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ESTUDOS SOBRE

O NEOPAGANISMO
NO BRASIL*

DANNYEL DE CASTRO**

Resumo: há pelo menos 15 anos alguns pesquisadores brasileiros das áreas da antropologia,
sociologia, história e ciências da religião empenham-se em auxiliar no avanço de conhecimento
sobre as expressões religiosas do Paganismo Contemporâneo. Essas, por sua vez, mostram-se
em constante crescimento na sociedade brasileira. Tais pesquisas convergem para a formação
de um campo específico dos estudos de religião, constituído por religiões que até então somente
eram compreendidas de forma bastante superficial através da categoria analítica “novos mo-
vimentos religiosos”. O presente texto realiza um survey dos principais estudos acadêmicos já
realizados sobre as religiões pagãs no Brasil, refletindo sobre algumas das principais análises
tecidas sobre tais expressões.

Palavras-chave: Paganismo Contemporâneo. Estudos de Religião. Novos Movimentos


Religiosos. Levantamento Bibliográfico.

O 
século XX foi marcado pelo alvorecer de diferentes novas expressões religiosas,
alinhadas ao contexto propiciado pela modernidade, sobretudo no que diz res-
peito à queda de influência das instituições religiosas. Tais expressões passaram
a ser estudadas sistematicamente dentro de uma única categoria analítica, “novos movi-
mentos religiosos”. Segundo Guerriero (2006, p.19), uma forma de reconhecer um novo
movimento religioso é observar o grau de ruptura que este estabelece com as grandes
(ou tradicionais) religiões; “quanto maior a ruptura, mais nítido seria o caráter de novi-
dade desse movimento”. De outro modo, os novos movimentos religiosos promovem um
distanciamento de padrões culturais estabelecidos por meio de suas mensagens e símbolos.
Contudo, tal conceito é utilizado na investigação científica de várias religiões que
possuem configurações e sistemas religiosos bastante distintos. Esse é um dos motivos que

* Recebido 31.10.2016. Aprovado em: 23.09.2017.


** Mestre em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará. E-mail: dannyeldecastro@gmail.com.

440 DOI 10.18224/frag.v27i3.4875 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 3, p. 440-454, jul./set. 2017.
levou Guerriero, em um outro trabalho, a questionar o uso do termo “novos movimentos
religiosos”: “corremos o risco de tornar nossa visão tão ampla que dentro dela tudo caberia”
(GUERRIERO, 2014, p.916).
Atentos a essa questão, pesquisadores brasileiros têm realizado estudos que analisam
as diferentes novas expressões religiosas de maneira específica, desenvolvendo um processo
de especialização acadêmica das religiões que compõem o mosaico dos novos movimentos
religiosos, especialmente as religiões alternativas (ou, para alguns autores, neoesotéricas). Tal
processo é verificado a partir da emergência do conjunto de pesquisas específicas sobre ex-
pressões como Vale do Amanhecer (OLIVEIRA, 2011; CAVALCANTE, 2005; GALINKIN,
2008; REIS, 2008), Hare Krishna (GUERRIERO, 1989; ADAMI, 2014; SILVEIRA, 1999),
Santo Daime (GOULART, 1996; GROISMAN, 1991; LABATE, 2004; ALBUQUERQUE,
2012), entre outras.
O presente artigo propõe investigar em que situação está o processo de especializa-
ção acadêmica de uma dessas expressões, o Neopaganismo, que, por sua vez, é um conjunto
de expressões religiosas que se inspiram em antigas culturas do mundo, geralmente pré-cristãs
ou pré-romanas. O quadro metaempírico de significados dessas religiões geralmente envolve
a crença em diversos deuses (o politeísmo), a noção de que todas as coisas possuem alma (o
animismo), além da aceitação da ideia de reencarnação da alma. Tratam-se de movimentos
religiosos como Ásatrú, Wicca, Druidismo, Reconstrucionismo Céltico, Kemetismo, Rodno-
very, Romuva, Hellenismo, apenas para citar alguns.
Tais religiões expandiram-se pelo ocidente ao longo do século XX, especial-
mente no período pós-guerras e na contracultura norte-americana e europeia. No Brasil,
observa-se a inserção de elementos neopagãos no campo religioso brasileiro já na década
de 1970. Porém, tais religiões começaram a ganhar adeptos no país, principalmente, entre
as décadas de 1980, 1990 e 2000.
Através de uma busca empreendida em sites de programas de pós-graduação em
ciências da religião, antropologia e ciências sociais, bem como no site Google (sobretudo a
plataforma Google Acadêmico) e na plataforma Lattes, foi possível mapear os trabalhos cien-
tíficos (entre teses, dissertações e artigos1) já realizados sobre as expressões neopagãs no Brasil.
Sendo assim, um primeiro momento do texto contará com a exposição de tal mapeamento.
Em seguida, irei analisar os principais temas abordados nos estudos brasileiros sobre Neopa-
ganismo de forma mais detalhada, a fim de verificar a situação atual desse campo de estudos.
O artigo foi escrito no ano de 2016, sendo aceito para publicação já em 2017. Nes-
te ano, por sua vez, mais duas dissertações de mestrado foram defendidas sobre o tema, bem
como outros artigos também foram publicados. Desse modo, tais trabalhos não entraram
no mapeamento empreendido neste artigo. Uma das dissertações defendidas em 2017 foi a
minha, intitulada “Neopagãos na Cidade: sociabilidade e estilo de vida entre adeptos do Neo-
paganismo” (CASTRO, 2017). Também publiquei alguns artigos em periódicos sobre o tema
entre os anos de 2016 e 2017, e optei pela omissão destes trabalhos no presente survey por en-
tender que não é meu papel, neste momento, analisar minha própria produção bibliográfica.
Um dos pesquisadores pareceristas que analisou o presente artigo, tendo-o aprova-
do para publicação, questionou a omissão das religiões afro-brasileiras, ou de matriz africana,
em minha definição de Paganismo Contemporâneo. De fato, há algumas interseções entre
tais expressões e as que aqui denomino de “pagãs contemporâneas”, como a existência de uma
espiritualidade centrada na natureza, culto a diferentes divindades relacionadas a aspectos
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naturais, entre outros. Ressalvo, porém, que as religiões de matriz africana possuem elementos
relacionados à diáspora africana, tendo até mesmo um caráter étnico, o que não ocorre no
caso das expressões do Paganismo Contemporâneas. Estas constituem, na verdade, um reavi-
vamento e/ou reconstrução moderna (iniciada entre os séculos XIX e XX) de religiões pagãs
do mundo antigo.

