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OS DETERMINANTES DA EFETIVIDADE DEMOCRáTICA DA

PARTICIPAçãO SOCIAL - CLáUDIA FERES FARIA

O reconhecimento de que o aprofundamento da democracia requer um conjunto de formas


participativas que ampliem as chances de vocalização e expressão de um número cada vez
maior de pessoas, capacitando-os a partilharem autonomamente o exercício do poder
político não é mais uma novidade no Brasil do novo século. Este reconhecimento vincula-
se à crença de que a democracia precisa, para se consolidar, de estar amparada em um
conjunto mde valores democráticos construídos e exercidos mediante as práticas cotidianas
dos atores na sociedade. Neste sentido, para além da constatação da importância da
dinâmica institucional para o fortalecimento de uma determinada democracia, enfatiza-se
também a importância da dinâmica societária por meio da prática de um conjunto de
movimentos, organizações e associações, que possibilitarão a formação de uma cultura
política norteadora de ações capazes de revigorarem, a um só tempo, o sentidos da
democracia e sua arena político-institucional (parlamento, estruturas burocrático-
administrativas etc.).

Do ponto de vista teórico, esta mesma crença está presente nas obras de diferentes autores:
de A. Tocqueville (1977) a R. Putnam (1996), de J. Habermas (1996) a Cohen e Rogers
(1995). Em todas elas, a participação cívica é considerada uma variável importante para a
ampliação e o fortalecimento das democracias, tanto no que diz respeito ao plano
sociocultural, quanto no que diz respeito à dimensão político-institucional.

Em Tocqueville, essa participação se concretiza por meio das associações secundárias de


caráter voluntário, que mediarão a relação entre o Estado e os indivíduos. A ênfase de
Tocqueville sobre a importância destas associações vincula-se ao fato de que elas
estimulam os indivíduos a saírem de suas relações primárias, os educando para uma vida
pública; induzem a formação de uma consciência cívica, deslocando o auto-interesse
imediato em direção à um interesse mais generalizante; cultivam a reciprocidade e a
confiança entre os indivíduos, capacitando-os a desenvolverem tarefas que eles não
realizariam sozinhos. Por isso, a qualidade da democracia liberal constitucional está
intrinsecamente vinculada à qualidade da sociedade na qual ela está inserida, especialmente
do cultivo das virtudes cívicas oriundas dos vínculos associativos nela estabelecida
(Tocqueville, 1977; Warrem, 2001)1

Seguindo os passos de Tocqueville, a literatura do pluralismo americano também atribui


importância às associações intermediárias ao defenderem a existência de uma pluralidade
de grupos de interesses, bem como a formação de uma cultura política robusta que irá
influenciar a performance institucional das democracias modernas (Dahl, 1989; Almond e
Verba, 1963). Putnam (1996) postula, por exemplo, que quando os cidadãos adquirem
capacidades para agirem coletivamente, eles passam a monitorar, participar e pressionar os

1
Os impactos democráticos do associativismo civil não são homogêneos. Muitas das práticas das associações
podem redundar em problemas e não em soluções para o fortalecimento de uma democracia, tornando
necessário, portanto, avaliá-las mediante suas ações cotidianas. Para uma excelente discussão a respeito ver
Warren, 2001 e Armony, 2004.
governos, tornando-os mais democráticos. A participação em associações civis de diversos
tipos pode apresentar, portanto, efeitos democráticos, fato que fortalece os mecanismos
representativos e induz o cultivo das habilidades organizacionais e das virtudes cívicas.

Em uma outra vertente teórica, J. Habermas (1984; 1996), mediante o conceito de esfera
pública, vem reforçar a importância da participação das associações voluntárias e dos
movimentos sociais no fortalecimento da democracia. Este autor acredita que a tematização
e a apresentação em público de novas questões tem um duplo efeito: renovam os potenciais
críticos oriundos da vida privada e ampliam os limites do sistema político e sua pauta de
discussão mediante fluxos comunicativos, que se formam na esfera pública e atingirão os
centros decisórios, influenciarão os tomadores de decisões e conferirão legitimidade as
decisões tomadas. Autores como Cohen e Rogers, (1995); Bohamn, (1996); Fung, (2003),
buscam analisar formatos participativos que poderão promover tanto o debate público –
indutor da formação de consensos e/ou cooperação pública – quanto decisões efetivas,
posto que asseguradas institucionalmente, a partir de fóruns deliberativos.

