-
cia humana, ou melhor, de sobrevivência do hu-
mano no homem”.
Outro aspecto relevante para considerarmos
acerca do lazer, além do seu signiicado, são os va-
lores atribuídos a ele. Os mais frequentes são diver-
timento e descanso, gerando, desta forma, atitudes
negativas com relação ao lazer. Por vezes o lazer é
46
EDUCAÇÃO FÍSICA
Há um relativo caráter desinteressado que ca- [...] seu tempo fora do trabalho vê-se amea-
racteriza o lazer, sem ins econômicos, por exem- çado por uma fadiga, amiúde mais psíquica
plo. O lazer tem como funções o descanso (físico do que física, que pesa, até destruí-la, sobre
a capacidade que tem de divertir-se e mesmo
e mental), o divertimento (quebra da rotina coti-
de recuperar-se. Sejam agressivas ou depres-
diana obrigatória) e o desenvolvimento (pessoal e sivas, as reações afastam o trabalhador das
social). “Nas atividades de lazer busca-se, assim, promessas de uma vida de lazer ao mesmo
um estado de satisfação pessoal que engloba toda tempo divertida e enriquecedora, orientada
em um nível de cultura mais elevado. Seu
a personalidade do indivíduo” (MARCELLINO,
papel de consumidor padronizado dos pro-
2003, p. 26). dutos do sistema, de que constitui uma en-
Com relação ao tempo de trabalho e ao tempo grenagem, aumenta seu bem-estar material,
de não trabalho (tempo liberado), precisamos enfa- porém não faz senão acentuar nele o dese-
tizar que esta dicotomia deve ser analisada especi- quilíbrio, as tensões entre a vida de trabalho e
a existência fora do trabalho (FRIEDMANN,
icamente no mundo urbano-industrial. Um outro 1964, p. 166).
problema relacionado à aquisição de mais tempo
disponível para o ser humano é a questão de não es-
tarem preparados para usufruírem deste tempo, por
estarem condicionados às dinâmicas alienantes do
mundo do trabalho, passam a desconhecer a si mes-
mos, seus gostos, anseios e virtudes. Ou ainda, por
possuírem uma renda insuiciente para seu sustento,
passam a realizar trabalhos informais para prover a
subsistência de si e da família.
Neste sentido, Friedmann (1964) airma que
o processo de industrialização exerce no traba-
lhador uma ação múltipla geradora de variados
fenômenos sociais. Em muitos casos, segundo o
autor, o trabalho rotineiro e enfadonho gera uma
compensação oposta fora do trabalho e por ve-
zes aumenta o sentimento de apatia: contudo o
tempo fora do trabalho passa a relacionar-se a
uma possibilidade ou de compensação dos males
do trabalho ou de vivência de valores de trans-
formação social. No primeiro caso destacamos a
seguinte airmação:
47
RECREAÇÃO E LAZER
Portanto, além do problema de reivindicação de Portanto, muito mais do que reivindicar mais
tempo fora do trabalho, há o sério problema da qua- tempo para o usufruto do lazer e suas possibilida-
lidade deste, dedicado às atividades nele vivenciadas. des, se fazem necessárias ações educativas que, con-
Mais uma vez, conforme airma Friedmann (1964), forme o conceito operacional de lazer adotado para
as características de um trabalho em migalhas são este estudo, eduquem pelo e para o lazer. Educar
impressas nas atividades de lazer. A alienação de um pelo lazer seria o modo como as atividades de lazer
é caracterizada no outro. Bosi (1978, p. 35) expres- poderiam desenvolver pessoal e socialmente seus
sa essa questão de forma pertinente ao airmar que praticantes, sem necessariamente instrumentalizá-
“[...] se no trabalho e no lazer corre o mesmo sangue -lo. Já educar para o lazer seria a implementação de
social, é de esperar que a alienação de um gere a eva- ações educativas que conscientizassem a população
são e processos compensatórios em outro”. de que o lazer não precisa estar atrelado à indústria
cultural para que dê prazer e que há sim a necessida-
de de transcendência de um grau conformista para
um grau crítico e criativo (DUMAZEDIER, 1980b).
48
EDUCAÇÃO FÍSICA
49
RECREAÇÃO E LAZER
50
EDUCAÇÃO FÍSICA
Os conteúdos intelectuais do lazer são aqueles rizariam os interesses sociais, mesmo não haven-
em que há um anseio pelo contato com o real, com do contato físico. Acredito que sim. Elas carac-
informações objetivas e racionais. Podem estar re- terizam os interesses sociais, pois assim como o
lacionados tanto a interesses delimitados apenas na contato presencial, real, há sociabilidade espontâ-
esfera do lazer quanto ligados ao trabalho e às obri- nea e organizada.
gações. Pode parecer ambiguidade, e pode ser, mas
o que delimita são, como já discutido, os aspectos
tempo e atitude.
51
RECREAÇÃO E LAZER
O último conteúdo cultural do lazer, classiica- Vale destacar que as categorias passividade e
do sempre a partir do aspecto tempo e atitude, são atividade no lazer não estão associadas ao grau de
os de interesses turísticos, nos quais há uma que- movimento relacionado a um determinado conte-
bra da rotina temporal e/ou espacial e o contato údo cultural. A prática e consumo estão ligados à
com novas situações, paisagens e culturas. Excur- atitude e aos níveis de participação que podem ser:
sões, passeios e viagens são exemplos destes inte- elementar (conformista); médio (crítico); ou supe-
resses. É bom lembrar que não me reiro apenas à rior ou inventivo (criativo). Passividade ou ativida-
execução ou vivência. Neste caso, o planejamento, de estão relacionadas, portanto, a estes três níveis
com todo seu grau de expectativa e excitação, e o apresentados.
rememorar a vivência, por meio de fotos, vídeos
ou numa reunião de amigos, tem o mesmo grau de REFLITA
importância quanto a vivência em si.
Alcançar a tão almejada qualidade de vida A criança, enquanto produtora de cultura,
requer um equilíbrio entre cada um destes inte- necessita de espaço para essa criação. Im-
resses, conforme o tempo e atitudes individuais, possibilitada torna-se consumidora passiva.
numa perspectiva dos três “D’s” do lazer: descan- (Nelson Carvalho Marcellino).
so (físico e/ou mental); divertimento (quebra da
rotina); desenvolvimento (pessoal e/ou social).
São opções prazerosas pela atividade, nas quais
a pessoa pode realizar observando, fazendo, ou Entretanto, há a necessidade de que as pesso-
conhecendo algo, pois todas elas caracterizam a as que estão em atitude favorável ao lazer se cons-
possibilidade de fruição. cientizem de todas as possibilidades presentes
neste tempo/espaço. A informação é o primeiro
mecanismo para que a conscientização aconteça
de modo satisfatório, de forma que as atividades,
ou a opção pelo ócio, envolva o indivíduo em sua
complexidade. Nesse sentido, as atividades de
lazer devem conceber o ser humano de maneira
integral.
52
EDUCAÇÃO FÍSICA
O processo educativo pelo e para o lazer deve ser O lazer é um modelo cultural de prática social
considerado, acima de tudo, como uma atitude po- que interfere no desenvolvimento pessoal e so-
cial dos indivíduos. Essa é a chamada educa-
lítica entendida em seu sentido mais amplo e não
ção informal, numa sociedade que, não apenas
apenas como ligação político-partidária, como ati- através da escola ou da família, mas também
tude que lida com as diferentes relações de poder dos seus pontos de encontro, das informações
e as consequências advindas dessas relações. Além difusas de tevê, jornais, outdoors, cinema bate-
-papos, se converte numa sociedade educativa
disso, o lazer, enquanto espaço político, educativo e,
(CAMARGO, 1986, p. 165-166).
por que não, ideológico, pode ser considerado como
espaço de resistência ao consumismo imposto pela Além disso, em oposição a uma dinâmica de resis-
lógica do mercado dos dias atuais. tência possível no lazer, há o perigo da utilização
O cuidado destacado pelo autor com relação às da agradável força do esporte e lazer, por exemplo
práticas concretas do lazer se refere às apropriações “para a atenuação de conlitos sociais e, por que não
as quais o lazer está submetido. Por vezes o lazer é dizer, para forjar um sentimento de identidade co-
submetido a interesses governamentais, por exem- mum” (VALE, 1988, p. 49), sentimento este que pro-
plo, sendo por eles explorado, devido a seu alto po- duz uma barreira que impede a percepção das reais
tencial educativo. desigualdades sociais.
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RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
Parker (1978, p. 10), ao apresentar seu entendi- sociedade contemporânea, que possam impedir esta
mento sobre o lazer, destaca o papel de organizações revolução cultural, há uma grande reivindicação com
e instituições que gerenciariam as práticas de lazer, relação à dinâmica do lazer em suas mais variadas di-
sob uma concepção moralista no sentido de ameni- mensões, principalmente no ambiente urbano. Para
zar os conlitos advindos de interesses divergentes, o que haja um real entendimento e valorização do lazer,
que me parece descaracterizar a própria possibilida- enquanto um dos elementos do processo de humani-
de de diferentes atitudes advindas do lazer. Eis seu zação, deve ocorrer uma contribuição
entendimento:
[...] através da promoção de atividades e da
[...] o lazer é o tempo livre de trabalho e de outras adoção de medidas que facilitem a participação
obrigações, e também engloba atividades que se popular, para o entendimento e valorização do
caracterizam por um sentimento de (relativa) li- lazer no senso comum.
berdade. Como sucede com outros aspectos da
Para isso, além de tempo e espaço disponíveis, a
vida e da estrutura social, o lazer é uma experi-
ação cultural dos animadores é básica. É preciso
ência dos indivíduos, um atributo do grupo ou
que esses proissionais ou amadores, engajados
de outra atividade social, e possui organizações
em grupos ou organizações, distingam os alia-
e instituições relevantes que procuram atender
dos a quem devem se associar e os obstáculos
às necessidades de lazer, reconciliar interesses
a serem transpostos na sua tarefa pedagógica.
conlitantes e implementar as políticas sociais.
Do seu engajamento, quase sempre marcado
pela incerteza dos resultados a serem obtidos,
É possível perceber que uma real revolução cultu- dependerá a efetivação do lazer como elemen-
ral que envolva, dentre outros aspectos, a questão to de mudança ou de acomodação, como fator
do lazer deve levar em conta o processo de institu- de humanização ou simples bem de consumo
(MARCELLINO, 2003, p. 80-81).
cionalização da cultura, de forma geral. A desapro-
priação progressiva das práticas institucionalizadas,
pela própria ação popular, pode ser considerada Este apelo a uma mudança, principalmente no que
uma forma de resistência. O que se deve priorizar, diz respeito ao lazer, é fruto da percepção que o
no entanto, é que estas manifestações possibilitem mundo do trabalho em si não dá conta de explicar
uma crítica ao próprio mundo do trabalho de onde a existência humana e que já não a satisfaz suicien-
este lazer, de forma dialética, emerge. temente. O conformismo e o problema da insatis-
Com relação a um processo de mudança que faci- fação no trabalho geram problemas sociais latentes;
lite a instauração de uma nova ordem no plano cultu- um exemplo na sociedade contemporânea seriam as
ral, podemos destacar que a sociedade contemporâ- torcidas de futebol, que passam a agir de forma vio-
nea se encontra em um momento histórico adequado lenta sem ao menos terem consciência das razões,
para sua efetivação, pois conforme Marcellino (2003, quando, na realidade, a causa pode estar justamente
p. 80-81), há um “[...] apelo dos novos valores que numa insatisfação social, relacionada, por exemplo,
se veriica atualmente, valores esses também gerados ao trabalho, uma espécie de catarse. Este é apenas
na prática do lazer”. Na sequência de sua argumenta- um exemplo da evasão que o “trabalho em miga-
ção, airma que mesmo com as barreiras existentes na lhas” pode gerar à dinâmica social.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
para justiicar sua tese de que o ócio deve ser uti- Para defender sua tese o autor utiliza integral-
lizado como forma de gerar criatividade, mas com mente os textos de Paul Lafargue e Bertrand Rus-
vistas ao mundo do trabalho, historicamente situado sell, sem situar a militância político/ideológica de
no modo de produção capitalista, numa expressão cada autor. Neste sentido, deixa de perceber e des-
denominada de “Ócio Criativo”. tacar a íntima relação do trabalho gerado histori-
Ao apresentar na íntegra os textos já menciona- camente na sociedade capitalista e o lazer advin-
dos de Bertrand Russell e Paul Lafargue, o faz como do desta mesma sociedade. Não destaca a íntima
se a visão de mundo dos dois autores fosse a mesma relação entre eles, airmando, apenas, que ambos
que a sua. Além deste problema, realiza uma tra- estão sofrendo um processo de fusão e que dentro
dução livre que não leva em conta, por exemplo, a em breve a sociedade passará a desfrutar de uma
intenção de Paul Lafargue ao escolher o vocábulo civilização do ócio.
“preguiça” e não o “ócio” para fazer parte do título O ócio descrito por De Masi é um ócio diferente
de sua obra. da forma como se apresenta contemporaneamente.
Ao tentar justiicar sua tese, de que estamos pró- Este ócio estaria a serviço do trabalho e vice-versa.
ximos a uma civilização do lazer - que já havia sido Viver os valores possíveis do ócio seria vivenciar os
apresentada e defendida por outros autores - e que próprios valores do mundo do trabalho.
esta sociedade “pós-industrial” precisa de uma in- Acredito que esta atitude “profética”, além de
versão de rota, airma que: já ter sido utilizada por outros autores, é perigosa,
ao propor o estabelecimento de uma nova dinâ-
[...] pela primeira vez, após a civilização gre- mica em substituição à existente. Além do mais,
ga, o trabalho não representa mais a categoria
deixa de levar em conta que há outros agravantes
geral que explica o papel dos indivíduos e da
coletividade. Pela primeira vez, depois da Ate- que impedem com que toda a população usufrua
nas de Péricles, são o tempo livre e a capacidade deste modelo de sociedade. Há um problema do
de valorizá-lo que determinam o nosso destino desemprego estrutural, por exemplo, e neste sen-
não só cultural como também econômico (DE tido a miserável população nesta situação não po-
MASI, 2001, p. 12).
deria desfrutar de um “ócio criativo”, por já viver
uma ociosidade (imposta), extremamente criati-
va por sinal, que a impele a mover possibilidades
acima de suas forças para gerar meios de sobre-
vivência.
59
RECREAÇÃO E LAZER
Desta forma, retomo a consideração sobre o se comparadas a outras esferas da vida social. E o
conceito operacional de lazer adotado neste estu- mais preocupante é que o estabelecimento de um
do, que destaca a necessidade de entendimento do quadro hierárquico de formalização de políticas
lazer em sua concretude histórica e tal qual se en- para outras áreas deixa o lazer, por vezes em se-
contra estruturado na sociedade contemporânea, gundo plano.
não como será, mas como é. Analisar o tema lazer Entretanto, mesmo quando elaboradas políticas,
em qualquer sociedade deve merecer o destaque de estas tendem a permanecer no papel, esperando pela
entendimento de todos os fatores que envolvem e boa vontade dos executivos municipais. E como air-
se destacam na estruturação e desenvolvimento da ma Marcellino (1996, p. 2):
sociedade em questão.
Entendo que apesar de muito se falar sobre o [...] é preciso considerar que as propostas de
trabalho não podem icar restritas à elaboração
lazer e de este estar previsto como um direito ao de documentos, muitos deles até com ‘boas in-
cidadão brasileiro, as ações via políticas públicas tenções’, mas que acabam se transformando em
a esta área estão aquém do que poderiam estar, discursos vazios [...].
60
EDUCAÇÃO FÍSICA
61
considerações inais
E
spero que ao longo da leitura desta Unidade, você tenha percebido que
há um alto grau de complexidade no lazer. Se você achava que o lazer e
a recreação estavam associados apenas a jogos e brincadeiras deve ter
percebido quão grande foram as lutas históricas para poder usufruir
dos valores do lazer: descanso, divertimento e desenvolvimento. Portanto, lazer
também é coisa séria!
Vimos que o trabalho em migalhas, fragmentado, alienado, tem relexo di-
reto no lazer, pois eles são dois lados da mesma moeda. A mudança do trabalho
inluencia diretamente no lazer e a mudança do lazer diretamente no trabalho -
cuja estrutura delagra os riscos de evasão e compensação.
As obrigações na sociedade contemporânea inluenciam e são inluenciadas
pelas práticas de lazer, ou simplesmente recreação. A recreação age como um ele-
mento que pode despertar pessoas de um estado de conformismo diante de uma
realidade que lhes rouba a humanidade. Neste sentido, as obrigações inluenciam
diretamente no lazer e são por ele inluenciadas.
Sob o ponto de vista da relação lazer, recreação, educação e Educação Física,
é necessário pensar no desenvolvimento do trabalho na sociedade capitalista oci-
dental, urbano-industrial, mais especiicamente na organização e ações de redis-
tribuição de tempo à classe trabalhadora (ao proletariado), e nas possibilidades
de vivências fora do tempo de trabalho e das obrigações sociais.
Neste sentido faz-se necessário aprofundar as discussões em torno do enten-
dimento das temáticas lazer, lúdico e educação, tendo como cenário o trabalho
estruturado no modo de produção capitalista. Para isso, é fundamental o papel
do animador sociocultural, pelo seu caráter educativo e potencialmente revolu-
cionário. Obviamente não devemos jamais perder a visão do todo, e para que isto
não ocorra, é necessário o desenvolvimento de uma atitude ilosóica, entendida
como uma relexão que vá às raízes de diferentes temas, de forma rigorosa, com
vistas à compreensão de aspectos mais variados da complexidade social, trans-
cendendo a supericialidade, um dos grandes maus do nosso tempo.
62
atividades de estudo
63
LEITURA
COMPLEMENTAR
UM DOGMA DESASTROSO
“Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos pre-
guiçosos”.
Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civili-
zação capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois
séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão mo-
ribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua
progenitora. Em vez de reagir contra esta aberração mental, os padres, os economis-
tas, os moralistas sacrossantiicaram o trabalho. Homens cegos e limitados, quiseram
ser mais sábios do que o seu Deus; homens fracos e desprezíveis, quiseram reabilitar
aquilo que o seu Deus amaldiçoara. Eu, que não confesso ser cristão, economista e mo-
ralista, recuso admitir os seus juízos como os do seu Deus; recuso admitir os sermões
da sua moral religiosa, econômica, livre-pensadora, face às terríveis conseqüências do
trabalho na sociedade capitalista.
Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de
toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild,
servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas
que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais. Olhem
para o nobre selvagem, que os missionários do comércio e os comerciantes da religião
ainda não corromperam com o cristianismo, com a síilis e o dogma do trabalho, e
olhem em seguida para os nossos miseráveis criados de máquina. Quando, na nossa
Europa civilizada, se quer encontrar um traço de beleza nativa do homem, é preciso ir
procurá-lo nas nações onde os preconceitos econômicos ainda não desenraizaram o
ódio ao trabalho. A Espanha, que infelizmente degenera, ainda se pode gabar de pos-
suir menos fábricas do que nós prisões e casernas; mas o artista regozija-se ao admirar
o ousado Andaluz, moreno como as castanhas, direito e lexível como uma haste de
aço; e o coração do homem sobressalta-se ao ouvir o mendigo, soberbamente envolvi-
do na sua capa esburacada, chamar amigo aos duques de Ossuna. Para o Espanhol, em
cujo país o animal primitivo não está atroiado, o trabalho é a pior das escravaturas Os
Gregos da grande época também só tinham desprezo pelo trabalho: só aos escravos
64
LEITURA
COMPLEMENTAR
65
RECREAÇÃO E LAZER
Elogio ao Ócio
Bertrand Russell
Editora: Sextante
Sinopse: nesta clássica obra, Bertrand Russell vislumbra de forma
irônica um futuro em que muitos poderiam fruir do ócio de maneira
prazerosa, sem pesos advindos de uma moral do trabalho. Na sua abordagem, brinca com
um passado em que isso era privilégio de poucos, garantido pela exploração de muitos, a
massa proletária. No mundo que ele intui e antecipa, as máquinas garantiriam que todos pu-
dessem se ver livres da fadiga brutal, por isso a importância do desenvolvimento tecnológico.
Sua proposta é de uma jornada de trabalho de quatro horas, e as demais seriam dedicadas
ao descanso, desenvolvimento e divertimento, pelas quais o ser humano seria mais criativo
e feliz.
Comentário: esta obra é fundamental para as relexões sobre a possibilidade de uma organi-
zação social que rompa com a santiicação do trabalho, tal qual se encontra estruturado na
sociedade contemporânea e, em muitos casos, bem como com a consequente demonização
do ócio. A defesa de uma sociedade que usufrua do ócio passa pela discussão do lazer e da
necessidade de se educar pelo e para o lazer. Como fazer isto é um desaio aos proissionais
envolvidos nesta área, não como meros reprodutores, mas como criadores e recriadores de
modus vivendis.
Para aqueles que desejam conhecer mais e saber das pesquisas recentes ligadas ao campo
do lazer, recreação e animação sociocultural, sugerimos o acesso periódico Licere - Revista
do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer/UFMG. A Revista é pu-
blicada desde 1999, o que propicia um conhecimento amplo sobre os principais assuntos
discutidos no campo do lazer.
Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://seer.ufmg.br/index.php/licere>.
66
EDUCAÇÃO FÍSICA
Clube da Luta
Ano: 1999
Sinopse: o ilme foi inspirado no romance de mesmo nome de Chu-
ck Palahniuk, de 1996. O enredo é protagonizado por um “homem
comum”, sem nome apresentado, que vive uma vida medíocre e
descontente com seu trabalho. Como trabalhador de classe média alta, com um bom em-
prego, sente-se enredado pelo sistema, e airma diariamente que sente-se a cópia, da cópia,
da cópia. Uma instabilidade inanceira leva-o a uma angústia profunda que delagra crises
psicológicas e insônia. Diante de uma profunda crise de identidade, forma então um clube de
combate juntamente com um vendedor de sabonetes.
Comentário: o ilme é uma severa crítica ao capitalismo, mais especiicamente sobre a ver-
tente do consumismo, que faz com que as coisas não pertençam mais às pessoas, mas as
pessoas às coisas. As crises de identidade de grande parte da população levou à criação de
grupo de ajuda mútua no qual se buscava o alívio para as crises advindas de um cotidiano
maçante. O personagem de Edward Norton empreende uma fuga da realidade que conside-
ra sem sentido e ingida, e para isso começa a desapegar-se de tudo que considera de valor.
A busca pela quebra da alienação ao modo de produção capitalista que leva ao consumismo
(trabalhar para consumir, consumir para trabalhar) leva-o ao outro extremo do que vivia até
então. É possível estabelecer um paralelo entre os valores alienantes de um tipo de trabalho
no modo de produção capitalista e o risco da evasão do real que a recreação poderia pro-
porcionar. Os dois extremos são perigosos. Mas a vivência de valores distintos do mundo do
trabalho pode, num movimento dialético, proporcionar um equilíbrio e uma genuína trans-
formação e quebra de um estilo de vida alienado.
67
referências
Referências On-Line#
Em: <http://cev.org.br/biblioteca/ginastica-geral-gg/>. Acesso em: 26 mai. 2017.
1
68
gabarito
69
LAZER, LÚDICO E EDUCAÇÃO
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Lazer e o duplo processo educativo
• Lazer como espaço para o lúdico
• A cultura, o lúdico e a escola
Objetivos de Aprendizagem
• Compreender o duplo processo educativo presente no
lazer.
• Analisar o lazer como lócus privilegiado para o lúdico.
• Estabelecer relações entre a cultura, o lazer e a escola.
unidade
III
INTRODUÇÃO
Estimado(a) aluno(a),
Os temas desta unidade são de suma importância para o processo formativo
do(a) licenciado(a), pois, em muitos momentos, ele é fonte de grandes mal-en-
tendidos. A relação lazer, lúdico e educação necessariamente passa pela busca
de uma compreensão mais aprofundada sobre os temas. O lazer, como já assu-
mimos em nosso conceito operacional, é cultura. Neste sentido, a relação entre
lazer, lúdico e educação ocorre sob esta perspectiva.
A compreensão de educação, como veremos, também deve transcender a visão
limitada de que ela ocorre apenas de maneira formal, em instituições concebidas
para este im. Compreendemos a educação, assim como cultura em seu sentido
mais amplo. Quando o lúdico entra nos debates, há uma riqueza enorme nas dis-
cussões, mas também o aumento do risco das más compreensões, principalmente
no que diz respeito à instrumentalização do lúdico no campo educacional. Além
disso, por mais contraditório que seja, há aqueles que concebem como lazer ati-
vidades no tempo de trabalho e obrigações. Daí a necessidade de discussão sobre
a presença do lazer na escola e como se dá esta relação à luz das teorias do lazer.
Compreender que o lazer tem um duplo processo educativo, como veículo e
objeto da educação, e entender como isto ocorre nos ajuda a prevenir uma série
de incongruências entre a relexão e a ação tão necessárias ao lazer. Certamente
todas as nossas discussões, não apenas nesta unidade, expressam uma certa
visão de mundo (cosmovisão) que não devem ser tomadas como doutrinas
ou dogmas, pois quer no campo da ilosoia, quer da ciência principalmente,
o que se almeja é que os conceitos sejam debatidos e superados, caso sejam
inconsistentes.
Por im, devemos reletir sobre a relação cultura, lúdico e escola. Como
uma matriz curricular deve ser concebida? À luz das exigências do mundo
do trabalho ou levando-se em consideração o lúdico tão relevante para a
infância? As respostas a perguntas como estas norteiam nossas ações e as
fundamentam rumo a uma práxis pedagógica.
Boas relexões!
RECREAÇÃO E LAZER
74
EDUCAÇÃO FÍSICA
75
RECREAÇÃO E LAZER
de língua portuguesa; torneio de futsal etc. Vejam, É óbvio que os conteúdos devem considerar tan-
estamos tratando de educação para o lazer, ou o to o mundo do trabalho quanto o do lazer. Porém
lazer como objeto. Quem ensina ou deve ensinar pouco se discute o brincar, por mera fruição, na
como usufruir do tempo disponível? matemática, na língua portuguesa, na biologia etc.
Todas as disciplinas escolares podem tratar do la- Pior, às vezes o prazer associado a essas disciplinas é
zer como objeto. Não há a necessidade que matrizes esquecido, quando não, extinto. Não estou propon-
contemplem conteúdos voltados apenas para o mun- do uma apologia ao hedonismo, uma das grandes
do do trabalho e apenas ao mundo do lazer, pois eles marcas da modernidade líquida, que coloca como
não são dicotômicos, mas compõem a mesma dinâ- parâmetro valorativo o prazer acima de tudo, ou
mica da vida, estruturada nos moldes atuais. Claro seja, se dá prazer é bom, e se tira é ruim. Sabemos
que isto pode ser uma questão mais da abordagem que aprender, por vezes, rouba o prazer imediato.
do professor em sala de aula do que uma previsão em Contudo me proporciona um outro tipo de prazer,
programas de disciplina, se é que eles deveriam existir. posterior ao momento do esforço de passar horas a
io em cima dos cadernos, livros e computador.
SAIBA MAIS Nossa alma é lúdica. Na criança, esta ludicidade
é muito mais evidente, pois ainda não foi furtada.
Depois de já ter revolucionado os moldes tradi- No adulto, talvez vá se perdendo esta característica,
cionais de ensino na Escola da Ponte, o profes- pois somos ensinados de que “isto é coisa de criança
sor português José Pacheco, hoje um estudioso e isto é coisa de gente grande”. Como airma Huizin-
da realidade brasileira, aposta na mudança de
mentalidade dos professores e no apoio dos ga (2012), no prefácio de sua obra, além de homo sa-
governos para haver inovação em educação. piens e homo faber, somos homo ludens: “já há mui-
Segundo o educador, é preciso que as iniciati- tos anos que vem crescendo em mim a convicção de
vas isoladas que ele tem visto pelo país sejam
registradas, avaliadas e incentivadas para não que é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se
serem perdidas. Mais que isso: os professores desenvolve”.
devem se dispor a mudar para adotar uma pos-
tura mais descentralizada, aberta à relexão, ao
diálogo e à diversidade.
Pacheco se tornou mundialmente conhecido
por revolucionar uma escola pública portu-
guesa, a Ponte, utilizando uma metodologia
ousada: ele acabou com turmas, salas de aula,
disciplinas e passou a ensinar conforme a moti-
vação dos alunos. Lá, são os próprios estudan-
tes que se organizam em grupos heterogêneos
para estudar os assuntos que lhes interessam,
são autônomos para pesquisar, apresentar os
resultados para os colegas e, quando se sentem
prontos, avisam que podem ser avaliados.
76
EDUCAÇÃO FÍSICA
O termo escola deriva do grego scholé, que sig- A própria passagem de níveis elementares para
niica tempo livre. Imagine como seriam as nos- superiores teria condições de se concretizar
mais rapidamente, através da ação educativa
sas escolas se fôssemos ensinados e estimulados
para o lazer somada à sua vivência, do que se
a valorizarmos os potenciais de descanso, diver- dependesse unicamente da participação nas
timento e desenvolvimento do lazer. Pense além, atividades, ou seja, se se restringisse à educação
se pelos conteúdos compartilhados, e não apenas pelo lazer (MARCELLINO, 2000, p. 51).
ministrados ou expostos, pudéssemos associá-los
além do dia da prova ou do vestibular, mas à vida, Como vivemos em um contexto em que pratica-
de forma não fragmentada. Pense na associação mente tudo é comercializado, não seria diferente
da escola com os conteúdos culturais do lazer: fí- com o lazer, sendo que a tendência do modo de
sico-esportivos, intelectuais, práticos ou manuais, produção contemporâneo é criar cada vez mais
artísticos, sociais e turísticos. Acredito que, cer- “necessidades desnecessárias”. A mídia tem a ca-
tamente, a escola ganharia outra “ânima”, seria pacidade de ditar certos modismos que reforçam o
mais animada. bombardeio de produtos, nas mais variadas esferas
A tarefa não é tão simples, porém nenhuma ta- da indústria, inclusive da indústria cultural. Educar
refa de vanguarda, principalmente com relação à para o lazer, portanto, pressupõe a possibilidade
educação, o é. Sempre é um desaio, mas é daque- de superação de uma homogeneização, e favore-
les que vale a pena. Marcellino (2000, p. 51), dian- cimento de uma autonomia por meio de uma cri-
te deste esforço, faz o seguinte questionamento: ticidade e criatividade pessoal e coletiva. Quando
se fala em coletividade, pressupõe-se a articulação
como educar para o lazer conciliando a trans- para o debate e formulações de políticas públicas
missão do que é desejável em termos de valores,
que envolvam, inclusive, a melhoria de quadros
funções, conteúdos, etc., com suas característi-
cas de livre escolha e expressão? e equipamentos de lazer - isso ajudaria a superar
parte das barreiras já apresentadas, ou ao menos
Porque pode parecer contraditório que se eduque uma delas, a de caráter inanceiro.
para algo que pressupõe uma atitude favorável e es-
pontânea, sem um caráter obrigatório. Contudo é REFLITA
justamente nesta problemática que está a resposta.
Quanto mais informações, diálogo, crítica e criati- Você já pensou quantas pessoas usufruem
vidade sobre o lazer, muito mais provável que o in- de seu tempo disponível sem nunca terem
divíduo tenha autonomia em seu tempo disponível. realizado uma relexão sobre ele? Condicio-
nados, programados sem conseguir projetar
Como Marcellino (2000) responde à sua própria um outro cenário e outras possibilidades.
provocação, haverá mais autenticidade, favorecendo
a escolha diante de alternativas variadas.
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RECREAÇÃO E LAZER
78
EDUCAÇÃO FÍSICA
O sapiens, o faber e o ludens estão presentes em nomia, ou seja, as regras são impostas externamente
nossa natureza humana. no entanto o mais difícil e não partindo do próprio sujeito.
é fazer com que estas três esferas se manifestem A tensão do homo faber pode estar relacionada
concomitantemente. Pensar e fazer, não como re- a prazos, perigos, metas, responsabilidades etc., ou
alidades dicotômicas. Trabalhar e divertir-se tal- seja, o melhor é aquele que produz mais e melhor.
vez sejam realidades mais difíceis ainda de con- Como airma Han (2015, p. 23), “a sociedade do sé-
ciliar, não que seja impossível, culo XXI não é mais a sociedade dis-
mas na forma como a nossa ciplinar, mas uma sociedade de
sociedade se estruturou, desempenho”. Atualmente,
parece cada vez mais temos uma mudança em
complicado esta harmo- espaços de trabalho, que
nização. Poucos têm o demandam mais criativi-
privilégio de considerar dade do que meramente
seu trabalho como uma trabalho braçal; não im-
fonte perene de diversão porta tanto a disciplina,
e satisfação, de prazer, desde que haja uma per-
mas ainda assim, há um formance esperada. Em
caráter de obrigatorie- algumas empresas pro-
dade se a atividade está dutoras de sotwares, por
na categoria trabalho. exemplo, o trabalho parece
O homo faber, de acordo com ter se aproximado mais da arte
Camargo (1998), está envolto por disciplina, do que apenas de uma mera execução
tensão e produtividade. As posturas no ambiente de de função. Por isso, o ambiente pode ser decorado
trabalho foram criadas para atender às demandas de acordo com o gosto de cada um, os horários são
no trabalho. Apesar de hoje termos as normas re- lexíveis, a diversão está mais presente, mas ainda
gulamentares do trabalho, que inclusive tratam da assim caracteriza-se uma obrigação, não há tanta
questão ergonômica, as posturas e atitudes são arti- ênfase na disciplina, no padrão, mas uma alta exi-
iciais, assume-se um papel em determinado tempo gência no desempenho. Ainda há prazos, metas, exi-
e ambiente para o cumprimento de determinada de- gências e a pressão certamente ocorrerá se a concor-
manda, exigência. Há uma heteronomia e não auto- rente ameaçar roubar uma fatia no mercado.
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RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Neste sentido, a obra Homo Ludens: o jogo como ele- o lazer é o lócus privilegiado para a manifestação
mento da cultura, de Johan Huizinga, publicada em do lúdico. Se você retornar ao conceito operacional
1938, é desenvolvida com as inter-relações entre o de lazer que estabelecemos no início dos nossos es-
jogo e as variadas esferas da vida humana: direito, tudos perceberá que há muita proximidade entre o
guerra, conhecimento, poesia, ilosoia e arte. Isto lazer e o lúdico.
demonstra a concepção de que o jogo tem papel es- O lazer como cultura vivenciada no tempo dis-
sencial em nossa essência humana. Muito do que se ponível, assim como o lúdico, tem como recom-
busca compreender, ainda hoje, sobre o ser huma- pensa a satisfação provocada pela própria situação.
no poderia encontrar sua resposta nesta perspectiva Estar envolto pelo ambiente do lazer, no entanto,
ontológica do ser humano. pressupõe a possibilidade de opção pela atividade
Huizinga (2012) airma em suas relexões que a fes- ou pelo ócio (MARCELLINO, 2001). Neste sentido,
ta também possui um alto grau de ludicidade. Na festa, como ica o lúdico no ócio, ou seja, na opção pelo
assim como no jogo, o cotidiano é quebrado, a alegria é nada fazer. Diante disso, o que podemos airmar é
um dos elementos marcantes e a liberdade está presen- que há o “D” do descanso dos valores do lazer, que
te. Neste sentido, ao reletirmos sobre a relação lazer, não necessariamente pressupõe ludicidade. Não ne-
lúdico e educação, é de suma importância que as festas cessariamente desenvolvimento e divertimento.
sejam objeto de ensino, não apenas como elemento fol- É possível, como vimos, que haja ludicidade no
clórico, mas como vivência e lócus de ludicidade. ambiente do trabalho e das obrigações. Contudo, ao
Contudo, diante das nossas relexões, cabe, ain- cessar o prazer, não se tem a liberdade de interrom-
da, explicitar a pergunta que se apresenta no pano per a atividade. Neste sentido, como já caracteriza-
de fundo das nossas abordagens iniciais sobre o lú- mos, o ambiente escolar hodierno, como um espaço
dico: “o lúdico não se manifesta apenas no lazer?” de trabalho e obrigações, estabelece uma interde-
Espero que tenha icado evidente que não. Porém, pendência com o lazer.
