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1101108 Estrutura da Matéria II — Semana 00

Jason A.C. Gallas


Departamento de Física da UFPB, 58051-970 João Pessoa,PB
http://www.fisica.ufpb.br/∼jgallas

Resumo e Motivação
O objetivo aqui é rever aspectos da Física Atômica conhecida na época de Bohr e
Sommerfeld (1913-1916), i.e. conforme a visão da Mecânica Quântica velha. Nosso
intuito é preparar-nos para a Física Atômica “Moderna”, de 1926, que veremos logo
a seguir.

1 A estrutura eletrônica de um átomo


1.1 A carga elétrica elementar
Íons e soluções: Graças a DuFay (1733) e trabalhos posteriores, no tempo de Sir Humphry
Davy (1778-1829) e seu aluno Michael Faraday (1791-1867) já era bem sabido que átomos e
moléculas (bem como fragmentos de moléculas – radicais) podem ser ou neutros ou apresentar
carga elétrica, positiva ou negativa. Tão cedo quanto 1807, Davy chegou à conclusão correta
de que cargas elétricas podem aparecer na interação química de moléculas (em solução) ou
podem ser fornecidas a partículas de matéria quando sofrem decomposição por uma corrente
elétrica. Em 1834 Faraday expressou a opinião que a condução elétrica das soluções é devida ao
movimento destas partículas carregadas (que ele chamou de íons) num campo elétrico. Faraday
distinguiu entre íons carregados positivamente, ou cátions, e íons carregados negativamente, ou
ânions.
As leis da eletrólise descobertas por Faraday forneceram a primeira prova experimen-
tal da existência de uma carga elétrica elementar, que foi formulada mais explicitamente por
Helmholtz em 1881 na sua Aula sobre Faraday: “Se aceitarmos a existência de átomos de
elementos, não podemos evitar o corolário adicional que a eletricidade – ambas, positiva e
negativa – também é dividida em quantidades definidas, que comportam-se como átomos de
eletricidade.”
A magnitude desta quantidade elementar de eletricidade, ou carga elementar, podia ser
obtida das leis de Faraday. De acordo com estas leis, a passagem duma certa quantidade de
eletricidade através dum eletrólito sempre causa a decomposição, nos eletrodos, duma quanti-
dade estritamente definida do elemento dado (eletrólito), elementos diferentes depositando-se
em quantidades proporcionais ao seu equivalente eletroquímico, isto é, seu peso atômico A di-
vidido pela valência V do elemento dado. Portanto, 1 Coulomb de eletricidade passando numa
solução de nitrato de prata deposita q = 1.118 mg de prata, passando numa solução de ácido
cúprico, deposita 0.3293 mg de cobre, e numa solução de sal férrico, 0.1930 mg de ferro. Os
equivalentes químicos destes metais são 107.88, 31.77 e 18.62, respectivamente. Dividindo o
1.1 A carga elétrica elementar (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

Ano Evento

1733 Charles DuFay, descobre a existência de 2 tipos distintos de eletricidade,


“vítrea” e “resinosa”, que se atraem
1828 G. Brown usa um microscópio para descobrir o “Movimento Browniano”
(agitação de partículas microscópicas)
1869 Classificação periódica dos elementos químicos (Mendeleiev)
1869 Primeiros estudos dos raios catódicos, emitidos por cátodo quente.
Eles seriam identificados mais tarde como sendo elétrons.
Eles propagagam-se em linhas retas (Hittorf)
1879 Efeito dum campo magnético sobre raios catódicos (Crookes)
1886 Descoberta dos “raios canais” (= íons pesados) por Goldskin
1895 Descoberta dos raios-X por Röntgen
1896 Construção da primeira câmara de ionização para detectar partículas (Wilson)
1897 J.J. Thompson estabelece a existência do elétron
1898 Wilson demonstra que “raios canais” são íons pesados
1905 Einstein elabora a teoria do movimento Browniano
1910 J. Perrin estabelece a existência de átomos ao verificar experimentalmente as
predições de Einstein para o movimento Browniano

Tabela 1: Datas importantes na descoberta do elétron e do átomo.

equivalente eletroquímico dum dado elemento pelo valor apropriado de q, obtemos a constante
de Faraday F , ou seja, o número de Coulombs de eletricidade que depositam uma quantidade
de gramas de um dado elemento é numericamente igual ao seu equivalente eletroquímico:

