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OS LUSÍADAS

= LUÍS  DE  CAMÕES =

Biografia do Autor
Luís Vaz de Camões é considerado o maior poeta português.
Nunca existiu, nem em Portugal nem em qualquer outra parte
do mundo, poeta algum que igualasse a dedicação de Camões
à sua pátria através da produção de uma tão grandiosa obra
épica, Os Lusíadas, publicada em 1572.
Os Lusíadas são o culminar de toda uma cultura e de uma
civilização. Camões é considerado um poeta fora do seu
tempo, pois a sua modernidade e a sua erudição são visíveis
no modo como esta obra, tanto no estilo épico como no estilo
lírico, se estrutura. Camões pode ser assim considerado um
grande poeta humanista e um novo homem da Renascença.
Nasceu em 1524 ou 1525, segundo documentos publicados
por Faria e Sousa, em Lisboa ou em Coimbra (a data e o local do seu nascimento não são certos).
Segundo o registo da lista de embarque para o Oriente do ano de 1550, na inscrição de Luís de Camões
é-lhe atribuída a idade de 25 anos.
O Padre Manuel Correia, que o conheceu pessoalmente, dá-o como nascido em 1517. Filho de Simão
Vaz de Camões e Ana de Sá Macedo, família nobre estabelecida em Portugal na época de D. Fernando,
foi educado sob o império do Humanismo, e terá eventualmente estudado na universidade em Coimbra,
de 1531 a 1541, onde D. Bento de Camões, seu tio, era chanceler.
Era esse mesmo seu tio, sacerdote e sábio, que o auxiliava nos estudos, mas ainda antes de Luís de
Camões acabar o seu curso, partiu para Lisboa.
Reinava D. João II e, como Camões era fidalgo, podia frequentar as festas e saraus da corte no
palácio real, tendo sido aí que conheceu aquela que ele queria que viesse a ser a sua esposa, D. Catarina
de Ataíde.
Devido à rigorosa tradição da corte, Camões teve que se afastar desta linda menina, a quem ele
tratava pelo nome inventado de Natércia nos diversos poemas a ela consagrados, e foi exilado por
ordem do rei para o Ribatejo (Constância), onde permaneceu durante dois anos até se alistar como
soldado e partir para Ceuta.
Foi nesta viagem que Camões avaliou por si o esforço formidável de um povo audacioso e
persistente, que foi capaz de vencer os difíceis obstáculos desta travessia de forma pioneira.
Apesar de ter sido um grande poeta, foi também um grande patriota e um grande soldado.
Defendeu Portugal em guerras na África e na Ásia. Em 1547 partiu para Ceuta, depois de ter estado na
corte de 1542 a 1545. Em Ceuta perdeu um olho quando lutava em favor de D. João III.
Três anos mais tarde voltou a Portugal e teve vários duelos, num dos quais feriu Gonçalo Borges,
arreeiro de D. João III, o que lhe custou um ano de prisão no Tronco. Diz-se que foi nesse ano de prisão
que Camões compôs o primeiro canto da sua obra Os Lusíadas.
Obteve a liberdade mediante promessa de embarcar para a Índia como simples homem de guerra e
embarcou para Goa em 1553. Aí conviveu com o vice-rei D. Francisco de Sousa Coutinho e manteve
também relações amistosas com Diogo de Couto, eminente historiador português.
Foi aí que escreveu o Auto de Filodemo, o qual representou para o governador Francisco Barreto.
Ainda na Índia compôs uma ode a D. Constantino de Bragança, em que o defendia de acusações
supostamente falsas que lhe eram feitas. Da Índia passou a Macau, onde os portugueses tinham
fundado uma colónia mesmo em frente ao mar. Aqui conheceu o escravo Jau António, companheiro que
esteve sempre com ele até à morte e, ao que consta, mendigou pelas ruas de Lisboa para assegurar a
sua sobrevivência.

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Foi chamado a Goa mas, no caminho para a Índia, o barco onde navegava naufragou junto à foz do
rio Mekong e surge então o mito de que ele tenha ido até à costa a nado só com um dos braços, visto no
outro levar consigo a sua tão próspera epopeia. É neste naufrágio que perde a vida a sua amada
Dinamene, uma jovem chinesa a quem se tinha afeiçoado.
Foi a descida do Oceano Atlântico, a passagem do Cabo da Boa Esperança e todas aquelas viagens
que levaram Camões a glorificar na sua obra os lugares por onde a armada de Vasco da Gama tinha já
passado, lugares esses cujas rotas muito custaram a descobrir, razão ainda para dignificar o povo
lusitano.
Regressou a Lisboa em 1569 e, em 1572 foi então publicada a obra Os Lusíadas. Foi-lhe concedida
por D. Sebastião uma tença anual de 15 mil reis que só recebeu durante três anos, pois faleceu no dia 10
de Junho de 1580 em Lisboa, na miséria. O seu enterro teve de ser feito a expensas de uma instituição
de beneficência, a Companhia dos Cortesãos.
Após a sua morte, foi D. Gonçalo Coutinho que mandou esculpir na sua pedra o seguinte letreiro:
“AQUI JAZ LUÍS DE CAMÕES, PRÍNCIPE DOS POETAS DE SEU TEMPO. VIVEU POBRE E MISERAVELMENTE E ASSIM MORREU.
- Esta campa lhe mandou pôr D. Gonçalo Coutinho, na qual se não enterrará pessoa alguma.”
A comemoração do dia da sua morte é atualmente nomeada como o “Dia de Portugal, de Camões e
das Comunidades Portuguesas”, sendo feriado nacional.

Nota: Muitos dos dados biográficos de Camões não estão suficientemente documentados e existem
até informações contraditórias. Estas parecem ser, ainda assim,  as informações mais fidedignas.

Os Lusíadas - uma obra do séc. XVI.


Este século, caracterizado por uma grande viragem no pensamento humano, é marcado por três
grandes movimentos culturais: o Humanismo, o Renascimento e o Classicismo.
Humanismo

No Humanismo, o Homem encontra-se no centro das atenções, dando lugar ao antropocentrismo


(antropos significa Homem) que se opõe ao teocentrismo (Deus no centro).
Trata-se de um movimento intelectual europeu que procurou vigorosamente descobrir e reabilitar a
literatura e o pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como interesse central o Homem, no pleno
desenvolvimento das suas capacidades e empenhado na ação,  havendo aqui uma nítida oposição à
conceção hierárquica e feudalista do Homem medieval.

Renascimento                                                                                                                          
O Renascimento desenvolveu-se em países da Europa Central e Ocidental, como a Itália (passando
sucessivamente de Florença a Siena e depois a Roma, e alastrando posteriormente a toda a Península
Italiana), nos séculos XIV a XVI e veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente
todos os países do continente europeu. As figuras de proa do movimento gostavam de se apresentar
como críticos do "obscurantismo" medieval, numa atitude de contestação à tradicional influência da
religião na cultura, no pensamento e na vida quotidiana ocidental.
O movimento renascentista começa por ser uma contestação da ideologia dominante durante o
milénio medieval: à civilização cristã contrapõe-se uma ideologia antropocêntrica, revelando um
desiderato de fazer renascer a Antiguidade greco-latina, que, na interpretação então prevalecente, se
caracterizara precisamente por colocar o Homem no centro do universo e representava um ideal de
civilização natural.
                                                                                                                                             
Classicismo

O Classicismo consiste num sentimento de admiração pela Antiguidade Clássica e no desejo de


imitação da cultura greco-romana e de retoma dos seus valores, refletindo-se em todas as artes como a
pintura, a escultura e a literatura.