AS FONTES: TESES, DISSERTAÇÕES E ARTIGOS

Em nível global, os estudos sobre as expressões religiosas do Paganismo Contem-


porâneo se localizam em um campo interdisciplinar formado por autores das áreas da antro-
pologia, sociologia, história, geografia cultural e ciências da religião (esta última é chamada
de “religious studies” no exterior). Na América do Norte e em diferentes países da Europa,
tal tema é o objeto de estudos do campo dos chamados Pagan Studies. A consolidação deste
campo remonta à criação do periódico científico The Pomegranate: The International Journal
of Pagan Studies, em 1997. Em 2004, a revista passou a ser editada por Chas Clifton, his-
toriador e professor da Colorado State University, além de também ser o coordenador do
grupo de trabalhos sobre Paganismo Contemporâneo na reunião anual da American Aca-
demy of Religion.2 O periódico The Pomegranate tem publicado artigos de pesquisadores do
mundo todo, oriundos de diversas áreas, que se debruçam em análises com diferentes vieses
teórico-metodológicos sobre essas religiões. Alguns estudiosos, em especial, têm se destacado
no avanço de conhecimento sobre esses sistemas religiosos no cenário internacional, entre os
quais podemos citar Sabina Magliocco (2004, 2005), Graham Harvey (1999, 2009), Michael
Strmiska (2005), Ronald Hutton (1999), Kathryn Rountree (2010, 2015), Michael York
(2003), apenas para nomear alguns.
Voltando a atenção para o caso brasileiro dos estudos sobre Paganismo Contem-
porâneo, os exemplos etnográficos são, sobretudo, pequenos grupos de alguma das religiões
pagãs. Alguns estudos centralizam-se nas questões de gênero na Wicca, um terreno fértil para
investigações sobre feminismo e religião (OSÓRIO, 2004; CORDOVIL, 2015), enquanto
outros buscam evidenciar dimensões da sacralização da natureza feita pelos grupos religiosos
pagãos (OLIVEIRA, 2010; LOPES, 2008).
Existem quatro teses de doutorado produzidas sobre o Paganismo Contemporâ-
neo no país até o momento.3 A tese da antropóloga Rosalira Oliveira (2004), intitulada de
“Tecendo vínculos com a Terra – Paganismo Contemporâneo: percepções, valores e visão de
mundo”, foi desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Já a tese de Ana Carolina Chi-
zzolini Alves (2011), “Wicca e Corporeidade: a bruxaria moderna e o imaginário do corpo”,
foi defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Enquanto isso, a tese de doutorado do his-
toriador Janluis Duarte (2013), “Reinventando Tradições: representações e identidades da
bruxaria neopagã no Brasil”, é oriunda do Programa de Pós-Graduação em História da Uni-
versidade de Brasília (UnB). A mais recente tese de doutorado sobre o tema é a de Celso Luiz
Terzetti Filho (2016), “A Deusa Não Conhece Fronteiras e Fala Todas as Línguas: um estudo
sobre a religião Wicca nos Estados Unidos e no Brasil”, do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Ou seja, a
maioria dos trabalhos foi desenvolvido no âmbito da PUC/SP, que parece ser um importan-
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te polo no que diz respeito ao avanço de conhecimento sobre as expressões religiosas pagãs
contemporâneas.
O número de dissertações de mestrado é um pouco superior: somam-se doze traba-
lhos brasileiros realizados nessa modalidade sobre o Paganismo Contemporâneo até o presen-
te momento. As duas primeiras dissertações sobre Wicca defendidas no país remetem ao ano
de 2001: a dissertação da antropóloga Andréa Osório (2001), “Mulheres e Deusas: um estudo
antropológico sobre bruxaria wicca e identidade feminina”, através do Programa de Pós-Gra-
duação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e
a dissertação de Izildinha Konichi (2001), “Bruxas na virada do milênio. A bruxaria Wicca
no Brasil: história, símbolos, rituais. Visão de mundo e resgate do feminino”, no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP).
Seguiu-se, na ordem cronológica, o estudo de Alessandra Stremel Ribeiro (2003), cuja
dissertação é intitulada de “Wicca: paganismo urbano e religiosidade contemporânea”, desen-
volvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Já Danieli Siqueira Soares (2007) defendeu a dissertação “Rituais Contem-
porâneos e o Neopaganismo Brasileiro: o caso da Wicca” no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Também no ano de 2007 foi
defendida a dissertação de Regina Célia Bostulim, denominada simplesmente de “Wicca”, no
âmbito do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação da Escola Superior de Teologia de Curitiba.
Em 2008, duas dissertações sobre o Paganismo Contemporâneo foram defendidas:
a de Marina Silveira Lopes, “Sob a Sombra do Carvalho: a espacialização do imaginário ne-
odruídico na metrópole paulistana”, pelo Programa da Pós-Graduação em Ciências da Reli-
gião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); e a de Janluis Duarte, “Os
Bruxos do Século XX: Neopaganismo e invenção de tradições na Inglaterra do pós-guerras”,
junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).
Um olhar histórico sobre a Wicca, assim como na dissertação de Janluis Duarte,
também foi lançado pela dissertação de Celso Luiz Terzetti Filho (2012), “Um Bruxo e Seu
Tempo: as obras de Gerald Gardner como expressões contraculturais”, no âmbito do Progra-
ma da Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP). No ano de 2012 também foi defendida a dissertação de Karina Oliveira
Bezerra, “A Wicca no Brasil: adesão e permanência dos adeptos na região metropolitana do
Recife”, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica
de Pernambuco (UNICAP).
Já em 2014, a dissertação de Welington Pinheiro da Silva, “Bruxaria e Identidade de
Projeto: motivações para a adesão e permanência ao Neopaganismo no Rio de Janeiro”, foi
defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ). No ano de 2015, duas dissertações que contemplam análises
sobre o fenômeno foram defendidas na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em dois
programas distintos: a dissertação de Emmanuel Ramalho de Sá Rocha (2015), “A Relação
Ser humano-Natureza no Novo Encantamento Religioso do Mundo: uma investigação junto
a um coven wicca de João Pessoa”, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
e a de Silvana Chaves da Silva (2015), intitulada de “Candomblé e Wicca: diálogos e inter-
secções a partir do sagrado feminino numa dimensão mítica”, junto ao Programa de Pós-
-Graduação em Ciências das Religiões.
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O universo dos periódicos científicos também figura entre as principais fontes (se
não a principal) para o estudo das expressões do Paganismo Contemporâneo. A antropóloga
Andréa Osório tem três importantes contribuições: o artigo “Bruxas modernas na rede virtu-
al: a internet como espaço de sociabilidade e disputas entre praticantes de Wicca no Brasil”
(2005), publicado na revista Sociedade e Cultura; o artigo “Dons da bruxa e trajetórias wic-
canas: narrativas sobre ser e tornar-se uma bruxa moderna” (2011), da revista Cadernos de
Campo, e o texto “Bruxas Modernas: um estudo sobre identidade feminina entre praticantes
de Wicca” (2004), da revista Campos.
Um artigo sobre os mecanismos de legitimação encontrados na Wicca, de autoria
de Celso Luiz Terzetti Filho (2013), nomeado de “A Velha Religião: o discurso histórico de
legitimação na Wicca”, foi publicado na revista História Agora. A antropóloga Rosalira de
Oliveira publicou os artigos “Religiões da terra e ética ecológica” (2010), no qual faz paralelos
entre as religiões neopagãs e afro-brasileiras e o movimento ambientalista, e “Ouvindo uma
terra que fala: o renascimento do paganismo e a ecologia” (2009), no qual sintetiza a sua já
referida tese de doutorado, respectivamente nos periódicos Horizonte e Nures. A cientista da
religião Karina Oliveira Bezerra possui dois artigos, “Conhecendo a Wicca: princípios bási-
cos e gerais” (2010) e “O movimento pagão e wiccano na Região Metropolitana de Recife”
(2011), ambos publicados no periódico Paralellus.
É também nessa seara que é encontrado o único trabalho acadêmico brasileiro
produzido acerca do Heathenismo, ou Neopaganismo Nórdico, que é na verdade
uma resenha escrita pelo pesquisador Johnni Langer sobre o livro confessional “Asatrú: um
guia essencial para o Paganismo Nórdico”, de Diana Paxson, publicada na Revista Brasileira
de História das Religiões. Langer, juntamente com Luciana de Campos, também publicou
o artigo “The Wicker Man: reflexões sobre a Wicca e o Neopaganismo” (2007) na Revista de
História e Estudos Culturais, através do qual o movimento pagão contemporâneo é objeto de
uma análise a partir do filme The Wicker Man (no Brasil, “O Homem de Palha”), de 1973, e
seu remake “O Sacrifício”, de 2006.4
Sobre o Druidismo, há dois artigos acadêmicos publicados em periódicos brasileiros
até o momento. Um deles é o artigo de Ana Donnard (2006), “As Origens do Neo-Druidis-
mo: entre tradição céltica e pós-modernidade”, publicado na revista Estudos de Religião. Há
ainda o trabalho de Silas Guerriero e Marina Silveira Lopes (2010), intitulado de “Druidismo
à brasileira: um exemplo de eco-religiosidade na sociedade atual”, da revista Caminhos.
A antropóloga Daniela Cordovil publicou alguns trabalhos sobre o fenômeno entre
os anos 2014 e 2016, como o artigo “O poder feminino nas práticas da Wicca: uma análise
dos círculos de mulheres” (2015a), na Revista de Estudos Feministas, além do texto “The Cult
of Afro-Brazilian and Indigenous Gods in Brazilian Wicca: Symbols and Practices” (2014), pu-
blicado no renomado periódico de estudos globais sobre essas expressões religiosas The Pome-
granate: The International Journal of Pagan Studies. Em 2016 a autora publicou o artigo “Espi-
ritualidades Feministas: relações de gênero e padrões de família entre adeptos do Candomblé
e da Wicca no Brasil”, na Revista Crítica de Ciências Sociais, no qual traz algumas conclusões
preliminares acerca de uma pesquisa realizada no âmbito do pós-doutorado realizado junto ao
Centro de Estudos Sociais, de Coimbra, Portugal. Os trabalhos desenvolvidos pelo já extinto
grupo de pesquisa liderado por Daniela Cordovil, o NERA – “Neoesoterismo e Religiões Al-
ternativas”, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), resultaram na publicação de outros
artigos, sendo que um deles trata especificamente sobre o Paganismo Contemporâneo, “Urbe,
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Tribos e Deuses: Neopaganismo e o espaço público em Belém”, trabalho de co-autoria escrito
por mim e por Cordovil (CORDOVIL e CASTRO, 2015), publicado na Plura, Revista de
Estudos de Religião. Outros trabalhos deste grupo não tratam diretamente do tema, mas
fazem referência às religiões pagãs no contexto dos novos movimentos religiosos em Belém,
como é o caso dos artigos “Religiões da Nova Era em Belém, Pará: entre o cosmopolitismo e
a identidade local” (CORDOVIL, 2015b), publicado no periódico Rever, e “Espiritualidades
Holísticas na Metrópole da Amazônia: presença e expansão das Religiões de Nova Era em
Belém” (CORDOVIL e CASTRO, 2014), da Estudos de Religião.