F = 96.500 Coulombs

Como neste número de gramas existem NA /V átomos do metal dado (NA é o número de Avo-
gadro, que é 6.023 × 1023 átomos por grama de átomos), dividindo-se a constante de Faraday
(expressa em unidades eletrostáticas absolutas) pelo número de átomos NA /V obtemos a se-
guinte expressão para a carga dum único íon:
F
Q=V .
NA
Desta fórmula segue que a carga de um íon é um múltiplo inteiro (de valor V ) de uma certa
carga (elementar) mínima:
F
e= = 4.82 × 10−10 CGSE [= 1.602 × 10−19 Coulombs]
NA
Portanto, a carga de um íon de prata Ag+ é igual a e, a dum íon bivalente de cobre Cu++ , 2e, e
a de um íon trivalente de ferro Fe+++ , 3e.

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1.2 A descoberta de cargas positivas no átomo (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

(a) Cruz de Malta projetada pelos “raios catódicos” (b) Funcionamento do tubo de Crookes

Figura 1: “Raios catódicos” foram observados pela primeira vez em 1869 pelo físico alemão Johann Hittorf. (a) Tubo de Crookes, mostrando
a sombra da cruz de Malta produzida pelos “raios catódicos” (i.e. elétrons). (b) Representação esqeumática do tubo de Crookes. A é uma fonte
de baixa voltagem usada para aquecer o cátodo C (Crookes usou um “cátodo frio”). B é uma fonte de alte tensão usada para criar uma ddp
entre o anodo P e o cátodo C. A máscara M está conectada ao mesmo potencial do cátodo e tem sua imagem projetada no fósforo da tela com
sendo uma área não-brilhante. Detalhes: http://en.wikipedia.org/wiki/Cathode_ray

Íons em gases: Medidas das cargas dos íons em gases mostraram que também neste caso a
carga dos íons é um múltiplo inteiro de e, cujo valor foi dado acima. Pularemos os tentativas
experimentais mais remotas de determinaçaão da carga de um íon gasoso feita por vários pes-
quisadores, tratando apenas dos experimentos realizados por Millikan (1910-16), nos quais os
procedimentos dos seus antecessores foram refinados consideravelmente.
No seu primeiro experimento, Millikan mediu a taxa de queda, no ar, de gotículas in-
dividuais de água, formadas através da condensação de vapor supersaturado em íons gasosos.
Foi possível estabelecer a presença de uma carga elétrica Q numa gota líquida pela variação da
taxa de queda (ou pela mudança do sinal da velocidade) quando um campo elétrico era ligado.
Através dum ajuste apropriado da magnitude da intensidade E do campo elétrico, era possível
interromper a queda da gota quando a força elétrica QE contra-balançava a força da gravidade,
i.e. o peso mg da gota (m sendo a massa da gota, g a aceleração da gravidade).

1.2 A descoberta de cargas positivas no átomo


Agora sabemos o suficiente sobre elétrons para sermos capazes de estudar a estrutura do átomo
mais acuradamente.
A primeira questão a responder é: onde está localizada a eletricidade positiva no átomo?
Pois, sendo o átomo neutro como um todo e tendo elétrons na sua coroa externa, deve existir
alguma carga positiva nalgum lugar dentro dele. É portanto preciso penetrar no interior no
átomo. Para tanto, usam-se partículas rápidas, que possuem momentum elevado, para colidir
com os átomos. As primeiras investigações deste tipo foram feitas por Lenard, usando “raios
catódicos”1 [i.e. feixes de elétrons] rápidos. Tais elétrons são capazes de atravessar folhas finas
1
Tão recentemente quanto 1910, ainda discutia-se na literatura científica sobre qual seria a “natureza” dos raios
catódicos. Veja, por exemplo, H. Thirkill, On the Nature of Magneto-Cathodic Rays, Proc. Royal Soc. London.
Series A, 83, 324-334 (1910).

