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tecnologia
ISSN: 1415-0549
revistadafamecos@pucrs.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
Brasil
– onde se pretende destacar a visão do autor a respeito sufocantes quanto os subterrâneos dos Morlocks.
do gênero literário e como os questionamentos deste O destino real dos Elói, que o Viajante só percebe
transparecem na obra de McLuhan. Posteriormente, ao no final, pode ser interpretado hoje como uma
falar de McLuhan e o gênero cyberpunk, serão apresentadas representação do temor das classes superiores de
as opiniões de dois autores (Fábio Fernandes e Michael uma revolta dessas multidões subjugadas. Fica assim,
Doherty) acerca do assunto; e, finalmente, serão nas entrelinhas, contada mais uma história, a dos
analisados o lado “cyber” e o lado “punk” da obra do conflitos de classe na sociedade inglesa de fins do
pensador canadense. século passado. (Wells, s/d, p.6)
onde as minorias (grifo nosso) têm vez e voz”. Numa e “quente” (Pignatari, 1973). Já o termo “punk” se re-
entrevista publicada pela coleção Biblioteca Salvat de mete não somente ao movimento musical e ideológica
Grandes Temas, McLuhan (1979, p.18) responde que “o dos anos 70, mas à contracultura em geral, na qual
conceito de cidadezinha não impõe a existência de rela- McLuhan é indicado como “um nome importante no
ções cordiais. Nas aldeias as pessoas criticam, espiam, elenco de teóricos que tiveram seu lugar no movimento
odeiam...; é como uma família: não há ambiente mais de rebelião da juventude” (Pereira, 1985, p.28). Assim,
selvagem do que o de uma família” . São as minorias em podem-se identificar dois lados da obra de McLuhan:
busca dos direitos ou, simplesmente, da sobrevivência, o lado “cyber” e o lado “punk”.
que apagam a falsa imagem idílica da aldeia global
para deixarem transparecer o que ela realmente é: um O lado “cyber”
ambiente selvagem (grifo nosso). Enfim, o conceito de Os conceitos que McLuhan empresta da cibernética –
aldeia global não significa um mundo melhor, mais além dos que já foram apontados no parágrafo acima
justo, mas a disposição das informações para todos (Pignatari, 1973) – são notados em frases como: “Nesta
(Silva Filho, s/d). era da eletricidade, nós mesmos nos vemos traduzidos
Para Lemos (2004), o enfoque da ficção cyberpunk são mais e mais em termos de informação (grifo nosso), rumo
as minoras e como elas subvertem o “sistema” pelo uso à extensão tecnológica da consciência” (McLuhan,
da tecnologia. Da mesma forma, a obra de McLuhan ex- 1969, p.77). Ao afirmar que o ser humano encontra-se,
plica como as minorias, impulsionadas pelos efeitos da cada vez mais, traduzido em “termos de informação”,
tecnologia eletrônica, confrontam o “sistema”, ou seja, McLuhan recorre à teoria da informação, que compõem
os valores da cultura tipográfica. As novas tecnologias o corpo teórico da cibernética. Para a teoria da informa-
de comunicação oferecem às minorias oportunidades ção, qualquer sistema (vivo ou não) pode ser traduzido
para demonstrar os seus “ressentimentos” (Dizard Jr., em “termos de informação”, ou seja, num conjunto de
2000). Como afirma McLuhan: “Num meio ambiente acontecimentos probabilísticos: desde os diferentes si-
de informação elétrica, as minorias não mais podem ser nais do Código Morse até as moléculas “codificantes”
contidas – ignoradas. Muita gente sabe demais sobre do DNA (Apter, 1973). Assim, para McLuhan e a cultura
cada um. Nosso novo ambiente compele à participação cyberpunk, “o corpo, com a cibernética de Wiener, e
e ao engajamento” (McLuhan & Fiore, 1969, p.52). hoje com o projeto Genoma Humano, é visto como pura
Já Doherty toma Neuromancer como um exemplo do informação” (Lemos, 2002, p.234).