AS PRINCIPAIS REFLEXÕES TECIDAS SOBRE O PAGANISMO CONTEMPORÂNEO


ENTRE ESTUDIOSOS BRASILEIROS

Como pode ser observado, a grande maioria desses trabalhos exploram o universo
da Wicca, religião pagã de maior visibilidade social em países norte-americanos e europeus,
assim como também no caso brasileiro. Ainda que o termo Neopaganismo surja no título de
algumas das dissertações, teses e artigos, o conteúdo da maior parte dos trabalhos trata espe-
cificamente dessa única expressão religiosa.
No caso das quatro teses de doutorado, a de Rosalira Oliveira (2004) tenta explorar
o fenômeno do Paganismo Contemporâneo de uma forma mais ampla. O estudo pioneiro
da autora busca evidenciar diferentes aspectos da religiosidade que permeia o movimento
pagão contemporâneo, enfatizando religiões com a Wicca, o Druidismo e o Neoxamanismo.
O foco de Oliveira é a identificação de crenças, valores e visões de mundo, sobretudo no que
diz respeito à sacralização da natureza, elemento a partir do qual ela promove uma discussão
que relaciona o movimento religioso com as dimensões filosóficas do movimento ecológico.
As outras três teses (DUARTE, 2013; ALVES, 2011; TERZETTI FILHO, 2016),
tratam da Wicca, mesmo que, em caráter introdutório, seja inicialmente buscado um breve
olhar histórico sobre o movimento neopagão como um todo. No trabalho de Ana Carolina
Chizzolini Alves (2011), a autora centraliza o seu estudo nas relações entre o corpo e a Wicca,
principalmente a partir dos preceitos teóricos da Nova Era. Segundo Alves, nas práticas wic-
canas a corporeidade funciona como um importante elemento nas transformações sociais que
os seus adeptos pretendem alcançar (transformação ecológica, psicológica e corporal), sendo
que o corpo é tido como uma “extensão da natureza” (ALVES, 2011, p.258).
Enquanto isso, a tese de Janluis Duarte (2013) enfoca o processo histórico de di-
vulgação da Wicca no cenário brasileiro, trazendo amplos detalhes sobre os primeiros grupos,
indivíduos e encontros da religião no país. O autor afirma que há certa especificidade na
Wicca brasileira, expressa nos elementos envolvidos na formação de representações e identi-
dades dos primeiros praticantes e divulgadores da religião. Tal especificidade é localizada nos
diversos elementos do neoesoterismo e da Nova Era, julgados pelo autor como fatores cultu-
rais preexistentes no imaginário desses praticantes e que, desta forma, se tornaram intrínsecos
à bruxaria moderna brasileira.
No trabalho de Celso Luiz Terzetti Filho (2016), o autor busca compreender os
elementos responsáveis por proporcionar uma desterritorialização da religião wiccana de seu
contexto inicial nacionalista inglês para um contexto mais amplo (nas palavras do autor,
global). Isso se deu, para o cientista da religião, devido a articulação de duas identidades de
projeto, o feminismo e o ambientalismo. No caso brasileiro, o autor também analisa a apro-
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priação do culto de divindades consideradas nativas do país, evidenciando a universalidade da
figura central da Wicca, a Deusa.
Entre as dissertações, praticamente todas enfocam os principais elementos e o siste-
ma religioso da Wicca, o que é compreensível quando lembramos que a religião é minoritária
– apesar de ser a mais acessível entre as expressões pagãs contemporâneas – e ainda bastante
mal compreendida em diferentes contextos brasileiros. Talvez por isso o principal objetivo de
algumas das dissertações seja basicamente o mesmo, esclarecer do que se trata a Wicca, sem
grandes análises epistemológicas sobre outras questões evidenciadas através deste fenômeno
religioso tão singular.
O trabalho de Karina Oliveira Bezerra (2012) é fruto de uma pesquisa empírica
que buscou mapear os diferentes grupos wiccanos existentes em uma metrópole brasileira, a
cidade de Recife/PE. Bezerra coletou, por meio da aplicação de questionários distribuídos vir-
tualmente, dados interessantes que servem para se ter uma noção prévia do cenário pagão de
outros contextos. Segundo esses dados, em Recife 65% dos wiccanos possui ensino superior,
completo ou em curso, 88% estão solteiros e 90% não possuem filhos. Além disso, 55% dos
wiccanos entrevistados pela autora possuíam entre 21 e 30 anos (sendo que 20% dos entre-
vistados estavam na faixa dos 10 a 20 anos, mesma porcentagem para o grupo dos adultos de
31 a 40 anos).
Em alguns casos, os estudos sobre essas expressões contribuem para importantes
discussões atuais, como a relação entre as temáticas do feminismo e a religião. As reflexões
tecidas pelas antropólogas Andréa Osório (2004) e Daniela Cordovil (2015a) sobre a questão
de gênero no caso da Wicca são os principais exemplos. Ambas são frutos de pesquisas etno-
gráficas realizadas junto a adeptas da religião, sendo a primeira no contexto urbano do Rio de
Janeiro/RJ, e a segunda no de Belém/PA. Osório constatou que a Wicca não necessariamente
rompe com os modelos tradicionais da atribuição de funções de gênero, nos quais o papel
da mulher é entendido como ligado ao universo da maternidade e das atividades domésticas,
mas ainda assim é uma prática inovadora pela inversão da valoração desses papeis de gênero
proposta. Nas palavras da autora:

Na wicca, o feminino é mais valorizado pela sua capacidade de criação, e por uma série de
atributos tidos como naturais nas mulheres: sensibilidade, generosidade, beleza, sutileza,
calma, intuição, imaginação, criatividade, entre outros. O masculino, por sua vez, seria
eminentemente agressivo, belicista, forte, racional, entre outros atributos. Essas atribui-
ções não são modernas, mas tradicionais. A inovação da bruxaria wicca é a visão de que
exatamente por ser o que é, o feminino é positivamente valorado, o que não ocorre nas
sociedades tradicionais (OSÓRIO, 2004, p.166).

O trabalho de Cordovil (2015a) também constata essa ressignificação de gênero,


mas no contexto dos círculos de mulheres wiccanos, prática que visa resgatar o sagrado femi-
nino. No interior desses grupos, o universo feminino é visto como constituído pelo cuidado e
por trabalhos manuais, em referência a práticas de sociabilidade pré-modernas numa tentati-
va de “resgatar saberes ancestrais, adormecidos pelo modo de vida moderno e individualista”
(CORDOVIL, 2015a, p.443). Na esteira dessa inversão de valores, a autora também analisa
a forma pela qual as wiccanas transformam o sangue menstrual, observado em diversos con-
textos sociais como algo sujo e impuro, em um instrumento de poder feminino através do
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que chama de “empoderamento por meio da inversão”. Dessa forma, as wiccanas sacralizam
seus ciclos menstruais, confeccionando “altares vermelhos”, meditam com divindades femini-
nas oriundas de panteões das mais diversas culturas e buscam aperfeiçoar o seu self por meio
do autoconhecimento. Para Cordovil, os círculos de mulheres funcionam, assim, como uma
reunião na qual essas mulheres trocam essas experiências e buscam resgatar valores femininos
através de um conteúdo esotérico, “visto que é através dos sinais corpóreos da feminilidade
que a mulher pode conectar-se com a Deusa, que equipara-se à sua própria essência divina”
(CORDOVIL, 2015a, p.438).
Outros aspectos da religião Wicca também foram explorados nos estudos brasileiros.
O historiador Janluis Duarte (2013) e o cientista da religião Celso Luiz Terzetti Filho (2013)
desenvolveram trabalhos que, na esteira do estudo empreendido pelo historiador britânico
Ronald Hutton (1999), examinam os recursos e discursos históricos de legitimação da religião
entre os adeptos. Ambos acreditam que há dois tipos de narrativas recorridas para legitimar
a prática wiccana, sendo a ideia de que a Wicca seria uma “antiga religião”, predecessora do
cristianismo, e a controversa ideia feminista da existência de um “matriarcado” histórico, o
qual deve ter seus valores buscados como referência para a prática moderna. Esses ideais, em
um sentido mais amplo, exprimem a busca por dissociar-se completamente do cristianismo
(TERZETTI FILHO, 2013), ainda que isso pareça difícil, dadas as diversas influências ocul-
tistas (especialmente da franco-maçonaria) no corpus da Wicca (DUARTE, 2013).
A preocupação em investigar a história da Wicca se apresenta como um mecanis-
mo para estudiosos brasileiros buscarem esclarecer do que se trata o fenômeno, crescente
na sociedade brasileira principalmente nas duas últimas décadas. Além desses dois trabalhos
(TERZETTI FILHO, 2013; DUARTE, 2013), outras abordagens históricas sobre a religião
também são registradas, como o interessante artigo de Johnni Langer e Luciana de Campos
(2007), “The Wicker Man: reflexões sobre a Wicca e o Neopaganismo”. O trabalho dos au-
tores investiga o desenvolvimento histórico da Wicca em nível global, com especial atenção
aos processos de transformação deste movimento religioso ao longo do tempo. Localizando
o primeiro momento como aquele entre as décadas de 1940 e 1960, e o segundo momento
como existente desde fins da década de 1960 até os dias atuais, tal esforço tem como fio-con-
dutor a análise do filme “The Wicker Man” (1973) e de seu remake “O sacrifício” (2006). Os
autores acreditam que ambos os filmes refletem os diferentes momentos históricos da religião,
sendo o primeiro influenciado pelos anos iniciais da religião (inclusive com um personagem
que remete à Gerald Gardner, criador da Wicca), e o segundo reflete as transformações sofri-
das pela Wicca em solo norte-americano, onde uma vertente com inspiração no feminismo
radical e baseada na ideia de “matriarcado utópico esotérico” (LANGER; CAMPOS, 2007,
p.14) passou a predominar.
Especialmente sobre a Wicca no cenário brasileiro, além dos já referidos dados iden-
tificados pela tese de Janluis Duarte (2013) sobre a forma pela qual a religião se apresenta
