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Lendas e tradições

LENDAS E CONTOS DO ALTO MINHO

Natália Santos
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Índice

Lenda Rio Âncora 3

Lenda da Senhora da Peneda 5

Lenda O Penedo dos Casamentos 6

Lenda da Cabeça da Velha 7

Lenda de Egas Moniz 10

Lenda do Santo Lenho (Grade) 11

Lenda do Juiz do Soajo 12

Lenda Santo Aginha 15

Lenda da Fundação do Convento do Lugar de S. Bento 18

Lenda A Senhora das Neves 19

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Lenda Rio Âncora

No tempo em que ainda não havia nome de Portugal, a Rainha desta terra, que ia desde a Galiza até
Gaia, tomou-se de namoros com um fidalgo marroquino. Chamava-se a Rainha D. Urraca e o mouro
Alboazar. Bem ela afirmava o seu amor ao Rei D. Ramiro, mas o coração fugia-lhe para longe. Um dia
a renegada, perdida de amores, fugiu com o marroquino para um castelo em Gaia. Julgava-se ali
segura e feliz!
O pobre Rei D. Ramiro viu-se sem esposa e sem honra! Tal ultraje e afronta não podia ficar assim.
Temia envolver numa guerra todo o seu exército, aquando a traidora fugisse para mais longe. Por isso
resolveu tomar outras medidas. Vestiu-se de pobre mendigo, e embarcou numa pequena barca, que
foi descendo pela costa até entrar pelo rio dentro. Aí informou-se da presença da mulher. Era
verdade! Eles estavam naquele castelo, em descurada vigilância, entregues à paixão.
Assim, numa noite de breu, roubou a esposa enquanto todos dormiam. Correndo para um navio que
ali estava atracado, subiu pelo mar até um lugar chamado de Gontinhães, na foz de um pequeno rio,
onde atracou para descansar. Aqui chegado, contou aos seus fidalgos e aos seus filhos a traição da
rainha, pedindo-lhes ajuda para dar a melhor justiça, a tão vil ato de sua mulher. Todos ouviram com
muita tristeza a tamanha maldade daquela mulher. O Infante D. Ordonho, com as lágrimas pelos
olhos, disse para seu pai.
- Senhor, a mim não cabe falar, porque é minha mãe! Não digo senão que olheis pela vossa honra!
Mais ninguém ousou dizer alguma coisa ao Rei. Como era noite, foram todos descansar, deixando a
rainha presa, junto com as mulheres que estavam com ela. No dia seguinte foram dizer ao Rei que a
Rainha estava a chorar. Logo o Rei disse:
- Vamos vê-la!
Foram todos os seus conselheiros com ele. Quando chegaram junto dela, perguntou-lhe o rei:
- Porque é que chorais?

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- Porque mataste Alboazar, que era muito melhor do que tu!


Todos ficaram horrorizados com semelhante afronta! O Infante, não querendo acreditar no que
ouvira, só teve tempo para dizer:
- Isto é obra do diabo! Meu pai, o que fareis com ela? Ela ainda vai fugir novamente!
Então o Rei amarrou a esposa traidora a uma âncora e lançou-a ao mar!
Orgulhoso, não a deixou nas mãos do inimigo, mas, ofendido na sua honra, também a não quis para
si.
Abandonando D. Urraca no fundo do mar presa à âncora, regressou D. Ramiro ao seu castelo.
A partir daquele dia, o rio onde tal sucedeu passou-se a chamar Âncora!

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Lenda da Senhora da Peneda

Reza a lenda que enquanto uma criança pastoreava as suas cabras, a Senhora apareceu-lhe em forma de
uma pomba branca voando ao redor dela e, pediu-lhe que dissesse aos do seu lugar da Gavieira para lhe
edificarem naquele lugar uma ermida. A pastorinha foi ter com os seus pais e falou da aparição da
Senhora, mas sem efeito, porque não lhe deram crédito, não acreditando nas palavras dela.

Noutro dia, voltando a pastorinha com as suas cabras por aquelas mesmas paragens, tornou- lhe a
aparecer a mesma Senhora na mesma lapa, não como na primeira vez, em forma de pomba (como ela
referia) mas na forma em que hoje se vê, e lhe disse:

- "Filha, já que te não querem dar crédito ao que eu mando, vai ao lugar de Roussas (que fica na mesma
freguesia de Gavieira) onde está uma mulher entrevada há dezoito anos e diz aos moradores do lugar que
tragam à minha presença, para que ela fique de perfeita saúde, e assim te darão crédito ao que eu te
ordeno."