que McLuhan (1969) se refere ao escrever que o artista É interessante notar como o “lado cyber” se manifesta
ocupa a “torre de controle da sociedade”: “como gusta na ficção cyberpunk. Conforme o autor:
decir Gibson (1997)— y como ha señalado McLuhan
— ‘La vida imita al arte’. Y al imitar la visión del autor, As histórias cyberpunks falavam [...] de máquinas
las herramientas […] son las que adquieren vida en cibernéticas: tecnologia de computadores, meios
los laboratorios y medioambientes en línea a través de de comunicação de massa, implantes neurais, etc
toda la red”. Da mesma maneira, Oliveira (2003, p.11) [...]. Freqüentemente estes sistemas tecnológicos se
afirma que, estendiam até os “componentes humanos”, através
de implantes mentais, próteses, clonagem, ou com
Na década de 80, as simulações de computador, a a criação de seres gerados a partir de engenharia
rede Arpanet e as janelas de hipertexto já existiam genética (replicantes). Esta é a parte cyber da ficção
como fenômenos separados, mas só a partir da obra cyberpunk. (Lemos, 2004)
de ficção científica Neuromancer, de William Gibson,
publicada em 1984, foram constituídas como um Implantes cibernéticos em seres humanos evocam,
espaço de interação informacional. Foi preciso um na obra de McLuhan, o conceito de híbrido. Para Leão
escritor de ficção científica para dar unidade, nome (2004), o conceito de McLuhan ajuda a compreender
e sentido às tecnologias nascentes. o encontro do humano com a máquina. Assim, a de-
finição de híbrido remete ao cyborg, meio-humano,
Os apontamentos de Oliveira e de Doherty retomam o meio-máquina – figura freqüente na ficção cyberpunk.
que foi citado anteriormente: “Os escritos da ficção cien- De acordo com McLuhan (1969, p.75), “o híbrido, ou en-
tífica de hoje apresentam situações que nos permitem contro de dois meios, constitui um momento de verdade
perceber o potencial das novas tecnologias” (McLuhan e revelação, do qual nasce a forma nova”. Da mesma
& Fiore, 1969, p.152). forma, Lemos (2002) aponta a questão do cyborg como
Na própria palavra cyberpunk, encontram-se dois “estrutural da própria humanidade”, pois abole a falsa
termos ligados à obra de McLuhan. O termo “cy- dicotomia entre o artificial e o natural.
ber” remete à cibernética de Nobert Weiner, da qual Além da presença do cyborg na ficção cyberpunk,
McLuhan apropria-se ao elaborar frases como “o meio também há as Inteligências Artificiais. Enquanto o cy-
é a mensagem” ou definir conceitos como media “frio” borg exprime o processo de mecanização do homem, a
Inteligência Artificial (doravante IA) exprime o inverso: instituições da sociedade ocidental (Pereira, 1985).
