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A SEPARAÇÃO DOS PODERES E A TENDÊNCIA AO FORTALECIMENTO

DO EXECUTIVO
Corresponde a um imperativo da atuação do Estado a distinção de suas
funções, em órgãos diferentes. O funcionamento do Estado, visando à consecução
dos seus fins, gera o aparecimento de órgãos afeiçoados às diversas funções
estatais.
Da observação pelos estudiosos do estado concreto de sua época e ainda da
comparação histórica. nasceu a conclusão de que abrigando o estado funções
essencialmente diferençadas, não pode uni-las num mesmo órgão, sem grave
prejuízo para os seus fins. Daí o imperativo da distribuição das diversas funções,
por órgãos diferentes, cumprido sempre tão-logo o Estado se apresenta com a
complexidade que acarreta a regulamentação da vida de uma sociedade já
apartada de um estádio primitivo de civilização.
E é êsse condicionamento integral do princípio da separação das
funções, que lhe confere singular fôrça e prestígio, desvinculando-o do momento
histórico em que foi concebido.Assim, quando se fala de “separação, divisão ou
tripartição do poder” (as expressões são conservadas, por motivo de tradição), o
que se pretende nomear, é a “distinção das funções”, numa relação de íntima
colaboração. É neste sentido que usaremos, no curso dêste trabalho, daquelas
expressões.A ênfase atribuída à atuação coordenada dos podêres do Estado,
não obscurece, entretanto, as características próprias das três grandes funções do
estado.
Observa Ataliba Nogueira que o Estado se manifesta através de atos gerais,
que se referem, “abstratamente a situações não determinadas no momento em que
se editam”. E, ainda, por meio de atos especiais, que contemplam situações
concretas e específicas. A atividade desenvolvida por meio de atos gerais, é a
atividade legislativa. E a que se efetiva através dos atos especiais, é a executiva.
Dizer do ajustamento ou não, da ação concreta do Estado, à norma geral que a
condiciona, constitui uma terceira função, distinta das duas primeiras. É a atividade
jurisdicional, exercida por órgãos distintos do poder legislativo como do poder
executivo.
A vantagem do sistema é exigir que o “estado proceda à ação concreta, só
depois de haver atentamente avaliado as conseqüências e precisado os limites, do
modo mais equânime e imparcial para todos. Editando normas abstratas e gerais,
torna-se muito difícil ao legislador favorecer ou prejudicar deliberadamente os
interêsses particulares de determinado indivíduo. Além disso, a lei, uma vez
publicada, escapa dos seus autores, pois sua aplicação e a interpretação são
confiadas a outros órgãos distintos. Por isso o legislador se limita à enunciação
abstrata da norma sem possibilidade de lhe dar falsa aplicação, nos casos
concretos”. O fato de o exercício destas três classes de atividades competir a
órgãos distintos e independentes, ressalta a vantagem apontada.
Dessa necessidade de uma atuação positiva do Estado, surgem várias
formas de coordenação, em que os órgãos competentes para determinadas
funções, executam outras, que, numa observância rigorosa da separação, não lhes
competiria. O poder legislativo, por exemplo, participa conjuntamente com o
executivo, da elaboração das leis, seja porque, em certos casos, a iniciativa do
executivo é que o movimenta, seja porque suas deliberações estão sujeitas a veto
ou sanção do executivo. Igual colaboração ocorre nos casos de tratados
internacionais – celebrados pelo executivo e ratificados pelo legislativo. Outras
funções exercidas em estreita colaboração entre poder legislativo e poder
executivo, em que a iniciativa dêste necessita da ratificação daquele: nomeação
para certos cargos públicos e intervenção federal nos Estados. Por outro lado,
exerce o legislativo, funções tipicamente de administração, mas sem a. interferência
do executivo, quando organiza o seu funcionalismo, com a criação e provimento de
cargos. Admite-se também o exercício de funções jurisdicionais pelo legislativo,
como julgamento do presidente da República e ministros de Estado e ainda
membros do Poder Judiciário.
O executivo, por sua vez. além de cooperar na elaboração da lei, como já foi
dito, exerce ainda função legislativa, quando expede regulamentos, que contêm
normas de caráter geral. Com efeito, conquanto vise ao estabelecimento de
condições para a execução da lei, “o regulamento ainda não é um ato de execução,
mas ato que a precede e a, prepara. A função legislativa se prolonga desde a
elaboração até a regulamentação da lei; aí se detém e dá lugar à execução”. O
regulamento, pois, “ainda é função legislativa”. E embora se distinga da lei, pelo
aspecto formal (não provém do legislativo), a ela se equipara materialmente (é ato
geral).
Finalmente, o judiciário atua administrativamente, quando organiza a
secretaria dos Tribunais. E por outro lado, toma parte na elaboração da lei (função
legislativa), quando controla sua constitucionalidade e quando a interpreta, sendo-
lhe, porém, defeso, sob o título de interpretação, criar a lei. Suas decisões,
encontram limite nos atos gerais, postos pelo legislativo ou pelo executivo, sendo
repudiada, por extremamente perigosa, a doutrina da “livre criação do direito” pelo
juiz. A ampliação do número dos podêres do Estado, peca, quase sempre, por
unilateralidade, representada pela exagerada ênfase a outros aspectos, com
prejuízo para o prisma jurídico. Esquecem estas teorias que o princípio da divisão
dos podêres, embora conservando a característica de garantidor da liberdade,
transformou-se “na dogmática moderna em um critério jurídico de organização do
Estado”. Daí se falar em “povo”, “poder econômico”, “poder de sufrágio”, “imprensa”,
etc., como “podêres” do Estado. Ainda os que pretendem alargar o número dos
podêres, mesmo levando na devida conta, o aspecto jurídico (podêres seriam
também o Tribunal de Contas, o Ministério Público), outra coisa não fazem que
cogitar de funções redutíveis às fundamentais e que destas não se diversificam. mas
sim, nelas se incluem.

A conclusão é de que os chamados podêres do Estado, são três, nem mais


nem menos. Correspondem às funções fundamentais do Estado: fazer leis. executá-
las e interpretá-las. Nenhuma outra função, de que se possa cogitar, ostenta as
características próprias daquelas, ou seja, irredutibilidade e essencialidade.
A atribuição ao executivo, de maior quantidade de funções, tem levado muitos
autores a pretender o estabelecimento de uma hierarquia entre as três classes de
funções do Estado, com vantagem para o poder executivo.
Este, indiscutivelmente, é o maior beneficiário do alargamento das funções do
Estado, fenômeno que se explica pelo acréscimo das formas da atividade humana,
decorrente do vertiginoso progresso técnico da nossa era. O que força o Estado a
multiplicar sua atividade, sob pena de se distanciar da consecução do seu fim (que
para Ataliba Nogueira, consiste na “prosperidade pública, na “vitae sufficientia”
necessária a cada um para atingir a perfeição física, intelectual e moral”, sem
prejuízo dos direitos individuais).

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