Assim o fez a venturosa pastorinha, e trouxe a mulher que se chamava Domingas Gregório. Tanto que esta
chegou à vista daquela Sagrada Imagem da Rainha dos Anjos, logo alcançou uma perfeita saúde e ficou
livre e sã de todos os males que padecia, louvando a Virgem Senhora pelo singular benefício que lhe havia
feito.

Nos dias de hoje, são muitos os devotos que louvam a Nossa Senhora da Peneda, tornando-se um local de
peregrinação e culto para milhares de fiéis.

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Lenda O Penedo dos Casamentos

Há muitos solteiros que não desperdiçam a oportunidade de irem até ao "penedo do casamento",
situado no alto da Serra d’Arga e que, segundo a lenda, consegue "arranjar testo para qualquer
panela", tudo dependendo da perícia de quem quer casar.

Os solteiros atiram uma pedra para o penedo para que esta fique em cima dele. Se ela ficar em cima
à primeira, é sinal que casa no prazo de um ano. Se for à segunda, tem que esperar dois anos. E por
aí fora.

Porém, quando os tempos estão difíceis, e o desespero de quem recorre ao penedo aumenta,
ouvem-se com frequência cantar os seguintes versos:

Ó meu Senhor S. João

Casai-me que bem podeis

Já tenho teias de aranha

Naquilo que bem sabeis

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Lenda da Cabeça da Velha

Era uma vez uma jovem chamada Leonor, de rara beleza e dona de fartos haveres.

Órfã de pais, vivia com um tio, D. Bernardo, num pequeno lugar situado na Serra da Peneda, no
Norte português, junto às terras da Galiza.

D. Bernardo, também ele abastado, tinha a sobrinha em muita estima e desejava, para ela, um
casamento feliz mas tardio, para poder beneficiar, até ao fim da sua vida, que prometia ser longa,
pois o fidalgo era, em extremo, robusto e saudável, dos cuidados e carinhos de Leonor.

A jovem, porém, já se havia enamorado de um seu primo, D. Afonso, moço belo e inteligente, com
nobre solar na região.

Conhecia Leonor os propósitos egoístas de D. Bernardo.

Mas o coração negava-se-lhe a acatar-lhe decisão tão cruel.

E, não resistindo ao sentimento que nutria pelo primo, passou a encontrar-se com ele, no mais
rigoroso segredo.

Tinha uma cúmplice, em tais arrebatados encontros.

Era Marta, uma velha serviçal do tio, que, havendo-a criado de menina, tinha por fiel confidente.

Marta alegrava-se de poder apadrinhar o amor dos dois primos, que a enternecia.

Temendo, no entanto, que a criada, pela fraqueza da velhice, alguma ocasião caísse em revelar ao
amo aquela paixão proibida,

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Leonor lembrou-se, gravemente, o mal que atingiria os três, se D. Bernardo soubesse da


desobediência da sobrinha.

Marta indignou-se.

A sua lealdade estava acima de qualquer suspeita.

E afirmou a Leonor:

- Minha ama: se alguma vez vos trair, ou for obrigada a trair-vos, que me transforme em pedra, como
essas dos cabeços, frias e rudes!

Um dia, D. Afonso esperou por Marta, no recato de um ermo, para lhe entregar uma carta dirigida a
Leonor, a rogar-lhe que fugisse com ele, numa noite próxima, libertando-a da tirania do tio.

E, na carta, indicava o lugar aprazado para o encontro dos dois fugitivos.

Ele levá-la-ia para o seu solar e lá casariam na capela que, como em todas as grandes moradias
fidalgas, se lhe avultava à ilharga, sempre florida e cuidada.

Marta recebeu a carta e regressou a casa.

Mas, de repente, saiu-lhe ao caminho, vindo do interior de uma mata, onde se entretinha a caçar, a
figura do amo.

Estranhou ele a presença da serva naquele local tão distante do solar.

E logo uma forte desconfiança lhe assaltou o espírito ao ver, na mão da velha criada, a carta secreta.

Com voz autoritária, exigiu que ela lha entregasse.

Marta procurou resistir àquela ordem que iria fazer a desgraça dos dois jovens e a sua própria.

Mas D. Bernardo teve artes de lha arrancar, lendo-a de seguida, com as feições transtornadas pela
revelação desse amor que ignorava.