81
RECREAÇÃO E LAZER
REFLITA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
83
RECREAÇÃO E LAZER
A Cultura, o Lúdico
e a Escola
Como estamos nos situando no universo da recre- Como já percebemos, o brincar está permeado
ação e do lazer, nesta unidade mais especiicamente por um aspecto simbólico de profunda importância
na relação lazer, lúdico e educação, percebemos até na produção cultural humana. Além disso, brincar
aqui que o universo do lazer, principalmente sob a faz parte do processo de inserção cultural, “se expres-
ótica da educação, possui inúmeras possibilidades sa como linguagem e como processo de elaboração
de abordagens, e seria impossível um estudo exaus- de signiicados e sentidos coletivos, contextualiza-
tivo neste momento. Contudo, cabe ainda ressaltar, dos e enraizados no universo social que o legitima”
neste momento de nossa caminhada por este uni- (ISAYAMA; GOMES, 2008, p. 160). Por meio do
verso do lúdico, alguns aspectos que já pontuamos brincar, seja de forma espontânea ou não, somos in-
na primeira unidade quando estabelecemos o con- seridos nas relações sociais desde a mais tenra infân-
ceito operacional de lazer. cia. Portanto, a cultura, entendida num sentido mais
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EDUCAÇÃO FÍSICA
amplo como aquilo que é produzido pela ação hu- da infância, e que cada vez mais vêm sendo nega-
mana, em contraposição àquilo que é meramente na- das à próprias crianças, que se forma a base de uma
tural, é apresentada à criança por meio de uma certa participação crítica e criativa”. Como consequência,
linguagem, ou seja, há um processo de enculturação podemos perceber cada vez mais uma redução na
ao qual a criança responde e no qual estamos inse- capacidade imaginativa, criativa e comunicativa na
ridos e somos reinseridos ao longo de nossas vidas. adolescência, juventude e até mesmo na fase adulta.
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RECREAÇÃO E LAZER
A civilização do consumo corre o risco da pa- ca nasce e se evidencia com os componentes alegria,
dronização e sua consequente vulnerabilização. riso, entusiasmo, prazer e divertimento, expressos
Além disso, a competição econômica cria um pa- pelos participantes em determinado contexto cultu-
drão de ser humano feliz. Cada vez mais podemos ral e social; por isso a íntima relação entre a cultura,
ter indivíduos passivos, meros consumidores dos em sentido amplo, e a ludicidade.
produtos culturais e cada vez menos produtores e Como mencionamos, um dos problemas que
exercitadores de sua criatividade. Um exemplo des- não é recente em nossa sociedade, mas que vem
te processo são os lançamentos constantes de jogos se exacerbando com o passar do tempo, é o mero
virtuais tanto para consoles quanto para smartpho- consumo do brinquedo, o que gera uma indústria
nes e tablets; as babás virtuais, denominadas assim cultural voltada para a criança, mas que arrefece um
por alguns. Como airmam Dallari e Korczack movimento cultural da criança, como, o do fazer o
(1986, p. 64), parece haver um desejo, evidente ou brinquedo. Oliveira (1986, p. 35) airma que “o há-
não, de que “a criança não incomode, mesmo que bito de crianças fazerem seus próprios brinquedos
sua alegria seja apenas aparente”. Neste contexto, perdeu muito terreno para a prática consumista de
como concluem os autores, há uma padronização comprar pronto”. Em alguns casos, quando o ímpe-
da própria alegria, que mata a espontaneidade e to da curiosidade irrompe nas crianças, são tolhidas
consequentemente a felicidade autêntica que ema- pelos adultos em nome da preservação do caro brin-
na genuinamente de seu interior. quedo comprado. Percebemos em algumas crianças
A manifestação cultural lúdica não está apenas mais novas um interesse maior pela embalagem do
no brinquedo e no brincar, segundo Oliveira (2007). que pelo próprio brinquedo, pois o que está em jogo
No brincar há uma experiência lúdica, mas que é a descoberta e a construção da realidade cuja liber-
transcende este meio. A manifestação cultural lúdi- dade de exploração é necessária.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Percebemos, portanto, que o furto do lúdico, como Cada vez mais vemos um aumento nas barrei-
denomina Marcellino (2002), pode estar relaciona- ras para que, principalmente, as crianças deixem de
do também à grande indústria de massa, voltada ser meras consumidoras de cultura e passem a ser
especiicamente para o público infantil. A lógica produtoras. Vale observar que, principalmente em
da indústria e, consequentemente, do comércio e a grandes cidades, umas das barreiras é a limitação de
venda com vista ao lucro, obviamente, deixam em espaço, em primeiro lugar, mas que pode estar dire-
segundo plano aspectos como conteúdo se seus pro- tamente atrelada ao fator tempo. Discutiremos mais
dutos, apesar de todas as leis em torno do comércio detidamente esta questão na próxima unidade.
em território nacional - já insuicientes na dinâmica Outra barreira à produção cultural, como já
do comércio globalizado. mencionamos, ainda é, infelizmente, a exploração
A lógica da indústria cultural é a do sempre igual, da mão de obra infantil, que reduziu nos últimos
mas com roupagens diferentes, para que sempre se anos no Brasil, mas que ainda está presente em
consuma o igual na essência, mas diferente na esté- nossa sociedade. Pior do que isso, ainda é possível
tica, gerando um status, por se ter o mais novo pro- encontrar famílias inteiras em regime de trabalho
duto do mercado. “Toda práxis da indústria cultural escravo. Como falar em conhecimento, apreensão
transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações cultural? Como tratar de uma criticidade das vi-
espirituais” (ADORNO, 1971, p. 288). A ideologia vências e imposições da indústria cultural? Como
da indústria cultural, neste sentido, não promove estimular uma criação, criatividade, produção
uma autonomia, consciência, mas um conformismo, cultural, independente da faixa etária? Portanto,
por meio do qual não há possibilidade de confronta- como qualquer assunto que envolva o ser huma-
ção ou transformação da ordem estabelecida. no em sociedade, é necessário conceber o proble-
Como conclui Adorno (1971, p. 294), “a cons- ma da cultura, do lúdico e, consequentemente, da
trução ideológica da indústria cultural não visa educação numa perspectiva mais ampla, atrelada a
uma vida feliz, mesmo que discurssem assim, nem várias outras esferas que compõem o rico mosaico
mesmo à uma nova arte da responsabilidade moral”, da vida em sociedade.
mas a uma conformidade aos interesses dos podero- O furto do lúdico ocorre, como salienta Mar-
sos. Há uma falsa satisfação gerada, que pode durar cellino (2002), não apenas pelas privações de es-
pouco tempo, concebida de forma a compensar um paço/tempo, mas também pela bem-intencionada
vazio existencial, que pode até gerar uma “sensação transformação de elementos que no lazer são po-
confortável de que o mundo está em ordem” mas tencialmente lúdicos para meios de aquisição de
que “frustra-as na própria felicidade que ela iluso- conhecimento no processo educativo, em atividade
riamente lhes propicia”. Isso impede a construção da utilitária. A lógica da fruição, se é que ela tem uma
autonomia de indivíduos que pensem e ajam cons- lógica, racionalmente concebida, é a preparação
cientemente, e, por consequência, sejam mais con- para o futuro, a formação de um indivíduo pro-
tentes, com uma vida mais signiicativa. dutivo, que é justamente a lógica burguesa, pois a
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RECREAÇÃO E LAZER
aprendizagem é necessária à vida adulta, à negação cionalista e instrumental do brincar. Quando o brin-
do ócio: negócio. O jogo, nesta dinâmica utilitária, car, como elemento cultural, se torna passivo, não há
funcionalista, é instrumentalizado para treinar, ou espaço para a criatividade, mas à mera reprodução
adestrar, partindo do pressuposto de que sempre em conformidade à uma realidade imposta. É óbvio
deseja ser “gente grande”, quando na verdade, ao que o adulto pode preservar a rica cultura produzi-
que tudo indica, a criança é estimulada a crescer e da pelas gerações anteriores e transmitir às gerações
o adulto deseja reviver a infância. mais novas, isto é educação, e é um dever. Contudo,
devemos lutar para que as barreiras que impedem as
crianças de transcenderem o mero dado sejam su-
peradas e haja efetivamente uma produção cultural
da criança, e não apenas para a criança. Como air-
ma Oliveira (2007, p. 132), a referência, de maneira
geral, é de “manutenção da ordem social vigente a
ser aceita de forma submissa e acrítica”. Nesta lógica,
não há luta pela alegria, ludicidade, prazer, “vivência
temporária do não-real, do não-usual e da fantasia
– elementos centrais do brincar e que permeiam as
atividades de lazer”, pois eles são justamente brechas
que podem vir a solapar a ordem social vigente.
O brinquedo como um elemento cultural sig- E a escola? Como ica diante deste confronto en-
niicativo, dotado de uma linguagem especíica que tre uma cultura imposta e a necessidade uma produ-
tem em si, potencialmente, a capacidade lúdica, ção cultural genuína? Ela está, e nisto consideremos
corre o risco de se tornar um “microcosmo adulto”. professores, alunos, coordenadores, diretores etc.,
Nesta perspectiva, torna-se mais um elemento de em meio a uma disputa; diante de exigências para a
utilitarismo dominante, como uma imposição da formação do mercado de trabalho, do mundo do ne-
cultura adulta à infância. Com isso, corre-se o ris- gócio, e da educação para o lazer, para brincar, para
co de uma padronização da infância, da cultura in- a o lúdico. Como airma Snyders (1988, p. 196):
fantil, essencialmente lúdica, aceitando tacitamente
uma heteronomia adulta. “Brinquedos/mercadorias, [...] o drama da escola é que muitos alunos re-
correm a ela em busca de como se desenvolver
brinquedos/álibis da convivência inválida, para a
em uma direção que os atrai, mas a orientação
mera demonstração de uma falsa felicidade adulta” imposta consegue com frequência restringir até
(MARCELLINO, 2002, p. 69). mesmo a força de desejar. A escola, lugar onde
Quando a criança se encontra no patamar de se educam os futuros trabalhadores – ou lugar
mera consumidora da cultura adulta, e neste caso onde se renuncia educá-los? O medo de tornar
(ou continuar) se renuncia a educá-los? O medo
não estamos apenas nos referindo à indústria cul-
de formar (ou continuar) trabalhador, peque-
tural, mas a qualquer meio de imposição cultural à no empregado substitui o medo do inferno – e
criança, de forma geral, caracteriza-se a visão fun- quase não se progride em direção a alegria.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
Como já dissemos, não é apenas a preparação para o outra consigam desfrutar de um pouco de diversão
futuro, mas um equilíbrio entre a cultura acumulada em meio ao tédio.
ao longo do tempo, a alegria do conhecimento pre- A escola necessita, portanto, fundamentar sua
sente e a esperança criativa para o futuro. Contudo o práxis em conteúdos que sejam signiicativos e te-
que chama mais atenção na citação anterior é que a nham ligação com a cultura na qual os sujeitos es-
diversão tão propalada em alguns círculos educacio- tejam inseridos. Neste sentido, no mínimo, seria
nais como a panaceia para a crise educacional pode necessária uma anamnese para que o professor co-
não ser suiciente, pois, segundo os autores, não se nhecesse a realidade de seu alunado e gerasse algo
trata apenas de ser divertido, mas viciante, como os que propiciasse maior aproximação e vínculo entre
grandes concorrentes da educação conseguiram fa- ambos. Com isso, uma produção coletiva diante dos
zer, por meio de seus produtos. diferentes conteúdos, dos quais os brinquedos, jogos
O risco de não nos conscientizarmos desta e brincadeiras fazem parte, seria viável e natural, e
situação e não reletirmos para encontrarmos so- por que não dizer, divertida, lúdica, sem necessaria-
luções que lidem com a cultura, sem necessaria- mente uma instrumentalização do lúdico.
mente instrumentalizar o lúdico, é cedermos a um
pacto da mediocridade: o professor inge que ensi- A escola deveria ser um lugar de alegria para
os alunos e também para os professores. [...]
na e o aluno inge que aprende. Para que não haja
Eu gostaria que o trabalho dos alunos na esco-
aborrecimentos diante da necessidade imposta la fosse vivido de modo bastante diferente: as
da presença nos bancos escolares, os alunos re- obrigações, inevitáveis tanto num caso como
signam-se para evitar problemas maiores e cum- no outro, não representam aqui condições de
prem o papel que se espera. Estarão, como airma produtividade e de lucro, mas etapas em dire-
ção à alegria – a menos que se chegue ao ex-
Snyders (1988, p. 189), “muito felizes se puderem
tremo de dizer que o trabalho escolar poderia
eliminar o desagradável de algumas compensa- ser o exemplo precursor do que será o trabalho
ções recreativas, se puderem criar uma atmosfera adulto livre (SNYDERS, 1993, p. 33).
‘simpática’ com um professor ‘simpático’”. Ainda
de acordo com o autor, mesmo que isto não tenha
nenhum signiicado efetivo,
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EDUCAÇÃO FÍSICA
É claro que estamos tratando especiicamente do la- O fato é que não é tão simples dosar a ale-
zer da criança e do direito à alegria, para além das gria sem abdicar do papel de educador, indepen-
obrigações, principalmente a escolar, mas vale lem- dentemente se está na escola ou não, pois mesmo
brar que a alegria que se tem no lazer deve instigar o no lazer, não há apenas o aspecto da “curtição”,
questionamento do porque não seria assim também do fruir, mas há necessidade de dedicação e dis-
na escola. A alegria na escola traria consigo prazer ciplina. A alegria verdadeira requer certo rigor,
pelo presente em ser o que é, com as vantagens e não é um “deixe rolar”, “deixe acontecer”. A ale-
desvantagens da faixa etária, vislumbrando as ricas gria duradoura está baseada em disciplina. Estas
possibilidades do devir, sem necessariamente perder relações precisam estar claras para os educado-
o espírito lúdico da infância, mas também sem ne- res, pois, por vezes, em nome da alegria, as au-
cessariamente infantilizar o adulto. “Felicidade por las perdem seus objetivos e se confundem com
crescer e continuar a viver seu passado infantil sem o próprio lazer, num tempo reservado a um tipo
amargura” (SNYDERS, 1993, p. 60). de obrigações, inerente a própria vida. O lazer
Boas perguntas para fazermos a nossos alunos pode até ocorrer na escola, mas fora do tempo
seriam se eles consideram a escola um local de ale- das obrigações, utilizando sua estrutura como
gria ou tristeza; quais momentos em que há alegria um equipamento não especíico de lazer.
na escola; se há na escola adultos que brincam; entre Não podemos deixar de salientar que, em mui-
outras. Isso nos levaria, como professores(as), a re- tos momentos, a escola se torna um ambiente hostil,
letir sobre estratégias para tornar a escola cada vez difícil de suportar, se colocada ao lado dos momen-
mais alegre. Vale lembrar que a escola tem seu papel tos livres de lazer. Nestes momentos não há as pres-
especíico e não deve abrir mão do oferecimento da sões de atingir metas, passar por avaliações, lidar
cultura às novas gerações, pensando o que aqueles com obrigações de atividades por vezes em sentido,
conteúdos podem gerar para uma vida plena, ínte- cuja pergunta por vezes é: onde aplico isso em mi-
gra e com sentido. nha vida? O lazer, que ocorre na extra escolaridade,
Um risco que podemos correr é querer igualar como denomina Snyders (1993, p. 37), é, de maneira
o tempo das obrigações escolares ao lazer. A escola geral, uma atividade opcional.
necessita reencontrar sua própria alegria, a alegria
da curiosidade, da descoberta, do acesso ao conhe- [...] muitas das atividades da vida extra escolar
(esporte, música) se orientam para ins próxi-
cimento de forma autônoma e responsável. A alegria
mos, estão pouco preocupados em preparar
pode estar na própria condição gregária do ser hu- para ao futuro e não pesam portanto como pre-
mano e nas trocas de experiências, no compartilhar, ocupações distantes, mesmo quando o resulta-
nas coproduções, nas cooperações, mais do que nas do é medíocre.
competições. Condições que, por vezes, são subtra-
ídas de nossos alunos em nome de um discurso de Neste sentido é que está posto o grande desaio de
disciplina e organização: uma sala de aula organiza- resgatar a alegria na escola e da escola, sem que
da, alunos enileirados, copiando a matéria do qua- ela se confunda com o próprio lazer, seja em que
dro e sonhando com o momento de mais liberdade. disciplina for.
93
RECREAÇÃO E LAZER
O aluno corre o perigo de sentir-se vencido obrigações com o prazer de estar descobrindo, como
pela escola (“eles” são mais fortes, tenho que ir à um sujeito do processo e não como um mero objeto.
escola), enquanto meu problema, minha tarefa
e meu tormento são estudar como a alegria es-
O adulto amará a juventude não só pelo que ela
colar pode levar a melhorar sobre as alegrias da
promete ser, mas pelo que ela já é, ou seja, um
cultura inicial e da cultura do lazer (SNYDERS,
período que merece ser vivido, ao invés de um
1993, p. 50).
mero tempo de exercícios, nos dois sentidos da
palavra (SNYDERS, 1993, p. 30).
Este incômodo demonstrado deveria ser o de todo
professor comprometido com o ser humano, em pri- A escola não será um lugar de projeções futurísticas
meiro lugar, e que contribui com a humanidade por apenas, mas de vivência do lúdico sem negociar seus
meio de um meio tão relevante e precioso como a objetivos e valores. Um espaço/tempo em que, de
educação formal. O aluno deve ser motivado a gos- forma lúdica, alegre, pela própria essência do desco-
tar da fase que está vivendo, a fruir de tudo que ela brir, do aprender e do produzir conhecimento ocor-
pode oferecer e não apenas esperar que a alegria es- ra uma dinâmica de apreensão e produção cultural
teja no futuro. Aprender a equilibrar as disciplinas e pelos alunos sujeitos do processo.
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considerações inais
95
LEITURA
COMPLEMENTAR
96
LEITURA
COMPLEMENTAR
[...]