O padrão democrático de uma sociedade passa aqui a ser avaliado não só pela densidade
cívica de sua sociedade civil ou pela força de sua esfera pública, mas também pela
pluralidade de formas participativas institucionalizadas capazes de inserirem novos atores
no processo decisório destas mesmas sociedades. Acredita-se, com isso, que os atores
societários deverão não só tematizar situações problemáticas e buscar influenciar os centros
decisórios, mas também assumir funções mais ofensivas no interior do Estado, via fóruns
de deliberação pública.

BRASIL

O retorno à democracia no Brasil foi marcado por estas mesmas crenças que vinculam o
fortalecimento da democracia a consolidação das instâncias tradicionais de participação (o
voto, as eleições e os partidos) como também a ampliação de novos canais participativos,
através dos quais os cidadãos brasileiros podem fortalecer seus laços societários e intervir
na formulação e no controle das decisões coletivas. Os movimentos sociais e seus aliados
institucionais buscaram traduzir tal crença em realidade institucional. A Constituição
Federal de 1988 retrata como esta prática social ganhou forma no cenário político
brasileiro. A partir dela, uma nova legislação participativa foi implementada, viabilizando a
abertura de novos canais institucionais de participação. Exemplos paradigmáticos
encontram-se na institucionalização dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas
(Conselhos de Saúde, Criança e Adolescente, Assistência Social, etc.), bem como nos
dispositivos que asseguram a possibilidade de compartilhamento entre cidadãos,
legisladores e gestores públicos das decisões referentes à confecção dos orçamentos
públicos. Entretanto, se a norma legal possibilitou a expansão das formas e dos espaços
participativos por todo território nacional, suas potencialidades inclusivas ainda constituem
uma promessa, dependente de um conjunto de variáveis que as torne uma prática real.
Explorar a importância da presença destas variáveis na constituição de um círculo virtuoso
ente estado e sociedade civil é objetivo deste texto.
Antes, porém, vale a pena falarmos um pouco da participação social no cenário brasileiro
dos anos 90 até hoje.

UM PANORAMA HISTóRICO DA DINâMICA ENTRE SOCIEDADE C I V I L E O


S I S T E M A P O L íT I C O B R A S I L E I R O : D O S A N O S 9 0 A O B R A S I L D O S é C U L O X X I

O espaço público brasileiro vem se tornando, desde a década de 80, mais complexo em
função não só da sua diferenciação quantitativa, dada a emergência de novos grupos, como,
também, em função da sua diferenciação qualitativa, uma vez que se tornou mais
organizado e mais autônomo (Santos, 2006; Avritzer, 2002; Gohn, 1995).

Uma das conseqüências desta transformação pode ser sentida na mudança do próprio
padrão de ação destes atores sociais: de uma postura de negação da institucionalidade
vigente passaram para uma postura mais dialogal, demandando e participando dos diversos
canais participativos que se estruturavam. Neste movimento, além de mudar o perfil e o
sentido da atuação destes novos atores, mudou também os limites do sistema político
brasileiro, que se expandiu. Vários espaços participativos foram, então, construídos na
interface governo e sociedade civil.

Muito embora as diversas tentativas de reformas políticas ocorridas no país intentassem


ignorá-los, dissociando, assim, a sociedade organizada da formulação e do controle dos
projetos modernizantes, os atores sociais e seus aliados políticos conseguiram provocar um
tensionamento público em torno destes projetos. É sob este registro que as anos 90 se
iniciaram.

Esta década assistiu a consolidação paulatina desses espaços participativos que, aliados à
representação política e as formas corporativistas de negociação, assumiram papéis
importantes no cenário nacional, ampliando as chances de vocalização de uma gama
diversificada de atores. Assentadas no novo arcabouço legal inaugurado com a Carta de
1988, as novas formas institucionais de participação, nos diversos níveis da federação,
começaram a ser recorrentemente utilizadas, estabelecendo dinâmicas diferentes entre
Estado e sociedade civil. Neste momento, assistimos à implantação de uma série de
requisitos institucionais para dar prosseguimento ao processo de descentralização política e
a formação de instâncias colegiadas cuja função é auxiliar na formulação, no controle e na
execução das políticas setoriais. Os Planos Diretores Municipais passaram a contar com a
participação dos cidadãos nas suas articulações. Alguns estados passaram a implementar as
Audiências Públicas Legislativas, que abriram espaços para o debate entre os cidadãos e
seus representantes nos legislativos estaduais. Consolidaram-se as formas híbridas de
participação2, como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e de Direitos e os
Orçamentos Participativos. As ONGs se multiplicaram e assumiram novas
responsabilidades. Enfim, a questão da institucionalização da participação passou a ser um

2
No sentido de que eles envolvem, [pelo menos em tese], um partilhamento de processos deliberativos entre
atores estatais e atores sociais ou associações da sociedade civil (Avritzer e Pereira, 2005).
fato explorado tanto na prática, quanto analiticamente. Entretanto, o grau “real” de
influência alcançado pelos atores societários junto ao sistema político, através destas
instâncias institucionais de participação, permanece ainda uma questão em aberto.