Devolvendo, calado, a carta ao terror de Marta, afastou-se num passo incerto.

Marta pasmou daquele silêncio, supondo, porém, que D. Bernardo, pela muita estima em que tinha
Leonor, aceitara, resignado, os sentimentos dos sobrinhos.

E correu a entregar a carta comprometedora à sua querida ama, ocultando-lhe, todavia, o encontro
com D. Bernardo e a sua estranha atitude.

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Na noite combinada, Leonor, embuçada numa capa escura e comprida, escapou-se do solar do tio,
não sem um olhar húmido de saudade, para procurar os braços de D. Afonso e o desejado enlace.

Na sombra, umas sombras seguiam-na ao largo.

Procurando por todas as salas desertas do solar a presença de D. Bernardo e dos criados, Marta
compreendeu, por fim, que o amo não perdoara aos sobrinhos e se dispunha a castigá-los, numa
emboscada vingativa.

Correu, então, quanto podiam as suas pernas cansadas da idade, por desvios, por atalhos a avisar
Leonor e D. Afonso da cilada de D. Bernardo.

Chegou a tempo.

Sem atenção, D. Afonso sentou Leonor na garupa do seu cavalo, e, num galope alucinado, afastou-se
da perseguição do tio e dos seus criados bem armados.

Ao olharem, porém, para trás, para agradecerem a Marta aquela prova de lealdade que lhes salvara a
vida e o amor, apenas distinguiram a rijeza de uma pedra, onde se esculpia a face rugosa da velha
criada: o seu nariz adunco, a saliência do queixo.

A jura de Marta havia-se cumprido.

Feita pedra, a velha parecia despedir-se de Leonor e de Afonso, a cavalgarem já longe, com os seus
olhos cegos, que um manto de musgo começava a cobrir, macio e piedoso.

Lenda de Egas Moniz

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A batalha de Valdevez entre os exércitos de D. Afonso Henriques e Afonso VII de Castela não teve um
resultado decisivo para nenhuma das hostes envolvidas. D. Afonso Henriques retirou-se para
Guimarães com o seu aio Egas Moniz e com os outros chefes das cinco famílias mais importantes do
Condado Portucalense, interessadas na independência.

O monarca castelhano pôs cerco ao castelo de Guimarães mas o futuro rei de Portugal preferia
morrer a render-se ao primo. Egas Moniz, fundamentado na autoridade que a posição e a idade lhe
conferiam, decidiu negociar a paz com Afonso VII a troco da vassalagem de D. Afonso Henriques e
dos nobres que o apoiavam.

O rei castelhano aceitou a palavra de Egas Moniz de que D. Afonso Henriques cumpriria o voto de
vassalagem. Mas um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a
Galiza, dando origem a um dos momentos mais heroicos da nossa história. Vestidos de condenados e
com corda ao pescoço, Egas Moniz apresentou-se com toda a sua família na corte de D. Afonso VII,
em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada.

O rei castelhano, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe e presenteou-o
com favores. Este ato heroico impressionou também D. Afonso Henriques, que concedeu ao seu
velho aio extensos domínios.

Pensa-se que esta terá sido uma estratégia inteligente por parte de Egas Moniz para que o primeiro
rei de Portugal pudesse ganhar tempo. Ao entregar-se, Egas Moniz ressalvava a sua honra e também
a de Afonso Henriques, assegurando através da sua astúcia a futura independência de Portugal.

Lenda do Santo Lenho (Grade)

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Segundo a lenda, na Veiga da Matança, batalha que opôs Afonso Henriques a seu primo Afonso VII
de Leão, foi encontrado uma relíquia sagrada, denominado Santo Lenho, que segundo a fé cristã
crê-se que seja um pedaço retirado da Cruz onde Cristo foi crucificado. Esta relíquia encontra-se na
freguesia de Grade, na Igreja Matriz, num sacrário com duas portas fechado a sete chaves todas elas
diferentes.

Lenda do Juiz do Soajo

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Era uma vez um homem chamado João Congosta que exercia as funções de juiz na vila do Soajo,
situada na aba da serra do mesmo nome, sobranceira ao Vale do Lima.

Isto passou-se há muitos e muitos anos, quando o Soajo era terra notável na defesa da fronteira com
a Espanha, com foral concedido por D. Manuel e pelourinho onde se executava a justiça.

João Congosta era homem inteligente e honesto, admirado pelo povo que lhe aprovava as sentenças,
quase sempre sobre pequenos delitos: o furto de um anho, por ocasião da Páscoa, ou de uns pés de
coives galegas pelos frios de Natal.

