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iINGÚÍSTICA

Lurz Axrorvro Mancuscnr 135

:m neces- surge, ele é construído, ele é operado, mas a linguagem em si


Itro, nem não tem sujeito. Nela pode surgir, no máximo, a manifestação
= relativi- de subjetividade. A idéia de dizer que a linguagem se apropria
ros dizer dos indivÍduos me parece ruim; não sei se ela faz isso. Eu sei
.la é um que existe essa idéia na análise do discurso. Mas o que
, -r dois fe- acontece é que uma sociedade, depois que desenvolve todos
-cas espe- os sistemas de comunicaçáo, vamos supor, desenvolve uma lin-
. há rela- guagem ou tem uma língua, é evidente que a pessoa que se
: Se paSSa insere nessa sociedade, vai ter que falar conforme essas
:e língua pessoas falam, se quer interagir com essas pessoas. Então, a
e pensa- língua dessa sociedade vai se apropriar desse indivíduo
.mento e fazendo com que ele seia assimilado por ela, a fim de poder
.nteração, interagir com os outros. Isso seria assim: para você se sociali-
: sentido. zar, você precisa ser apropriado pela língua. Mas isso é um
.cão entre aspecto secundário, a língua não está pronta, dada, ela está no
,do pelas meio, ela está em uso. Eu penso que o sujeito é uma construção
:m mente permanente, um processo, e não apenas uma peculiaridade, ou
liste uma alguma propriedade, ou alguma coisa que está inserida na
.tema de linguagem. E a discussão sobre o suieito é muito complicada e
e que isso depende da maneira como entendemos o suieito. Eu gostaria de
ie haveria frisar que a noção de sujeito de que falo aqui não é a de um
"ia e como indivíduo nem de uma subjetividade à moda de Descartes. Náo
idade? A dá para entender o suieito como um indivíduo isolado, Ltm etl
: Iíngua e simplesmente. Acho que o sujeito é uma construção e uma
,soS entfe construção muito complexa dentro de uma cultura; culturas
s pessoas. diferentes constroem sujeitos de forma diferente e há processos
o grande ideológicos, processos históricos, processos sociais diferencia-
ermear a dos. A pergunta é: a lÍngua tem sujeito? Eu diria não. Sujeito é
"a relação uma construção pela língua, com a lÍngua, na lÍngua, mas nunca
la na lín- fora dos indivÍduos que estão interagindo com a língua.
rl.
\i i
Qtrn É rrxcüÍsrrca?
Difícil dtzer o que e lingüística, principalmente hoje em dia,
,:il dizer, quando há muitas tendências. Quando se diz que a lingüÍstica
pouco a é a ciência da linguagem ou da lÍngua é muito complicado.
clepende Temos que olhar em primeiro lugar o que é ciência e em
uando se segundo lugar o que é língua, aÍ temos que definir os dois. E
.-.o é uma
aí começa a coisa a complicar. Então, uns dizem que lingüística
faz isso, é o estudo das formas lingüísticas. Esta seria uma definição
:t.llOS COl11
estrita de lingüística por seus objetos (algo assim como uma
-.gem, ele
definição ostensiva): fonologia, morfossintaxe, semântica. E para
\TIRTIIDES p coNrnovÉnslAs DA LINGIIISTI
136 Coxvrnses coM LINGÚISTAS:

porque
esse grupo, apartir da pragmática iá não seria lingüística'
que a pragmática
náo é um nível ae anailse da língua. Evidente
está no plano do uso'
está dentro do plano do uso, e enquanto
Portanto' para esse
ela não é do nível do sistema nesse sentido'
e tem um núcleo
grupo a lingüística é o estudo apenas cle formas
que a
ãr.i, " pronto. Chomsky é ainda mais restritivo e acha
Iingüísticaéoestudodalinguageminternalizada(LI).AIgoassin-t
comoumaciêncianaturaldapsicologiaoubiologia.Eudiscordo
que a lingüística pode ser.
disso. outros, como eu mesmo, acham
maisamplaeenvolveinclusivelingüísticadetexto'análisedo
por exemplo' Isto é' envolve
discurso e análise da conversaçào'
nesse sentido que
processos, atividades, e outras coisas mais' É
mais do que apenas o
àu tomo a lingüística. Ela envolve muito
das formas, dos
estudo de formas. À.no que seria a investigação
podemos estudar o texto'
usos e das atividades lingUÍsticas' Aí
e' por que
o, gOr"ror, os discursos, a aquisição' a interaçáo'
nao?, também a sintaxe e a fonologia'