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Com base nos modelos clássicos greco-romanos, este movimento tem como principais valores a
harmonia, a simplicidade, o equilíbrio, a precisão e o sentido das proporções. Refira-se, como exemplo
na pintura, Leonardo da Vinci e Rafael. Os estudos das poéticas de Horácio e de Aristóteles disciplinam a
desordem artística medieval.
O enriquecimento filosófico e estético que oferece o estudo de Platão, Homero, Sófocles, Ésquilo,
Ovídio, Virgílio e Fídias, dá aos valores ocidentais maior dignidade artística e intelectual. A Itália,
detentora dos valores clássicos, latinos e gregos, é considerada o berço deste movimento, com Dante,
Petrarca e Bocaccio.
 Camões escreveu Os Lusíadas sob a forma de narrativa épica ou epopeia, forma muito utilizada na
Antiguidade Clássica e que Camões conhecia bem.

          Epopeia
Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica, define-se como uma narrativa, estruturada em
verso, que narra, através de uma linguagem cuidada, os feitos grandiosos de um herói com interesse
para toda a Humanidade.
Aristóteles, filósofo grego que viveu durante o séc. III a.C., descreveu os requisitos necessários à
composição de uma epopeia na sua obra intitulada Poética, redigida entre 334 e 330 a.C..

= O  género  épico =
O género épico remonta à Antiguidade Clássica ou greco-latina, sendo os seus expoentes máximos
Homero (séc. VIII a.C.) que escreveu a Ilíada e a Odisseia e Virgílio (séc. I a.C.) o autor da Eneida.
A epopeia é um género narrativo redigido em verso, em estilo elevado, que visa celebrar feitos
grandiosos de heróis ímpares, reais ou lendários. Assim, tem sempre um fundo histórico. De notar que o
género épico é um género narrativo e que exige na sua estrutura a presença de uma ação,
desempenhada por diferentes personagens num determinado espaço e tempo. O estilo é elevado e
grandioso e possui uma estrutura própria, que é a seguinte:
PROPOSIÇÃO - em que o autor apresenta a matéria do poema;
INVOCAÇÃO - às musas ou outras divindades e entidades míticas protetoras das artes;
DEDICATÓRIA - em que o autor dedica o poema a alguém, sendo esta facultativa;

NARRAÇÃO - a ação é narrada por ordem cronológica dos


acontecimentos, mas inicia-se já no decurso dos acontecimentos (“in medias
res”), sendo a parte inicial narrada posteriormente num processo de
retrospectiva ou analepse;

PRESENÇA DE MITOLOGIA GRECO-LATINA - contracenando heróis mitológicos


e heróis humanos.

= Estrutura externa =
A obra divide-se em dez partes, às quais se chama cantos. Cada canto tem um
número variável de estrofes (110 em média). O canto mais longo é o X, com 156
estrofes.
Proposição – Canto I, estrofes 1, 2 e 3;
Invocação (às Tágides, ninfas do rio Tejo) – Canto I, estrofes 4 e 5;
Dedicatória (ao rei D. Sebastião) – Canto I, estrofes 6 a 18;
Narração – Canto I, estrofe 19, até ao canto X, estrofe 156.
As estrofes são oitavas. Os versos são decassílabos, na sua maioria heroicos (acentuados na sexta e
décima sílabas). A rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos.

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Proposição
Canto I, est. 1-3, em que Camões anuncia pretender cantar:
os grandes feitos bélicos e os homens ilustres - “as armas e os barões assinalados”;
as conquistas e navegações no Oriente (reinados de D. Manuel e de D. João III);
as vitórias em África e na Ásia desde D. João a D. Manuel, que dilataram “a fé e o império”;
e, por último, todos aqueles que pelas suas obras valorosas “se vão da lei da morte
libertando”, ou seja, todos aqueles que mereceram e alcançaram a “imortalidade” por
perdurarem na memória coletiva.

A Proposição aponta também para os “ingredientes” que constituíram os quatro planos do poema:
Plano da Viagem - celebração de uma viagem:
"...da Ocidental praia lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram além da
Tapobrana...";
Plano da História - vai contar-se a História de um povo:
"...o peito ilustre lusitano..."."...as memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o
império e as terras viciosas / De África e de Ásia...";
Plano dos Deuses (ou do Maravilhoso) - ao qual os Portugueses se equiparam:
"... esforçados / Mais do que prometia a força humana..."."A quem Neptuno e Marte
obedeceram...";
Plano do Poeta - em que a voz do poeta se ergue, na primeira pessoa:
"...Cantando espalharei por toda a parte. / Se a tanto me ajudar o engenho e arte..." ."...Que eu canto
o peito ilustre lusitano...".

Invocação
Canto I, est. 4-5, o poeta pede ajuda a entidades mitológicas, chamadas musas, que neste caso são
as Tágides, ninfas do rio Tejo.
Isso acontece várias vezes ao longo do poema, quando precisa de inspiração:
Tágides ou ninfas do Tejo (Canto I, est. 4-5);
Calíope - musa da eloquência e da poesia épica (Canto II, est. 1-2);
Ninfas do Tejo e do Mondego (Canto VII, est. 78-87);
Calíope (Canto X, est. 8-9)
Calíope (Canto X, est. 145).

 Dedicatória
Canto I, est. 6-18, é o oferecimento do poema a D. Sebastião, que personifica toda a esperança do
poeta de ver nele um monarca poderoso, capaz de retomar “a dilatação da fé e do império” e de
ultrapassar a crise do momento.
Termina com uma exortação ao rei para que também se torne digno de ser cantado, prosseguindo as
lutas contra os Mouros.
Há quem considere que apresenta uma estrutura própria do texto oratório: 
Saber Mais!
Exórdio (est. 6-8) - início do discurso;
Exposição (est. 9-11) - corpo do discurso;
Confirmação (est. 12-14) - onde são apresentados os exemplos e os argumentos;
Peroração (est. 15-17) - espécie de recapitulação ou remate;
Epílogo (est. 18) - conclusão.

O louvor de D. Sebastião consiste em ser apresentado como um jovem-rei de quem o povo


português tudo espera, rei que a Providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos portugueses.
A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise em que a nação já se encontrava, mas
estava tão arreigada no povo que não desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O
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sebastianismo é precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma
nação em crise.

Narração
Começa no Canto I, est. 19 e constitui a ação principal que, à maneira clássica, se inicia “in medias
res”, isto é, quando a viagem já vai a meio, “Já no largo oceano navegavam”, encontrando-se já os
portugueses em pleno Oceano Índico.
Este começo da ação central, a viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia, quando os
portugueses se encontram já a meio do percurso do canal de Moçambique, vai permitir:
a narração do percurso até Melinde (por Camões, narrador heterodiegético e omnisciente);
a narração da História de Portugal até à viagem (por Vasco da Gama, narrador autodiegético
e de focalização interna);
a inclusão da narração da primeira parte da viagem;
a apresentação do último troço da viagem (narrador heterodiegético).
A narrativa organiza-se, como já se viu, em quatro planos:
o da viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia e o dos deuses, em
alternância;
o da História de Portugal, que surge encaixado na viagem;
o das considerações pessoais ou da intervenção do poeta, que aparece normalmente nos
finais de canto e constitui, de um modo geral, a visão crítica deste sobre o seu tempo.