a humanização da máquina. McLuhan (1969) se ques- Ivan Martins, no prefácio do livro Do clichê ao arqué-
tiona: “Em seu melhor, não constitui o mecânico uma tipo, observa, no embate entre a cultura tipográfica e a
notável aproximação ao orgânico?”. Como mostra Ol- cultura eletrônica, o surgimento dos sintomas da con-
sen, a dicotomia orgânico-mecânico, homem-máquina, tracultura: os hippies, os yippies, as drogas, as famílias
manifesta-se nas personagens de Neuromancer: comunitárias (McLuhan & Watson, 1973). Mas o que
leva Martins (1985, p.28-29) a tirar essa conclusão? No
Os humanos no romance de Gibson tendem a agir entender de Pereira, a sociedade que os jovens rebeldes
como máquinas, enquanto que as máquinas tendem dos anos 60 são contra é “uma sociedade tecnocrática
a agir como humanos. Personagens como Molly e (grifo nosso) voltada para a busca de um ideal máximo
Armitage, por exemplo, exibem ações internas limi- de modernização, racionalização e planejamento, com
tadas na forma de pensamentos e sentimentos. Na privilégio dos aspectos técnico-racionais sobre os sociais
verdade, eles quase agem como autômatos altamen- e humanos, reforçando uma tendência crescente para a
te complexos. Quase nunca ponderam idéias. Não burocratização da vida social (grifo nosso)” . A “sociedade
podem amar. E não podem sequer odiar no sentido tecnocrática” e a cultura tipográfica possuem caracterís-
tradicional. (apud Fernandes, 2004, p.49) ticas semelhantes: uniformidade e centralização. Enfim,
a “sociedade tecnocrática” resume-se ao american way
Para Teixeira (1990), a comparação entre o cérebro of life (modo americano de vida), o alvo central da
humano e o computador foi crucial para o surgimento contestação dos anos 60. A respeito, McLuhan (1969,
da IA como disciplina científica. Da mesma forma, p.32-33) afirma o seguinte:
McLuhan & Fiore (1971) enxergam o computador como
uma extensão do sistema nervoso central. Não por aca- Os padrões americanos fincados na escrita como
so, na narrativa de Neuromancer, o nome dado à polícia tecnologia uniforme aplicável a todos os níveis –
que fiscaliza as IAs é Turing, o sobrenome do pesquisa- educação, governo, indústria e vida social – estão
dor pioneiro Alan Turing. Para justificar a capacidade agora ameaçados pela tecnologia elétrica. A ameaça
de pensar dos computadores, Turing afirma que, como de Stalin ou Hitler era externa. A tecnologia elétri-
o computador, “o cérebro humano é também progra- ca está dentro dos muros e nós somos insensíveis,
mado, pela genética, pela educação e pela experiência” surdos, cegos e mudos, ante a sua confrontação com
(Apter, 1973, p.77). Da mesma forma, McLuhan (1969) a tecnologia de Gutenberg, na e através da qual se
diz que os “esforços, impulsos e aspirações humanas” formou o modo americano de vida.
podem ser programados para atingir o objetivo da
cultura eletrônica: a formação da consciência coletiva. A tecnologia elétrica é contra a tecnologia de Guten-
Pierre Lévy (1999) identifica o ciberespaço como berg e possibilita o surgimento da contracultura. Por
a concretização tecnológica da consciência coletiva, isso, “mesmo a contracultura, sendo anti-tecnológica,
apesar de usar outro termo semelhante: inteligência não seria possível sem drogas químicas, imagens (vídeo
coletiva. Embora não tenha presenciado o surgimento e cinema experimental) e a guitarra elétrica” (Lemos,
do ciberespaço, “McLuhan, pensando em redes mun- 2002, p.93).
diais de televisão via satélite, chamava a atenção para De acordo com Lemos (2002), a cultura cyberpunk
a possibilidade de formação da aldeia global (grifo do herda os valores da contracultura, exceto aqueles que
autor), mas foi esquecido na década seguinte. A tecno- contestam a tecnologia. Assim, a cultura cyberpunk
logia ainda não estava pronta” (Ricardo, 2000, p.199) apresenta várias características em comum com a “cul-
Os questionamentos sobre a formação da consciência ture néo-tribale”, descrita por Morin (1970, p. 111) e
coletiva também são centrais em Neuromancer: Gib- resumida por ele na seguinte fórmula: “culture néo-
son (2003, p.67) assemelha o ciberespaço como “uma tribale: néo-rousseauisme + néo-archaïsme + macluhanis-
representação gráfica de dados abstraídos dos bancos me (grifo nosso)” . Essa tríade remete aos hippies e aos
de todos os computadores do sistema humano”. Antes “três grandes eixos de movimentação que marcavam
do surgimento da World Wide Web, Gibson já imaginava sua rebelião – da cidade, a retirada para o campo; da
uma rede compartilhada por todos os computadores família para a vida em comunidade; e do racionalismo
do mundo. cientificista para os mistérios e descobertas do misti-
cismo e do psicodelismo das drogas” (Pereira, 1983,
O lado “punk” p.82). A retirada para o campo é o “néo-rousseauisme”;
O “lado punk” da obra de McLuhan situa-se na relação o misticismo e as drogas é o “néo-archaïsme”; e a vida
entre as idéias do pensador canadense com a contra- em comunidade é o “macluhanisme”, a aldeia global.