lt r.rNçuÍsrtc:r n clÊxcr-c'?
eu tomo a
Eu acho que a lingüística é uma ciência' se que tem
lingüística como uma investigaçáo controlada náo' por suas
resultados, alguns deles reprodutíveis' outros
condições O" pràauçào' En1âo' a lingüística
é uma ciência'
masnáoumaciêncianaquelesentidoneopositivistaqueexige
que entram para
um controle rigoroso de todas as variáveis por diante'
produzir resultados e projeções controlados e assim
que Kant escreveu
Mas mesmo isso é muito complicado' Veja
A críttca d'a razao pura só para mostrar quepara a filosofia era
encontrar
ciência. EIe inclusive se esforçou muito
prtort e sintéticos"' uma
enunciados que eram "verdadeiros a
e se deu muito
espécie de "árvore verde dourada da vida"'
escrever um livro para
bem. Nós, lingüistas, não precisamos
é uma ciência
mostrar que a fi.rluitti"u é ciência' A lingüística
enosanos1960.19"70foiarainhadasciênciashumanas,segundo
humanas'
disse Lévi-Straurr'. Hoj", essa coisa de ciências que mais'
sei Iá o
ciências sociais, ciências exatas, da natureza,
pouco importa, o que importa é que a noção de
ciência nâo pode

2. C. Lévi-Strauss, Antropologia estruturcll,


Rio de Janeiro' Tempo
Brasiteiro, 1967, P. 45.
L GtlÍsTIC,\ Lrrrz Axtoxro M,rRcuscur
137

. porque ser tão estreita como os positivistas a definiram no


:nlática sécuro xx.
Fauconnier e Trrrner', s"u rivro The waE we Trunk,dizem que
do uso, "*
o século XX foi o do "triunfo da formâ" e qrle o século XXr vai
.:la eSSe ser o século da "imaginação". portanto, se a gente for um pouco
I núcleo mais generoso na definição de ciência e admitir que ciência é
:quea todo tipo de investigação que tem um controle de seus objetos
:,, aSSim e enunciados e que produz enunciados sistemáticos inter_
-scordo subjetivamente compreensÍveis, quer dizer, aquiro que eu digo
,cle ser pode ser entendido por você e outras pessoas e não
só por mim,
, -ise do
a lingüística é uma bela ciência. Acho que ciência é todo tipo
de
:llVOlVe investigação em que se produz algum tipo de conhecimento. Eu
io que estou convencido de que o próprio da ciência é investigar e não
arlas o explicar. A explicação é um de seus feitos e não sua essência.
as, dos Eu gostaria de inverter, pois, a velha e clássica idéia de ciencia.
texto, AÍ vamos discutir sobre a natureza desse conhecimento. Então.
,t'que nesse sentido a lingüística é ciência. Agora, claro que é uma
ciência diferente do que, por exemplo, a matemática, do que
a fÍsica, é uma ciência múrtipra que tem muitas relacões com
as outras áreas. Mas é uma ciência sim.
nlo a !,
- tem Fapa eun spevg: a LIxçúÍsrxr:,q?
. suas uma coisa eu sei: com a ringüística você não fica rico, mas
: tlCiâ, sem ela seu povo é mais pobre. A questão do ,,para que,,serve
, rxige a lÍngüística depende sempre de que estudos ringüísticos nós
para estamos falando. Mas eu tenho a impressão de que a lingüística
. ante. serve basicamente para fazer com que se compreenda de que
_'eveu forma nós somos seres humanos. ou seja, como nós interagimos.
a gfa como chegamos a nos entender, como conseguimos construir e
]ltrar dar a entender este mundo que nós construímos, como a
urna realidade é sentida e reproduzida para as pessoas. Então, a
-.t
Lrito lingüística, de uma outra forma, tende a dar conta desses
lrara aspectos, desses probremas, dessas indagações e, nesse senticlo.
: tl Ciâ a lingüística é extremamente importante, relevante e signi-
- ";ndo ficativa. Poderia dizer o seguinte também: fundamentalmente.
.: 11âS, a lingüÍstica é uma clas mais importantes das ciências, porque
rlais, lida com um dos aspectos mais tipicamente humanos e que
.,,odê permeia a maioria das atividades humanas. poucos fenômenos