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1.2 A descoberta de cargas positivas no átomo (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

de metais.
In most popular texts on particle physics you see a long list of particles and their dis-
coverers: 1897 Thomson discovers the electron; 1911 Rutherford discovers the nucleus; 1932
Chadwick discovers the neutron, and so on and so on. Somewhere between Thomson and
Chadwick, physicists realized that there are positively charged constituents of the nucleus,
which we call ‘protons’. The way this happened was a gradual process, and that is why it
is hard to say exactly who discovered the proton, although if you had put a name against it, it
would be Rutherford, sort of.
After the discovery of the electron, it was realized that there must be positive charge
centers within the atom to balance the negative electrons and create electrically neutral atoms.
Rutherford’s discovery of the nucleus demonstrated that these positive charges were concentra-
ted in a very small fraction of the atoms’ volume. In 1919 Rutherford discovered that he could
change one element into another by striking it with energetic α-particles (which we now know
are just helium nuclei). In the early 1920’s Rutherford and other physicists made a number
experiments, transmuting one atom into another. In every case, hydrogen nuclei were emitted
in the process. It was apparent that the hydrogen nucleus played a fundamental role in atomic
structure, and by comparing nuclear masses to charges, it was realized that the positive charge
of any nucleus could be accounted for by an integer number of hydrogen nuclei. By the late
1920’s physicists were regularly referring to hydrogen nuclei as ’protons’. According to Pais,
the term proton itself seems to have been coined by Rutherford, and first appears in print in
1920 [Nature 106, 357, 1920].
An excellent reference on the history of particle physics is Abraham Pais’s “Inward
Bound” (Oxford Press). Another good, and less bulky, overview of the development of par-
ticle physics is “The Particle Hunters” by Ne’eman and Kirsh (Cambridge Press).
Complementar isto, com infos sobre o valor do raio do átomo segundo Mec. Estatística.

Figura 2: Exemplos de espectros atômicos obtidos experimentalmente, em filmes fotográficos: Os traços verticais brancos são as “linhas”
atômicas e o conjunto das linhas forma o “espectro” do átomo, que funciona como uma impressão digital que lhe é característica. (a) O espectro
do ferro; (b) O espectro do hidrogênio, indicando a localização relativa das linhas Hα , Hβ , . . . , bem como indicando a existência dum limiar
de acumulação; (c) O espectro do potássio. A curvatura visível para algumas das linhas resulta de distorções sofridas pela luz ao passar pelo
sistema de lentes existente entre a fonte de luz e o filme fotográfico. Em cores, de cima para baixo: espectros do hidrogênio, mercúrio e neônio
na região visível do espectro eletromagnético.

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1.3 A teoria de Bohr do átomo de hidrogênio (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

1.3 A teoria de Bohr do átomo de hidrogênio


A analogia com o sistema solar foi utilizada como guia nas primeiras tentativas de penetrar mais
profundamente na estrutura eletrônica do átomo. O átomo mais simples, hidrogênio, consiste
em um próton com um elétron circulando em torno dele – como a terra e a lua. Mas esta
semelhança é meramente superficial, pois sabemos que o átomo de hidrogênio, como qualquer
outro átomo, pode apenas existir numa série de estados estacionários, um fato que contradiz os
teoremas fundamentais da mecânica clássica.
No caso do átomo de hidrogênio os níveis de energia, ou termos, dos estados estacionários
são conhecidos com muita precisão graças a experimentos de Anders Angstöm [1814-1874] em
faíscas elétricas, realizados em Uppsala entre 1852-1855. Ele identificou com precisão várias
linhas do hidrogênio no visível. Em 1880, Huggins e Vogel, fotografaram independentemente
o espectro das estrelas, descobrindo que as linhas já conhecidas na parte visível do espectro
do átomo de hidrogênio, na verdade, eram parte duma série bem mais longa de linhas, que se
extendia até o ultravioleta.
Em 1885, o matemático suiço Balmer [1825-1898] encontrou uma fórmula capaz de re-
produzir os comprimentos de onda das linhas do espectro do hidrogênio (veja Figs. 2–5):
1
= ν = R( 41 − 91 ), R( 41 − 1
16
), R( 41 − 1
25
), ... (1)
λ
obtendo os valores das constantes a partir dos dados de Angström. Cinco anos mais tarde, na
Suécia, sem conhecimento do trabalho de Balmer, Johannes Rydberg [1854-1919] obteve uma
fórmula mais geral para os espectro dos metais alcalinos (tais como o sódio):
1 R
=ν= − Constante. (2)
λ (n − d)2
Esta fórmula inclui a de Balmer como um caso especial quando d = 0. A constante R é hoje
em dia conhecida universalmente como sendo a constante de Rydberg, uma quantidade medida
tanto em unidades de energia quanto de freqüência, R = 3.29 × 1015 Hz.
Em 1908, o jovem suiço Walther Ritz (1878-1909), publicou o que chamamos de princí-
pio de combinação de Ritz2 , cujo objetivo é explicar a relação entre as linhas espectrais de todos
átomos. Tal princípio diz que as linhas espectrais de qualquer elemento incluem freqüências que
são ou a soma ou a diferença das freqüências de duas outras linhas.
Do ponto de vista do princípio de Ritz podemos concluir que os termos do átomo de hidro-
gênio são R/4, R/9, R/16, . . . . Posteriormente às medições de Angström acima mencionadas,
Lyman encontrou (Harvard, 1906) também o termo R/1, numa série de linhas que caem no ul-
travioleta, na época mais difícil de ser medida do que o espectro visível medido por Angström
no século anterior.
De acordo com Bohr, tais termos quando multiplicados por h fornecem os níveis de ener-
gia do átomo de hidrogênio. Como sabemos, tais energias são computadas a partir do limiar no
qual o elétron está livre da atração nuclear, que é maior que todos os níveis ligados do átomo.
Portanto, as energias dos níveis ligados devem ter sinal negativo
R R R
− − − ... e, em geral, En = − nR2 , (3)
12 22 32
2
Leia o artigo original de Ritz: On a new law of series spectra, Astrophys. J. 28, 237-243 (1908), que é um
texto complementar deste curso.