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= Planos  temáticos =
Plano da Viagem
A narração dos acontecimentos durante a viagem entre Lisboa e Calecut:
Partida a 8 de Julho de 1497 (Canto IV, est. 84 e seguintes);
Peripécias da Viagem;
Paragem em Melinde durante 10 dias;
Chegada a Calecut a 18 de Maio de 1498;
Regresso a 29 de Agosto de 1498;
Chegada a Lisboa a 29 de Agosto de 1499.
Plano da História de Portugal
Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos de toda a nossa História, desde
Viriato até ao reinado de D. Manuel I.
Em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual os episódios e as personagens
representados nas bandeiras das naus.
A história posterior à viagem de Vasco da Gama é-nos narrada em prolepse, através de
profecias.
Plano das considerações do Poeta
Considerações e opiniões do autor, expressões nomeadamente no início e no fim dos cantos.
Destacam-se os momentos em que o poeta:
Refere aquilo que o homem tem de enfrentar: “os grandes e gravíssimos perigos”, a
tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra (Canto I, est. 105-106);

Põe em destaque a importância das letras e lamenta que os portugueses nem sempre
saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência (Canto V, est. 92-100);

Realça o valor das honras e das glórias alcançadas por mérito (Canto VI, est. 95-96);

Faz a apologia da expansão territorial por espalhar a fé cristã. Critica os povos que não
seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do
mundo (Canto VII, est. 2-14);

Lamenta a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupções e de traições (Canto VII,


est. 96-99);

Explica o significado da Ilha dos Amores (Canto IX, est. 89-92);

Dirige-se a todos aqueles que pretendem atingir a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça,
a ambição e a tirania são honras que não dão verdadeiro valor ao homem (Canto IX, est. 93-
95);

Confessa estar cansado de “cantar a gente surda e endurecida” que não reconhecia nem
incentivava as suas qualidades artísticas que reafirma nos seus últimos 4 versos da estrofe
154 do Canto X, ao referir-se ao seu “honesto estudo”, à “longa experiência” e no
“engenho”, “causas que raramente”. Reforça a apologia das letras (Canto V, est. 92-100);

Manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do


povo português (Canto X, est. 145-156).

Plano da Mitologia
A mitologia permite a evolução da ação (os deuses assumem-se como adjuvantes ou como
oponentes dos portugueses) e constitui, por isso, a intriga da obra.

Os Dez Cantos d' Os Lusíadas


CANTO PRIMEIRO
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POETA
 Proposição (1-3)
 Invocação (4-5)
 Dedicatória (6-18)
 Reflexões sobre os perigos e fraqueza do Homem (105-106)
VIAGEM
 Início da narração (19)
 Ilha de Moçambique (42-72)
 Ataque traiçoeiro. Em direção a Quíloa (82-99)
 Chegada a Mombaça (103-104)
MARAVILHOSO
 Consílio dos deuses (20-41)
 Traição de Baco (73-81)
 Intervenção de Vénus (100-102)
NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO SEGUNDO

VIAGEM
 Em Mombaça (1-9)
 Fuga do piloto e dos mouros (25-28)
 Partida da Armada e informações de Melinde (64-71)
 Recepção festiva em Melinde (72-113)
MARAVILHOSO
 Cilada de Baco (10-15)
 Nova ajuda de Vénus (16-24)
 Súplica do Gama à Divina Guarda (Deus) (29-32)
 Intervenção de Vénus e de Júpiter e missão de Mercúrio (33-63)
NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO TERCEIRO

POETA
 Invocação a Calíope (1-2)
VIAGEM
 Em Melinde
HISTÓRIA
 Início (3-5)
 Europa (6-21)
 De Luso a Viriato (22)
 Conde D. Henrique (23-28)
 De D. Afonso Henriques a D. Dinis (29-98)
 D. Afonso IV:
o Contra os Mouros (39-100)
o Formosíssima Maria (101-102)
o Batalha do Salado (107-117)
o Inês de Castro (118-135)
 D. Pedro e D. Fernando (136-143)
NARRADOR
 Camões (1-2)
 Vasco da Gama (narrador homodiegético ou narrador participante) (3-135)

CANTO QUARTO

VIAGEM
 Em Melinde
HISTÓRIA
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 Crise de 1383-85 (1-12)
 Discurso de Nuno Álvares (13-19)
 Reação ao discurso (20-27)
 Batalha de Aljubarrota (28-47)
 Conquista de Ceuta (48-50)
 D. Duarte, D. Afonso V e D. João II (51-65)
 D. Manuel I (66-74)
 Prepara-se a expedição e despedem-se os nautas (75-93)
 Velho do Restelo (94-104)
NARRADOR
 Vasco da Gama

CANTO QUINTO

POETA
 Considerações sobre o desprezo das letras e da poesia (90-100)
VIAGEM
 Partida de Lisboa (1-3)
 Viagem do Atlântico até ao Equador (4-13)
 Cruzeiro do Sul (14)
 Fogo-de-santelmo e tromba marítima (15-23)
 Ilha de Stª Helena e o episódio de Veloso (24-36)
 Adamastor (37-60)
 Viagem até Melinde (61-84)
 Fim da narrativa do Gama (85-89)
NARRADOR
 Vasco da Gama

CANTO SEXTO

POETA
 Reflexões do poeta sobre o valor das honras e da glória (95-99)
VIAGEM
 Em Melinde (1-4)
 Saída de Melinde (5-6)
 Vigília dos Nautas (38-42)
 Os Doze de Inglaterra (43-69)
 A tempestade (70-84)
 Chegada a Calecut (92)
MARAVILHOSO
 Projeto de Baco (7-14)
 Consílio dos deuses do mar (15-37)
 Súplica do Gama a Deus (81-83)
 Intervenção de Vénus a favor dos Portugueses (85-91)
 Vasco da Gama agradece a Deus (93-94)
NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO SÉTIMO

POETA
 Elogio do espírito de cruzada dos Lusos e censura da Europa (2-14)
VIAGEM
 Na barra de Calecut (1)
 No porto de Calecut, descrição da Índia (15-16)
 Degredado em terra e encontro com Monçaide (23-27)
 Monçaide, na frota, descreve o Malabar (28-41)
 Visita ao Samorim (42-65)
 O Catual e Monçaide (66-72)
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 Paulo da Gama recebe o Catual nas naus e explica o significado das bandeiras (73-77)
NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO OITAVO

POETA
 Considerações sobre o "vil interesse e sede inimiga do dinheiro" (96-99)
VIAGEM
 Em Calecut: Catual visita a armada (1)
 Regresso do Catual a terra (44-46)
 Traição do Catual (51-90)
 Monçaide, na frota, descreve o Malabar (28-41)
 Suborno do Catual e regresso do Gama a bordo (91-95)
MARAVILHOSO
 Novas ciladas de Baco: em sonho - o 3º - aparece um sacerdote maometano, indispondo-o
contra os Portugueses (47-50)
HISTÓRIA
 Explicação das 23 figuras ao Catual (2-43)
NARRADOR
 Paulo da Gama (narrador homodiegético)
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO NONO