: illpO 3. G. Fauconnier & M. Turner, Ttte Way We Tltink Conceptual


Blenclii,t
und th,e Minds' Hidrjen Comp|etities, New York,- Basic Books.2002
o cos'rRor'ÉRSIAS DÀ LING'rlsrI
138 CoNr,uns,rs coxl LiNGIIISTAS: vllirLrDEs

ou na sua investigação
na vida dos indivíduos, seja no cotidiano
todos os momentos como a
têm uma importância táo grande em
desse fenômeno' evideu-
IÍngua. E então a ciência que dá conta
porque é pela porta' digamos
temente, é de extráÁa impãrtância'
se tornam sociais e se socializanr'
assim, da língua, ã'à ut pà"ou'
e fazem tudo aquilo que fazen'
se agrupam, deÍendem interesses
^v
\r§v Nesse sentido,
"'
ainu que a lingüística é extremamente rele-
vante, porque ela consegue dar conta
de um dos fenômenos' ou
\ t,' pretende dar conta pelo menos' de um dos
fenômenos mais
seres humanos' inciusive
presentes ,, uiáu diâria de todos os Não se tetll
os tempol
nas mais aiversas situações e em todo-s tenha tido olt
que não
notícia de nenhum povo na humanidade' culturas
que ela permeia todas as
falado alguma fi"guu, de modo que moram sozinhos
e todos os irrOl,iíuos' it'ctusivqindivíduos
e ficam falando com as árvores'

"&r.listlÚ:Ís'rrc.&TE§Irl,ÀI'GUIIír{}lr{trR{}wÍsst}xr:cnssÁnroca§'IAs»r'rr:ncno?
um compromisso n'ecessario
Eu náo diria que a lingüística teria
com a educação, ;;;- grande compromisso' eu diria' Nem
precisam ter um compro-
todas as investigações lingüísticas
tem certos compromis-
misso com a educaçáo, mas a lingtiísiica
sos. Agora, compromissos no sentido
de desenvolver conhe-
efetivamente nas suas de-
cimentos nr" o'i* possam utilizar em termos de
vidas áreas, como, por exemplo' na educaçáo' não precisa se
a lingüÍstica
ensino de lÍngua âtgo mais' Mas
"
desenvolver pensando: como vou ser
útil na educação? é nesse
necessário' Claro que ela
sentido que seu compromisso náo é
pensar também na educa-
deve pensar para que ela serve etc''
Eu.r"io ü" ttoj" dia-a lingüistica está assumindo aqui
çáo. "'o na própria
no Brasil ,*u p""pectiva bastante importante como todas
educação na medida em que se entende a educaçáo
do conhecimento nas
as formas de formaçáo ou de construção
pessoas. sentido bem amplo' toda a educaçáo
"'*
^ ái'"r' Entáo' é claro que a língua ocupa um lugar
"a"tãtàá
escolar rurno,
também' E se na educaÇão
importante e a lingüística' por sua vez'
e o domínio da língua
um dos ,rp""tot b?sicos é a alfabetizaçá'o
passa a ser fundamental' A
em todos o, ,"rtlJos, a lingüística
diz' se sukrentende escrita'
rigor, quando se fala em educaçáo sã que sabe
pessoa à noi" entendida como uma pessoa
"ar.uãá da UNESCO e até da
escrever. Esta é inclusive uma definição Mas isso
oNIl: educadà L deu"t''olvido é um povo alfabetizado'
.STICÀ
Lr-irz ANroNro Mencusctut
139