O potencial deliberativo dos novos formatos participativos, sua representatividade, a


capacidade e a autonomia de ação dos atores no interior destes formatos, a existência das
assimetrias organizacionais, informacionais e/ou econômicas entre seus atores, seus
diferentes padrões de ação, bem como os diferentes padrões de ação dos representantes do
Estado são questões que ainda persistem, mostrando que se o potencial participativo da
década anterior se traduziu em ganhos institucionais, isso não pressupõe, naturalmente, uma
sinergia positiva entre estado e sociedade civil. Ademais, a introdução destes novos
formatos ocorreu em meio a mudanças profundas na ordem política e econômica brasileira
decorrente da implantação, nas últimas décadas, de novos projetos reformadores da ordem
social.

Os resultados da hegemonia quase total do discurso neoliberal que se consolidou no Brasil


em meados dos anos 90, bem como de sua prática para o dinamismo societário e para os
diversos formatos participativos existentes tiveram conseqüências que valem a pena avaliar.
O modelo de desenvolvimento imposto naquele momento dificultou ainda mais a inserção
destes grupos na vida pública, na medida em que se passou a avaliar o dinamismo
societário ora de forma instrumental, repassando aos atores da sociedade civil
responsabilidades próprias ao Estado, ora como entrave às necessidades de reestruturar o
país mediante os desafios colocados pela sua inserção em uma ordem globalizada3
(Dagnino, 2004;Nogueira, 2004).

Tal fato pode ser comprovado através das análises sobre as funções que os novos formatos
participativos assumiram a partir dos anos 90. Ao analisarem a relação entre os atores
societários que transitavam nestes espaços e os representantes do Estado no governo
Fernando Henrique Cardoso, a literatura sobre o assunto (Tatagiba; 2002 e Teixeira; 2002)
mostra como as promessas inclusivas e democratizantes contidas nas suas normas
regimentais se encontravam ainda em disputa decorrente, muitas vezes, do papel e das
funções que os seus interlocutores institucionais lhes imputam na prática. Assim, por

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O modelo de desenvolvimento adotado, ainda no governo Collor, tinha como eixo central a abertura
comercial ao exterior e as privatizações. Através do Plano Collor I, iniciou-se uma forte intervenção na ordem
econômica e social. Administrativamente, a reforma implementada foi considerada um verdadeiro desmanche
do setor público federal, sem resolver, contudo, o problema financeiro do Estado e piorando a qualidade dos
serviços públicos. Ao assumir o cargo de ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso deu início a um
novo processo de reestruturação do país. A “era FHC” (1993-2002) implementou mudanças de vulto,
principalmente no que diz respeito a reconfiguração do papel do Estado. Diante deste novo cenário, o governo
FHC estabeleceu com os setores organizados da sociedade uma postura pouco dialógica, assumindo uma
prática que ia desde a marginalização e a desqualificação de certos setores sociais até a repressão dos
mesmos. Este governo buscou restringir suas negociações às arenas institucionais por ele escolhidas,
notadamente o Congresso Nacional. Ver Pereira, 1995; Abrúcio e Costa, 1998; Colen, 2001; Nogueira, 2004.
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Ao Programa Comunidade Solidária e à Secretaria Executiva - coordenadora dos programas do governo de
Fernando Henrique Cardoso na área social - couberam a implementação de projetos voltados para situações
de fome e miséria aguda, de emergência e calamidade pública.
exemplo, Teixeira (2002) afirma, ao analisar a relação estabelecida entre certas ONGs e o
Programa Comunidade Solidária4, que este Programa “transferia recorrentemente as
responsabilidades públicas do Estado para as comunidades, famílias e indivíduos
organizados pelas ONGs, bem como selecionava suas parcerias em articulações diretas do
executivo federal com as organizações por ele selecionadas” (pp.122-123). Para tal, as
funções destas organizações mudaram, algumas delas passaram a desempenhar a função de
prestadoras de serviços que, via de regra, eram da responsabilidade do Estado. Assumiam
tais funções em nome da eficiência que apresentavam, mas sem participarem da elaboração
dos mesmos. Tatagiba (2002) analisou a situação ainda frágil que se encontravam os
Conselhos Gestores de Políticas Públicas diante da recusa dos governos em compartilhar
efetivamente a elaboração e a execução das políticas públicas para os quais foram criados
e/ou ampliar a sua gestão.