Mais sério, as sacholadas por via da mudança de um marco ou desvio de umas águas do regadio.

Mas, um dia, viu-se a braços com um crime grave, que pôs toda a vila em polvorosa: a morte violenta
de um lavrador soajeiro abastado, mandado assassinar por um fidalgo dos Arcos de Valdevez, que lhe
devia um grosso de moedas.

O caso levou seu tempo a resolver, com buscas e interrogatórios dos culpados, falsas juras de
inocência, provas forjadas, o diabo!

Todavia, João Congosta acabou por desdobrar a meada dos enredos e julgar, com saber e severidade,
condenando o fidalgo e os seus cúmplices à pena máxima.

O pior é que o principal criminoso tinha padrinhos na Corte, gente pronta a influenciar El-Rei contra a
sentença do juiz do Soajo, que descreviam como um pobre rústico, estúpido e ignorante.

Impressionado com tais palavras de mentira e de intriga, El-Rei remeteu o caso aos seus juízes que,
por sua vez, convocaram João Congosta para mais perfeitos esclarecimentos.

João Congosta era um homem simples e que apenas uma única vez saíra da sua vila, indo por dever
de profissão, até à vizinha Arcos, sede do seu julgado.

Recebeu, pois, com desagrado, aquela intimação para se deslocar à Corte.

Mas, embrulhado na sua inseparável capa de estamenha usada nas audiências, ala!

Até ao porto de Viana, onde embarcaria para Lisboa, pois a viajem por terra era demasiado morosa e
insegura.

Desembarcado no Terreiro do Paço, a Capital perturbou-o, com o seu ruído, com o seu movimento
de cavalos, bois, carroças e carruagens, gente de tantas raças, envergando os seus trajos tradicionais,

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algum animal exótico, para pasmo popular, e em mercado vivo e colorido, soltando os seus pregões,
exibindo os seus produtos do campo e de além-mar.

Depressa se dirigiu ao Paço Real, magnífico na sua arquitetura, atravessou, com dificuldade, as
barreiras da soldadesca, dos lacaios e dos pajens, chegando, por fim, ao vasto salão, onde o
aguardavam os seus colegas da Corte, comodamente refastelados em solenes cadeirões de
magistrados.

João Congosta procurou o seu, para um descanso, mas, sobretudo, para a tranquilidade de melhor
ponderar e discutir.

Porém, todos eles se encontravam ocupados.

Os juízes da Corte não reconheciam, naquele labroste, vindo do cabo do mundo, sem modos nem
pensamento, o direito à dignidade de uma cátedra.

O juiz do Soajo não hesitou.

Tirou dos ombros a capa das audiências, dobrou-a bem dobrada, num aumento conveniente de
volume, pô-la no chão e sentou-se nela, ficando, assim, ao nível dos colegas, e aguardou que o
consultassem sobre os motivos e a justeza da sua sentença.

Com uma admiração que, pouco a pouco, se ia tornando maior e mais entusiástica, os juízes da Corte
viram que a sua própria experiência e sabedoria, e mesmo a manha com que obrigavam os réus a
contradições e confusões de espírito, nada valiam ante a limpidez de raciocínio, a agudeza dos
argumentos, o brilho da inteligência do parolo das serras, criado no convívio de gente boçal e entre
matagais selvagens.

Terminada a sessão, todos louvaram a sentença de morte dada aos três assassinos, louvando,
também, quem a proferira.

Levantou-se João Congosta e, com uma vénia, aproximou-se da porta de saída.

Então, um dos presentes advertiu-o que havia deixado, por esquecimento, a sua capa de audiências
no chão do salão.

Com voz bem alta e clara, ouvida por todos, João Congosta retorquiu, numa lição ao desprezo de que
fora vítima, ao entrar ali:

- O juiz de Soajo nunca levou consigo cadeira em que se sentou!

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Reconhecendo a grosseria que haviam cometido, os juízes da Corte coraram e baixaram os olhos, de
vergonha.

João Congosta não quis ficar um instante mais em Lisboa.

Tomou o primeiro barco para Viana e não tardou a voltar a gozar a beleza da sua serra, a entregar-se
às obrigações do seu cargo, a receber o respeito e amizade dos seus conterrâneos.