.:1CãO,
é discutível. E nesse sentido a lingüística, evidentemente, fornece
]llo a instrumentos, desenvolve todos esses aspectos, ela é mLlito
.clen- importante e tem um compromisso extremamente sério cour a
:lmos educação. Mas o que eu diria é que não é necessária essa relacào
:. -zam, de compromisso, mas é um compromisso sim, histórico. social e
,r Z ê111. político, enfim que todo cientista deve ter.
: rele-
s. ou
nlais C*lruo I lrxt;[rÍsrtca sâ íNSr]&.§ xa pt1§-ilxonrnivln-tnr:?
,isive Bom aí tem um problema: o que é pós-modernidade? Nào sei
- tem exatamente o que seja pós-modernidade. Hoje em dia tuclo e
io ou pós-modernidade e há um poetinha aí que já atingiu o '.pós-
. Llras tudo". Mas eu diria que a lingüÍstica se insere nesse contexto
thos pós-moderno se vamos entender a pós-modernidade como o
período em que nós vivemos, em que as relações lógicas náo
são as que prevalecem, mas são as relações fáticas. Hoje. a
pragmática, a não-linearidade e uma certa desterritorializaçáo
das relações sociais e dos processos cognitivos estão muito
: tll ?,O
mais em evidência e em investigação do que os fenômenos
\em empÍricos. Nesse sentido, entendendo pós-modernidade colno
Dro- uma forma de pensar que tenta superar um processo estrita-
ltlis- mente lógico e entrar numa coisa mais ampla, inclusive que
rhe- não se faz uma pergunta estritamente lógica; nesse sentido. a
- de- lingüística se insere de maneira interessante porque ela mostra
.de que a lÍngua é um fenômeno, desde os tempos iniciais talvez.
:â Sê pós-moderno. o curioso é que não se tenha dado conta desse
. iSSe aspecto, porque não é um fenômeno estritamente lógico, que
. elâ busca lógica. Quem busca tógica na língua busca no lugar.
-lca- errado. Então, nesse sentido, a lingüística sempre foi pós_
.irlui moderna. Acho que a língua é por definição pós-moderna. se
.r ria por pós-modernidade se entende toda forma de raciocínio enr
CIaS que a coordenada principal não é a lógica cartesiana. -\
uas lingüística tem uma coisa muito importante: era com muita
.rCào facilidade se apropria de toclas as ciências. Então, ela dialoga
lgar com facilidade com as outras ciências. A interdisciplinaridacle.
i.Cão que em outras áreas é complicada e precisa ser pensacla. na
-3-Ua lingüística tem que ser até barrada, porque ela é muito natural.
.iA ela é muito espontânea. A interação com muita facilidade conr
rita. todas as áreas é um ponto forte e fraco ao mesmo tempo qr.re a
.abê lingüística oferece. Muitas pessoas acham que essa faciliclacie
=da de relações transdisciplinares da lingüística leva a uma super.-
1 SSO ficialidade e transforma a própria ringüÍstica numa disciplina
140 COTT ENS.rS LI\L;I I:T\S: \ IRl I DES E ,-O\TRO\ ERSIAS DA LI\(;I ISTl(.\
'II\I

transdisciplinar que é uma coisa meio mutante. Mas eu penso


que justamente esse é um aspecto interessante na lingüística.
Ela não é uni estudo estático, rígido, coordenado por perspectivas
estritamente lógicas, bem montadas etc. Eu diria que isso é da
natureza da própria linguagem. Talvez a lingüística seja a ciência
mais pós-moderna porque se desgama com toda facitidade de
controles. Assim como ela perfeitamente está sob esse controle.
ela sai desse controle, iustamente porque língua é atividade e
a atividade não se controla com lógica. Mas voãê pode esquecer
tudo isso porque eu nào sei o que é pós_rnodernà.

Ql lts lls ã,rs,trF.{{}§ tr}:l}i.,x ,& c.lrululrÍs.rrr:.1 xr; síicr:l,rt XXã?


Eu tenho a impressào que a grande agenda da ringüística no
século xxl é dar conta de dois probremas: (a) as formas cre
pensar e (b) a questão ética. como se dá conta das formas
cle
pensar? Pensando os aspectos cognitivos ligados a processos
cle
interação que são fundamentais. Eles p.".1.u* sei melhor e.-
tendidos. No meu entender, a agenda cognitiva vai ser muito
importante. Não daquere cognitivismo ôxperimentalista ori
modular do sécnlo XX, mas um cognitivismã social. A agencra
sociocognitiva no meu entender é un ponto central para o século
XXI, porque vai dar conta das formas de pensar com a ríngua na
língua, pela língua em sociedade. são questoes interessantÍssi
mas. Como cultura, linguagem e sociedade se perpassam, se
entremeiam? como uma está na outra e assim poiaiánte? como
posso, por formas tão limitadas, ter tantas possibilidades
de
dizer as coisas, de construir coisas? por que existe cognição e
existe sociedade e cultura? o segundo conjunto diz respeito à
agenda ética. Aqui há a questão da diversidade lingüística, dos
fenômenos interculturais e de todo o processo sócio-interati'o
por explicar. Eu creio que a paz mundial vai ter que
se socorrel.
dos lingüistas um dia. Não devemos esquecer os problemas que
;r nova geopolítica mundial vai colocar em breve para polítiãas
lingüísticas complexas a fim de evitar hegemoniai lingüísticas
Enfim, se a agenda ringüística no começo do século XX Íbi uma
agenda bem formal voltada para os fundamentos e se a agencla
rla metade do século XX para cá foi uma agenda bem pragmática
por influência da filosofia da linguagem, da filosofià analítica.
hoje ela passa a mudar um pouco da forma para a sócio-interaÇão.
() processo cognitivo e tudo o que
se vincula a esses aspectos. A
agenda do século xxl é uma agenda de funclamentação da
reflexão da proposta sociocognitiva e cle uma visão ética da
1Íngua. Acho que essa é uma agenda_base.

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