Deliciei-me com uma estoria do ´Pato Donald´. O pro- Brinquedo é qualquer desaio que a gente aceita pelo
fessor Pardal, cientista, resolveu dar como presente de simples prazer do desaio - sem nenhuma utilidade. São
aniversário ao Huguinho, Zezinho e Luizinho, brinquedos muitos os desaios. Alguns são desaios que tem a ver
perfeitos. Fabricou uma pipa que voava sempre, mesmo com a habilidade e a força física: salto com vara, encaça-
sem vento. Um pião que rodava sempre, mesmo que fos- par a bola de sinuca; eniar o pino do bilboquê no buraco
se lançado do jeito errado. E um taco de beisebol que da bola de madeira. Outros tem a ver com nossa capaci-
sempre acertava na bola, mesmo que o jogador não es- dade para resolver problemas lógicos, como o xadrez, a
tivesse olhando para ela. Mas a alegria foi de curta dura- dama, a quina. Já os quebra-cabeças são desaios à nossa
ção. Que graça há em se empinar uma pipa, se não existe paciência e à nossa capacidade de reconhecer padrões.
a luta com o vento? Que graça há em fazer rodar um pião É brincando que a gente se educa e aprende. Cada pro-
se qualquer pessoa, mesmo uma que nunca tenha visto fessor deve ser um ´magister ludi´, como no livro do Her-
um pião, o faz rodar? Que graça há em ter um taco que mann Hesse. Alguns, ao ouvir isso, me acusam de querer
joga sozinho? Os brinquedos perfeitos foram logo para o tornar a educação uma coisa fácil. Essas são pessoas
monte lixo e os meninos voltaram aos desaios e alegrias que nunca brincaram e não sabem o que é o brinquedo.
dos brinquedos antigos. Quem brinca sabe que a alegria se encontra precisamen-
Todo brinquedo bom apresenta um desaio. A gente olha te no desaio e na diiculdade. Letras, palavras, núme-
para ele e ele nos convida para medir forças. Aconteceu ros, formas, bichos, plantas, objetos (ah! o fascínio dos
comigo, faz pouco tempo: abri uma gaveta e um pião que objetos!), estrelas, rios, mares, máquinas, ferramentas,
estava lá, largado, fazia tempo, me desaiou: ´ - Veja se comidas, músicas - todos são desaios que olham para
você pode comigo!´ Foi o início de um longo processo de nós e nos dizem: ´Veja se você pode comigo!´ Professor
medição de forças, no qual fui derrotado muitas vezes. bom não é aquele que dá uma aula perfeita, explicando
É preciso que haja a possibilidade de ser derrotado pelo a matéria. Professor bom é aquele que transforma a ma-
brinquedo para que haja desaio e alegria. A alegria vem téria em brinquedo e instiga o aluno a brincar. Depois de
quando a gente ganha. No brinquedo a gente exercita o cativar o aluno, não há quem o segure.
que Nietzsche denominou ´vontade de poder´.
Fonte: Alves (2014, on-line)4.
97
atividades de estudo
2. Além ser veículo de educação, o lazer também deve ser objeto de educa-
ção, tanto da educação formal (que ocorre de forma sistematizada, privile-
giadamente na escola) quanto da educação não formal (de forma não sis-
tematizada, que ocorre fora das instituições dedicadas ao ensino). Neste
sentido, explique o lazer enquanto objeto da educação.
98
EDUCAÇÃO FÍSICA
Lazer e Educação
Nelson Carvalho Marcellino
Editora: Papirus
Sinopse: o livro é fruto da dissertação de mestrado do autor na
área de Filosoia da educação. Ele busca veriicar as relações entre
o lazer, a escola e o processo educativo, com vistas a uma alternativa pedagógica. O autor
realiza uma relexão ilosóica sobre o lazer como elemento pedagógico de signiicação, pro-
pondo fundamentos para a pedagogia da animação. Analisa a relevância do papel da escola
na relação com lazer, ora como instrumento, ora como objeto da educação. Analisa os mal
entendidos sobre os temas lazer e educação; discorre sobre o duplo aspecto educativo do
lazer; os equívocos na relação lazer e escola; e por im, propõe elementos para o que deno-
mina “Pedagogia da Animação”.
Comentário: a obra é de profunda relevância para os estudos do lazer de forma geral e mais
especiicamente para a relação lazer e escola. O autor é profícuo nos escritos sobre o tema,
sendo um dos mais respeitados nesta temática.
Brincante
Ano: 2014
Sinopse: Brincante é um documentário de sobre Antônio Nóbrega,
um artista mambembe de um teatro itinerante. Seus espetáculos,
que percorrem todo Brasil, são compostos por fantoches, truques,
música, dança e teatro. As apresentações são de teor lúdico infantil, apesar de críticas saga-
zes ao mundo adulto. Não há uma distinção entre o que costumeiramente denomina-se de
cultura erudita e cultura popular, pois no documentário ambas estão amalgamadas.
99
RECREAÇÃO E LAZER
Instituto Brincante
O Instituto Brincante, busca resgatar, conhecer, assimilar e recriar manifestações artísticas
brasileiras, numa perspectiva da nossa rica diversidade cultural. Pesquisa e reelabora da cul-
tura brasileira, com vistas a propiciar novos valores e modos de ser que propiciem ao indiví-
duo novas maneiras de pensar e viver a sociedade contemporânea. Sua Missão é: promover
o enriquecimento humano por meio do estudo e da pesquisa da arte e da cultura brasileiras,
formando e capacitando jovens, crianças, artistas e educadores e contribuindo para ampliar
sua consciência cultural e social. Sua Visão é: ser reconhecido pelos seus mantenedores e
pelo público em geral como um centro de referência irradiador da cultura brasileira e forma-
dor de intérpretes e educadores.
Para conhecer mais, acesse o link disponível em: <http://www.institutobrincante.org.br/>.
Escola da Ponte
A Escola da Ponte é, nas palavras de Rubem Alves, “a escola que sempre sonhei sem imaginar
que pudesse existir”, título de um livro sobre ela, publicado pela Papirus Editora. O modelo
pedagógico da escola rompe com os modelos tradicionais. O espaço é partilhado por todos,
não há separação de turmas, não há sinais sonoros, não há competição, mas muita coopera-
ção. É um espaço de jogo, divertido, mas com regras, construídas coletivamente.
Para conhecer mais, acesse o link disponível em: <http://www.escoladaponte.pt/>.
100
referências
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neta do Brasil, 2008. Papirus: 2002.
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Acesso em 29 maio. 2017.
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Em: <https://catraquinha.catracalivre.com.br/geral/aprender/indicacao/jardim-de-infancia-da-noruega-reti-
ra-brinquedos-das-salas-o-resultado-foi-criancas-mais-criativas/>. Acesso em: 29 maio. 2017.
4
Em: <http://pre.univesp.br/e-brincando-que-se-aprende#.WS10C-vyuUl>. Acesso em: 30 maio. 2017.
101
gabarito
1. Os objetivos consumatórios estão ligados ao relaxa- 4. Para superar a problemática apresentada é funda-
mento, à contemplação, e ao prazer que determinadas mental que as crianças tenham garantido acesso a um
práticas proporcionam. Em muitos casos, a aparência lócus (tempo/espaço) para a vivência do lúdico. Neste
é de que não se está fazendo nada, mas quando atre- lócus, deve ser estimular a criatividade, a produção
lado a um processo educativo de educação “para” e cultural e não apenas o consumo e a reprodução da
não “pelo”, é justiicável e necessária a fruição destes cultura do adulto. Não devemos focar apenas na for-
momentos, que poderá favorecer então um ambiente mação para o futuro, mas na realidade presente, na
de educação sim “pelo” lazer, aliás com grande poten- criança como um sujeito presente. A criança corre o
cial educativo. risco de que o universo das obrigações prive, paulatina
Os objetivos instrumentais são aqueles associados à e sorrateiramente, a vivência do lúdico, por isso ações
realidade concreta e sua compreensão. Há um desen- que priorizam o lúdico devem ser a marca fundamen-
volvimento pessoal e social envolvidos nestas práti- tal da infância, com a vivência dos jogos, brinquedos
cas. A sensibilidade, em vários aspectos, é estimulada e brincadeiras. As barreiras ao lazer, que são peculia-
pelas atividades recreativas. Tanto um crescimento res a cada fase da vida, e as condições econômicas,
das questões mais intrínsecas de crescimento intelec- sociais e culturais, também devem ser superadas por
tual, físico, estético etc., quanto oportunidades para meio de ações políticas que garantam efetivamente os
novos relacionamentos estreitamentos de outros. direitos de todo cidadão. Na infância, apesar de todo
respaldo legal, ainda há crianças que têm responsa-
2. Este lazer é ensinado. Isto é necessário pois a socie- bilidades no orçamento familiar e/ou são responsá-
dade capitalista restringe o tempo para a fruição em veis pelo trabalho doméstico de maneira exacerbada.
virtude da mudança da dinâmica no mundo do traba- Mesmo nas famílias mais abastadas, há o exagero das
lho, que se torna, de maneira geral, alienado, tornan- obrigações cada vez mais precoces, como, nas aulas
do também o lazer alienado. Se o lazer não for ensi- particulares, escolinhas das mais variadas ordens e
nado, seja na educação formal ou na educação não nos compromissos sociais junto a seus pais, que por
formal, há o risco de ser entendido apenas como “re- tantas vezes são enfadonhos e impõe uma inércia que
criação”, ou seja, recriar, recuperar a força de trabalho não é inerente à infância e que faz parte do processo
para que ele volte com todo ânimo ao ambiente da paulatino de morte do lúdico. Esta privação ao direito
produção. Portanto, para que haja a fruição do lazer, à alegria inerente à infância por meio do lúdico tem
é fundamental que se discuta e se ensine sobre ele, gerado um quadro de enfermidade às mais variadas,
ocorrendo uma superação da dimensão conformista que poderiam ser prevenidas e curadas por ações
para uma dimensão crítica e criativa, atrelada ao tem- simples de priorização do lúdico na infância.
po disponível.
5. Nas brincadeiras, as crianças vivenciam experiências
3. O Homo Ludens extrapola a dimensão do pensar que nenhuma outra esfera social favorece, como o
e do fazer de maneira pragmática e funcionalista, cultivo do imaginário, da fantasia e do não-real. Nas
pois o jogo em si é irracional. Huizinga (2012) che- brincadeiras, as crianças sonham acordadas, mo-
ga a airmar que as atividades arquetípicas da hu- mentos em que surgem as aspirações e os desejos,
manidade são caracterizadas pelo jogo, pois tanto criando um mundo mágico, alegre, espontâneo e in-
crianças quanto animais brincam por brincar, como tenso. Por isso, o futuro enche-se de esperança e de
expressão de sua liberdade. O homo ludens não está possibilidades de superação do imediato, que pode
sujeito a imposições, brinca, joga, quando deseja ser infeliz. Na brincadeira, tanto para a criança quan-
pelo mero prazer de brincar. O jogo nesta dimensão to para o adulto, renascem elementos que pareciam
jamais é imposto. O homo ludens tem como carac- impossíveis, mas que voltam a alimentar a vida em
terística principal a liberdade. A rotina, a disciplina, sua riqueza de possibilidades. Winnicott (1975) airma
as posturas artiiciais, entram em choque com esta que o brincar conduz à experiência cultural e constitui
essência de divertimento. Ele tende ao relaxamento, seu fundamento. A criatividade tem terreno fértil na
à improdutividade, conforme as exigências do mun- brincadeira, pois não tem limites impostos pelos pa-
do do trabalho. O homo ludens está mais próximo drões comuns na sociedade e, como se sabe, todo co-
de sua essência natural, pois é espontâneo. Segun- nhecimento novo requer o rompimento com o que já
do Camargo (1998), o homo ludens está manifesto está posto, num exercício constante de descoberta e
grandemente nas crianças, mas, paulatinamente, vai superação. Walter Benjamim (2009) airma que o brin-
dando espaço ao faber na própria brincadeira, bem car signiica libertação, pois no brinquedo, instrumen-
como pelo ensino do dever por parte dos adultos. to para o brincar, há a predominância da imitação.
Neste sentido, o jogo tem papel essencial em nossa Brincar signiica libertar-se dos horrores do mundo
essência humana. Muito do que se busca compreen- por meio da reprodução miniaturizada. As crianças,
der ainda hoje sobre o ser humano poderia encon- rodeadas por um mundo de gigantes, criam para si,
trar sua resposta nesta perspectiva ontológica lúdica enquanto brincam, um pequeno mundo próprio, pro-
do ser humano. tegido por leis de sua própria cultura.
102
UNIDADE
IV
LAZER E QUALIDADE DE VIDA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Conceitos, valores e parâmetros em lazer e qualidade de
vida
• Qualidade de vida, corporeidade e lazer
• Lazer, espaço e equipamentos
Objetivos de Aprendizagem
• Fundamentar as discussões entre lazer e qualidade de
vida à luz dos conceitos básicos da temática.
• Estabelecer uma relação entre a corporeidade e lazer
com vistas à melhoria da qualidade de vida.
• Compreender de que forma os espaços e equipamentos
especíicos e não-especíicos de lazer interferem na
qualidade de vida.
unidade
IV
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a),
Uma expressão que ganhou muita notoriedade nos últimos anos é
“qualidade de vida”. Como veremos, existem várias deinições e concep-
ções em torno desta expressão. Ela, necessariamente, passou a ser discu-
tida no ambiente acadêmico. Como a Educação Física bebe em várias ci-
ências (Biologia, Química, Física, Psicologia etc.), bem como na ilosoia,
vários subtemas emergem quando trata-se da discussão sobre qualidade
de vida. Um deles, impreterivelmente, é a relação lazer e qualidade de vida.
Devido à amplitude do tema, apresentaremos forma introdutória,
sob uma perspectiva geral mas também na relação com a Educação Físi-
ca, os principais elementos conceituais que possibilitam a aproximação
entre as temáticas lazer e qualidade de vida. Dentro destas discussões,
vários elementos acabam emergindo de maneira mais evidente, e um de-
les é a questão da corporeidade. É comum escutarmos de alunos, ao dis-
cutirmos epistemologia da Educação Física, que o objeto de estudo desta
área é o corpo. Bem, do que estamos falando? Que concepção de corpo
é esta? O que levou a uma ampliação do conceito de corpo, comumente
utilizado, para a expressão corporeidade. Por isso, além de um compre-
ender a corporeidade em si, buscaremos associá-la ao lazer a partir de
um conceito especíico de qualidade de vida.
Não seria possível oferecer os elementos fundamentais para a discussão
proposta para esta unidade sem passarmos pela discussão sobre espaço,
equipamentos e natureza. A valorização dos espaços, bem como a criação
e animação dos equipamentos especíicos e não-especíicos de lazer, são
preponderantes para a vivência do lazer de maneira adequada. Um diálogo
permanente entre os animadores e os legisladores possibilita uma signii-
cativa melhora na qualidade de vida associada ao lazer e aos espaços, bem
como à preservação do meio ambiente. Além disso, há um campo amplo
de atuação junto à natureza, e não é diferente à Educação Física, que pode
e deve atuar neste campo de maneira coerente, consciente e responsável.
RECREAÇÃO E LAZER
zer dentro da perspectiva da formação de professo- que vem à sua mente? Em geral você costuma ouvir
res(as) para a educação básica, mais especiicamente esta expressão associada a quais fatores?
108
EDUCAÇÃO FÍSICA
A expressão qualidade de vida pode ser nova, atrelada a um aspecto quantitativo, principalmente
mas o conceito deste termo já está presente na histó- no que diz respeito à longevidade. Nahas (2001, p.
ria da humanidade há muito tempo, apenas ganhan- 197) considera que “sempre foi uma aspiração hu-
do uma nova roupagem em meio às novas caracte- mana viver por muitos anos, com a melhor condição
rísticas e demandas da sociedade contemporânea. de saúde e autonomia possíveis até os últimos dias”.
Aliás, para cada cultura, seja ela em nível micro ou E, com o desenvolvimento da ciência, principalmen-
macro, há um fator subjetivo por trás do termo qua- te no último século, tem sido possível atingir este
lidade de vida. Se já é um desaio situar a questão da objetivo, pois o conhecimento gerado pela ciência
qualidade de vida pelos variados entendimentos que promove melhorias em questões como saneamento,
a expressão pode ter, imagine atrelá-lo às diversas higiene, tratamento da água, conservação de alimen-
compreensões e conceituações sobre ele. Como air- tos, produção de medicamentos, conscientização so-
ma Rosário (2001. p. 158): bre o consumo de certos alimentos, atendimento de
saúde e mudanças no estilo de vida de forma geral.
nos habituaram, não há muito, à expressão
‘qualidade de vida’, que assume aos olhos de
cada observador os contornos desenhados pela
sua sensibilidade, sua cultura, seus meios eco-
nômicos e, quantas vezes, por alienações e frus-
trações.
109
RECREAÇÃO E LAZER
nado de qualidade de vida. Contudo, este termo não o “Agita São Paulo”, implantação de ATI´s (Acade-
recebeu, a priori, uma clara deinição, e assim que a mias da Terceira Idade) em espaço públicos, incenti-
mídia passou a utilizá-lo, foi incorporado de forma vos por meio da mídia para romper o sedentarismo,
polissêmica, como destacam Guimarães e Martins ações contra o tabagismo, entre tantas outras ações
(2004). Ao ser utilizado pelo senso comum, para o que poderíamos citar, demonstram as preocupações
termo qualidade de vida, uma década depois da in- com o bem-estar para além do ambiente de trabalho,
tensiicação das pesquisas, temos o seguinte quadro: e, mais do que isso, atrelou-se o discurso da qualida-
de de vida e saúde às questões de moradia, educação,
Na década de 1990 essa polissemia já permite política, violência, lazer, convivência longevidade e
vários usos para o termo: fala-se em qualidade
satisfação (SIMÕES, 2001).
de vida quando se debate o problema da cida-
dania, de como ela é afetada pela pobreza e pela
miséria, nesse caso em sintonia com o mote
das pesquisas e programas humanitários. Fala-
-se de qualidade de vida quando se discute os
serviços e os equipamentos que uma cidade ou
província disponibiliza aos seus habitantes. Re-
laciona-se o tema à vida saudável, qualidade de
alimentação e nutrição, acesso de determinado
grupo ou sociedade a certos bens de consumo
ou, mesmo, a espaços e produtos destinados ao
lazer, ao turismo ou ao consumo de bens cultu-
rais (GUIMARÃES; MARTINS, 2004, p. 192).