cultura. Inventado pela imprensa norte-americana, o Entretanto, a obra de McLuhan não se limita ao con-
termo contracultura surgiu na década de 60 e denomina ceito de aldeia global: ela também discute os outros dois
um conjunto de manifestações culturais que se opõe às pontos da tríade formulada por Morin. De fato, ao ana-
lisar os efeitos da tecnologia elétrica, McLuhan & Fiore O espírito nômade dos beatniks é retratado na ficção
(1969) observam o surgimento de um novo arcaísmo cyberpunk, conforme escreve Amaral:
e propõem o retorno das “emoções tribais”. Diferente
da tecnologia tipográfica, predominantemente visual Quanto aos personagens do cyberpunk há uma ampla
e individualista, a tecnologia elétrica resgata o som e a variação, de hackers a mercenários. Contudo, o anda-
vida tribal. Na narrativa de Neuromancer, a música ele- rilho é um dos arquétipos centrais. Figura presente
trônica (o dub) possibilita um “senso de comunidade” na literatura de estrada dos beatniks, herdeiro da
entre os rastafaris de Zion (Gibson, 2003). filosofia nietzscheana e descrito pela poesia de Baude-
Outro aspecto do novo arcaísmo é o misticismo. De laire como “o pesquisador do infinito”, o andarilho é
acordo com o tradutor da nova versão de Neuromancer, trazido das estradas empoeiradas para o ciberespaço.
Alex Antunes, os autores do movimento cyberpunk, Ele é o cowboy digital Case, de Neuromancer, que
ao observarem as características do ciberespaço, “no- inspirou tanto a canção “The Wanderer” (O Andari-
taram que, um pouco em comum com a visão mística lho) do U2, como o hacker Neo de Matrix. (2003a, p.3)
disseminada nos anos 60 e 70, a principal viagem a ser
empreendida era a viagem para dentro (grifo do autor), Mas como o “néo-rousseauisme”, um dos elementos
o infinito visto como instância simultaneamente exte- da “culture “néo-tribale”, se manifesta na cultura e na
rior e interior ao ser humano” (Gibson, 2003, p.5). Da ficção cyberpunk? O filósofo Jean-Jacques Rousseau
mesma forma, McLuhan também se apóia no discurso encontra na natureza um modelo perfeito de socieda-
místico da contracultura, como afirma Pignatari (1973, de. Assim, o “néo-rousseauisme” também pode ser
p.32) ao dizer que “o que ele [Marshall McLuhan] dá é interpretado como uma nova utopia, um novo paraíso.
uma abertura para o misticismo da Era Eletrônica”. Já Mas, diferente dos hippies, os cyberpunks elegem o
para Paul Virilio, “as referências místicas são as únicas ciberespaço como novo paraíso. O próprio significado
que permitem compreender as tele-tecnologias, já que etimológico da palavra utopia combina com a natureza
tocam à ubiqüidade, ao imediato, ao instantâneo, à do ciberespaço: nenhum lugar físico. A respeito, o Co-
omnividência, que são atributos do divino e não do letivo NTC (1996, p.329) afirma o seguinte:
humano” (apud Lemos, 2002, p.57). Enfim, na ficção
cyberpunk, a relação entre misticismo e tecnologia é Em Neuromancer, ficção científica de William Gib-
evidente. Segundo Lemos (2002, p.205), son, os hackers se referem ao corpo humano como “a
carne” (the meat), expressão da frustração diante dos
Não é sem conseqüência que Norman Spinrad pro- entraves corporais à experimentação do ciberespaço,
põe analisar a ficção-científica cyberpunk pela ótica com suas inúmeras possibilidades de expansão da
neuromântica. O termo é um trocadilho entre neuro mente e potencialização da vivência, imaterial, de
e mântico, criando mágicos cibernéticos, unindo a variados sonhos e desejos.