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1.3 A teoria de Bohr do átomo de hidrogênio (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

Figura 3: Esquematização do espectro do hi-


drogênio (conforme era então registrado num
filme fotográfico), indicando a localização re-
lativa das linhas Hα , Hβ , . . . , bem como a loca-
lização dum limiar de acumulação da série infi-
nita de linhas.

Figura 4:
As séries de
linhas que
constituem-
se no
espectro do
átomo de
hidrogênio.

onde n foi posteriomente chamado de número quântico principal.


O arranjo dos termos é mostrado na Fig. 4). O termo mais baixo (n = 1) tem valor −R,
o próximo −R/4, e assim por diante. Os termos aproximam-se cada vez mais e acumulam-se
indefinidamente no nível zero de energia.
Ali, onde os termos encontram-se densamente juntos, a energia é quase contínua. Nesta
região, portanto, a mecânica ordinária deve valer com bastante precisão. Este raciocínio foi
chamado por Bohr de princípio de correspondência, tendo sido aplicado por ele com grande
sucesso. Portanto, já em 1913, ele foi capaz de expressar a energia R e o raio da órbita do
átomo de hidrogênio, no estado fundamental, em termos da carga e e massa m do elétron, e da
constante de Planck, h, introduzida em 1899.
Usando-se os valores experimentais da época para e, m e h, encontramos
2π 2 me4
R= 3
= 3.29 × 1015 Hz, (4)
h
em excelente concordância com o valor espectroscópico acima. Destes valores, o raio da órbita
é obtido e tem a mesma ordem de magnitude antecipadamente conhecida, a saber a do raio atô-
mico deduzido a partir da teoria cinética dos gases. O valor exato do raio do estado fundamental
do átomo de hidrogênio é
Raio do estado mais baixo do hidrogênio = 0.532 × 10−8 cm. (5)
Este valor foi o primeiro grande sucesso da teoria quântica aplicada à estrutura atômica. Como
sabemos, anteriormente o conhecimento do raio atômico baseava-se na Teoria Cinética dos
Gases, i.e. na Mecânica Estatística.
Um grande impacto foi obtido então pelo seguinte argumento de Bohr. Removendo-se
um elétron dum átomo de hélio, ele consiste em um núcleo e um elétron, tal como o átomo de

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Figura 5: Hierarquia das linhas


espectrais atômicas observadas com
resolução espectral crescente, de
cima para baixo.

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1.3 A teoria de Bohr do átomo de hidrogênio (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

Figura 6: Comparação dos termos espectroscópicos do


hidrogênio e do hélio, cuja descrição de Max Born repro-
duzimos aqui.

hidrogênio, exceto que o núcleo possui o dobro da carga. Portanto o espectro do hélio deve
assemelhar-se ao do hidrogênio, porém com os “termos” sendo quatro3 vezes maiores. Assim,
esperamos encontrar a seguinte série de termos:

Átomo de hidrogênio: −R, −R/4, −R/9, −R/16, −R/25, −R/36, . . . (6)


Átomo de hélio: −4R, −4R/4, −4R/9, −4R/16, −4R/25, −4R/36, . . . (7)