Lenda Santo Aginha

Há muitos, muitos anos, vivia na Serra d’Arga um perigoso salteador de estradas e casais, de seu
nome Aginha. Por entre os arvoredos, caminhos e casas da Serra corria o temor de algum dia ser-se
confrontado com tão perigoso meliante. A sua fama corria por todos os recantos, espalhando um
misto de pânico e admiração. Já ninguém se atrevia a cortar a serra sozinho e, muito menos, de
noite. Contavam-se histórias e histórias dos seus feitos, durante os serões da serra, ao calor das

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fogueiras. Os mais velhos, querendo o respeito e a obediência das crianças, ameaçavam com a
presença do Aginha. Mas estas, depois da repreensão, preferiam brincar recriando as aventuras do
malvado.

Quando menos esperava, o viajante via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão, o
malfadado Aginha! E se não levasse consigo fazenda ou moeda, passava um mau bocado, porque o
assaltante só desistia da presa depois de a esbulhar, nem que tosse da roupa que trazia. Qualquer
gesto de autodefesa era suficiente para a aventura não ficar apenas pelo roubo. Ao maltratar as
vítimas mais intimoratas, Aginha marcava a fronteira do medo, e justificava a impunidade
conquistada. Descia um dia, ainda noite alta, um frade do convento de S. João para a missa da
matina em Arga de Baixo, quando o meliante lhe saltou ao caminho. A escuridão confundiu-se no
hábito do frade. Aginha só reconheceu o homem de Deus quando o confrontou em pleno caminho.
Mas Aginha não era homem de grandes rezas, e seria muito mau para a fama conquistada, se não
fizesse o que sempre fazia nestes casos. Por isso, apontando o grande facalhão ao pobre do frade
atónico, exigiu o salteador:

- A bolsa ou a vida!

A normalidade da sua exigência deu com a anormalidade do caminhante. O frade nem tinha bolsa,
nem se preocupava muito com a vida terrena:

- Ó meu filho, não tenho nada de valor comigo, a não ser as pobres vestes de frade e a cruz que trago
ao peito!

De que lhe serviam tais «trastes»? Nem umas botas ele trazia! Aginha não sabia o que fazer, pois tal
nunca lhe havia acontecido. Vendo-o assim sem jeito e mudo, o pobre do frade lá foi conversando
com o salteador, usando palavras mansas e sábias, às quais, perplexo, o Aginha, sentado agora,
respondeu com um longo silêncio. Ainda hoje ninguém sabe o que o frade lhe disse! O certo é que,
em puro milagre, decidiu abandonar aquela vida de salteador! Caindo aos pés do frade, banhado em
lágrimas de arrependimento, confessou os seus crimes e converteu-se. Como penitência, impôs-lhe o
frade a missão de permanecer na serra, ajudando agora aqueles que antes havia maltratado.

Poucos dias depois, passou por ali um lavrador, decidido a atravessar a serra com um carro de lenha.
Ainda não era noite. Por isso, apesar de receoso, o nosso lavrador foi avançando apressado, como
sempre fazia quando passava por tão mal afamado sítio. Na pressa não reparou numa grande pedra
do caminho que, repentinamente, lhe tombou o carro em tremenda barulheira.

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Não podia o dia ser tão azarado! Como podia aquilo acontecer mesmo ali! Depois de soltar dois ou
três palavrões, sempre olhando em volta, assustado, decidiu o lavrador que a única solução era
levantar o carro e atrelar novamente os animais o mais depressa possível. Mas como podia fazê-lo
sozinho?

O estrondo do acidente atraiu Aginha. Vendo a incapacidade do lavrador, decidiu ir ajudá-lo, e assim
dar cumprimento à penitência prescrita pelo frade.

Quando os olhos do lavrador deram com a figura conhecida do Aginha, sentiu que o sangue lhe fugia
pelas pernas, e, por momentos, ficou petrificado, pois desconhecia a intenção do penitente. Julgava
o lavrador que Aginha vinha para o maltratar, já que não o sabia convertido. Mais refeito da surpresa,
e vendo-o sem guarda, pegou na machada de cortar a lenha, e desferiu-lhe um golpe na cabeça, que
o matou.

Angustiado por tão hediondo crime, apesar de se julgar em autodefesa, arrastou o cadáver para o
matagal mais próximo, e regressou, ainda assustado, à aldeia.