inicialmente no país, a antropóloga Daniela Cordovil (2014) também teceu algumas reflexões
em um artigo publicado no periódico The Pomegranate. Segundo a autora, alguns wiccanos
brasileiros buscam estabelecer uma identidade local para suas práticas, sobretudo a partir da
inserção de divindades indígenas e afro-brasileiras no culto wiccano. A pesquisa etnográfica
que serviu de base para a análise foi realizada em dois encontros ou festivais wiccanos anuais, o
Encontro Anual de Bruxos e o Bruxos Brasileiros em Brasília, ambos realizados pela Abrawic-
ca (Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca, instituição wiccana liderada
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 3, p. 440-454, jul./set. 2017. 447
por membros da Tradição Diânica do Brasil), sendo o primeiro na cidade de São Paulo/SP e o
segundo em Brasília/DF, assim como nos encontros promovidos por esta associação na cidade
de Belém/PA. Nesses eventos wiccanos, a autora verificou o culto a deidades como Oxum,
Anhangá e Cy (dos panteões afro-brasileiro e tupi), sincretizados à ritualística da Wicca.
Pensando com Hall (2006) e sua teoria de identidade pós-moderna, isto é, a identidade en-
tendida como “um processo fluido em que as pessoas absorvem elementos provenientes de di-
ferentes fontes, a fim de criar o seu próprio mosaico individual” (CORDOVIL, 2014, p.250),
a autora conclui que esta apropriação de elementos das culturas afro-brasileira e indígena
reflete a necessidade de certos grupos wiccanos brasileiros estabelecerem conexão com a terra
e o espírito de seu próprio país através de uma compreensão individual das divindades pagãs.
Uma outra investigação sobre a Wicca brasileira foi realizada por Andréa Osório
(2005), em um período histórico um pouco anterior ao investigado por Cordovil, mas que
envolve o mesmo grupo, a Abrawicca. Nos anos iniciais de formação desta associação (isto é,
nos primórdios dos anos 2000), a autora pesquisou as práticas de sociabilidade wiccanas na
internet, através de listas de discussão com a temática da Wicca, identificando disputas de po-
der entre os dirigentes da associação e uma outra praticante, sendo que ambas as partes logra-
vam os títulos de líderes wiccanos no país. As disputas envolviam elementos diversos, desde
aparições na mídia até o sistema teológico da religião e a identidade nacional relacionada com
a prática wiccana. Ou seja, de acordo com a autora, a utilização da internet por esses adeptos
funciona como uma via de mão dupla, sendo ao mesmo tempo locus de sociabilidade e palco
para disputas por liderança e visões do que seria a forma correta de praticar e viver a Wicca
(OSÓRIO, 2005). Osório também buscou elaborar um perfil dos wiccanos que encontrou
em três listas de discussão virtuais. Segundo ela, a maior parte dos adeptos é constituída por
pessoas solteiras, ligadas ao ambiente universitário, e que possuem entre 13 e 30 anos.
Em um olhar mais amplo sobre o movimento pagão contemporâneo, Rosalira Oli-
veira (2009) observa que este é composto por diferentes religiões baseadas em diversas fontes
históricas, mitológicas e artísticas (sobretudo, literárias), refletindo especialmente sobre o
caráter imanentista da crença dessas expressões. Para a autora, no bojo da reconstrução
realizada pelas religiões pagãs está a noção de imanência da divindade e a sacralização da
terra. A inspiração na crença animista dos povos antigos surge, nesse sentido, a partir de uma
“crítica à visão de mundo que triunfou com a modernidade, encarada pelos pagãos modernos
como responsável pela alienação do homem diante de si mesmo, da sua comunidade e do
seu lugar na Teia da Vida” (OLIVEIRA, 2009, p.3). Desse modo, a autora identifica apro-
ximações entre tais expressões religiosas e a filosofia do movimento ecológico, em especial a
chamada “ecologia profunda”, sendo esta responsável por estimular a noção de inter-relação
entre humanidade e demais seres. Segundo Oliveira (2009, p. 7),

[...] a cosmovisão pagã valoriza e celebra o mundo físico vendo-o como manifestação de
uma realidade invisível, porém real, um princípio criador que está presente em tudo e
que a tudo unifica. Concebidas como parte da Terra e da natureza, as divindades pagãs
acrescentam uma dimensão espiritual à Ecologia. O modelo da divindade imanente
estimula o respeito pelo espírito sagrado que habita em todas as coisas vivas e o com-
promisso com os seus plenos desenvolvimento e expressão. Nesta perspectiva, o meio
ambiente é visto como sagrado, inteligente, habitado por um poder místico e dotado de
uma vitalidade criadora.

