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O que impressiona Husserl durante suas reiteradas descrições é que não existem
essências estranhas à consciência, que a ponha em xeque ou numa “condição de
constrangimento” por não dar conta dela, e isso o leva cada vez mais a querer entender o
dinamismo complexo da consciência (com isso Husserl não está discutindo a existência
1
Cf. Robert SOKOLOWSKI, Introdução à fenomenologia, 2004, p. 20-24.
2
Edmund HUSSERL, Meditações cartesianas e Conferências de Paris, 2013, p. 116.
3
Idem, p. 122.
ontológica das coisas, mas preocupado em descrever a condição essencial do conhecer
humano):
colocamos fora de ação a tese geral inerente à essência da orientação natural, colocamos
entre parênteses tudo o que é por ela abrangido no aspecto ôntico: isto é, todo este mundo
natural que está constantemente ‘para nós aí’, ‘a nosso dispor’, e que continuará sempre aí
como ‘efetividade’ para a consciência, mesmo quando nos aprouver colocá-lo entre
parênteses. Se assim procedo, como é de minha plena liberdade, então não nego este
‘mundo’, como se eu fosse um sofista, não duvido da sua existência, como se fosse cético,
mas efetuo a επογη fenomenológica, que me impede de fazer totalmente qualquer juízo
sobre a existência espaço-temporal4.
Essa nova região alcançada como resíduo da redução em sua radicalidade plena
aparece para Husserl como a região constitutiva originária e ela cessa uma possível redução
ao infinito: “A consciência que se apresentava como dependente do mundo em que estava
inscrita, mostrar-se-á independente, enquanto conjunto de seus objetos passará a ser visto
como dependente e relativo a esse absoluto, que não será mais uma região limitada por outras
regiões, e que por isso será chamada de região originária (Urregion)”7. Esta região pode ser
descrita como a esfera das retenções e protensões que possibilitam a tensão (o agora
intencional).
A característica desse campo de retensões e protensões é aparecer como fluxo
temporal e ele sinaliza a existência de uma passividade constitutiva, portanto, um a priori da
essência da consciência que envolve toda essência transcendente que a ela aparece/se autodoa,
“[...] que todo complexo sensível, mesmo trabalhado por estruturas não subjetivas, deve
também obedecer à principal lei de toda consciência, quer dizer, o fluxo interno do tempo, a
forma de todas as formas”8.
4
Edmund HUSSERL, Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica – introdução
geral à fenomenologia pura, 2006, p. 81.
5
Edmund HUSSERL, Meditações cartesianas e Conferências de Paris, 2013, p. 121.
6
Idem, p. 122.
7
Carlos Alberto Ribeiro de MOURA, Crítica da razão na fenomenologia, 1989, p. 166.
8
Francesco ALFIERI, Nos limites da fenomenologia tradicional: o cerrado confronto com a fenomenologia
husserliana em Potência e ato de Edith Stein, in TQ – Teologia em questão 30 (2016), p. 134.
Contando que o processo constitutivo do tempo é um fluxo de produção constante de
modificações de modificações e ainda que uma modificação produz constantemente outra
modificação sempre nova, a impressão originária é o começo absoluto do processo de
modificações, ela é o começo absoluto desta produção, a fonte primitiva a parir da qual todo
o resto se produz constantemente. Mas ela própria não é produzida, ela não nasce como
produzida, mas sim através de uma genesis espontânea, ela é protoprodução. Ela não se
forma (não tem nenhum gérmen), é protocriação (HUSSERL, 1994, p. 124). Husserl
identifica assim a impressão originária a uma sensação originária, ela é algo ‘novo’ recebido
espontaneamente pela consciência, isto é, não há operação produtiva ativa alguma da
consciência envolvida na eclosão deste elemento ‘novo’. Assim, esta constituição só poderá
ser compreendida em termos de uma operação passiva, porquanto ela apenas ‘leva o
protoproduzido a crescer, a desenvolver-se’ (Idem, Ibidem). O agora é assim um ponto fonte
que põe em movimento o contínuo de modificações de passado e futuro, ou seja, as
impressões originárias estão intimamente relacionadas com as retenções e as protensões, de
modo que é na passagem do ‘modo de consciência’ impressional para o retencional
(consciência originária do passado) e para o protencional (consciência originária do futuro)
que se dá a constituição temporal9.
Referências
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia
fenomenológica – introdução geral à fenomenologia pura. Aparecida: Ideias&Letras, 2006.
MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Crítica da razão na fenomenologia. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo; Nova Stella, 1989.
12
Francesco ALFIERI, Nos limites da fenomenologia tradicional: o cerrado confronto com a fenomenologia
husserliana em Potência e ato de Edith Stein, in TQ – Teologia em questão 30 (2016), p. 139.
13
Edmund HUSSERL, Meditações cartesianas e Conferências de Paris, 2013, p. 124.