força racional da neurociência com as potências des-
conhecidas da magia. A expressão “a carne” se remete ao discurso medie-
val-religioso. Ao apresentar a visão do autor do livro
O novo arcaísmo também se manifesta nas drogas The postmodern paradiso: Dante, cyberpunk and tech-
químicas. Para McLuhan e Fiore (1971), as drogas si- nosophy of cyberspace, Jeffrey Fischer, Amaral (2005)
mulam o ambiente elétrico. De acordo com Antunes, afirma que a literatura cyberpunk retoma a temática
a “visão da tecnologia não como ferramenta objetiva, da “aspiração medieval à vida eterna” ao caracterizar
mas como gatilho incidental de percepções alteradas (grifo personagens que desprezam o corpo material e que
nosso)” (Gibson, 2003, p.6), elaborada por autores da FC desejam transformar-se em dados imateriais, habitantes
“desviante” dos anos 60, influenciou profundamente os do ciberespaço. Da mesma forma, como visto anterior-
escritores cyberpunk. Na narrativa de Neuromancer, a mente, a obra de McLuhan enfatiza a tradução do ser
relação entre drogas e tecnologia é evidente: os efeitos humano em “termos de informação”. Enfim, o reapa-
das drogas imitam a experiência do ciberespaço e vice- recimento da temática da “aspiração medieval à vida
versa. eterna”, tanto na ficção cyberpunk, quanto na obra de
O nomadismo é outra característica do novo arcaís- McLuhan, reflete a idéia do ciberespaço como novo pa-
mo. McLuhan (1969, p.318). via nos beatniks um modelo raíso. Em Neuromancer, por exemplo, perder o contato
do “homem-coletor de comida [que] reaparece incon- com o ciberespaço era, “para Case, que tinha vivido na
gruentemente como coletor de informação. Neste seu euforia incorpórea do cyberespaço, [...] a Queda (grifo
papel, o homem eletrônico não é menos nômade do que nosso)” (Gibson, 2003, p.14). Sobre a crença medieval
seus ancestrais paleolíticos”. Os beatniks são os grandes milenarista, Silva (2004, p.3-4) escreve o seguinte:
influenciadores da contracultura: representantes da re-
beldia dos anos 50, eles são fascinados pelas doutrinas Aos poucos a tecnologia começa a ser vista como
orientais e avessos ao intelectualismo (Pereira, 1985). uma forma de retomar a perfeição e atingir o conhe-
cimento perdido com o pecado original (grifo nosso), que a ciência é social, e é histórica. É um produto dos
preparando-se para a chegada do novo milênio. Essa homens e das condições específicas por eles vividas;
relação entre a tecnologia e a transcendência, que traz as marcas de suas necessidades, suas vicissitudes,
mostra o avanço tecnológico como forma de sabedo- seus limites e seus investimentos (grifo nosso)”. É nesse
ria, conhecimento e proximidade do divino, estava contexto que se pode enxergar a obra de McLuhan não
intrinsecamente ligada à crença milenarista. apenas como científica, limitada aos fatos empíricos,
mas como investidora em comportamentos: compor-
McLuhan (1969, p.394) também se apropria do discur- tamentos que se assemelham aos da cibercultura. Vista
so medieval-religioso ao falar da função do ser humano por essa ótica, a linha que separa ciência (ou produção
diante das novas tecnologias: “Assim como a Adão do acadêmica) e arte (ou indústria cultural) torna-se tênue
Paraíso (grifo nosso) fora dada a tarefa de contemplação FAMECOS
e da nomeação das coisas – assim se dá com a automa-
ção. Agora não temos senão que nomear e programar REFERÊNCIAS
um processo ou um produto para que ele se realize”. ALLEN, L. David. No mundo da ficção científica. São
Paulo: Summus, 1974.