110
EDUCAÇÃO FÍSICA
Tudo isso reforça a ideia da polissemia, ou associam-se a essa expressão fatores como: estado
seja, a quantidade tão variável de signiicados de saúde, longevidade, satisfação no trabalho, sa-
para a mesma expressão. Buscando superar este lário, lazer, relações familiares, disposição, prazer
problema, Betti (2002) buscou realizar uma análi- e até espiritualidade. Num sentido mais amplo,
se semântica, iniciando pelo termo qualidade. Na qualidade de vida pode ser uma medida da pró-
sua incursão espaço temporal buscou um respaldo pria dignidade humana, pois pressupõe o atendi-
ilosóico para a análise e concluiu que a evolução mento das necessidades humanas fundamentais
do termo culminou com o sentido daquilo que de- (NAHAS, 2001, p. 5).
terminado objeto tem de características, mas que Cada ser humano possui individualidade, ca-
não necessariamente revela sua essência, qualida- racterísticas, interesses, aspirações, idiossincrasias.
des e probabilidades. Seria uma forma de pautar Portanto, os modelos de qualidade de vida tendem a
um aspecto valorativo, ou seja, seria possível dizer ser os mais diversos. Contudo, vale lembrar, como já
se algo é bom ou ruim, pautando-se pela qualida- discutimos em outros momentos, que somos bom-
de. Contudo, o problema é que o aspecto da qua- bardeados pela indústria cultural a consumirmos
lidade, portanto, é extremamente subjetivo, pois determinados produtos, tendendo a levar a uma ho-
aquilo que é considerado bom para uns pode não mogeneização dos gostos, aquilo que é comumente
ser para outros e vice-versa. Porém, ainda assim, denominado de moda, ou modismos. Assim, esta
como airma Simões (2001, p. 169) “qualidade é a indução para as preferências coletivizadas tornam
palavra presente na contemporaneidade, que pode os parâmetros para análise de qualidade vida muito
ser articulada com a ideia de condição, de função, transitórios e fugidios, característica da modernida-
de atitude, de posição ou ter outro sentido em de líquida.
consequência da abrangência que esse tema pos-
sui”, o que mantém o risco de polissemia quando
atrelado ao termo vida.
Então, qualidade de vida está recheada de um
aspecto subjetivo que pode sofrer modiicações
ao longo da vida de cada pessoa. Fatores que hoje
podemos associar a uma melhor qualidade de vida
podem não ser tão mais signiicativos daqui alguns
anos.
Existe, porém, consenso em torno da ideia
de que são múltiplos os fatores que determinam
a qualidade de vida de pessoas ou comunidades.
A combinação desses fatores que moldam e dife-
renciam o cotidiano do ser humano, resulta numa
rede de fenômenos e situações que, abstratamente,
pode ser chamada de qualidade de vida. Em geral, Figura 1 - Zygmunt Bauman
111
RECREAÇÃO E LAZER
Na modernidade líquida - para muitos sinôni- individualismo ou estamos percebendo que precisa-
mo de pós-modernidade - a questão da identida- mos reconstruir o senso de coletividade? É possível
de, ou seja, a essência do sujeito e da subjetividade, tratar de qualidade apenas do ponto de vista indivi-
obviamente é a vida de um sujeito, ou de vários, dual? Individualismo, hedonismo, relativismo, con-
se tratada na coletividade, é vulnerável, e arrisco a sumismo, relações virtuais permitem uma volta às
dizer, em alguns casos, inexistente. As identidades grandes utopias relacionadas a valores como justiça,
adotam um mecanismo parasitário, onde o hospe- paz, igualdade, liberdade, fraternidade, amor, entre
deiro oferece os parâmetros. Como airma Bauman tantos outros?
(2005, p. 57-58):
SAIBA MAIS
[...] estamos agora passando da fase “sólida” da
modernidade para a fase “luida”. E os “luidos”
são assim chamados porque não conseguem Podemos dizer que a modernidade líquida é
manter a forma por muito tempo e, a menos que a época atual em que vivemos. É o conjunto
de relações e instituições, além de sua lógica
sejam derramados num recipiente apertado,
de operações, que se impõe e que dão base
continuam mudando de forma sob a inluência
para a contemporaneidade. É uma época de
até mesmo das menores forças. [...] Autorida- liquidez, de luidez, de volatilidade, de incer-
des hoje respeitadas amanhã serão ridiculari- teza e insegurança. É nesta época que toda
zadas, ignoradas ou desprezadas; celebridades a ixidez e todos os referenciais morais da
serão esquecidas; ídolos formadores de tendên- época anterior, denominada pelo autor como
cias só serão lembrados nos quizz shows da TV; modernidade sólida, são retiradas de palco
novidades consideradas preciosas serão atira- para dar espaço à lógica do agora, do consu-
das nos depósitos de lixo; causas eternas serão mo, do gozo e da artiicialidade.
descartadas por outras com a mesma pretensão Antes de Bauman criar o conceito de moderni-
de eternidade [...] carreiras vitalícias promisso- dade líquida, já Marx e Engels caracterizavam
ras mostrarão ser becos sem saída. a modernidade como o processo histórico
que derretia todas as instituições de outras
épocas, como a família, a comunidade tradi-
Como salienta Bauman (2005), o valor do carpe cional (culturalmente peculiar e fechada para
diem, de cultivar, aproveitar o dia, que em muitos ca- forasteiros) e a religião (vide a secularização
dos Estados-nação no século XX). O objetivo
sos tem como motivo outra expressão latina, tempus do derretimento proposto pela modernidade
fugit, no sentido de que o tempo foge, escorre pelos era questionar cada ponto da vida, descartan-
vãos dos dedos, é uma reação à falta de valores ou do a irracionalidade e a falta de justiicativa
plausível que cada objeto de crítica continha,
ao discurso de que eles existem, mas que demons- mas mantendo ou realocando no projeto ra-
tram não durarem muito tempo. Neste contexto, cional e iluminista suas características ainda
como airmar os valores atrelados à subjetividade da aproveitáveis.
112
EDUCAÇÃO FÍSICA
Vale destacar que, em 1990, a ONU - Orga- ainda, como destaca Simões (2001, p. 176), focar-
nização das Nações Unidas criou um comitê para mos demasiadamente nas riquezas materiais, des-
diagnosticar a desigualdade social mundial, e o considerando as ações humanas e o meio no qual
parâmetro criado foi denominado de IDH - Índice estes estão inseridos. Além disso,
de Desenvolvimento Humano. O IDH lida prin-
cipalmente com aspectos ligados à educação, ex- “condicionar as oportunidades de conhecer e
escolher um repertório de valores pertencentes
pectativa de vida e renda. São considerados neste
à sociedade em que o indivíduo está presente
índice, também, aspectos particulares de cada gru- é um outro dado que restringe a proposta de
po. Nahas (2001, p. 6-7) destaca a importância de qualidade de vida”,
outros indicadores como mortalidade, morbidade,
desemprego, desnutrição e obesidade, e distingue pois rouba a possibilidade de autonomia, e legitima
alguns parâmetros fundamentais para o diagnósti- uma alienação, um pertencimento ao outro, uma he-
co da qualidade de vida: 1. Parâmetros Socioam- teronomia que solapa a possibilidade de uma vida
bientais: moradia, transporte, segurança, assistên- plena e com signiicado.
cia médica, condições de trabalho e remuneração,
educação, opções de lazer, meio ambiente etc. 2.
Parâmetros individuais: hereditariedade e estilo de
vida (hábitos alimentares, controle de stress, ativi-
dade física habitual, relacionamentos e comporta-
mento preventivo).
Podemos perceber quão complexo é diagnosti-
car e avaliar a qualidade de vida, tanto pela ques-
tão da variedade e imprecisão de conceitos, quanto
pela complexidade dos elementos associados. Não
que devamos abandonar este intuito na busca pela
melhoria da vida, mas é necessário ter a clareza de
que, como bem alerta Moreira (2001, p. 16), o con-
ceito atual de qualidade de vida, de forma geral,
precisa ser entendido em sua complexidade, pois
corre-se o risco, por exemplo, de valorizar ape-
nas a quantidade de anos a mais, “mesmo que isso
possa signiicar indiferença, mais exacerbação de
competitividade. Portanto, é necessário saber ver,
saber perceber, saber conceber e saber pensar”. Ou
113
RECREAÇÃO E LAZER
Qualidade de Vida,
Corporeidade e Lazer
Quando tratamos da questão da autonomia, seja Como vimos, tanto o lazer quanto a qualidade
em que esfera for, não estamos considerando que o de vida podem sofrer a polissemia, o risco de mui-
indivíduo poderá criar suas próprias regras e viver tos signiicados. Portanto, associar este dois temas
como bem entender, pois isto certamente feriria a requer cuidados que devem estar presentes em qual-
de outrem. Porém o que estamos destacando é uma quer processo relexivo, acadêmico ou não. Como
atitude ativa, crítica, relexiva e não apenas confor- destaca Pimentel (2003, p. 79), “o lazer não fugiu
mista, consumista. Sabemos que o consumo é im- dos discursos sobre a qualidade de vida, visto ser
portante, aliás vital, o problema é sua exacerbação um tempo de recomposição do ser humano”. Obvia-
que redunda em alienação, em um fazer por fazer, mente esta é uma visão funcionalista do lazer, pois
comprar por comprar, e no im das contas, em uma o vê apenas como forma de recuperação da força,
vida infeliz, sem signiicado. em muitos casos à força de trabalho que sustenta o
114
EDUCAÇÃO FÍSICA
modo de produção, ou seja, “recriação”, recreação. O caráter ativo, caracterizado pela participação na
Voltamos a destacar que o lazer não pode ser tra- vida social e cultural e pelo progresso pessoal livre,
tado isoladamente de outras esferas da vida, pois é e marcado pelas possibilidades de descanso, diverti-
“parcialmente enganoso entender o lazer como uma mento e desenvolvimento, está intimamente ligado à
promoção do bem-estar porque o lazer também pre- autonomia. No entanto, em muitos momentos, há a
cisa de qualidade para ocorrer” (PIMENTEL, 2003, tendência, na perspectiva do que a ciência moderna
p. 79). Ele promove o bem-estar, mas requer uma favoreceu, de uma supervalorização do racional em
atitude positiva, ativa, atrelada a outras esferas da detrimento do existencial. Como destacam Moreira
vida. e Simões (2008, p. 177), no pensamento cartesiano
Esta atitude ativa requer que os animadores “ica determinado que o pensar prevalece sobre a
socioculturais, agentes de cultura, recreadores, “la- existência”. A atividade, neste sentido, pode icar re-
zerólogos”, ou qual for o termo que se utilize para os legada à dicotomia corpo/alma, razão/emoção etc.
envolvidos com a práxis do lazer - entendida como Nahas (2001, p. 208), por exemplo, ao atrelar a
teoria e prática indissociadas -, embasem suas ações qualidade de vida ao que denomina de “lazer ativo”,
em três elementos fundamentais (DUMAZEDIER, sugere que haja envolvimento de amigos, família, que
2014. p. 257-258): privilegie-se o contato com a natureza e atividades
em que haja prazer da realização. Airma que: a prá-
1. A atitude ativa implica ao menos periodica- tica de atividades físicas é, antes de tudo um direito
mente, uma participação consciente e voluntá-
ria na vida social. Opõe-se ao isolamento e ao
de cada pessoa e deve ser garantido pelas instituições
recolhimento social ao que Durkheim chama em geral - escolas, universidades, empresas, clubes
de “anomia”. [...] Essa participação diz respeito e associações de bairro, sejam públicas ou privadas
à família, à empresa, ao sindicato, à vida civil, a (NAHAS, 2001, p. 208). Apesar de concordarmos
todos os grupos e modos de vida.
com esta abordagem, devemos salientar que uma in-
2. Ao menos periodicamente, a atitude ativa terpretação errônea pode levar a crer que lazer ativo
implica uma participação consciente e volun-
é todo aquele em que há atividade ou exercício físico.
tária na vida cultural. Opõe-se à submissão às
práticas rotineiras, às imagens estereotipadas e A caracterização de ativo ou passivo para o lazer está
às ideias preconcebidas de determinado meio mais ligada a um padrão de autonomia e, por que não
social. [...] dizer, de integralidade na ação vivenciada, em que
3. Finalmente a atitude ativa exige sempre um não é apenas a razão; mente, emoção de um lado e
progresso pessoal livre pela busca, na utilização corpo do outro. Para Dumazedier (2014, p. 257), “a
do tempo livre, de um equilíbrio, na medida do
atividade de lazer em si mesma não é passiva ou ativa,
possível pessoal, entre o repouso, a distração e
o desenvolvimento contínuo e harmonioso da mas o será pela atitude que o indivíduo assumir com
personalidade. relação às atividades decorrentes do próprio lazer”.
115
RECREAÇÃO E LAZER
Discutir a relação lazer e qualidade de vida re- perspectiva da corporeidade, sob a ótica do lazer,
quer que superemos a tendência de a realizarmos deve transcender a mera busca por um bom fun-
apenas pelo olhar biológico, mas construindo um cionamento orgânico. O lazer não pode, mesmo
consistente alicerce cultural. Desta forma, o refe- com o discurso da melhoria da qualidade de vida,
rencial das ciências humanas é fundamental para assumir a responsabilidade de meramente pre-
esta aproximação. “Daí a consequência imediata de parar o corpo para interesses que explorem seu
tornar a relação corpo/lazer mediada pela reponsa- potencial.
bilidade uma das grandes questões das ciências hu- O modo de vida ocidental se desenvolveu
manas” (MOREIRA; SIMÕES, 2008, p. 183). O lazer pautado por princípios que acabavam colocando
em aproximação com a qualidade de vida necessita o corpo numa posição relegada a outros valores.
se reaproximar, como defendem os autores, do con- Portanto, não poder-se-ia falar em corporeidade
ceito de corporeidade, substituindo a concepção de numa perspectiva dualista cuja raiz encontra-se
corpo, que está permeada pela visão dualista. Mais no pensamento platônico que teve sua inluência
ainda, lidar com a corporeidade não como mero sobre o cristianismo. Contudo, vale salientar que,
conceito, mas como um modo de crescimento, su- mesmo para Platão, este dualismo psicofísico não
peração e autonomia. signiicava desprezo ao corpo, mas, paulatinamen-
te, abre caminho à construção de uma concepção
Compreender qualidade de vida requer o en- medieval do corpo como cárcere da alma, fonte de
tendimento sobre os fenômenos corporeidade
todos os pecados e que, por isso mesmo, deveria
e motricidade: primeiro, a corporeidade, no
sentido de superações conceituais históricas, ser punido.
como, por exemplo, as velhas dicotomias pre-
sentes no mundo Ocidental desde a Grécia
antiga e reforçadas quando do surgimento das
ciências estruturadas; segundo, a motricidade,
para mostrar, provavelmente, a necessidade
de incorporá-la ao ato educativo, ao lado da já
consagrada taxionomia da aprendizagem psi-
cossociocognitiva (MOREIRA, 2001, p. 23).
116
EDUCAÇÃO FÍSICA
117
EDUCAÇÃO FÍSICA
119
RECREAÇÃO E LAZER
O desenvolvimento humano, portanto, passa pela A sociedade do negócio (negação do ócio) e a exi-
possibilidade que temos, primeiramente como es- gência para o aumento da produção extrapola o
pécie, de nos situarmos historicamente, compre- ambiente da empresa e se alastra por toda a vida,
endermos nossas teorias, revisá-las, imprimir-lhes chegando até as vias do desempenho nos relaciona-
subjetividades, e agir dentro de um padrão ético de mentos e no lazer. Regras, prazos, metas, sanções,
respeito à vida e à liberdade. Agir de acordo com menos desperdício de tempo, ditam o parâmetro do
nossa própria concepção de corpo é criticar nossas é a qualidade total. Contudo, construir um conceito
ações diárias sobre ele, entendendo os porquês de claro de qualidade de vida associada à corporeidade
cada atitude e ação. É, ainda, perceber para onde e ao lazer requer a recuperação do processo de nor-
tais ações nos levam como indivíduos que vivem e matização do corpo para determinados ins e a sua
convivem. superação para um referencial mais humano. Além
Diante das considerações realizadas é possível disso, não há como apenas realizar este exercício se
perceber que a concepção de qualidade de vida pode esta compreensão não chegar às bases do processo
correr o risco de ser determinada pela lógica da má- educativo, principalmente da educação formal, mas
quina, que por não adoecerem, não serem passio- não apenas nele. Por isso, a educação para e pelo o
nais, não oferecem risco de abstinência ao trabalho e lazer ganha fundamental signiicado de transcen-
não lutam por direitos melhores. A lógica do capital dência de um modelo que corre o risco de parame-
não facilita a relação qualidade de vida, corporei- trizar a qualidade pela produção e desempenho.
dade e lazer na medida em que o lazer passa a ser Como airmam Moreira e Simões (2008, p. 182),
pensado como meio para a qualidade de vida, que a reconstrução do conceito de corpo, associado à
está embasada em uma lógica produtivista. Neste qualidade de vida e lazer requer o retorno às coisas
sentido, como airmam Moreira e Simões (2008, p. simples da vida, como “andar mais descalço”, “nadar
175), “em muitas oportunidades, o lazer associa-se a mais em rios”, “apreciar mais entardeceres”, “viajar
uma recuperação da força produtiva e não necessa- mais leve”, “viver o dia a dia com menos medos ima-
riamente a uma vida qualitativa”. ginários”. A construção da corporeidade requer a
incorporação de “signos, símbolos, prazeres, neces-
Com a expansão da classe média e a estrutu- sidades, através de atos ousados ou através de recuos
ração da indústria e do comércio, não se al-
necessários sem achar que um nega o outro”. O ser
tera a concepção de qualidade de vida para a
sociedade, há a solidiicação do conceito como humano é a própria corporeidade, mas esta talvez
sinônimo de aumento de capital, de acúmulo tenha sido perdida diante de tantos desequilíbrios
de bens materiais, além da obtenção de maior da vida em nome de valores que vão de encontro à
lucro em menor tempo. O projeto e o processo própria vida e, consequentemente, ao próprio con-
são de aceleração, de velocidade, exigindo dos
ceito de qualidade de vida, como, por exemplo, o
menos favorecidos uma única ação: ter força de
trabalho para ter produtividade com qualidade outro, a natureza, nós mesmos, com nossas virtudes,
(SIMÕES, 2001, p. 171). defeitos e carências.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
rio que isto pareça, pois temos mais qualidade do foi sendo submetido ao longo de sua existência. A
que nossos ancestrais sob certos aspectos, “nós, que atitude do indivíduo deve estar galgada na autono-
olhamos a conquista do ‘nosso’ modelo de qualida- mia consciente do sujeito, em sua integralidade, não
de de vida como o saboroso fruto da liberdade que apenas no racional, mas também nele. Não pode i-
os tempos modernos nos trouxeram” (ROSÁRIO, car resumida a atitudes mecânicas, automatizadas,
2001, p. 158), podemos ainda assim nos encontrar- mas num esforço de busca pelo conhecimento cons-
mos vazios, infelizes e sem perspectivas diante de tante que, no caso do lazer, como destaca Dumaze-
um universo de possibilidades. Contudo é certo que, dier (2014, p. 264), pressupõe um grande esforço
como conclui Rosário (2001, p. 167): de auto educação por meio do qual cada um estará
atento à necessidade de equilíbrio “atividades de re-
os horizontes que vamos criando condicionam cuperação, recreação e desenvolvimento”, conforme
as formas da qualidade de vida a que aspiramos;
as diferentes demandas do dia a dia.