Tais exemplos chamam atenção para as dificuldades de operacionalização dos formatos


participativos inseridos em um contexto marcado por um projeto político que, embora
enfatizando a importância da sociedade civil, o fazia de forma pouco inclusiva, posto que
não visava um compartilhamento real dos mecanismos decisórios e, conseqüentemente, um
alargamento da cidadania política, mas a uma transferência de responsabilidades,
principalmente em áreas como as referentes à política social.

Um outro exemplo paradigmático foi a operacionalização do Conselho de Desenvolvimento


Econômico e Social (CDES) no nível federal, implantado no primeiro ano do governo Lula
como “um espaço de discussão dos grandes projetos do governo com a sociedade civil”.
Sua composição já aponta para os problemas inclusivos que ele carrega. Como mostrou
Pinto (2004) “a representatividade deste Conselho é problemática em dois sentidos: (1) a
sociedade civil não é representada por suas organizações, mas por pessoas de conhecida
liderança e (2) a escolha destas pessoas é de responsabilidade do presidente, o que não
ajuda em nada a alargar a participação da sociedade civil na representação deste Conselho”
(p. 103).

Aqui vale a pena ressaltar outras variáveis além daquela referente ao contexto político no
qual estes formatos participativos se inserem. Como bem indica Nogueira (2004), “ao
aceitarem participar nos termos colocados e ao ocuparem os espaços propostos, os
movimentos sociais [e os seus representantes] voltaram-se mais para a [tentativa de] gestão
da política do que para a oposição a ela” (p.58). Neste sentido, fizeram uma escolha que,
como todas, tem custos. Diante disto, a questão sobre o que deve guiar as escolhas dos
grupos, quando as oportunidades de acesso aos centros decisórios emergem, torna-se
fundamental.

Este é um tema antigo, discutido desde os anos 60 pela literatura dos movimentos sociais,
em que o cenário político era outro. Em um contexto politicamente fechado, a bandeira
defendida tinha como foco a (re)conquista da cidadania política e a busca pela cidadania
social, ou seja, “o direito a ter direitos”. Hoje, felizmente, o cenário político é outro.
Entretanto, se quisermos estabelecer uma sinergia positiva entre estado e sociedade civil é
necessário que precisemos as variáveis envolvidas na implantação e no desenvolvimento
dos novos formatos participativos, para que eles induzam um processo efetivo de inclusão
política (Avrizter e Navarro, 2003; Ribeiro e Grazia, 2003).

A presença de um conjunto de elementos, como, por exemplo, (1) a descentralização das


decisões públicas, a (2) introdução de fóruns públicos de discussão e deliberação, (3) o
incentivo institucional à participação dos atores organizacional e economicamente menos
favorecidos e o (4) comprometimento dos gestores públicos com o desenvolvimento
virtuoso da modalidade de gestão pública em questão, podem impulsionar o caráter
inclusivo e democratizante das experiências de políticas públicas que envolvem a
participação. Alguns OPs, por exemplo, embora inseridos no mesmo contexto que os outros
experimentos aludidos, se mostraram mais bem-sucedidas em função da presença destas
variáveis.

É interessante observar que as críticas recentes a este modelo de gestão pública municipal,
ou pelo menos aos seus casos mais bem-sucedidos, emergem exatamente quando tais
variáveis deixam de estar presentes. Navarro (2003), por exemplo, chama atenção para os
problemas que a operacionalização do OP de Porto Alegre - a experiência mais virtuosa de
OP citada pela literatura nacional e internacional – enfrentou nos últimos anos. Segundo o
autor, depois de anos, o OP em Porto Alegre se encontra dominado por uma elite partidária
e suas bases organizadas na sociedade que o impede de se desenvolver e atingir novos
grupos. Neste sentido, a burocratização de suas instâncias decisórias e a rotinização de suas
regras, sem o devido cuidado com o monitoramente deste processo, vem transformando o
OP-POA em uma estrutura politicamente menos inclusiva.