Na série do hélio, vemos que os termos sublinhados estão todos incluidos na série do hidrogênio,
como se pode ver do diagrama apresentado na Fig. 6. Ou seja, cada termo alternado do hélio
deveria coincidir com um do hidrogênio – desde que no cálculo os núcleos fossem supostos
como estando em repouso. Na verdade os núcleos movem-se pouco; mas aqui, como no sistema
solar, vale o teorema que o sol e o planeta giram em torno do seu centro de gravidade comum.
Considerando-se isto, os 2-os, 4-os, 6-os, . . . termos do hélio não coincidirão exatamente com
os 1-os, 2-os, 3-os, . . . termos do hidrogênio, pois as massas dos núcleos diferem bastante (o
núcleo do hélio sendo da ordem de quatro vezes mais pesado que o do hidrogênio).
Naquela época, conhecia-se um espectro obtido com um tubo de Geissler contendo hidro-
gênio e hélio e que possuia linhas exatamente entre as linhas da série de Balmer do hidrogênio.
Na época, tais linhas haviam sido atribuidas ao hidrogênio. Bohr, porém, declarou, como nos
conta Max Born: “Elas são linhas do hélio. Veja se estas linhas ainda aparecem quando todos
traços de hidrogênio são removidos do tubo. Se olharem direito, verão que é um erro chamar tais
linhas de linhas de Balmer do hidrogênio, pois elas aparecem um pouco deslocadas.” Ambas
afirmativas foram imediatamente confirmadas. E este foi o segundo triunfo da teoria de Bohr.
Naquele tempo, ninguém fazia idéia dos elétrons-onda e não existiam ainda a mecânica
ondulatória. Os físicos não tinham escrúpulos em aplicar a mecânica clássica para o cálculo das
órbitas eletrônicas, mesmo em casos complicados. Eles obtinham órbitas cujos valores de ener-
gia formavam um contínuo de valores. Hipóteses adicionais eram necessárias para selecionar
deste intervalo contínuo de energias as séries de órbitas estacionárias. Ilustraremos isto apenas
para o caso mais simples, das órbitas circulares.
Eventualmente descobriu-se que os níveis corretos de energia, os termos de Balmer, eram
obtidos aceitando-se como permitidas apenas as órbitas para as quais o produto (Momentum ×
3
De onde sai este fator “quatro” ??...

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1.3 A teoria de Bohr do átomo de hidrogênio (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

Circunferência da órbita) fosse igual a um múltiplo inteiro de h, isto é,

p × 2πr = nh. (8)

O produto pr é chamado de “momentum angular”, e dizemos então que o momentum angular é


quantizado, ou seja, que é sempre múltiplo duma certa unidade, a saber, a constante de Planck
dividida por 2π, para a qual introduziu-se a notação ~ = h/(2π). O raio dos círculos foram
determinados estarem na razão 1 : 4 : 9 : . . . . A mesma condição foi determinada como
valendo para todas as rotações, mesmos as mais complicadas. E o “número inteiro” n que
aparece na condição acima, Eq. (8), passou a ser chamado de número quântico.
Movimentos que não são rotações mas que possuem a natureza de vibrações possuem
certos períodos. Foi determinado que cada um destes períodos tem suas condições quânticas
próprias. Um exemplo é o movimento genérico dum elétron numa órbita fechada em torno de
um núcleo que, segundo a lei das órbitas de Kepler, é uma elipse. Como o movimento circular,
tal movimento possui apenas um período, de modo que existe apenas uma condição quântica.
Obtemos exatamente a mesma série simples de termos, −R/n2 , como no caso da órbita circular.
Existe um número infinito de elipses com o mesmo valor de n, todas com o mesmo valor de
semi-eixo maior (que é proporcional a n), mas diferentes excentricidades, suas formas variando
de muito elongadas até um círculo conforme mostra a Fig. 7. É apenas para a órbita circular
que n é proporcional ao momentum angular. Para as elipses com o mesmo semi-eixo maior o
momentum angular é menor.

Figura 7: Sucessão de órbitas para um


átomo hidrogenóide com n = 1, 2, 3, 4 (es-
tados K, L, M e N). Embora o raio cresça com
n2 , todas foram esquematicamente desenha-
das com um mesmo raio, para melhor visuali-
zação. (Sommerfeld, 1916.)