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Em outro momento, esta autora afirma que os deuses e deusas dos pagãos são consi-
derados como “estando presentes e/ou sendo”, isto é, eles fazem parte e são o “todo”; o “todo”,
por sua vez, abrange tudo o que existe. Mais do que isso, para ela, a noção de sagrado imanente
remete a uma “identidade de substância que perpassa todas as esferas do real: os seres humanos, a
paisagem natural, os animais, os mortos e o cosmos” (OLIVEIRA, 2010, p.31). Ainda segundo
esta filosofia, todos encontram-se interligados por compartilharem da mesma experiência senso-
rial. Tomando como exemplo dessa visão de mundo, Oliveira recorre ao Druidismo, afirmando
que o druida moderno busca viver em igualdade e harmonia com todos os seres; é como se
houvesse um parentesco entre o indivíduo e o mundo. De outro modo:

Há uma identidade baseada no fato de serem todos, em última análise, a mesma coisa:
espírito. É essa identidade que permite a comunicação entre os humanos e os demais seres,
vista não apenas como possível, como também mutuamente desejada. É essa experiência
de comunicação que o Druidismo moderno define por “awen”. Geralmente traduzido
como “inspiração”, o termo “awen” significa literalmente “espírito que flui”, uma vez que,
para os adeptos, é desse modo – através da comunicação de espírito para espírito – que
flui a inspiração (OLIVEIRA, 2010, p. 35).

O Druidismo também foi alvo de algumas outras reflexões acadêmicas entre os


estudiosos brasileiros. Ana Donnard (2006) também chama o movimento de “neo-druidis-
mo”, apesar de esclarecer, ela mesma, que o próprio termo “druidismo” dá conta de analisar
o fenômeno já que se trata de um neologismo da palavra “druida”. Ainda assim, o próprio
movimento druídico moderno encontrou diferentes facetas desde o seu início, ainda no sé-
culo XVIII: um primeiro momento desse resgate das práticas religiosas dos povos célticos é
denominado por alguns autores de “mesodruidismo”, datando do ano de 1717, a partir do
qual a figura do druida foi buscada como inspiração para diversas ordens místicas e diferentes
práticas de esoterismo ocidental, com alguma inspiração das tradições literárias e folclóricas
britânicas; o outro momento seria o “neo-druidismo”, iniciado durante a década de 1960,
com a Refomed Druids of North America, e posteriormente com o reconstrucionismo céltico,
prática de resgate baseada em estudos acadêmicos das áreas da arqueologia, antropologia,
história e linguística. Ambos, “mesodruidismo” e “neodruidismo”, coexistem atualmente em
diversos países dentro daquilo que prefiro denominar, simplesmente, de Druidismo, ou Drui-
dismo moderno.5
Silas Guerriero e Marina Silveira Lopes (2010) auxiliaram no avanço de conheci-
mento sobre o Druidismo através do fornecimento de dados empíricos sobre esse movimento
religioso na sociedade brasileira. A pesquisa etnográfica que culminou no texto escrito pelos
autores foi realizada junto ao grupo Druid Network Brasil, que atuava, na ocasião da pesquisa,
na cidade de São Paulo – tal pesquisa constituiu, originalmente, a dissertação de mestrado
de Marina Silveira Lopes (2008), orientada por Guerriero. Pensando segundo a teoria dos
não-lugares elaborada por Marc Augé (1994), os autores refletem sobre a espacialização e as
dimensões de sacralização da natureza entre esse grupo, identificando que os novos druidas
se utilizam de toda e qualquer localização para a consagração de seus ritos: “é nesse sentido
que uma rodoviária, um parque, um caixa eletrônico, uma estação de metrô, um aeroporto,
um ônibus, entre outros lugares podem manifestar uma hierofania” (GUERRIERO e LO-
PES, 2010, p.19). Nesses processos, o carvalho europeu, tido como uma árvore sagrada para
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os druidas históricos, não deixa de ser simbolicamente reverenciado, mas há uma espécie de
substituição por uma árvore típica da vegetação tropical brasileira, o ipê amarelo:

Para os seguidores da Druid Network Brasil a sacralização entre os grupos vegetais da


Europa e do Brasil são respeitadas, porém, o importante é ritualizar o espírito local.
A espacialização de seus ensinamentos acontece em clareiras que se conectam a ances-
tralidade e espíritos locais, de grupos indígenas brasileiros. Há uma substituição do
clima temperado europeu pela tropicalidade brasileira. As clareiras sagradas dos celtas
tronaram-se bosques sagrados de Ipês Amarelos. Dessa maneira, esses adeptos acreditam
estabelecer uma ponte de inspiração unindo as terras espiritualmente mágicas celtas e
brasileiras (GUERRIERO; LOPES, 2010, p.20).