porque somos puxados pelo futuro, porque neces-
sitamos experimentar o novo e porque, instintiva-
mente, perseguimos mais o melhor do que o bom. Essa escolha levará o indivíduo a estabelecer
uma hierarquia nas suas atividades físicas, ma-
nuais, intelectuais e sociais e em todas as opor-
Não devemos ser pessimistas, avançamos muito em tunidades a fortalecer a autonomia e a estrutura
nossa história. O prazer é sim fundamental em nos- de sua personalidade, procurando ao mesmo
sa perspectiva de melhoria de qualidade de vida. O tempo alcançar uma melhoria na sua participa-
cuidado deve ser com o hedonismo, como prazer a ção consciente e voluntária na vida da socieda-
de (DUMAZEDIER, 2014. p. 263).
qualquer custo, exacerbado, que em muitos casos re-
lega o cuidado com a própria saúde. Por outro lado,
a negação do prazer também é perigosa, pois priva o E vale destacar ainda que:
ser humano de experiências enriquecedoras na sua
existência. Um exemplo é a alimentação, que por [...] em todos os campos do lazer, as atitudes
ativas deveriam ser observadas e analisadas
mais que seja saudável e apresente aspectos nutri-
sem dogmatismo. O conjunto dessas atitudes
cionais exigidos para uma saúde positiva, não será ativas contribuiria para formar em cada grupo
consumida por muito tempo se não for palatável. e para cada indivíduo um estilo de vida. O es-
Isto também se aplica à atividade física, como sa- tilo de vida poderia ser deinido como o modo
lienta Nahas (2001, p. 208): “as pessoas podem estar pessoal pelo qual cada indivíduo ajeita sua vida
cotidiana. [...] a individualidade de inúmeros
bem informadas e até terem uma atitude favorável,
trabalhadores têm mais oportunidades de air-
mas não escolherão um estilo de vida ativo se isso mar-se nas atividades livres e cada vez menos
não estiver associado ao prazer”. no trabalho como atualmente é concebido. Re-
A construção de um estilo de vida positivo, ou correndo a essas atividades, o indivíduo terá
tempo e oportunidade para encontrar e desen-
com qualidade, por mais polissêmica que seja a re-
volver o estilo de sua própria vida, mesmo com
lação deste termo quando associado à vida humana, relação ao trabalho. A procura e a realização de
está concatenado com a conscientização do indiví- um estilo de vida conferem ao lazer seu mais
duo na vida social e nos condicionamentos aos quais alto signiicado (DUMAZEDIER, 2014. p. 263).
122
EDUCAÇÃO FÍSICA
123
RECREAÇÃO E LAZER
Lazer, Espaço e
Equipamentos
Um elemento fundamental a se levar em conta na paço. As características de meros coletores e caçado-
relação lazer e qualidade de vida, que em alguns res do que a natureza lhes oferecia foram cedendo
momentos de nossas discussões já tangenciamos, é espaço ao desenvolvimento das técnicas de cultivo e
a questão do espaço urbano e da natureza. Não há criação de animais para a subsistência. Com o passar
como conceber a possibilidade de constante melho- do tempo, as grandes aglomerações e assentamen-
ria na qualidade de vida e suas possíveis relações tos foram dando origem às cidades, impulsionadas,
sem tratarmos, mesmo que introdutoriamente, des- posteriormente, por vários fatores, como os entron-
te aspecto cultural tão relevante para o ser humano. camentos de rotas de comércio, por exemplo. Este
As sociedades humanas foram aos poucos se processo signiicou uma grande mudança para a
organizando de forma a chegarem num estágio de vida em sociedade, com muitas vantagens, mas tam-
sedentarismo, de assentamento em determinado es- bém muitos desaios.
124
EDUCAÇÃO FÍSICA
O tipo de cultura produzida, até então, pela hu- É interessante perceber que efeitos globais têm
manidade deu lugar a novas formas de produções início nas ações individuais que vão se avoluman-
pelo ser humano por meio do trabalho compreendi- do por meio das relações comunitárias até ganha-
do num sentido amplo. Tudo aquilo que o ser huma- rem tais dimensões. Esta modiicação do espaço
no produz na sua relação com a natureza, compreen- pelo ser humano se dá por meio das técnicas mais
dendo que os demais seres humanos são parte desta elementares, desenvolvidas para adequar o meio à
natureza, é expressão de sua cultura. A qualidade sua volta e garantir os elementos fundamentais à
de vida, portanto, situada em diferentes momentos sua vida. Para Santini (1993, p. 34):
históricos e em diferentes espaços de convivência, é
também a expressão da cultura de um povo. com a experiência de seu corpo, o homem
organiza seu espaço, adequando-o às suas ne-
Com o passar do tempo, portanto, o ser humano
cessidades biopsicossociais [...] este espaço, or-
modiica o espaço no qual está inserido como uma ganizado e animado, constituído de um meio
forma, em princípio, de melhorar seu modo de vida. físico, estético e psicológico é o meio ambiente.
Contudo, nem sempre este processo ocorreu e ocor-
re de maneira ordenada, utilizando-se de elementos Note que a questão da corporeidade volta à tona e
racionais, podendo constituir, a médio e longo pra- está na base das experiências de organização espacial
zo, caos para a convivência dos seres humanos entre como elemento fundamental da vida em sociedade.
si, bem como com a fauna e a lora circundante. Bas- Diante destas considerações, podemos inferir
ta fazermos uma breve avaliação de alguns grandes que qualquer processo que deseje subjugar o ou-
centros urbanos que cresceram desordenadamente, tro terá no domínio do corpo um elemento basilar
sem um planejamento, e perceber os efeitos negati- ao seu intento. Como destaca De Pellegrin (1999),
vos causados por esse processo. Vale lembrar que, a ocupação do espaço na sociedade hodierna está
hoje, os efeitos já não se limitam a consequências lo- profundamente atrelada a questões de poder. Diante
cais, pois são de ordem planetária, como é o caso do disso, a corporeidade que está na base desta organi-
superaquecimento global. zação espacial, de acordo com Santini (1993), ganha
um signiicado político profundo, pois dominar o
corpo é ter poder também sobre o espaço, e este, por
sua vez, possui grande valor na sociedade capitalista
contemporânea.
125
RECREAÇÃO E LAZER
126
EDUCAÇÃO FÍSICA
127
RECREAÇÃO E LAZER
Também cada vez mais raros são os coretos e palcos Entre os equipamentos não-especíicos de lazer
com programações periódicas. Em alguns casos ain- também estão as escolas. Elas têm em si um grande
da prevalecem as ferinhas que comercializam uma potencial para o estímulo à vivência do lazer. Con-
variedade de produtos, que apesar de não serem tudo, muitas possuem alguns impeditivos, como,
classiicadas, a priori, como ações de um conteúdo por exemplo, o seu funcionamento em três turnos
do lazer, favorecem, por exemplo, a vivência dos in- ou ainda o receio pela depredação o espaço. Mes-
teresses sociais do lazer. mo assim, seriam possíveis ações que favorecessem
Os bares também estão nesta categoria, mas o acesso da comunidade à vivência de certas práticas
abarcando, ainda hoje, um alto grau de preconceito. neste espaço, promovendo o convívio social, ativi-
Estes espaços de convívio apresentam soluções a im dades práticas ou manuais, utilizando as quadras
de superar certos tabus por meio de variadas ativi- e gramados para vivência dos conteúdos físico-es-
dades culturais que envolvem artes, esportes, entre portivos, outra ação seria a abertura à utilização das
outras. No entanto, como salienta Marcellino (2008, bibliotecas como forma de incentivo à leitura, “con-
p. 18), “os tradicionais ‘botequins’, onde se ‘jogava tação de histórias”, ou ainda o compartilhar do co-
conversa fora’, são substituídos, nas áreas ‘nobres’ pe- nhecimento transmitido produzido pelos docentes
las lanchonetes, onde o consumo rápido desestimula e discentes, palestras e exposições artísticas, mos-
a convivência”, mas ainda assim são alternativas para tras de talentos da comunidade, enim, ações que
vivência de certos conteúdos/interesses culturais do promovam também os conteúdos artísticos. E os
lazer, mas favorecem mais o social e em alguns casos conteúdos turísticos? Ficariam de fora? Como este
parte dos artísticos. conteúdo tem como principal característica a que-
128
EDUCAÇÃO FÍSICA
bra da rotina espaço/temporal, iniciativas com acan- Este é um grande desaio para todos aqueles en-
tonamentos que promovam intercâmbio escolares volvidos com o lazer, principalmente os que tam-
poderiam também atender a este conteúdo cultural bém estão ligados à educação formal. Por isso a
do lazer. Percebam a riqueza possibilidades que as relevância de discutirmos estas questões num
escolas oferecem mesmo não sendo um equipamen- curso de licenciatura, pois teremos a oportuni-
to especíico de lazer. dade de realizar a ação de dentro para fora des-
te equipamento, mas não de maneira unilateral.
As escolas contam com grandes possibilidades Esta construção do lazer na escola deve trilha um
para o lazer, em termos de espaço, nos vários
caminho biunívoco, uma via de mão dupla, em
campos de interesse: quadras, pátios, auditó-
rios, salas, etc. Deve-se considerar, ainda, seus parceria com os membros da comunidade, reali-
períodos de ociosidade, em férias e ins de se- zando um diagnóstico sobre seus anseios e cons-
mana, e a existência de vínculos com a comu- truindo por meio da estratégia da ação comunitá-
nidade próxima. No entanto, a tão propalada ria a ação devida.
“abertura comunitária” desses equipamentos
Infelizmente, esta utilização e construção cole-
não vem se veriicando, talvez pelo temor dos
riscos de depredação. Já tive oportunidade de tiva pode esbarrar em uma série de fatores, alguns
desenvolver atividades de lazer em escolas, em já pontuados anteriormente. Numa sociedade que
trabalhos comunitários e, ao contrário do que cada vez mais se estrutura em torno da lógica ne-
se possa imaginar à primeira vista, uma ação
oliberal, há uma gradativa tendência de sucatea-
bem realizada nesse sentido, só contribui para
aumentar o respeito das pessoas pelo equipa- mento do público e uma valorização do privado,
mento, uma vez que, à medida que o utilizam, tornando mais difíceis as alternativas de participa-
vão desenvolvendo sentimentos positivos, pas- ção popular na construção do lazer. Esta democra-
sando a colaborar na sua conservação. No en-
tização dos espaços de lazer não pode estar pautada
tanto, o que se veriica, na maioria das vezes,
é a ‘abertura’ desses equipamentos apenas para apenas pela construção de mais espaços e equipa-
‘festas’, cujo objetivo principal é a arrecada- mentos especíicos ou não. É de suma importância
ção de fundos para a sua manutenção (MAR- que além da preservação do patrimônio público
CELLINO, 2008. p. 18). existente haja um cuidado para não supervalorizar
determinados equipamentos, tornando-o inacessí-
vel em vez de favorecer sua utilização e, portanto,
subutilizado e até inutilizável. Como bem salienta
Marcellino (2008, p. 19):
129
RECREAÇÃO E LAZER
130
EDUCAÇÃO FÍSICA
Vale destacar, diante das discussões já realizadas, quando muito as áreas verdes, preservadas e zeladas
que consideramos espaço urbano na perspectiva da pela administração pública, como parques, hortos,
deinição sintetizada por De Pellegrin (2004, p. 73): jardins e praças. Contudo, os espaços vazios tam-
bém têm um papel preponderante nestas relexões,
[..] termo genérico que diz respeito aos luga- pois tanto os espaços construídos quanto os vazios
res em que se desenvolvem ações, atividades,
têm sua importância para a qualidade de vida dos
projetos e programas de lazer de modo geral.
Em contexto restrito, é possível encontrar a indivíduos. Seria sufocante, como em alguns casos
expressão espaço de lazer sendo usada para de- é, viver em espaço em que pouco vazio há e que, por
signar um lugar especíico ou para caracterizar conta disso, a convivência ica prejudicada.
determinado equipamento. Do ponto de vista No espaço vazio, os três “Ds” do lazer também
mais amplo, espaço de lazer refere-se a um dos
podem ser vivenciados e, na verdade, precisam
aspectos de uma política de lazer. Diz respei-
to a como se organizam os diferentes equipa- dele para sua consecução. Descanso, divertimento
mentos em uma cidade, como são distribuídos, e desenvolvimento pessoal e social estão associa-
que tipo de possibilidades oferecem. Refere-se, dos intimamente a esses espaços. Como airma De
também, aos espaços potenciais (vazios urba-
Pellegrin (1999, p. 152), numa dimensão subjetiva,
nos e áreas verdes, por exemplo), aqueles que
podem vir a transformar-se concretamente em o espaço vazio “[...] é um palco para a imaginação,
equipamento de lazer. Em suma, a expressão para o questionamento e para o conlito; permite ao
espaço de lazer diz respeito a toda a rede de ser humano pensar sobre seu presente, mas também
equipamentos de lazer, vazios urbanos e áreas
em situações futuras, esperadas, desejadas ou imagi-
verdes de uma cidade.
nadas”. Quanto maior o vazio, mais auto percepção
existencial é fomentada; basta você se colocar diante
O que desejamos com estas discussões é enfatizar da imensidão do mar e olhar para o horizonte, ou
que sem uma relexão sobre os espaços urbanos, contemplar um céu estrelado, ou subir no alto de
com suas construções, áreas verdes e espaços va- uma montanha para se dar conta da pequenez, fra-
zios, ica inviável um aprofundamento nos aspectos gilidade e efemeridade da vida humana. Porém ao
que envolvem a relação lazer e qualidade de vida. mesmo tempo, apesar desta delicadeza e fugacidade,
Esta relação também está conectada com o duplo é possível que uma atitude de humildade e gratidão
processo educativo de acesso ao conhecimento - já brote em nossos corações. Por isso a importância do
discutido anteriormente -, a crítica ao percebido e vazio e mais, - nele e por meio dele nos damos conta
à novas proposições, alternativas para a constante da nossa correria, do que vale mais a pena, do que
melhoria dos espaços e das possibilidades de usos é feita a nossa alma e de toda nossa potencialidade.
desses espaços. Numa sociedade tão barulhenta, talvez o que falte
Ao apresentar sua síntese sobre espaço urbano, é justamente o silêncio, tantas vezes amedrontador,
De Pellegrin (2004) fala sobre os vazios. Um risco não apenas externo, mas interno. Os espaços vazios
que corremos ao tratar de espaços e equipamentos nos mostram que tudo pode ser transformado, in-
de lazer é visualizarmos apenas as construções e clusive as nossas vidas.
131
RECREAÇÃO E LAZER
cidade é uma vida de “cheios” que dominam o espaço; 3- a preservação de espaços urbanizados “vazios”.
e nessa disputa entre cheios e vazios parece que há
uma tendência de quanto mais cheio o externo, mais Portanto, uma ocupação adequada dos espaços, que
vazio o interno e quanto mais vazio o externo, maior a redunde em qualidade de vida para a população,
possibilidade de ordenação do mundo interior. contemplando os vários direitos afetos ao espaço ur-
É muito interessante perceber como a criativi- bano, requer uma racionalização de processos que
dade é estimulada no vazio. Apesar de, em grande sejam consubstanciados em leis e que expressem a
parte, os vazios urbanos serem utilizados com os visão administrativa - começando pelos municípios
conteúdos físico-esportivos do lazer, preponderan- - de uma política de valorização e humanização do
temente pelos “campinhos” de futebol, há outras espaço urbano. Neste processo deve estar implícita a
ações ligadas, por exemplo, aos conteúdos práticos necessidade não apenas de criar os espaços e conser-
ou manuais. Hortas comunitárias mobilizam um vá-los, bem como seus equipamentos, mas também
grande grupo em torno do vazio e a sua apropria- de dar “alma”, animá-los, e neste sentido os papéis,
ção gera um vínculo criativo não apenas para aquele tanto do voluntariado quanto dos proissionais es-
empreendimento, mas para a vida. pecializados, são fundamentais.
132
considerações inais
Estimado(a) aluno(a),
Mais uma vez percebemos a riqueza das inter-relações da temática lazer ao
realizarmos algumas incursões pela qualidade de vida. Apesar das diferentes
abordagens conceituais relacionadas à qualidade de vida, é possível eleger em
diferentes campos de atuações focos especíicos que juntos componham o atendi-
mento às diferentes necessidades humanas para que a qualidade da vida humana
seja cada vez melhor.
Com relação ao lazer, há inúmeras possibilidades de aproximações à quali-
dade de vida. A corporeidade parece ser a mais especíica quando analisamos o
lazer pela perspectiva da Educação Física. Porém, cada área de conhecimento po-
derá focar suas relexões e intervenções à luz do seu arcabouço teórico. Contudo,
a teoria do lazer aparece como uma possibilidade de agregar diferentes áreas para
discussões ora multi, ora inter e, quem sabe, transdisciplinares.
A questão dos espaços e equipamentos associados ao lazer e à qualidade de
vida é outro assunto urgente, que deve ser discutido numa perspectiva, no míni-
mo, multidisciplinar, pois uma vez ocupados, o processo de reversão e replaneja-
mento destes espaços se torna ainda mais complicado. O planejamento dos espa-
ços urbanos, levando em consideração inclusive os vazios, como vimos, necessita
de uma relexão sobre a utilização de equipamentos especíicos e não-especíicos
de lazer.