POETA
 Exortações aos que desejam a imortalidade (88-92)
VIAGEM
 Últimas diligências na Índia onde Gama vence as manobras contra os Portugueses (1-12)
 Regresso a Portugal (13-17)
 Os nautas visitam a ilha (52)
 Desembarque na ilha (64-67)
MARAVILHOSO
 A Ilha dos Amores - prémio de Vénus (18-51)
 Descrição da ilha (53-63)
 Casamento entre Ninfas e navegadores no palácio de Tétis (68-84)
 Simbolismo da ilha (85-87)
NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante)

CANTO DÉCIMO

POETA
 Invocação (4ª) a Calíope (8-9)
 Lamentações, exortações a D. Sebastião e vaticínio de futuras glórias (145-156)
VIAGEM
 Despedida da Ilha e regresso a Portugal (143-144)
MARAVILHOSO
 Banquete na Ilha (1-7)
 Profecias da Ninfa (10-74)
 Tétis mostra ao Gama "a máquina do mundo" (75-90)
 Novas profecias (91-142)
HISTÓRIA
 Sobre os heróis portugueses: Duarte Pacheco Pereira, D. Francisco de Almeida e seu filho,
Afonso de Albuquerque, Diogo Soares, D. João de Castro, Cristóvão da Gama, martírio de S. Tomé,
naufrágio de Camões, descobrimento do Brasil, viagem de Fernão de Magalhães.

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NARRADOR
 Camões (narrador heterodiegético ou não participante).

Canto I

METAS: Canto I – estâncias 1-3, 19-41;

O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo e dedica o poema ao Rei
D. Sebastião.
Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da Gama, referindo brevemente que a Armada já
se encontra no Oceano Índico no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem em Consílio,
convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão ou não chegar à Índia.
Com o apoio de Vénus e Marte (adjuvantes) e apesar da oposição de Baco (oponente), a decisão é
favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí Baco prepara-lhes várias
ciladas que culminam com o fornecimento de um piloto por ele instruído para os conduzir ao perigoso
porto de Quíloa. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo
até Mombaça. No final do Canto, o poeta reflete acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o
Homem.

  Canto II

O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os Portugueses a entrar no porto para os destruir.
Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite, pois os dois condenados que mandara a terra
colher informações tinham regressado com uma boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na
verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas,
afasta a Armada, da qual se põem em fuga os emissários do Rei de Mombaça e o falso piloto.
Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo que corria, dirige uma prece a Deus. Vénus comove-se e
vai pedir a Júpiter que proteja os Portugueses, ao que ele acede e, para a consolar, profetiza futuras
glórias aos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco
da Gama o caminho até Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa receção. A chegada dos
Portugueses a Melinde é, efetivamente, saudada com festejos e o Rei desta cidade visita a Armada,
pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a história do seu país.

Canto III  

Metas: Canto III – estâncias 118-135;

Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa da História de Portugal.
Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a
formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1.ª Dinastia, de D.
Afonso Henriques a D. Fernando.
Destacam-se os episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso
Henriques, e o da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D.
Afonso IV.

Canto IV  

Metas: Canto IV – estâncias 84-93;

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Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora a história da 2.ª Dinastia,
desde a revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a Armada de Vasco
da Gama parte para a Índia.
Após a narrativa da Revolução de 1383-85 que incide fundamentalmente na figura de Nuno Álvares
Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo
os relacionados com a expansão para África.
É assim que surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo que D. João II não conseguiu
concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges
apareceram em sonhos, profetizando as futuras glórias do Oriente. Este canto termina com a partida da
Armada, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho
que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.

Canto V

Metas: Canto V – estâncias 37-60;

Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora a viagem da Armada,
de Lisboa a Melinde.
É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados ou
inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e
obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um
monstro, no episódio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a poesia.

Canto VI

Metas: Canto VI – estâncias 70-94;

Finda a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde guiada por um piloto que deverá
ensinar-lhe o caminho até Calecute.
Baco, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que
convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco e soltar os ventos para fazer
afundar a Armada. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo
ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma
violenta tempestade.
Vasco da Gama vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a Deus e, mais uma vez, é
Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as ninfas seduzir os ventos para os acalmar.
Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecute e Vasco da Gama agradece a Deus. O canto
termina com considerações do Poeta sobre o valor da fama e da glória conseguidas através de grandes
feitos.

Canto VII

A Armada chega a Calecute. O poeta elogia a expansão portuguesa como cruzada, criticando as
nações europeias que não seguem o exemplo português. Após a descrição da Índia, conta os primeiros
contactos entre os portugueses e os indianos, através de um mensageiro enviado por Vasco da Gama a
anunciar a sua chegada.
O mouro Monçaide visita a nau de Vasco da Gama e descreve Malabar, após o que o Capitão e
outros nobres portugueses desembarcam e são recebidos pelo Catual e depois pelo Samorim. O Catual
visita a Armada e pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado das figuras das bandeiras
portuguesas. O poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que critica duramente
os opressores e exploradores do povo.

11
Canto VIII

Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe
episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses,
aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e instigando-o através da informação de que vêm com
o intuito da pilhagem.
O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar às naus, mas é retido no caminho pelo
Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhes entregarem as fazendas
que traziam. O poeta tece considerações sobre o vil poder do ouro.

Canto IX  

Metas: Canto IX – estâncias 18-29 e 75-84

Após vencerem algumas dificuldades, os portugueses saem de Calecute, iniciando a viagem de


regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha
dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cúpido desferir setas sobre as ninfas que, feridas de Amor e
pela deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros desembarcam para caçar, veem as
ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele
encontro (prémio merecido pelos “longos trabalhos”), referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a
conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o poeta termina, tecendo considerações sobre a
forma de alcançar a Fama.

Canto X

Metas: Canto X – estâncias 142-144, 145-146 e 154-156.

As ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma invocação do poeta a Calíope, uma
ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao
cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o
império português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal.
O poeta termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a
quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.

= Os  episódios =

Episódios Presentes n' Os Lusíadas

Episódios Mitológicos:
Consílio dos Deuses no Olimpo
Consílio dos Deuses Marinhos

Episódio Cavalheiresco:
Os Doze de Inglaterra

Episódios Bélicos:
Batalha de Ourique
Batalha do Salado
Batalha de Aljubarrota

Episódios Líricos:
A Formosíssima Maria
Morte de Inês de Castro
12
Despedida do Restelo

Episódios Naturalistas:
Fogo de Santelmo e Tromba Marítima
Escorbuto
Tempestade

Episódios Simbólicos:
Velho do Restelo
Adamastor
Ilha dos Amores

  