Considerações finais
Quando estudantes do segundo grau, nos Estados AMARAL, Adriana. A metrópole e o triunfo distópico – a
Unidos, conseguem acesso a programas secretos do cidade como útero necrosado na ficção cyberpunk
Pentágono, ou de natureza bancária, através de uma (2005). Disponível em: <http://www.bocc.ubi.
incrível grampeagem, ou quando um engenheiro pt/pag/amaral-adriana-cyberpunk-e-cidade.
sai da sua e, no seu sofisticado micro (grifo do au- pdf>. Acesso 26 out 2005.
tor), começa a transar formas e cores, como se fosse
programador visual de vinhetas para a televisão, ______. A visão cyberpunk de mundo através das lentes
ou ainda possibilidades musicais combinatórias – é escuras de Matrix (2003a). Disponível em:
fácil perceber que estamos em outro estágio de alfa- <http://www.bocc.ubi.pt/pag/amaral-adriana-
betização e cultura, em outro estágio de ensino, em cyberpunk-posmodernismo.pdf> Acesso 26 out
outro estágio de “especialização” (desespecialização) 2005.
profissional: arte e ciência voltam a transar numa boa,
nesta Revolução Industrial, que é de natureza eletro- ______. Cyberpunk e pós-modernismo (2003b). Disponível
eletrônica. (Pignatari, 1984, p.13) em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/amaral-
adriana-cyberpunk-posmodernismo.pdf>
Voltando às perguntas feitas no início do artigo: de Acesso 26 out 2005.
onde vem a inspiração da ficção científica? Das ten-
dências do presente ou das tentativas de antecipar o ______. Espectros da ficção científica. A herança sobrenatural
futuro? A resposta abarca as duas opções: das tendên- do gótico no cyberpunk (2004). Disponível em:
cias do presente, pois, como foi visto, o uso do futuro <http://www.versoereverso.unisinos.br/index.
como “metáfora do presente” é recorrente na FC; e das php?e=2&s=9&a=15> Acesso 26 out 2005.
tentativas de antecipar o futuro, pois, para Wyndhan
Lewis, “o artista está sempre empenhado em escrever a APTER, Michael J. Cibernética e psicologia. Petrópolis:
minuciosa história do futuro, porque ele é a única pes- Vozes, 1973.
soa consciente da natureza presente!” (apud McLuhan,
1964, p.85). Gibson, por exemplo, ainda na década de 80, BIBLIOTECA SALVAT DE GRANDES TEMAS. Rio de
Janeiro: Salvat, v. 29, 1979.
[...]ajudou a criar o comportamento da cultura vigente
hoje. A cibercultura, com sua ética hacker, sua mú- COLETIVO NTC. Pensar-pulsar: cultura comunicacional,
sica eletrônica, sua sampleagem cultural, suas tribos tecnologias, velocidade. São Paulo: Edições NTC,
urbanas – o embrião da mudança já existia antes de 1996.
Gibson. Mas ninguém, nem antes nem depois dele,
conseguiu dar forma ao sonho de maneira tão radical. DIZARD JR., Wilson. A nova mídia: a comunicação de
(Fernandes, 2004, p.75) massa na era da informação. Rio de Janeiro: Zahar,
2000.
Assim, a arte, como produto das condições histórico-
sociais vividas pelo artista, é também modeladora do DOHERTY, Michael E. Marshall McLuhan se encuentra
futuro. Mas da mesma forma que a arte é um produto con William Gibson en el ciberespacio (1997).
das condições histórico-sociais, a ciência também é. De Disponível em: <http://rehue.csociales.uchile.
acordo com França (2001, p.51), “vale sempre lembrar cl/rehuehome/facultad/publicaciones/Talon/
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