Ou seja, há uma espécie de busca por elementos que constituem uma identidade local,
por meio da sacralização do espaço, entre os druidas modernos brasileiros. Observa-se, assim, a
aproximação realizada pelos pagãos brasileiros entre sua fé e elementos próprios da identidade
nacional, sejam eles ligados à natureza específica do território brasileiro, ou oriundos de aspec-
tos culturais relacionados aos povos indígenas, ou ainda ligados ao panteão de divindades afro-
indígenas, conforme verificado por Cordovil (2014). Desse modo, os estudos sobre Paganismo
Contemporâneo no Brasil têm identificado que esses religiosos estão a caminho de estabelecerem
um modo específico e particular de prática das religiões pagãs, sendo este adaptado às realidades
brasileiras. Evidentemente, a demanda por mais estudos que enfoquem esses processos é real, pois
somente através deles poderemos conhecer aspectos mais profundos desse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível dizer que o Paganismo Contemporâneo já constitui um campo dos


estudos de religião no Brasil. Há pelo menos 15 anos diversas pesquisas científicas têm sido
desenvolvidas, sendo que há inclusive uma publicação brasileira no maior periódico mun-
dial especializado no tema, o The Pomegranate.  A realização desses estudos converge para a
especialização da temática, até então entendida apenas de forma bastante superficial dentro
da categoria analítica guarda-chuva “novos movimentos religiosos”. Contudo, assim como
em nível global, não há muitos pesquisadores empenhados em estudar o fenômeno, já que se
trata de um campo muito especializado constituído por religiões minoritárias. Além disso, al-
guns dos pesquisadores brasileiros pioneiros (como Andréa Osório, Janluis Duarte e Rosalira
Oliveira) já não investigam mais essas religiões.
É interessante notar também a cronologia do desenvolvimento dos trabalhos.
Os estudos sobre o fenômeno iniciam-se logo na cúspide do milênio, desenvolvem-se ao
longo dos anos 2000, e intensificam-se a partir do final desta década e início dos anos 2010,
evidenciando o crescimento da expressividade dessas religiões no território nacional ao longo
desse período. De modo geral, esses ainda são os primeiros trabalhos desenvolvidos sobre o
Paganismo Contemporâneo no país e a maioria deles mostra-se, dessa forma, empenhada
basicamente no mesmo objetivo, o de esclarecer do que se tratam essas expressões, especial-
mente a Wicca, que possui maior visibilidade social.
De todo modo, todos os trabalhos mencionados contribuíram para o avanço de
conhecimento sobre as religiões pagãs no Brasil, onde ao mesmo tempo em que o fenômeno
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do Paganismo Contemporâneo é real e crescente, muitas vezes é tomado por concepções
errôneas e pontos de vista preconceituosos por indivíduos leigos. O mergulho epistemológico
em aspectos específicos daquilo que constitui o sistema religioso dessas crenças, bem como
as diversas formas pelas quais elas interagem com a sociedade, contudo, ainda está por ser
realizado entre os estudos brasileiros sobre tais expressões.

STUDIES ON THE NEOPAGANISM IN BRAZIL

Abstract: there are at least 15 years that some Brazilian researchers in the fields of anthropology,
sociology, history and religious studies strive to assist in the advancement of knowledge about the
religious expressions of Contemporary Paganism. These, in turn, are shown in constant growth on
Brazilian society. Such researches converge to form a specific field of religious studies, consisting of
religions which until then were only understood in a very superficial way through the analytical
category “new religious movements”. This paper makes a survey of the main academic studies alre-
ady made on pagan religions in Brazil, reflecting on some of the major analyzes woven about such
expressions.

Keywords: Contemporary Paganism. Religious Studies. New Religious Movements. Data Collection.

Notas

1 Há registros de algumas monografias de conclusão de curso empenhadas em investigar o fenômeno do


Paganismo Contemporâneo, entretanto, nos limites do presente texto daremos ênfase às teses, dissertações e
artigos publicados em periódicos.
2 Clifton também é autor de importantes publicações para os estudos do Paganismo Contemporâneo, como
os livros Her Hidden Children: The Rise of Wicca and Contemporary Paganism in America (2006), os
quatro volumes da coletânea sobre a história da bruxaria moderna denominados de Witchcraft Today (1992;
1993; 1995; 1996), além da organização em coautoria com Graham Harvey do livro The Paganism Reader
(2004).
3 Em uma coleta de informação a respeito dos pesquisadores do fenômeno, ficou evidente que há pelo menos
uma outra tese de doutorado sendo produzida atualmente sobre o Paganismo Contemporâneo, a de Karina
Oliveira Bezerra, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Católica
de Pernambuco (UNICAP).
4 O pesquisador Johnni Langer é coordenador do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE), que
possui uma atuação notória, com uma vasta produção bibliográfica, no estudo interdisciplinar sobre os
povos nórdicos e escandinavos. Langer também atua como docente no Programa de Pós-Graduação em
Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A produção do NEVE é utilizada como
base de conhecimentos para a prática religiosa de muitos adeptos do Heathenismo brasileiro.
5 Não se trata, contudo, de uma escolha deliberada, mas antes apoiada teoricamente por alguns autores, tais
quais Adam Anczyk (2014) e Jenny Butler (2005).

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