    Consílio dos Deuses no Olimpo


O consílio dos Deuses no Olimpo é um modo de interligar os deuses com a viagem. Será no Olimpo
que se decidirá “sobre as cousas futuras do Oriente”, tendo sido este consílio convocado por Júpiter, pai
dos deuses.
A disposição hierárquica que é feita nesta reunião apresenta-se de maneira a que os considerados
deuses menores (deuses dos “sete céus”) exponham também as suas opiniões sobre o seguimento ou
não da armada portuguesa em direção ao Oriente.
Júpiter profere o seu discurso, anunciando a sua boa vontade em relação ao prosseguimento da
viagem dos lusitanos e o seu desejo de que estes sejam recebidos como bons amigos na costa africana.
Júpiter diz que, pelo facto dos portugueses enfrentarem mares desconhecidos e também por estar
decidido pelos Fados que os feitos do povo lusitano farão esquecer os dos Assírios, Persas, Gregos e
Romanos, a sua navegação deve continuar.
Após este discurso, são consideradas outras posições, em que se destaca a oposição de Baco uma
vez que este receia vir a perder toda a fama que havia adquirido no Oriente caso os portugueses atinjam
o seu objetivo.
Uma outra posição de destaque é a de Vénus, que defende os portugueses não só por serem uma
gente muito semelhante aos seus amados romanos e com uma língua derivada do Latim, como também
por terem demonstrado grande valentia no norte de África. Já Marte, deus da guerra, defende
igualmente a gente lusitana, porque o amor antigo que o ligava a Vénus o leva a tomar essa posição e
porque reconhece a bravura deste povo.
No seu discurso, Marte pretende que Júpiter não volte atrás com a sua palavra e pede a Mercúrio - o
mensageiro do Olimpo - que colha informações sobre a Índia, pois começa a desconfiar da posição
tomada por Baco.
Este consílio termina com a decisão favorável aos portugueses e cada um dos deuses regressa ao seu
domínio celeste.

       Morte de Inês de Castro


Alterações resultantes da poetização

A morte de Inês é apresentada como o "assassinato" de uma inocente, um crime hediondo.


Não há referências à expulsão do país e à tensão das relações com D. Afonso IV.
Inês é apresentada, sobretudo, como vítima do amor e não das razões de Estado.
Os cavaleiros arrancam das suas espadas e trespassam-lhe o peito.
Dir-se-ia que o coração, como grande culpado, é o primeiro a sentir o castigo. Pretende Camões,
também vítima do amor, dar a Inês uma "morte nobre", isto é, à espada e de frente para os
algozes.

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Camões segue de perto a tradição oral e popular, que já havia inspirado as "Trovas à Morte de
Inês de Castro", de Garcia de Resende e cuja grandeza poética, tipicamente portuguesa, saberá
aproveitar.
A estrutura é marcadamente dramática - podemos mesmo considerar que as principais
características da tragédia clássica estão presentes neste episódio:
 o desenvolvimento de uma ação funesta que culmina com a morte da protagonista,
apresentada pelo poeta como vitima inocente;
 a observação da chamada "lei das três unidades": ação (morte de Inês), tempo (duração
aproximada de um dia) e espaço (Coimbra);
 a inspiração dos sentimentos de terror e piedade, sobretudo através de contrastes: a alegria
e o sossego (120-121) / a súbita desgraça (124-125); a simplicidade frágil e desprotegida de
Inês inocente/a brutalidade dos "horríficos algozes"; a súplica / o castigo às mãos dos
"algozes; a humanização das feras e da natureza / a desumanidade dos homens; a dor da
condenada Inês que implora perdão, rodeada dos filhos, perante D. Afonso IV;
 a intervenção da Fatalidade, do Destino: "Naquele engano de alma ledo e cego/Que a
Fortuna não deixa durar muito" (120, 3-4) e "Mas o pertinaz povo e seu destino/(Que desta
sorte o quis) Ihe não perdoam" (130, 3-4);
 a presença do coro, que se faz sentir nas emotivas considerações do poeta que
acompanham o desenvolvimento da ação: estrofe 119; últimos quatro versos da estrofe
123; e desde os dois últimos versos da estrofe 130 até ao fim do episódio;
 a existência da peripécia (súbita mudança de situação), em vários momentos da acção;
 a catástrofe, constituída pela morte da protagonista;
 a existência de três grandes partes lógicas:
Introdução (estrofes 118-119):
 Definição do momento e das condições em que se deu a morte de Inês (estrofe 118);

 Identificação poetizada da causa dessa morte: "Tu, só tu, puro Amor (…) deste causa à
molesta morte sua" (estrofe 119).

Desenvolvimento (estrofes 120-132):


 Felicidade despreocupada de Inês, em Coimbra, dominada pelo amor correspondido e
pelas saudades do seu "Príncipe" (estrofes 120 a 122, verso 4);

 As causas da morte (estrofe 122, 2ª. parte e estrofe 123):


 as "namoradas estranhezas";
 "o murmurar do povo";
 "a fantasia do filho que casar-se não queria".

 Inês perante o Rei, trazida pelos "horríficos algozes", assume uma atitude suplicante e
prepara-se para implorar o perdão do Rei e avô de seus filhos (estrofes 124-125);

 Discurso de Inês: súplicas e argumentos para demover o Rei da sua determinação


(estrofes 126-129). Este discurso, marcadamente retórico, sobrecarregado com
referências mitológicas e culturais, esquece a situação psicológica desesperada da
personagem e parece destinar-se apenas a manter o "estilo grandíloquo" do poema;
Inês lança mão de argumentos que entende mais convincentes para demover o Rei do
projeto de assassinar:
 a compaixão das "brutas feras" e das "aves agrestes" pelas crianças em contraste
com a crueldade dos homens;
 a sua situação de mãe;
 a sua inocência;
 a orfandade dos seus filhos;
 a condição de cavaleiro do próprio rei D. Afonso IV que, sabendo dar morte, deve
também, saber "dar vida, com clemência";

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 o exílio como alternativa à morte.
 Hesitação do Rei em contraste com a insistência do povo e o destino trágico que
persegue Inês (estrofe 130, versos 1-4);

 Desfecho trágico: imolação da vítima inocente, praticada pelos algozes, que o poeta
logo condena ("… ó peitos carniceiros./Feros vos amostrais e cavaleiros?") e compara
com o cruel assassínio de Policena (estrofe 130, 2ª. parte a estrofe 132);

Conclusão: reprovação do poeta (estrofes 133 e 134), sublinhada pelo pranto


comovente das "filhas do Mondego" e pela animização da Natureza, que chora a
morte de Inês, sua antiga confidente (estrofe 135).

A dramatização, logo na abertura (estrofe 118), tanto do acontecimento como da personagem, de forma
a empresta-lhes uma grandeza trágica, capaz de catalisar emoções e atrair a simpatia do leitor, é feita
através do emprego de numerosos recursos estilísticos.

Recursos estilísticos usados


Adjetivação :
 "o caso triste e dino de memória" (118, 5)
 "a mísera e mesquinha"; "puro Amor, com força crua" (119, 1)
 "molesta morte sua" (119, 3)
 "áspero e tirano" (119, 7)
 "ledo e cego" (120, 3)
 "O velho pai sisudo" (192, 6)
 "Contra üa fraca dama delicada" (123, 8)
 "os horríficos algozes" (124, 1)
 "Mas o povo, com falsas e ferozes razões, à morte crua o persuade. Ela, com tristes e piedosas
vozes" (194, 3-5)
 "Um dos duros ministros rigorosos" (125, 4)
 "Põe-me em perpétuo e mísero desterro" (128)
 "Mas ela, os olhos, com que o ar serena, (Bem como paciente e mansa ovelha) Na mísera mãe
postos, que endoidece, Ao duro sacrifício se oferece" (131, 5-8)
 "Os brutos matadores" (132, 1)
 "Se encarniçavam, férvidos e irosos"; "cândida e bela" (134, 2).