Todas estas discussões, obviamente, passam pelas diferentes cosmovisões,
principalmente de caráter político. Portanto, é impossível realizar tais relexões
sem que, posteriormente, haja propostas de intervenções via políticas públicas,
quer seja de lazer, quer seja de urbanização. Contudo, o ideal é que estas propos-
tas nasçam de discussões de diferentes áreas, com a aproximação da comunidade
com a qual estamos lidando. Eis aí um grande desaio para os proissionais do
lazer advindo de diferentes áreas do conhecimento, que como educadores(as),
contribuamos de maneira consistente, por meio da nossa ação/relexão, jamais
desvinculadas.
133
LEITURA
COMPLEMENTAR
134
LEITURA
COMPLEMENTAR
pude alcançar, banhos de chuva são muito apreciados por eles, embora nem tanto
pelo avós. A areia existente em certas casas, à espera de futura reforma ou melhoria,
se acomoda às caçambas de pequeninos caminhões, vira bolinho nas brincadeiras de
casinha, transforma-se em platarforma fofa para acolher escorregões ou saltos e ser-
ve de munição nas guerras, que são desencadeadas sob mínimo pretexto. Pedrinhas,
pauzinhos e gravetos felizmente são lembrados neste instante, são usados em outros,
menos contundentes, como quando Danila faz o “quintal inteiro de casinha”.
Soube por Jerry que a escola pública onde estuda mantém canteiros para que os alunos
de cada classe se incumbam de semear e cuidar de um jardim. Cultivar plantas é uma
das atividades prediletas de Jerry. A avó, orgulhosa desta habilidade do neto, reservou-
-lhe um pequeno espaço, que o menino cerca de muito esmero. Com a terra e algumas
mudas, formou seu pequeno jardim. Vai olhá-lo diariamente, rega-o três vezes por se-
mana e, como todo bom jardineiro, gaba-se de que as plantas não morrem em suas
mãos. Lá estão: crisântemos, azaléias, folhagens, maçã, espadas-de-são-jorge, violetas,
uma planta que “tem lá na pracinha” e outra dada por seu amigo, por enquanto sem
nome deinido. Retribui a gentileza oferecendo outras mudas a ele, de sorte que possa
também entre eles lorescer duradoura amizade.
Em tempos de inverno, a fogueira é sempre uma alegria nos quintais, nos passeios
ou nos terrenos vazios. Em torno dela, inúmeras brincadeiras acontecem: esconde-es-
conde, rela-rela, lanterna, “Bom-Bril”, pé-na-lata, mamãe da rua...Com o calor do fogo,
temperado pela brisa fria, tendo o céu, a lua e as estrelas a animar as brincadeiras,
quem há de icar em casa? É assim que, assistidos às vezes pelos mais velhos, meninos
e meninas, de mãos dadas com os elementos naturais, transformam os espaços da rua
em terrenos de festa, quase todos os dias.
135
atividades de estudo
1. A expressão qualidade de vida pode ser nova, mas o conceito por trás
deste termo já está presente na história da humanidade há muito tempo,
apenas ganhando uma nova roupagem em meio às novas características
e demandas das diferentes sociedades. Neste sentido, o que signiica a
polissemia relativa à qualidade de vida? Exempliique-a.
2. O lazer é, sem dúvida, promotor do bem-estar, mas requer uma atitude po-
sitiva, ativa, atrelada a outras esferas da vida. Além disso, não pode ser tra-
tado isoladamente, alheio a outras esferas da vida. A atitude ativa requer
dos animadores socioculturais que teoria e prática estejam indissociadas.
Neste sentido, Dumazedier (2014) destaca três elementos fundamentais
para que haja genuinamente esta atitude ativa no lazer. Apresente-os e
descreva-os.
136
EDUCAÇÃO FÍSICA
137
RECREAÇÃO E LAZER
A era da estupidez
Ano: 2009
Sinopse: o ilme parte de uma questão fundamental: “Por que não
salvamos o planeta enquanto ainda tivemos chance?”. Esta é a per-
gunta de um arquivista que vive no alto de uma torre no Ártico der-
retido. Seu papel é zelar pelo conhecimento produzido pela humanidade. Várias histórias
são narradas paralelamente. Uma delas é a de um homem que relete sobre a indústria de
combustíveis fósseis e o desperdício e ajudou a resgatar Nova Orleans, depois do furacão
Katrina. Outra é a de um empresário indiano planeja uma empresa aérea para pessoas de
baixa renda. Crianças iraquianas relatam a fuga. Enim, histórias que sintetizam a estupidez
humana que pode levar o planeta à total destruição se nada for feito.
138
referências
139
referências
Referências On-Line
1
Em: <http://colunastortas.com.br/2013/07/22/modernidade-liquida-o-que-e/>.
Acesso em: 31 maio. 2017.
140
gabarito
1. A expressão qualidade de vida se destaca na década 4. O processo de urbanização traz consequências dano-
de 80, atrelada mundialmente, de forma geral, à po- sas, principalmente quando ocorre de maneira desor-
breza, exclusão e desigualdade social. Contudo, não denada. Atualmente, os interesses imediatistas, como
houve uma clara deinição e, desta forma, a mídia pas- por exemplo do mercado imobiliário, geram sérios
sou a utilizá-la de maneira polissêmica, ou seja, com problemas que afetam a qualidade de vida e o lazer,
variados e diferentes signiicados. Na década de 90 a gerando mais violência e falta de segurança. Com re-
qualidade de vida atrelou-se ao problema da cidada- lação aos espaços destinados ao lazer, é necessário
nia, à pobreza e à miséria, aos serviços e equipamen- um entendimento da problemática num sentido mais
tos que uma cidade ou província disponibiliza aos seus amplo e a implementação de ações criativas, basea-
habitantes, à vida saudável, qualidade de alimentação das numa análise que leve em conta outros elemen-
e nutrição, acesso de determinado grupo ou socieda- tos que compõem a vida na cidade, como distribuição
de a certos bens de consumo ou, mesmo, a espaços e populacional, diretamente ligada à questão do trans-
produtos destinados ao lazer, ao turismo ou ao consu- porte urbano, com relação direta na conservação das
mo de bens culturais. No senso comum, a expressão áreas verdes, que por sua vez inluencia em desequilí-
qualidade de vida icou associada às melhorias ou alto brios ambientais, como proliferação de pragas e dimi-
padrão de bem-estar na vida das pessoas, sejam de nuição da qualidade do ar. A má distribuição do espa-
ordem econômica, social ou emocional. No inal da ço causa aglomeração de pessoas em determinados
primeira década dos anos 2000, a qualidade de vida lugares, enquanto que em outros não há aproveita-
atrela-se mais diretamente à saúde e ao estilo de vida, mento adequado, o que satura as potencialidades de
tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele. determinados equipamentos de lazer, pois ele não se
torna convidativo e limita sua utilização. A democrati-
2. A atitude ativa no lazer, segundo Dumazedier (2014), zação do espaço e dos equipamentos de lazer está as-
requer que: 1) haja uma participação consciente e sociada diretamente ao tempo e ao espaço disponível,
voluntária na vida social (família, empresa, sindicato, condições sine qua non que o lazer ocorra.
vida civil etc.), e não uma anomia, ou seja, um isola-
mento e recolhimento social; 2) ocorra uma participa- 5. Segundo Requixa (1980), equipamentos de lazer po-
ção consciente e voluntária na vida cultural, em opo- dem ser classiicados em especíicos e não-especíi-
sição à submissão às práticas rotineiras, às imagens cos. Os equipamentos especíicos são projetados e
estereotipadas e às ideias preconcebidas de determi- ediicados para uma inalidade especíica, e sua clas-
nado meio social; e 3) exista um constante progresso siicação está atrelada ao tamanho, atendimento aos
pessoal livre pela busca, na utilização do tempo livre, conteúdos culturais, ou outros critérios mais especí-
de um equilíbrio, na medida do possível pessoal, entre icos. Os exemplos são: quadras de esportes, pistas
o repouso, a distração e o desenvolvimento contínuo de skate, bibliotecas, teatros, hortas comunitárias. Os
e harmonioso da personalidade. equipamentos não-especíicos são aqueles que não
foram concebidos para a prática das atividades de la-
3. Moreira e Simões (2008) consideram que uma legíti- zer, mas que por algum motivo passam a ser utiliza-
ma reconstrução do conceito de corpo, associada à dos, no tempo disponível, para um determinado inte-
qualidade de vida e lazer, exige um retorno às coisas resse do lazer. Exemplos; lar, bar, escola, rua, galpões
simples da vida, como o retorno ao contato direto com abandonados etc. Sempre é importante salientar que
a natureza: o solo, os rios, os lagos, o céu, a chuva, o que caracterizará a utilização do equipamento para
animais de forma geral, bem como outros seres hu- o lazer é o aspecto tempo e atitude.
manos, de maneira mais estrita. E mais, “viver o dia-a-
-dia com menos medos imaginários”. A construção da
corporeidade requer a incorporação de “signos, sím-
bolos, prazeres, necessidades, através de atos ousa-
dos ou através de recuos necessários sem achar que
um nega o outro”. O ser humano é a própria corpo-
reidade, mas que talvez tenha sido perdida diante de
tantos desequilíbrios da vida em nome de valores que
vão de encontro à própria vida e, consequentemente,
ao próprio conceito de qualidade de vida, como por
exemplo, o outro, a natureza, nós mesmos, com nos-
sas virtudes, defeitos e carências.
141
REPERTÓRIO DE ATIVIDADES
EM RECREAÇÃO E LAZER
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Considerações gerais sobre repertório de atividades em
recreação e lazer
• Exemplo de repertório de atividades em recreação e lazer
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar considerações fundamentais sobre um
repertório de atividades em recreação e lazer.
• Propor um modelo de repertório de atividades em
recreação e lazer.
unidade
V
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a),
Chegamos à nossa última unidade. Muitos acadêmicos, ao ingressa-
rem no curso de Educação Física e se depararem com as disciplinas que
cursarão, podem pensar que a disciplina Recreação e Lazer se resume ao
ensino de um rol de atividades para aplicação em diferentes ambientes e
para grupos etários, de maneira mais técnica. Contudo, como você perce-
beu, há uma vasta base teórica no campo do lazer e da recreação, grande
parte dela atrelada às pesquisas realizadas pelos programas de pós-gradu-
ação strictu sensu (mestrado e doutorado) ligados à Educação Física.
Entretanto, além desta base teórica, como já dissemos, o que deseja-
mos é que haja uma práxis pedagógica, conquistada por meio da apro-
ximação da teoria e da prática de maneira indissociável. Pois como sa-
lientamos, teoria sem prática é “discurso vazio” e prática sem teoria é
“tareismo”. Neste sentido, o proissional em recreação e lazer deverá ser
muito dinâmico, pois poderá atuar em muitos ambientes e com diferentes
faixas etárias. A literatura apresenta muitas exigências ao animador so-
ciocultural. Apresentamos, nesta unidade, um exemplo, diante de tantas
possibilidades, de como compor um repertório de atividades. Os “manu-
ais” de atividades são sempre um risco, pois podem transformar-se em
meros receituários. O que irá diferenciar sua utilização é quem os utiliza-
rão e de que maneira o fará. Qual sua formação? Qual seu nível de rele-
xão? Qual sua capacidade de criação e de recriação de atividades diante
de diferentes contextos. Não podemos infantilizar o adulto, nem sequer
“adultizar” a criança, erro que muitos proissionais acabam cometendo.
Esperamos que o exemplo apresentado, baseado na experiência de um
grupo especíico de pesquisa em lazer, seja um estímulo à composição de
seu próprio repertório. Este exercício, além de terapêutico, pois nos remete a
vivências lúdicas ao longo da nossa história, é também um registro histórico
cultural de diferentes contextos Brasil afora, e, quem sabe, além-fronteiras.
Divirta-se! Recrie-se!
RECREAÇÃO E LAZER
146
EDUCAÇÃO FÍSICA
Por outro lado, há o risco de desprezar a elabo- Em 2002, Marcellino organizou o Repertó-
ração de um repertório, por medo de que os anima- rio de atividades de recreação e lazer: para hotéis,
dores criem uma dependência e caiam no primeiro acampamentos, clubes, prefeituras e outros, obra
erro descrito anteriormente. No entanto, a elabo- que já conta com várias edições. A experiência foi
ração de um repertório pode ser realizada à luz de tão bem-sucedida que em 2007 organizou Lazer
toda teoria do lazer, bem como outras referências, e recreação: repertório de atividades por ambien-
como, por exemplo das teorias do desenvolvimen- tes, que em 2010 ganhou o volume dois, com a
to humano, da psicomotricidade, da neurociência participação de diferentes autores. Por im, diante
etc., podendo subsidiar a compreensão de grupos de do sucesso das publicações, lançou em 2013 La-
interesses, ambientes e equipamentos. Sempre de- zer e recreação: repertório de atividades por fases
vemos salientar o cuidado de não instrumentalizar da vida. Um dado interessante é que, sem realizar
os jogos, brinquedos e brincadeiras, pois, como já um juízo de valor, cada uma destas obras apresen-
mencionamos, a justiicativa para o lazer é a alegria, ta uma vasta lista de livros e alguns sites a serem
o prazer e a felicidade proporcionada, e ponto inal. consultados que também apresentam repertórios
Como airma Marcellino (2013, p. 9), para se de atividades que podem ser aplicados ao lazer e
manter uma ideia de um repertório coerente com à recreação.
toda teoria do lazer, devemos entender que toda ati- As ichas que compõem as obras supracitadas
vidade pode e deve passar um constante processo de são frutos das vivências e experiências de muitos
reinterpretação. A experiência proissional e pesso- anos de proissionais que estão engajados no pro-
al é o que norteará tais ações, “embasada em teoria, cesso de ação/relexão/nova ação, característico
confrontada na ação do cotidiano, e acompanhada do processo dialético necessário para a formação
do necessário exercício de relexão constante”. e desenvolvimento do conhecimento que gera uma
Uma das experiências com repertório de ativida- mudança constante na atuação proissional. Como
des que considero melhor sucedida é a encabeçada salienta (Marcellino, 2013), a proposta de um re-
pelo Prof. Nelson Carvalho Marcellino na liderança pertório é que haja autonomia de cada animador
do GPL - Grupo de Pesquisas em Lazer (GPL), da Fa- no sentido de analisar e conhecer as ichas e as ex-
culdade de Educação Física (Facef) da Universidade periências de cada autor, vivenciar as atividades
Metodista de Piracicaba (Unimep), grupo do qual iz para que isto redunde na construção de um reper-
parte de 2002 a 2005. Com pesquisadores de diferen- tório pessoal de atividades. O processo de elabo-
tes áreas e níveis acadêmicos, e com diversiicadas ex- ração das ichas é fundamental para o exercício
periências pessoais e proissionais, o GPL conseguiu proissional do animador, pois o tira de uma zona
atrelar a teoria do lazer e o exercício proissional em de conforto, de um conformismo, que certamente
diferentes ambientes e com diferentes faixas etárias. redundará num mero consumismo das atividades
Esta experiência favorece a práxis, pois além da vi- pelos participantes, indo de encontro com toda te-
vência das atividades socioculturais há um processo oria debatida até aqui.
de crítica, relexão e de recriação das atividades.
147
RECREAÇÃO E LAZER
O modelo de ichas utilizadas nas obras organi- concomitantemente, ora com prevalência de um ou
zadas por Marcellino são muito simples e muito ei- outro - além do caráter subjetivo de adesão à ativi-
cazes. São compostas pelos seguintes campos: dade, que o colocaria dentro de certa classiicação
1. Nome da atividade; para uns -, ora em outra categoria para outro, pois
2. Conceito; estamos tratando da atitude nas vivências.
3. Descrição detalhada;
4. Recursos necessários (instalações, materiais,
humanos);
5. Montagem;
6. Funcionamento;
7. Possibilidades de utilização (ocasiões, am-
bientes etc.);
8. Possibilidades (necessidades) de adaptação;
9. Experiências já desenvolvidas;
10. Outras observações.
148
EDUCAÇÃO FÍSICA
por opção, mas por não terem tomado contato Um repertório de atividades em recreação e lazer
com outros conteúdos. Nesse sentido, o papel não deve ser concebido de maneira abstrata. Cada
da ação do animador sociocultural é funda-
proissional deve iniciar seu processo de elabora-
mental, procurando diversiicar ao máximo as
atividades oferecidas, em termos de conteúdos. ção de um rol de atividades olhando para sua pró-
(MARCELLINO, 2013, p. 10-11). pria história, relembrando suas vivências em dife-
rentes contextos e registrando suas experiências e
Portanto, a diversiicação e a contextualização, frutos da percepções sobre determinadas atividades. Reper-
criatividade, exigem um contato direto com as vivên- tórios prontos, como os sugeridos anteriormen-
cias e histórias de cada animador. Além disso, a ideia te e referendados nesta obra, servem como nor-
de um repertório auxilia aqueles que desejam se en- teadores e inspiradores para novas experiências,
volver com diferentes grupos e ambientes tendo como por meio do referencial que cada um constrói ao
base os diversos conteúdos culturais do lazer. Um vo- longo de seu processo formativo, sempre cotejado
luntário, por exemplo, pode ser desaiado a participar pela crítica e criatividade. Os repertórios, como
da animação de determinado grupo em determinado salienta Marcellino (2002, p. 12-13; 16) devem
ambiente e, motivado por um proissional com maiores “passar pelo crivo proissional, com as devidas e
competências e conhecimentos, sentir-se instigado a se necessárias adequações”. A vida do animador, tan-
aprofundar nos estudos sobre determinado conteúdo. to pessoal quanto proissional, é o que pauta a ali-
Este tipo de experiência delagra o processo dialético mentação, atualização e revisão de um repertório.
de recriação com base em diferentes experiências, bem Os diferentes repertórios disponíveis, com os mais
como um possível despertar de atuação proissional. variados ins e embasamentos teóricos, não devem
A ideia de um repertório serve como auxílio e passar pelo juízo de valor, mas servir como meio
não como fundamento da atuação proissional para de inspiração, de busca por novas experiências,
formação e atuação proissional de animadores so- que devem receber a impressão pessoal de cada
cioculturais, tanto voluntários quanto proissionais, novo animador, numa nova experiência por meio
com formação superior ou não. Auxilia cursos de da convivência.
formação em diferentes áreas, em nível superior ou
não, a terem um referencial para a aplicação contex-
tualizada, conforme o interesse mais evidente em
cada formação, ligado ao campo do lazer.