Figura 8: A ilustração mais à esquerda


mostra a “roseta de Sommerfeld”, preces-
são devida a efeitos da variação da massa
(relativísticos), e que provoca avanço de
∆ϕ. Mais à direita vemos uma “órbita re-
entrante”, que passa bem perto do núcleo
(Sommerfeld, 1916).

Agora, já era sabido que as linhas de Balmer não aparecem como linhas individuais úni-
cas, a menos que a resolução com que sejam observadas seja muito baixa. Na verdade, cada
linha consiste em um grupo de linhas finas. Tal fato foi referido como a estrutura fina das linhas.
Consequentemente, os níveis de energia devem possuir uma estrutura fina. Portanto, um
número quântico apenas não é suficiente para enumerá-las. O movimento deve ter um segundo
período, com um “segundo número quântico”.

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1.4 A mecânica ondulatória do átomo de hidrogênio (1 A estrutura eletrônica de um átomo)

Sommerfeld, em Munique, descobriu a razão para esta complicação. Em órbitas elípticas


muito alongadas o elétron passa muito perto do núcleo e alcança velocidades comparáveis com
a velocidade da luz. Então, pela teoria da relatividade, a massa do elétron não é mais constante,
ficando um pouco maior. Isto tem o efeito de alterar um pouco a órbita toda. Esta órbita alterada
evolui formando uma espécie de “roseta” como mostrado na Fig. 8: ou seja, o movimento pode
ser aproximadamente descrito como um movimento sobre uma elipse que gira muito devagar.
Tal rotação, chamada de precessão, fornece o segundo período e o segundo número quântico k.
Pois se considerarmos várias elipses, todas possuindo o mesmo n, isto é, o mesmo eixo maior
(uma delas sendo um círculo), o período orbital do elétron é o mesmo para todas órbitas, de
acordo com as leis de Kepler.
A precessão de toda a elipse, entretanto, fornece um novo período. As elipses longas e
estreitas passam perto do núcleo e, portanto, mostram o efeito de variação de massa mais cla-
ramente. A condição quântica associada com a precessão é que somente são admitidas elipses
para as quais o momentum angular é um múltiplo inteiro de ~, isto é, igual a k~. Este número
inteiro k é o segundo número quântico. Ele nunca é maior do que n, sendo igual a n para a
órbita circular (“elipse degenerada em círculo”). A figura 7 mostra a sucessão destas elipses
para vários valores de n e de k. Para um mesmo n, a cada elipse (associada a diferentes k) cor-
responde uma energia um pouco diferente, isto é, cada termo é “esplitado” (a precessão levanta
a degenerescência).
O movimento duma partícula no espaço pode, entretanto, possuir ainda um terceiro perío-
do, os três períodos correspondentes às três dimensões do espaço. Isto pode acontecer também
com o átomo de hidrogênio. Não quando isolado, mas sim quando sujeito a uma influência
externa. Isto veremos mais adiante.

1.4 A mecânica ondulatória do átomo de hidrogênio


A razão real do porque a idéia corpuscular não é apropriada para átomos é a seguinte. Estamos
interessados em estados estacionários, que correspondem a valores fixos de energia. Se um
átomo é observado como estando num tal estado, então, de acordo com o princípio de incerteza
de Heisenberg, não podemos observar tempos com qualquer pretensão de precisão, pois se a
energia for conhecida precisamente, então o erro na medida do tempo tem que ser infinito.
Portanto o desenrolar do movimento no tempo é não-observável.
A questão sobre onde o elétron está num dado momento deve portanto ser abandonada.
Por outro lado, a probabilidade que o elétron esteja neste ou naquele lugar é uma quantidade
determinável. Para tanto temos que associar uma onda de de Broglie ao elétron – ou melhor,
substituir o elétron por uma onda e determianr a intensidade da sua vibração em tal ou tal ponto.
O significado das misteriosas condições quânticas fica assim imediatamente claro. Mas
não discutiremos mais isto, por enquanto.

Leituras recomendadas
M. Born, The Restless Universe, (Dover, NY, 1951), original de 1936.
M. Born, Física Atômica, (Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986), original: 8th edition, 1969.
U. Benz, Arnold Sommerfeld, (WVG, Stuttgart, 1975), Reihe “Grosse Naturforscher”, Bd. 38.
G.W. Series, The spectrum of Atomic Hydrogen, Advances, (World Scientific, Singapore, 1988).
V. Kondratyev, The Structure of Atoms and Molecules, (MIR, Moscou, 1967), caps. 1 e 3.

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