Hipérbole :
 "Que do sepulcro os homens desenterra" (118, 6)
 "De teus fermosos olhos nunca enxuito" (120, 6)
 "E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram" (135, 3-4)

Tempos Verbais:
 Oscilam desde o pretérito perfeito da Introdução (estrofes 118-119), ao pretérito imperfeito do
Desenvolvimento (maior presentificação de uma ação passada, no seu decorrer) e ao presente histórico
(maior visualização do crime cometido) - estrofe 134. Na estrofe 135 retoma-se o pretérito perfeito
inicial e, com isso, a consideração da ação como já passada.

Apóstrofe :
 Nos versos 1 e 5 da estrofe 119 ("puro Amor", "fero Amor"),
 na estrofe 120, verso 1 ("linda Inês"),
 na estrofe 122, verso 3 ("puro Amor"),
15
 na estrofe 127 ("Ó tu…"),
 na estrofe 130, verso 7 ("Ó peitos carniceiros"),
 na estrofe 133, verso 1 ("…ó Sol") e verso 5 ("ó côncavos vales"),
Contribui para acentuar o dramatismo e a vibração trágico-lírica do episódio, quando em associação
com os modos imperativo ou conjuntivo (presente) ("… a estas criancinhas tem respeito"; "Mova-te";
"Sabe"; "Põe-me"; "Vede") para sugerir apelo ou súplica da personagem.

Comparações :
 As estrofes 131, 132 e 134 são também muito expressivas e caracterizam dois momentos
importantes da ação e da personagem: a primeira refere-se à situação de Inês perante a morte e a
segunda descreve-nos a protagonista já depois de morta.
 Nas estrofes 131-132, compara-se com efeito, a execução de Inês pelos algozes com o
assassinato de Policena, filha de Príamo, último rei de Tróia, pelo "duro Pirro", filho de Aquiles. Trata-se
de dois crimes hediondos com vários pontos de contacto;
 Finalmente, na estrofe 134, deparamos com a belíssima comparação da "pálida donzela" já
morta com uma "bonina que cortada/ Antes do tempo foi, cândida e bela" pelas "mãos lascivas" de uma
"menina".

Antiteses :
 Contribuem para realçar o carácter absurdo de alguns comportamentos e, sobretudo, do
sacrifício de Inês:
 "De noite, em doces sonhos que mentiam, De dia em pensamentos que voavam" (121, 5-6)
 "A morte sabes dar com fogo e ferro. Sabe também dar vida, com clemência" (128, 2-3)
 "Contra hüa dama ó peitos carniceiros, Feros vos amostrais e cavaleiros? (130, 7-8)
 De facto, a estrutura do episódio assenta num contraste fundamental entre a felicidade
amorosa de Inês (as "memórias de alegria") e a precipitação trágica dos acontecimentos:
o "A se lograr da paz com tanta glória" (118)
o "Estavas, linda Inês, posta em sossego" (120)
o "Eram tudo memórias de alegria" (120)
o "… engano de alma ledo e cego" (120)
o "doces sonhos que mentiam" (121)
o "Rei benino" (130)
o "contra hüa dama" (130)
o "o caso triste e dino de memória" (118)
o "Tal está morta a pálida donzela" (134)
o "Tirar Inês ao mundo determina" (123)
o "horríficos algozes" (124)
o "pertinaz povo" (130)
o "Feros vos amostrais e cavaleiros?" (130)

Metáfora:
 "No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que depois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No luturo castigo não cuidosos" (132, 2-8)
 "… pensamentos que voavam" (191, 6)

Eufemismo :
 "Tirar Inês ao mundo determina" (123, 1)

Sinédoque :
 "… ó peitos carniceiros" (130, 7)

Paradoxo :

16
 "… üa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la" (127, 2-4)

17
Tempestade
Estado de espírito dos navegadores ao longo do texto - aflição, medo, coragem.
Surgimento da tempestade e sua descrição.
Da tranquilidade passa-se à tempestade (est. 70-71).

grande variedade de adjetivos, por vezes no superlativo absoluto sintético: "cruel… fortíssima…
altíssimos… gritos vãos… furibundo… noite negra e feia… furiosas águas… Relâmpagos
fulminantes… vento bravo as fúrias indinadas!"
sugestão de rápido movimento ascendente e descendente das ondas: "Agora sobre as nuvens
os subiam/As ondas de Neptuno furibundo;/Agora a ver parece que deciam/As íntimas
entranhas do Profundo."
visualismo: "A noite negra e feia se alumia/C'os raios em que o Pólo todo ardia!"
hipérboles: "Noto, Austro, Bóreas, Áquilo queriam/Arruinar a máquina do Mundo;/A noite
negra e feia se alumia/C'os raios em que o Pólo todo ardia!" (est. 76); "Fugindo à tempestade e
ventos duros,/Que nem no fundo os deixa estar seguros." (est. 77)
descrição hiperbolizante da fúria e das consequências da tempestade: "Nunca tão vivos raios
fabricou… Os dous que em gente as pedras converteram" (est. 78), "Quantos montes, então,
que derribaram… Tanto os mares, que em cima as revolvessem." (est. 79), "Assi dizendo, os
ventos, que lutavam… Consigo os elementos terem guerra." (est.84)
reação dos navegadores - tentar, por todos os meios salvar as naus e atingirem o objetivo
proposto: a Índia.
súplica do capitão e o que lhe sucede posteriormente - Vasco da Gama suplica a proteção
divina alegando: a omnipotência divina já várias vezes posta à prova; o facto de a viagem ser
um serviço prestado ao próprio Deus; o facto de ser preferível uma morte heroica e conhecida
em África, a combater a fé cristã a um naufrágio ali, sem memórias.
Uso de uma linguagem apelativa, fática, carregada de adjetivos.
desfecho dos acontecimentos: os portugueses conseguem salvar-se.
existência ou não de um herói e suas razões: sim, Vasco da Gama, que arrosta com a fúria dos
elementos e pede a proteção divina quando tudo parece perdido.
estatuto do narrador: não participante.