REFLITA
149
RECREAÇÃO E LAZER
Os parâmetros seguidos como exemplos são Uma das possibilidades de elaboração de um re-
das obras de referência apresentadas em nosso ma- pertório de atividades é a classiicação das atividades
terial, mas é necessário salientar que não ansiamos a partir de faixas etárias, ou como denomina Mar-
por impô-las a quem quer que seja. Pelo contrário, cellino (2013), por fases da vida. O objetivo deste
o objetivo é ter um bom ponto de partida para que parâmetro é que o animador que trabalhará com di-
cada um, conforme sua necessidade e percepção, ferentes faixas etárias considere as peculiaridades de
crie seus parâmetros, classiicações, ichas e outras cada fase da vida para que as atividades atendam a in-
formas de registro. teresses especíicos (MARCELLINO, 2013, p. 9-10).
150
EDUCAÇÃO FÍSICA
Trataremos do repertório de atividades de re- são enriquecidas ao longo do tempo. Deve ser le-
creação e lazer em diferentes fases da vida apenas a vado em conta que os proissionais de diferentes
título de exemplo, pois, se izermos isso, unindo-o formações terão à sua disposição diferentes espa-
aos diferentes ambientes, praticamente teríamos que ços, equipamentos e relações socioculturais (MAR-
reproduzir obras de grande envergadura para tratar CELLINO, 2007, p. 9).
de cada possibilidade especíica. Nas fases da vida, Como já construímos um bom referencial teó-
apresentamos, também, um exemplo de icha de ati- rico e, certamente, esta será uma faixa etária atin-
vidade para cada uma das quatro fases para que i- gida grandemente por nossa atuação proissional,
que evidente como se aplicam os diferentes elemen- utilizaremos a infância como exemplo de composi-
tos que a compõe. ção de um repertório básico de atividades. São dois
Como sugestão para a elaboração do repertório, elementos básicos: a) Referencial teórico sobre o
a partir de diferentes parâmetros, é importante que parâmetro adotado; b) Fichas de atividades. Quan-
haja considerações gerais sobre ele. Por exemplo, no to ao referencial, pode ser apresentado em forma
caso das crianças, o que deveria ser considerado de de texto, mas ainda assim sugerimos, para constan-
mais importante para a faixa etária? Suas necessida- te revisão e consulta, que haja uma síntese, como a
des, a forma como lida com a frustrações, capacida- apresentada a seguir, com base no texto introdutó-
des etc. Da mesma forma com a pré-adolescência, rio Considerações sobre o lazer na infância, (SILVA;
adolescência, juventude, idade adulta e terceira ida- MARCELLINO, 2013, p. 15-22) da obra Lazer e
de. Obviamente que o objetivo não é apresentar um recreação: repertório de atividades por fases da vida
tratado sobre o desenvolvimento humano, mas situ- (MARCELLINO, 2013), e um exemplo de atividade
armo-nos a partir das nossas necessidades imediatas para criança sugerida por Silva e Marcellino (2013,
ao intermediar a vivência das atividades. p. 26). Sugerimos que o referencial e as ichas sejam
Estas considerações cabem também aos dife- registradas em folhas separadas, procurando arqui-
rentes ambientes. Cada um deles traz em si necessi- vá-las em pastas que facilitem a manipulação e o
dades e possibilidades especíicas, que demandam acréscimo de novas atividades ao repertório, bem
do animador a capacidade de permanente renova- como a alteração de informações das atividades já
ção do seu repertório conforme as suas vivências registradas neste.
151
RECREAÇÃO E LAZER
Exemplo de Repertório
de Atividades em
Recreação e Lazer
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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RECREAÇÃO E LAZER
FICHA Nº ___
Nome da atividade: Cabanagem ou “brincando de cabana”
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Atenção!
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FICHA Nº ___
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FICHA Nº ___
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FICHA Nº ___
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Quanto aos demais parâmetros utilizados para a Portanto, são inúmeras as possibilidades e parâme-
composição de um repertório de atividades em re- tros para a elaboração de um repertório de ativida-
creação e lazer, à luz das obras elaboradas por Nel- des. O importante é levar em conta as considerações
son Carvalho Marcellino juntamente ao GPL, há a feitas inicialmente e rememorar as experiências pes-
utilização dos ambientes como elementos classiica- soais desde a infância do animador até o momento
dores das atividades. Não descreveremos cada um em que está vivendo, deixando luir a criatividade
deles, mas a mesma lógica aplicada às fases da vida para inventar e reinventar atividades. O espírito lú-
cabe a cada um dos ambientes. Primeiro as conside- dico de cada um deve vir livremente à tona, como
rações teóricas sobre os ambientes e depois as ichas uma forma de expressão e manifestação humana
de atividades para cada ambiente no mesmo modelo que, no compartilhar, ganha novas nuances e ex-
proposto. Os elementos apresentados nos dois volu- pande a possibilidade de participação e imersão
mes do repertório por ambientes (MARCELLINO, cultural para diferentes faixas etárias e em diferentes
2007; MARCELLINO, 2010) são: Acampamento de ambientes, propiciando vivências ricas que, espon-
Férias; Brinquedotecas; Clubes; Colônias de Férias; taneamente, gerem a todos os envolvidos prazer e
Ambientes Escolares (pátios e salas de aula); Festas; felicidade.
Meio Ambiente; Meio Aquático (piscinas); Quadras
Esportivas; Comunidades; Biblioteca; Condomí- SAIBA MAIS
nios; Cruzeiros Marítimos (navios); Empresas; Es-
portes Radicais; Grupos Religiosos; Hospitais; Ho-
A riqueza dos jogos e brincadeiras da nossa
téis; Ônibus; e Spas. cultura brasileira está ligada diretamente à
nossa miscigenação e o repertório que cada
grupo trouxe de sua cultura especíica. Um
elemento muito marcante na cultura de brin-
cadeiras, brinquedos e jogos brasileiros é
a presença de elementos da cultura indíge-
na. Para saber um pouco mais, sugerimos
a leitura do Livro Jogos e Culturas indígenas:
possibilidades para a educação intercultural
na escola, disponibilizado pelo Ministério do
Esporte em seu site <http://www2.esporte.
gov.br/arquivos/snelis/esporteLazer/cedes/
jogosCulturasIndigenas.pdf>.
Ainda para saber mais sobre tais elementos e
sua inluência, acesse: <https://brasileirinhos.
wordpress.com/2016/04/19/brinquedos-e-
-brincadeiras-da-nossa-cultura-indigena/>.
Fonte: o autor.
161
RECREAÇÃO E LAZER
Prezado(a) aluno(a),
Pudemos perceber que os campos para atuação proissional em recreação
e lazer são vastos. Contudo, isso pode gerar uma supericialidade perigosa para
atuação do animador sociocultural. Os peris deste animador também são ca-
racterizados de diferentes formas, por diferentes autores, e o que determinará
sua construção é a autonomia do proissional diante dos diferentes contextos e
desaios. Esta atuação requer, necessariamente, uma construção consciente de
um repertório básico de atividades com embasamento para diferentes públicos e
contextos, levando-se em conta suas especiicidades.
Portanto, como pudemos perceber, atuação proissional consistente no cam-
po do lazer não pode ser meramente técnica. Obviamente que, assim como em
diferentes áreas, há técnicas especíicas envolvidas. Contudo, o que diferencia-
rá os diferentes animadores socioculturais são as habilidades para associar toda
uma base teórica à sua intervenção em diferentes situações. Isto sim resgata um
bom sentido para a recreação, mais no sentido do proissionais recriarem as ati-
vidades, conforme diferentes demandas.
A composição de um repertório ao longo da trajetória não apenas proissio-
nal, mas também de vida, é de uma riqueza espetacular. Resgatar atividades da
infância, sistematizá-las, reletir sobre cada uma delas, recriá-las, reinventá-las,
enim, exercer uma ação crítica e criativa sobre elas, enriquece sobremaneira as
possibilidades de atuação no lazer.
Um proissional capacitado no campo do lazer, assim como em outras áreas,
sempre está buscando novos conhecimentos e experiências. A partir dos diferen-
tes conteúdos culturais do lazer podemos estabelecer o nosso “check-list” peri-
ódico, tanto do ponto de vista pessoal quanto proissional. O mesmo valor que
atribuirmos ao trabalho devemos atribuir ao lazer. Este equilíbrio é um grande
desaio tanto para nós proissionais quanto para aqueles a quem servimos com
nossos conhecimentos e intervenções. Que consigamos encontrar este equilíbrio
para uma vida cada vez melhor.
162
LEITURA
COMPLEMENTAR
163
LEITURA
COMPLEMENTAR
164
atividades de estudo
1. O proissional que atua no campo do lazer pos- 4. O animador sociocultural tem um rico campo
sui uma série de nomenclaturas. Ora é deno- de atuação, com inúmeras possibilidades e
minado de monitor, ora de recreador, agente oportunidades, mas que requer uma consciên-
cultural, orientador social, entre tantas outras cia das especiicidades e alcance da sua ação.
denominações. Esta variedade de termos pode Com relação à possibilidade de atuação neste
revelar uma falta de identidade proissional. campo proissional, quem pode atuar e como
Animador sociocultural é o termo que adota- deve ser o processo formativo?
mos em nossos estudos. Neste sentido, des-
taque alguns elementos essenciais para a 5. A melhoria constante na formação proissional
compreensão desta nomenclatura dada ao para o lazer redundará na melhoria da atua-
proissional que atua no campo do lazer. ção proissional, levando-se em consideração
o duplo processo educativo (educação pelo e
2. A ação do animador sociocultural deve pre- para o lazer). Portanto, estamos tratando da
zar por um proissionalismo que demonstre o formação de educadores que estejam compro-
valor da sua atuação. Para que esta ação seja metidos com a transformação social com vistas
efetiva, Dumazedier (s.d.) classiica diferentes à justiça, igualdade e qualidade de vida. Pinto
níveis do animador, de acordo com seu grau (2001, p. 67-69), nesta ótica, sintetiza saberes
de especialização. Pina (1995) apresenta uma e competências e considera preponderantes
síntese desta estrutura piramidal apresentada para o processo formativo do educador, que
por Dumazedier. Descreva como seria esta devem embasar também atuação do animador
estrutura piramidal e teça algumas conside- sociocultural. Apresente quais são estes ele-
rações relevantes sobre a questão da espe- mentos e sua importância para o animador.
cialização proissional.
165
RECREAÇÃO E LAZER
Para compor seu repertório e saber um pouco mais sobre ações educacionais lúdicas, indica-
mos alguns sites que irão ajudar você a recuperar algumas atividades talvez já vivenciadas, e
conhecer outras muito interessantes.
Jogos.com.br: <http://www.ojogos.com.br/>.
166
EDUCAÇÃO FÍSICA
167
referências
168
gabarito
1. Entre vários elementos que são relevantes para a o prazer em seus períodos de lazer pode não ser a
compreensão do que é o animador sociocultural, mesma ao atuarem proissionalmente, podendo, em
podemos destacar que o conceito de animação vem geral, gerar frustração. Para o animador sociocultural,
de ânima, que no grego é alma, o que ao atrelar-se o lazer do outro é o seu tempo de trabalho, com as
ao lazer indica aquilo que dá emoção, sentimento, e, pressões inerentes às exigências envolvidas. Stoppa
mais estritamente, está ligado ao prazer. A animação e Isayama (1999) alertam sobre esta questão ao air-
sociocultural tem uma ligação educacional direta com marem que ins de semana e férias são períodos de
o lazer, em seu duplo processo educativo, cujo obje- trabalho para o animador, o que limita suas opções
tivo é propiciar uma fundamentação social e política de lazer. Salientam, ainda, que o relacionamento fa-
para que ocorram mudanças tanto na cultura, quanto miliar é prejudicado, pelo mesmo motivo anterior. Há
na sociedade. Ela busca contribuir para a cidadania, ainda, do ponto de vista das instituições de lazer, um
em busca de uma melhor qualidade de vida, com vis- desgaste no relacionamento com os demais amigos e
tas a uma transformação social, para tornar a nossa colegas de trabalho, gerado pela falta de divisão clara
realidade mais justa e humanizada. A animação so- entre os momentos de trabalho e de lazer, confundin-
ciocultural visa revalorizar a cultura por meio de uma do situações e espaços ora de trabalho, ora de lazer.
participação real e criativa, e não simplesmente uma
reprodução e um consumo cultural. 4. O lazer é um campo multidisciplinar, assim como a
atuação proissional nele, possibilitando a concretiza-
2. O animador sociocultural constantemente especiali- ção de propostas interdisciplinares, por meio da par-
za-se aprofundando seus conhecimentos a partir dos ticipação de proissionais com diferentes formações.
conteúdos culturais do lazer. A atuação proissional Há proissionais sem uma formação em nível superior,
geralmente inicia a partir do interesse por um dos mas que podem icar limitados a determinadas ações,
conteúdos culturais do lazer, contudo deve ampliar pois há proissões, como no caso da Educação Física,
para os demais, para que a atuação não seja obtusa. que são regulamentadas. Os proissionais com forma-
Conhecimentos, experiências e formação são funda- ção superior terão seu campo especíico de atuação
mentais para uma atuação cada vez mais consistente. como nas artes, práticas físico-esportivas, conteúdos
Na estrutura piramidal, baseada na especialização e intelectuais do lazer etc., mas poderão ampliar seu
experiência, quanto mais acima da pirâmide, maiores leque para outras esferas. O importante é que, in-
a formação, conhecimento e experiências mais abran- dependentemente de qual seja o campo de atuação
gentes (amplos e diversiicados). No vértice, estão os dentro do lazer, se acredite na necessidade de forma-
animadores de competência geral, proissionais, que ção especíica e aprofundada sobre este fenômeno.
dominam a área e suas interfaces, que, segundo Pina As competências e habilidades exigem um constante
(1995), poderiam atuar como gestores e/ou consulto- aperfeiçoamento proissional, cuja base deve estar
res. O meio dessa estrutura seria formado por anima- galgada nos fundamentos de formação proissionais,
dores proissionais de competência especíica, domi- sejam por meio de um curso superior ou não.
nando pelo menos um dos seis conteúdos culturais
do lazer. Pina (1995) divide este meio da pirâmide em 5. A primeira competência, segundo Pinto (2001), é o
duas categorias: as funções especializadas (mais abai- comprometimento com os valores inspiradores da
xo) e as funções polivalentes (mais acima). Na base sociedade democrática. A segunda é a compreensão
da estrutura piramidal de atuação proissional, está o do papel social na educação para o lazer. A penúltima
voluntariado, essencial para que a difusão esteja atre- competência, segundo o autor, é o domínio dos con-
lada à participação cultural. É necessário a preparação teúdos a serem socializados, de seus signiicados em
e capacitação destes animadores voluntários. diferentes contextos e articulações interdisciplinares.
E, por im, o domínio do conhecimento pedagógico, de
3. Um dos riscos é de se tornarem bobos da corte. A processos de investigação que possibilitem o aperfei-
vulnerabilidade proissional, por incompetência e/ou çoamento da prática pedagógica e o gerenciamento
por busca de destaque leva muitos a perderem suas do próprio desenvolvimento de ações educativas lúdi-
identidades, sendo sempre simpáticos, e muitas vezes cas. Estes quatro elementos são basilares para atua-
sem graça e inoportunos. O prazer no trabalho com o ção proissional em qualquer campo da educação,
lazer, naturalmente, gera o bom humor e não a alegria pois indicam competências que são dinâmicas. Não
forçada como uma fantasia que se veste para desem- basta a formação em determinado conteúdo, com
penhar um papel, pois não há como ter um proissio- receitas meramente técnicas, que apesar de impor-
nal da animação sociocultural carrancudo o tempo tantes, podem gerar um imobilismo proissional. Com
todo. Quanto mais competência e seriedade prois- tais competências, o proissional deverá aprender a
sional maior será a leveza advinda da tranquilidade e fazer a leitura dos diferentes momentos históricos e
prazer de estar fazendo o que dignamente se faz. A criar e recriar constantemente seu repertório.
opção por trabalhar com o lazer por terem vivenciado
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RECREAÇÃO E LAZER
conclusão geral
Chegamos ao inal de mais uma etapa da sua no trabalho na sociedade capitalista, quer dialo-
jornada acadêmica, caro(a) aluno(a). Nosso desejo gando com o lúdico, educação, qualidade de vida,
é que as relexões propostas neste material tenham bem como justiicando a necessidade de um reper-
contribuído para seu enriquecimento pessoal e ins- tório básico de atividades para o animador socio-
tigado você a continuar suas leituras sobre o tema cultural, esperamos ter instigado você a lançar um
principal abordado neste material, bem como outros olhar diferente para o lazer. Como você percebeu,
que emergirão durante seus estudos. a estruturação do tempo e das atividades realizadas
É certo que não seria possível esgotar toda com- nestes recortes temporais determinam uma série de
plexidade das discussões sobre recreação e lazer em dinâmicas pessoais e sociais, e, neste sentido, carac-
poucas unidades, mas, sem dúvida, os fundamentos terizam as diferentes formas como a sociedades se
destas temáticas foram lançados, e o que deinirá sua organizam.
eicácia será sua busca pela práxis pedagógica. Esta é Como educadores, a compreensão destas dinâ-
caracterizada por um constante movimento de ação, micas lançam desaios importantíssimos, não ape-
relexão, nova ação. Este espiral do conhecimento ja- nas para o trabalho no tempo livre, mas também na
mais acabará, pois o ser humano é dinâmico. Como forma como organizamos, selecionamos e trabalha-
airmou o ilósofo Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.), mos diferentes conteúdos na escola. A escola tem
“ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, papel fundamental para discussão das riquíssimas
pois quando nele se entra novamente, não se encon- possibilidades ligadas ao descanso, divertimento e
tra as mesmas águas, e o próprio ser já se modiicou”. desenvolvimentos pessoal e social.
Portanto, quer tratando de aspectos mais con- Que sua jornada acadêmica continue, cada vez
ceituais e históricos do lazer, atrelados ao mundo mais, cheia de signiicado! Carpe Diem! Tempus Fugit!
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