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Desviar-se do pecado

No Antigo Testamento, a palavra traduzida por arrepender vem primariamente de uma


palavra hebraica (shuwb) que significa “retornar ou voltar atrás”. Implica não somente
voltar-se contra o mal, mas também em retornar para a justiça.

Portanto, uma das indicações certeiras do arrependimento autêntico será um rejeitar


honesto e sincero ou desviar-se do pecado. Por mais que uma pessoa possa derramar
lágrimas em abundância ou demonstrar uma aparente sinceridade da sua confissão,
essas coisas sozinhas nunca serão evidência definitiva de arrependimento bíblico.

Tudo isso tem de ser acompanhando por uma conversão daquilo que Deus odeia e se
opõe.

Portanto, dize à casa de Israel: Assim diz o SENHOR Deus: Convertei-vos, e apartai-vos dos vossos ídolos, e dai
as costas a todas as vossas abominações (Ezequiel 14.6).

Portanto, eu vos julgarei, a cada um segundo os seus caminhos, ó casa de Israel, diz o SENHOR Deus.
Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões; e a iniquidade não vos servirá de tropeço. Lançai
de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes e criai em vós coração novo e espírito novo; pois,
por que morreríeis, ó casa de Israel? (Ezequiel 18.30–31).

Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o
perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por
que haveis de morrer, ó casa de Israel? (Ezequiel 33.11).

É inegável a verdade bíblica que o genuíno arrependimento se manifestará em desviar-


se do pecado. Porém, esta verdade a respeito do arrependimento tem trazido confusão
e medo até mesmo entre os crentes mais piedosos. Essa confusão muitas vezes se
manifesta nas seguintes perguntas:

Será que eu realmente me arrependi, se eu cometo de novo o mesmo pecado que


renunciei e abomino? Os meus frequentes fracassos indicam que sou uma pessoa que
não se arrepende?

Essa questão bastante sensível requer muito equilíbrio. Por um lado, uma volta
frequente para o pecado e uma falta de manutenção de vitória sobre ele podem ser
evidência de um arrependimento superficial e antibíblico.

Foi por isso que João Batista admoestou os fariseus a “produzir frutos dignos de
arrependimento,” e Jesus declarou: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim” (Mateus 3.8; 15.7–8).

Por outro lado, não importa o progresso que um crente tenha feito em sua santificação
– até mesmo os mais maduros descobrirão que a vida cristã é uma grande luta contra o
pecado, com frequentes batalhas, grandes vitórias, e derrotas desanimadoras.
Deste lado do céu, nenhum crente jamais terá um rompimento completo com o pecado,
a ponto de estar imune de seus enganos e livre de todo fracasso moral.

Embora verdadeiros crentes tenham crescido no abandono do pecado, ele ainda será
um mal repetitivo em suas vidas.

Talvez o pecado se torne menos frequente ou forte, porém jamais será completamente
erradicado, até a glorificação final do crente no céu. Ainda que Deus tenha prometido
purificar-nos de “toda nossa impureza e de nossos ídolos”, o crente mais maduro entre
nós, às vezes, se verá preso pelo pecado que ele já tinha renunciado (Ezequiel 36.25).

Embora lutemos contra o pecado e corramos para a santidade, como quem corre para
alcançar o prêmio; embora disciplinemos o corpo e o escravizemos, andando pelo
mundo com o maior cuidado e sabedoria, descobrimos que ainda não chegamos à
perfeição e ainda carecemos de arrependimento e graça (1Coríntios 9.24–27; Efésios 5.15.).
Por esta razão, os crentes não deverão se desesperar quanto à batalha que travam ou
quanto à sua frequente necessidade de arrependimento enquanto lutam contra o
pecado. A realidade da luta é uma marca de verdadeira conversão.

O falso convertido — o hipócrita — desconhece tal batalha.

Deus não promete sua presença a quem é perfeito, mas àquele cuja vida é marcada por
um espírito quebrantado e contrito, que treme diante de sua palavra (Isaías 66.2).
Sendo assim, é necessário muito equilíbrio. Existem dois lados da moeda, e não se
pode perder um sem perder o outro. Os cristãos autênticos experimentarão, por um
lado, um progresso gradual na santificação e frequentes vitórias sobre o pecado.

Aquele que iniciou boa obra de arrependimento neles continuará essa obra para que ele
cresça, se aprofunde e se torne realidade cada vez maior em suas vidas ( Filipenses 1.6.)
Ainda que os cristãos nunca estarão completamente livres do pecado ou sem
necessidade do dom divino do arrependimento.