       O Gigante Adamastor

18
Cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, chega Vasco da Gama ao Cabo das
Tormentas e é surpreendido por uma nuvem negra “tão temerosa e carregada” que põe nos corações
dos portugueses um grande “medo” e leva Vasco da Gama a evocar o próprio Deus todo poderoso.
Foi o aparecimento do Gigante Adamastor, uma figura mitológica criada por Camões para significar
todos os perigos, as tempestades, os naufrágios e “perdições de toda sorte” que os portugueses
tiveram de enfrentar e transpor nas suas viagens.
Esta aparição do Gigante é caracterizada direta e fisicamente com uma adjetivação abundante e é a
imponência da sua figura e o terror e estupefação de Vasco da Gama, e seus companheiros, que leva
este último a interrogar o Gigante quanto à sua figura, perguntando-lhe simplesmente “Quem és tu?”.
Mas mesmo os gigantes têm os seus pontos fracos. Este que o Gama enfrenta é também uma vítima
do amor não correspondido e a questão de Vasco da Gama leva o gigante a contar a sua história sobre o
amor não correspondido.
Apaixona-se pela bela Tétis que o rejeita pela “grandeza feia do seu gesto”. Decide então, “tomá-la
por armas” e revela o seu segredo a Dóris, mãe de Tétis, que serve de intermediária. A resposta de Tétis
é ambígua, mas ele acredita na sua boa fé.
Acaba por ser enganado. Quando na noite prometida julgava apertar o seu lindo corpo e beijar os
seus “olhos belos, as faces e os cabelos”, acha-se abraçado “cum duro monte de áspero mato e de
espessura brava, junto de um penedo, outro penedo”.
Foi rodeado pela sua amada Tétis, o mar, sem lhe poder tocar.
O discurso do Gigante, que se divide em duas partes de acordo com a intervenção de Vasco da
Gama, compreende, na primeira, um carácter profético e ameaçador num tom de voz “horrendo e
grosso”, anunciando os castigos e os danos por si reservados para aquela “gente ousada” que invadira
os seus “vedados términos nunca arados de estranho ou próprio lenho”.
A segunda parte do discurso do Adamastor tem já uma conotação autobiográfica, pois assistimos à
evocação do passado amoroso e infeliz do próprio Camões.
O Gigante Adamastor diz ainda que as naus portuguesas terão sempre um “inimigo a esta paragem”
através de “naufrágios, perdições de toda a sorte, que o menor mal de todos seja a morte”, a fazer
lembrar as palavras proféticas do Velho do Restelo.
Após o seu desabafo junto dos lusitanos, a nuvem negra “tão temerosa e carregada” desaparece e
Vasco da Gama pede a Deus que remova “os duros casos que Adamastor contou futuros”.
Este episódio é importante, pois nele se concentram as grandes linhas da epopeia. Está presente o
real maravilhoso (dificuldade na passagem do cabo aliada a uma figura mítica), existem profecias
(História de Portugal) e lirismo (história de amor, que irá ligar-se mais tarde, à narração maravilhosa da
Ilha dos Amores). É um episódio de amor trágico, bem como um episódio épico, em que se consolida a
vitória do homem sobre os elementos (água, fogo, terra, ar).

       Ilha dos Amores


O episódio da Ilha dos Amores encontra-se colocado estruturalmente na convergência de todos os
diversos níveis de ação presentes na obra:

19
- a viagem dos marinheiros;
- a intriga dos deuses;
- a visão da História passada e futura de Portugal (e do mundo de então);
- a conceção da estrutura do mundo (cosmos);
- a interpretação filosófica do significado da ação dos homens no mundo;
- a crítica da situação factual da política do tempo de Camões.
Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do verdadeiro Portugal ou
que ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar da recompensa dos homens após o longo
sofrimento, privação e risco da demorada viagem.
Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha faculta aos homens e ao Gama, é feito,
paralelamente, o discurso da revelação da sabedoria histórica e cosmogónica (Cosmogonia - designação
dada às teorias que têm por objeto explicar a formação do Universo
Para além de considerações de carácter esotérico, o que o poema nos dá é de facto a prática e o
apogeu do amor físico como sendo a chave textual para a abertura do conhecimento.
Tais propostas são manifestamente heréticas relativamente às doutrinas, quer neoplatónicas, quer
católicas.

CARACTERIZAÇÃO DA ILHA
Gradação ascendente (crescente)
primeiro a visão geral da ilha;
depois o reino mineral (os outeiros, as fontes, pedras…);
o reino vegetal (verdura, arvoredo, árvores de fruto…);
o reino animal (animais voadores: passarinho, rouxinol; aquáticos: cisne; terrestres; veado,
lebre, gazela;
e finalmente o plano humano (os Argonautas) e o plano divino (as deusas).

Adjetivação expressiva, por vezes dupla : fresca e bela… Curva e quieta… fermosos outeiros… graciosa…
alegre e deleitosa… Claras(…) e límpidas… alvas… A sonorosa linfa fugitiva… ameno… claras… bela…
gentil… odoríferos e belos… lindo… fermosos… virgíneas… amados e queridos… etéreo… purpúreas…
rubicunda… jucunda… roxos… verdes… piramidais… bela e fina…

Hipérboles :

 "Três fermosos outeiros se mostravam,


Erguidos com soberba graciosa."
 "Vinham as claras águas ajuntar-se,
Onde uma mesa fazem, que se estende
Tão bela quanto pode imaginar-se."
Comparação hiperbólica:

 "A laranjeira tem no fruito lindo


A cor que tinha Dafne nos cabelos".

= A  mitologia =

A introdução da mitologia, do maravilhoso pagão, era própria do género épico, só que em Camões a
mitologia greco-latina introduzida ultrapassa a função de simples adorno poético exigido pela regra de
“imitação”.

20
A partir das estrofes 19-20 do Canto I, os planos da viagem e dos deuses vão acompanhar-se sempre,
intimamente relacionados, constituindo, no seu conjunto, a acção central da obra.
A realização deste primeiro Consílio marca o momento exacto em que os deuses são chamados a
intervir, pronunciando-se sobre o futuro dos homens que navegam em mares até então desconhecidos,
num empreendimento novo, extremamente importante, no qual vêm dando mostras de coragem e
valor ao enfrentarem múltiplos perigos. Reconhecendo o valor de tais humanos, os deuses reúnem, a
pedido de Júpiter, para deliberar se devem ou não ajudar os navegadores a encontrar um porto amigo
em que possam repousar e recuperar alento para prosseguirem uma viagem que os Fados haviam já
determinado viesse a ser coroada com êxito.
Gera-se no Olimpo, onde os deuses se reuniram, grande desavença. Dois “partidos” se formam: um,
encabeçado pela deusa do amor, Vénus, que defende que os portugueses sejam ajudados; outro, por
Baco, deus do vinho, que é contrário a tal ajuda. A discussão é violenta, como expressivamente no-lo
descreve Camões na estrofe 35:
     "Qual Austro fero ou Bóreas, na espessura,
       De silvestre arvoredo abastecida,
       Rompendo os ramos vão da mata escura,
       Com ímpeto e braveza desmedida;
       Brama toda a montanha, o som murmura,
       Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
       Tal andava o tumulto, levantando
       Entre os deuses, no Olimpo consagrado."

Marte, deus da guerra e velho apaixonado de Vénus, tem então uma intervenção decisiva em que
incita Júpiter a não voltar atrás com a decisão que já havia tomado de ajudar os navegadores
portugueses:
      "Não tornes por detrás, pois é fraqueza
       Desistir-se de cousa começada"

As razões que movem os diversos deuses na sua tomada de posição são devidamente apontadas por
Camões. Júpiter limita-se a cumprir, ou antes, a fazer cumprir as decisões dos Fados, pois sabe, à
partida, que é inútil lutar contra eles, aceitando-as, de resto, por reconhecer o valor dos lusitanos.
Quanto a Vénus, ela imagina que, ajudando os portugueses, poderá vir a lucrar: eles são
descendentes dos romanos e, portanto, de Eneias, seu filho, de quem herdaram uma língua
latina; são, por outro lado, conhecidos como devotos do amor, de que ela é deusa; prezam
a beleza e poderão vir a promover o culto de Vénus no Oriente, se por ela forem ajudados;

Marte, para além da "ligação" a Vénus, preza o valor militar dos portugueses;

Baco é, de certo modo, o “mau da fita” pois a sua psicologia é complexa: não aceita que os
portugueses venham a ser bem sucedidos no Oriente, vindo, um dia, a superar a sua própria
fama nessas paragens.
Que os portugueses, humanos, o ultrapassem a ele, um Deus, é algo que não poderá aceitar
nunca; tudo fará, por conseguinte, para os liquidar, ainda que numa atitude de revolta
contra Júpiter e os Fados. Porque é, no fim de contas, lúcido, ele intui desde logo aquilo que
mais tarde virá a dizer: se os portugueses chegarem à Índia tornar-se-ão deuses, reduzindo
os deuses à sua dimensão de simples mortais.
Ele, Baco, não poderá consentir em tal inversão de valores, na desordem, no caos, na
situação absurda que representaria uma total subversão da ordem do Universo.