Passados dias, chegou à Serra d’Arga uma ordem do rei que prometia grande prémio a quem
terminasse as aventuras do temível salteador, O lavrador, ao ter conhecimento desta ordem,
desejando fazer-se ao prémio, logo denunciou o seu feito heróico. Porém, chegados ao local onde
tinha lançado o cadáver, povo e autoridades ficaram estarrecidos ao ver o corpo intacto!
Aproximaram-se mais um pouco e, segundo dizem, sentiram que o corpo exalava um suave cheiro de
flores silvestres, não obstante terem decorrido já alguns dias após o trágico desfecho. A estupefação
só ficou mitigada quando souberam, pelo frade, da conversão do ladrão. Imediatamente o povo
aclamou Aginha como santo, construindo ali uma capela em sua honra.

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Lenda da Fundação do Convento do Lugar de


S. Bento

O dono de uma quinta, chamada S. José, recebeu um dia dois frades que lhe foram pedir esmola.
Condoeu-se deles e ofereceu-lhes agasalho na quinta. No dia seguinte, muito comovido pela
desgraça dos frades, que não tinham casa nem dinheiro, perguntou para onde iam; responderam que
ficariam por ali se houvesse quem lhes desse um bocadinho de terra do tamanho de um couro de
boi. O dono da quinta disse que lhes dava ainda mais, o que eles recusaram; só queriam o que
pediam, mas dado com todas as seguranças que a lei oferece para não lhes ser tirado mais tarde. O
dono da quinta fez-lhes doação por escritura do terreno que desejavam, isto é: o tamanho do couro
de boi. Os frades, arranjaram um couro de boi, cortaram-no em tiras muito finas e fizeram com elas o
formato de um boi enormíssimo. O dono da quinta vendo o roubo ficou louco. Os frades fizeram
nesse terreno o convento, que ainda hoje existe, assim como a capela de Santo António, hoje
chamada de São Bento. A quinta do convento, vista de um alto, que a domina, mostra perfeitamente
o formato de um boi. Esta história está descrita com as datas nas matrizes da repartição de finanças
dos Arcos de Valdevez, terra onde isto se deu. A quinta chama-se Quinta do Convento, sita no lugar
de S. Bento.

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Lenda A Senhora das Neves

Há muito tempo, vivia nas fraldas da Serra D’Arga, no local onde hoje está a capela da Senhora da
Serra, um pobre monge, metido na toca de um sobreiro velho, fazendo penitência e rezando pelos
pecados do mundo. Toda a sua atenção ia para Deus, prometendo grandes privações ao corpo, na
comida e na bebida. Vivia o santo do frade sozinho, tendo como única companhia uma pequena
imagem de Nossa Senhora, que carregara consigo do convento de onde viera.
Todos os dias o frade confidenciava com a Virgem os seus pensamentos e as suas orações. Havia-a
colocado num altar improvisado dentro da cavidade onde morava, para melhor a homenagear e
louvar, confiando na sua intercessão para conseguir a purificação total para si, e a salvação para os
homens.
Ora aconteceu que um dia, no maior pico do verão, no mês de Agosto, o frade sentiu uma sede
terrível que lhe afogueava a garganta. Bem queria o pobre do frade aguentar a sede, dando assim
testemunho da capacidade de sofrimento e de penitência com que queria presentear continuamente
a Virgem e seu bendito filho. Mas era de tal forma quente o dia, que resolveu suspender a dura
penitência, para ir ali perto, junto de um fonte bem fresca, apagar a secura que lhe afligia a garganta.
Quando regressou ao seu poiso, notou, com extrema surpresa, que a Virgem já lá não estava!
Entristecido e aflito, pensou logo que a Virgem o tinha abandonado, por não ter resistido à sede.
Ajoelhou-se com o rosto por terra, e suplicou à Senhora:
- Ó Virgem, Santa Mãe de Deus! Perdoai a minha falta de sacrifício! Por amor do vosso Santo Filho,
meu Salvador, não me abandones!

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Nisto, ouviu um grande estrondo! Temeroso do poder de Deus, tapou o rosto com as mãos, até que o
silêncio voltou. Levantou lentamente a cabeça e olhou então para o alto. O sobreiro estava desfeito e
envolto em brancura! Era a imagem da Virgem rodeada de neve, fitando-o com extrema doçura! E se
aquele era um dia esbraseado de Agosto, logo se transformou em dia fresco e acolhedor, que nem a
mais suave Primavera.
Vendo tão grande milagre, pegou o frade na imagem da Senhora, e aí lhe construiu um lindo nicho
de pedra para a colocar. A partir daquele dia começou a chamar-lhe Nossa Senhora das Neves!

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