Por outro lado, cristãos professos que não demonstrem progresso real na santificação
e raramente produzam frutos dignos de arrependimento devem se preocupar
profundamente com suas almas. Deverão testar e examinar a si mesmos para verificar
se estão na fé (2Coríntios 13.5).
Renúncia das obras

A primeira vista, isso pode parecer errado quando se fala dessa característica de
renúncia das obras quanto ao arrependimento autêntico. Afinal de contas, cremos que
fomos “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão
para que andássemos nelas”(Efésios 2.10). Além disso, João Batista nos diz para
produzirmos frutos ou obras dignas de arrependimento, e Tiago afirma que a fé sem
obras é morta (Mateus 3.8; Lucas 3.8; Tiago 2.17, 26).
Como, então, o verdadeiro arrependimento é manifestado por uma renúncia das obras?
A resposta está em Hebreus 6.1: “Por isso, pondo de parte os princípios elementares da
doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando, de novo, a
base do arrependimento de obras mortas e da fé em Deus”. A frase “arrependimento de
obras mortas” refere-se a renunciar e se desviar de qualquer esperança em alguma obra
pessoal de piedade como meio de justificação ou posição de retidão diante de Deus.
Qualquer obra em que a pessoa dependa em substituição à pessoa e obra de Cristo será
uma obra morta que não pode salvar.

A Escritura ensina que a salvação é pela graça somente, mediante a fé somente; não
vem das obras, para que nenhum homem se glorie nelas (Efésios 2.8-9).
É por esta razão que as Escrituras apresentam graça e obras como sendo
diametralmente opostas uma à outra e mutuamente excludentes. O apóstolo Paulo
apresenta esta verdade de maneira brilhante em sua carta à igreja de Roma: “E, se [a
salvação] é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça”
(Romanos 11.6).

Na lógica clássica, existe um princípio chamado de lei da não contradição. Essa lei
declara que as afirmações contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras
no mesmo contexto. No que diz respeito à salvação, isso é verdadeiro quanto a obras e
graça. Se a salvação é pela graça, não poderá ser por obras; se for pelas obras, não
poderá ser pela graça. Portanto, antes que uma pessoa possa exercer a verdadeira fé
salvadora em Cristo, terá de primeiro abandonar a esperança de conseguir salvação por
qualquer outro meio.

O abandono da justiça própria em favor de Cristo somente é uma das grandes obras do
Espírito de Deus na regeneração. Pelo Espírito, a pessoa verdadeiramente arrependida
percebe a inatingível justiça de Deus e as insondáveis profundezas de sua própria
depravação.

Essa pessoa foi confrontada com seu pecado e clama junto com o patriarca Jó e o
apóstolo Paulo: “Serei condenado; por que, pois, trabalho eu em vão? Ainda que me
lave com água de neve e purifique as mãos com cáustico, mesmo assim me
submergirás no lodo, e as minhas próprias vestes me abominarão” (Jó 29.31).
“Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos
7.24).

Essa nova revelação do eu e do pecado leva até o mais cheio de autojustiça entre as
pessoas a renunciar a confiança em suas próprias virtudes e méritos, com a mesma
força que teve ao renunciar seu pecado mais vil e hediondo. Eles não buscam mais
estabelecer justiça própria diante de Deus mediante as suas obras, mas “regozijam em
Cristo Jesus, e não tem confiança nenhuma na carne” (Filipenses 3.3-9).

Como no caso de graça e obras, o verdadeiro arrependimento e a autojustiça são


diametralmente opostos e não podem coexistir na mesma pessoa ao mesmo tempo.

A pessoa não arrependida vê a si como “não precisando de nada”. Contudo, quando o


Espírito de Deus regenera seu coração e ilumina sua mente, ele se vê como “infeliz,
miserável, pobre, cego, e nu” (Apocalipse 3.17).

Toma a posição do publicano, que “não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu,
mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lucas 18.13).
Vem a Deus com a atitude do antigo compositor de hinos que escreveu: “Não são
obras de minhas mãos que tua lei satisfarão. Esforços meus em vão serão, meus
lamentos nada são. Só tu podes me salvar; vem de ti a expiação. Nada tenho em
minhas mãos, só me lanço em tua cruz.” (Augustus M. Toplady, “Rock of Ages”).
O pecador arrependido rejeita categoricamente todos os elogios de uma religião
baseada em obras. Consequentemente, seu coração transborda com as palavras do
salmista: “Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dai glória” (Salmo
115.1).

Qualquer sugestão de que ele esteja certo diante de Deus em virtude do próprio caráter
ou feitos causaria horror. Viria dele a seguinte declaração de fé: “Mas longe esteja de
mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está
crucificado para mim, e eu, para o mundo” (Gálatas 6.14).

Então, que lugar as obras ocupam em nossa salvação? Será que o cristão continuará
em pecado para que a graça seja mais abundante? ( Romanos 6.1) Ele deve estar vazio de
frutos ou justiça pessoal? Absolutamente não! Aqueles que realmente se arrependeram
e creram para a salvação foram regenerados pelo Espírito Santo e recriados à imagem
de Cristo. Se alguém está em Cristo, é nova criatura e possui uma nova natureza.
( 2Coríntios 5.1). Ele morreu para o pecado e foi ressuscitado para andar em novidade de
vida.( Romanos 6.2–4).
Pelo poder da regeneração ele se torna habitação do Espírito Santo e, pela incansável
providência de Deus, o crente produzirá fruto e realizará boas obras para a glória de
Deus.

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