A presença da mitologia acompanhará a partir de agora toda a narração da viagem.


Os deuses serão intervenientes sempre ativos, quer assumindo funções de adjuvantes dos
portugueses, quer de oponentes ao seu êxito.
Estarão no centro da trama que constituirá a verdadeira intriga do poema, e da sua luta dependerão
avanços ou pausas na viagem.

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Sintetizando, a função da mitologia neste poema é a seguinte:

1.     Constituir uma parte importante do maravilhoso inerente aos poemas épicos em geral,
obedecendo pois, a uma regra do género;
2.     Assegurar a unidade interna da acção, pela criação de personagens activas e “humanizadas” que
se contrapõem a personagens humanas, monolíticas e, de certo modo, “desumanizadas”, que são os
navegadores;
3.     Embelezar, pela participação na intriga, uma narração de viagem que se arriscava a tornar-se
demasiado árida e “prosaica”;
4.     Serem os deuses permanentemente autores de referências engrandecedoras dos portugueses,
nomeadamente na formulação de profecias;
5.    Essencialmente, serem pólo de confronto permanentemente com os homens, de modo a que
seja evidenciada a supremacia destes últimos.

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Recursos expressivos
Alegoria - Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente. O
autor pretende, geralmente, apresentar uma verdade moral ou espiritual subjacente à
acção. 
Ex.: A alegoria da Ilha dos Amores (IX), sendo a ilha sinónimo de recompensa e de paraíso.
Aliteração - Repetição de um ou mais fonemas consonânticos para intensificar e aumentar
a expressividade:
Ex.: "Sois senhor superno" (I, 10).
Anáfora - Repetição (de que resulta sobressair o que se repete) de uma palavra ou de um
membro de frase:
Ex.: "Vistes que, com grandíssima ousadia
        Vistes aquela insana fantasia
        Vistes, e ainda vemos cada dia," (VI, 29).

Anástrofe - Inversão da ordem das palavras, antepondo-se o determinante (proposição +


substantivo) ao determinado ou ao complemento do verbo. Neste caso, a inversão é menos
violenta do que no hipérbato:
Ex.: "Qual vermelhas as armas faz de brancas;" (VI, 64).
Antítese - Confronto de dois elementos ou ideias antagónicas, no intuito de reforçar a
mensagem:
Ex.: "Tanto de meu estado me acho incerto,
         Que em vivo ardor tremendo estou frio."
Antonomásia - Utilização de um nome sugestivo, grandioso ou não, em vez do nome
próprio:
Ex.: "O sábio Grego... // O troiano..." (=Ulisses) (I, 3).
Apóstrofe - Apelo do autor, através de interrupções, invocando pessoas ausentes, coisas ou
ideias sob forma exclamativa:
Ex.: "E tu, nobre Lisboa, que no mundo..." (III, 57).
Assíndeto - Sequência de palavras ou frases em que se omite a conjunção e, substituída por
vírgula, condensando várias ideias numa só frase ou verso:
Ex.: "Fere, mata, derriba, denodada" (III, 67).
Assonância - Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas:
Ex.: "As armas e os barões assinalados" (I,1). 
Comparação - Aproximação entre dois termos ou expressões através de uma partícula
comparativa (como), levando à compreensão mais profunda do primeiro termo:
Ex.: "Qual aos gritos…// Tal do rei…" (III, 47-48).

Elipse - Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em conta o contexto:


Ex.: "Agora, pelos povos seus vizinhos, / Agora, pelos húmidos caminhos (II, 108). (Agora,
pergunta pelos...).

Epifonema - Exclamação sentenciosa a concluir uma narrativa ou um discurso:


Ex.: "Mísera sorte! Estranha condição!" (IV, 104).
Eufemismo - Expressão que atenua ou modifica o sentido violento, mau ou desonesto da
narrativa:
Ex.: "Tirar Inês ao mundo determina," (III, 23).
Gradação - Ordenação das ideias em escala crescente ou decrescente:

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Ex.: "Horrendo, fero, ingente e temeroso" (IV, 28) - Crescente.
     "Com mortes, gritos, sangue e cutiladas" (IV, 42) - Decrescente.
Hipérbato - Inversão violenta da posição dos membros de uma frase:
Ex.: "...os duros/Casos que Adamastor contou, futuros" (V, 60).
Hipérbole - Exagero de qualquer realidade para a tornar mais saliente, exagero este que
serve para ferir o pensamento quando tomada à letra:
Ex.: "Que a vivos medo, e a mortos faz espanto,".
Ironia - Exprime o contrário do que as palavras ou frases significam, para que se
compreenda ou a estupidez ou a fraqueza que se pretende castigar após se verificar a
discordância:
Ex.: "Oulá, Veloso amigo, aquele outeiro (...)
      Por me lembrar que estáveis cá sem mim;" (V, 35).

Metáfora - Consiste em designar um objecto ou ideia por uma palavra que convém a outro
objecto ou outra ideia - ligados aqueles por uma analogia. A metáfora é num único, os dois
termos da comparação sem a partícula comparativa como:
Ex.: "Tomai as rédeas vós do reino vosso:" (I, 15).

Metonímia - Substituição de um nome ou de uma ideia por outro termo com que esteja em
íntima relação.
Ex.: "De Portugal, armar madeiro leve" (VI, 52). Madeiro = nau, pois é feita de madeira.
Onomatopeia - Representação auditiva ou visual pelos sons das palavras, além do
respectivo sentido: tentativa de imitação dos ruídos naturais através dos fonemas da
linguagem:
Ex.: "Polas concavidades retumbando." (III, 107).
Perífrase - Expressão por diversas palavras daquilo que se poderia dizer mais concisamente
ou apenas por uma palavra:
Ex.: "Pelo neto gentil do velho Atlante." (=Mercúrio) (I, 20).
Personificação- Atribuição de qualidades, atributos e impulsos humanos a seres inanimados
e a animais irracionais.
Ex.: "Os altos promontórios o choraram," (III, 84).
Pleonasmo - Repetição desnecessária da mesma ideia.
Ex.: "Vi, claramente visto, o lume vivo" (V, 18).
Sinédoque - Consiste em tomar o todo pela parte e a parte pelo todo, o plural pelo singular
ou o singular pelo plural:
Ex.: "Que da Ocidental praia Lusitana" (=Portugal) (I,1).

Sinestesia - Associação de sensações recebidas através dos diferentes sentidos.


Ex.: "As areias ali de prata fina" (VI,9). Visão - prateado; tacto - textura fina das areias.

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