Análise do PL nº 4.566/2020 do Deputado Federal José Nelto,
do PODEMOS-GO.
a. O parlamentar busca justificar seu Projeto de Lei com base no artigo 20
da Constituição Federal, que lista os bens imóveis da União. Alega que, na maioria das vezes, a área pública disponível em favor da União encontra-se localizada em território municipal e, como tal, deixa de ser explorada pelo citado Ente Federado, que deixa de arrecadar caso a área fosse explorada economicamente por particulares. Por outro lado, a União faz uso das áreas sem que para tanto proceda com qualquer repasse em favor do Município.
b. Para o deputado tal fato se trata de privilégio estabelecido favor da
União em detrimento dos Municípios, o que não se justificaria, sobretudo em tempos em que se discute a necessidade de mudanças na forma de transferência da União para Estados e Municípios. Com a justificativa de minorar desigualdades, o PL estabelece compensação financeira aos Municípios, a ser paga pela União, pela disponibilização de áreas públicas localizadas no território municipal em favor da União.
c. O parlamentar também alega que o PL estaria contribuindo para a
promoção da justiça social e para o aumento da eficiência econômica, aumentando a capacidade de autogestão dos Municípios, possibilitando a esses entes alcançar a autonomia financeira que tanto se buscou com a elaboração da Constituição Federal de 1988.
d. O projeto de Lei proposto em sua integralidade incide em penalizar a
União por utilizar áreas de domínio dos municípios disponibilizados, quer sejam para exploração econômica ou não, decorrendo por via de consequência, compensação pecuniária em favor dos entes municipais.
e. Além de fazer uma leitura errônea do artigo 20 da CF/88, a proposta do
deputado fere frontalmente o pacto federativo, também chamado de Princípio Federativo, é o que define a forma de Estado adotada pelo Brasil. A federação é uma forma de Estado na qual há mais de uma esfera de poder dentro de um mesmo território e sobre uma mesma população. 2
f. As entidades integrantes da Federação Brasileira – União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios, no Brasil – não possuem soberania. No entanto, estas entidades gozam de autonomia deferida diretamente pela Constituição que, diferentemente da soberania, corresponde a um quadro interno de competências, rigidamente demarcadas.
g. A Federação é, portanto, resultado da descentralização política, que se
origina da união indissolúvel de mais de uma organização política, no mesmo espaço territorial do Estado, compartilhando seu poder. A repartição de competências entre a União e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal.
h. O pacto federativo está materializado na Constituição de 88 em seu art.
1º, caput:
Art. 1º, CF: A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
E também em seu art. 18:
Art. 18. A organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
i. Importante ressaltar que o art. 1º explicita o Princípio da
Indissolubilidade do pacto federativo, que determina que a união dos Estados- membros, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá ser desfeita.
j. Em outras palavras, é vedado o direito de secessão em face da
federação brasileira, sendo este dispositivo considerado, inclusive, cláusula pétrea. Na hipótese da entidade federativa insistir na secessão, poderá a União intervir para preservar a integridade nacional, à luz do art. 34, I, da CF/88.
k. Assim, no Brasil, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os
Municípios possuem sua autonomia. No entanto, essa autonomia é limitada pelos princípios consagrados pela Constituição Federal. 3
l. A autonomia, atributo que não se confunde com a soberania, se
desdobra nas seguintes capacidades e atribuições:
– Auto-organização: confere aos entes federados a capacidade de
se autoestruturarem por meio de suas Constituições e Leis Orgânicas.
– Autogoverno: permite que em cada ente federativo haja a
estruturação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
– Autolegislação: concede aos entes a prerrogativa de criação de
normas jurídicas gerais e abstratas.
– Autoadministração: atribui aos entes o dever de gerir a coisa
pública.
m. Compensação financeira, nos moldes como quer o parlamentar se
traduz em valores pecuniários, ou seja, trata-se de um notório caso de querer praticar tributação em face da União pelo Município o que é vedado constitucionalmente, pois se estaria claramente sendo estabelecido um caso de imunidade recíproca.
n. De acordo com o Art. 150, VI, alínea “a” da Constituição Federal, a
imunidade recíproca, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criem impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços, UNS DOS OUTROS.
Conforme se denota do artigo constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
o. Tal fato é um princípio jurídico e como tal tem superioridade sobre as
demais normas em sentido estrito, não servindo apenas à tarefa de integração do direito no caso de lacuna jurídica, podendo exercer, inclusive, efeito 4
revocatório das regras inferiores que os contrariem. No caso em tela o PL
proposto seria uma norma inferior à Constituição Federal e, portanto, não se manteria.
p. As imunidades tributárias foram atribuídas à categoria de princípios
constitucionais, por sua preeminência, peso e influência sobre as outras modalidades legais, porque se encontram ancoradas aos direitos fundamentais.
q. Ou ainda, os princípios são diretrizes positivas, são de caráter geral,
universal, indicam um caminho a ser seguido. Já as imunidades, trazem preceitos negativos, elas demarcam a competência tributária, não permitindo que ocorra tributação com relação a determinadas pessoas. São espécies de limitações, que irão condicionar o exercício do poder de tributar.
r. É claro e evidente que as áreas da União necessitam estar localizadas
geograficamente em uma área do Brasil, portanto, sempre estará inserida dentro de um ou mais municípios. Isso é lógico e evidente. Desse modo, não existe a menor probabilidade do PL proposto prosperar.
s. O que pretende o parlamentar é usurpar as áreas da União, pretendo, na
prática expropriar a União de seus próprios bens garantidos constitucionalmente, pelo artigo 20.
t. O projeto de lei não deve ser aprovado, por contrariar os interesses da
União, considerando, ainda que no contexto atual, a escassez de recursos impõe a não aceitação de áreas dos municípios para os casos dispostos na lei ora proposta, principalmente para não exploração econômica.
u. Especificamente, com relação às consequências ou repercussões da
aprovação do projeto para os bens imóveis da União sob administração do Comando do Exército, regularmente afetados, não se vislumbra quaisquer incidências que lhe causem embaraço, especialmente por serem bens especiais, sujeitos aos regimes especiais tanto da Lei nº 5.651/70, quanto do Decreto nº 77.095/76 e, portanto, não submetidos diretamente ao regime do PL objeto de aprovação intencionado pelo parlamentar. 5
v. Dessa forma, pelos argumentos aqui expostos, não existem respaldos
legais, sendo que nem mesmo a justificativa apresentada pelo deputado, assegura a aprovação do PL que certamente será derrubado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, por carecer de objeto e respaldo legal, além de ferir acintosamente o Pacto Federativo no qual se baseia nossa Lei Maior.