Conseqüentemente, a participação nesta forma de gestão pode tornar-se muito mais


simbólica do que efetivamente inclusiva. A disseminação de movimentos, associações e
grupos organizados no Brasil, assim como das formas institucionais de participação
construídas na interface entre sociedade civil e Estado no país apontam, claramente, para a
complexificação da sociedade brasileira como um todo e de seu espaço público em
particular. Atentar para esta complexidade significa perceber as múltiplas relações que se
estabelecem no interior deste espaço, assim como da relação deste com o sistema político,
nos obrigando a refletir sobre o(s) tipo(s) de relação(ões) estabelecida(s) entre os atores
organizados da sociedade civil e o Estado. Por isto estamos propondo avaliar um conjunto
de variáveis que podem ajudar a tornar esta relação politicamente mais efetiva.

OS DETERMINANTES DA EFETIVIDADE
DEMOCRáTICA DA PARTICIPAçãO SOCIAL

Elencou-se aqui 5 variáveis consideradas importantes para tornar a participação social uma
ferramenta democratizante e inclusiva nas sociedades modernas. Obviamente que tais
variáveis não esgotam as possibilidades existentes, somente abrem o debate. São elas:

1) perfil associativo dos municípios (Baierle, 1992; Avritzer; 2002);


2) tipo de política pública envolvida (Luchmann, 2005);
3) vontade e/ou envolvimento político do gestor (Abers, 1998; Faria, 2005);
4) capacidade financeira do município (Silva, 2003; Pires, 2003);
5) formato institucional que tais inovações assumem (Luchmann, 2002; Fung,
2003).

A disposição do governante em tornar determinadas promessas institucionais em políticas


inclusivas efetivas é fundamental. É possível afirmar que os resultados inclusivos
alcançados pelo OP decorrem em muito da disponibilidade do gestor público em transferir
sua prerrogativa decisória para os públicos que dele participam. Essa decisão acaba
envolvendo a administração cujos atores, ou parte deles, se mobilizam para implementá-la.
Neste caso, uma “sinergia estadosociedade” se estabelece, diminuindo, assim, os riscos
decorrentes de uma ação colonizadora por parte do Estado.

A análise dos Conselhos (Tatagiba, 2000) aponta para o fato de que quando esta variável
está ausente ou quando ela não é efetivada em ações concretas, como no caso do PPA
(Faria, 2007a), o risco de cooptação ou de desmobilização dos atores societários pode
tornar-se uma realidade. Neste caso, as políticas públicas participativas deixam de ser
indutoras de uma inclusão política mais ampla, servindo tão somente para cumprir os
requisitos legais ou promessas de um discurso sem conteúdo prático.

Esta questão nos remete também ao problema da institucionalização das práticas


participativas. Sabe-se que a luta por esta conquista institucional foi travada na própria
sociedade, em parceria com os representantes públicos comprometidos com a ampliação da
participação social no processo decisório brasileiro. Entretanto, a exigência legal desse
procedimento participativo não foi suficiente para torná-lo uma prática participativa efetiva.
Novamente, a análise dos Conselhos nos mostra que a positivação do direito não garante,
por si só, a efetividade inclusiva. Embora institucionalmente garantidos, a inexistência de
um partilhamento na definição das políticas que representam, a ausência de simetria entre
os atores do Estado e da sociedade no que diz respeito à construção de uma pauta conjunta
de discussão e a ausência de qualquer disposição por parte do poder público de capacitar os
atores sociais para participarem de forma mais igualitária mostram, claramente, a
resistência de determinados gestores públicos em partilharem o poder com os conselheiros,
inibindo, assim, a inclusão política dos mesmos na definição dessas políticas. A análise das
próprias normas que balizam o funcionamento destas instituições participativas já apontam
os limites deliberativos que elas comportam (Faria, 2007b).

Parte do sucesso de alguns OP(s) reside, a meu ver, em uma postura diferenciada daquelas
que balizam os Conselhos e a experiência do PPA (2003- 2006). Os casos mais bem-
sucedidos desta política apontam para o fato de que a presença dos fóruns, a universalidade
da participação, o incentivo à participação e à organização dos atores menos favorecidos, a
disponibilização dos recursos, a auto-regulação do processo, bem como a criação dos
mecanismos de controle e prestação de contas tornam esta política uma proposta inclusiva
muito mais real do que aquelas formalmente legalizadas.

Obviamente que a legalização dos canais participativos foi importante para que a vontade
política dos gestores pudesse se manifestar, bem como para que os cidadãos pudessem
demandar sua efetividade prática. Nessa medida, estas duas variáveis se reforçam, assim
como a presença de um ambiente marcado por um padrão associativo forte, através do qual
os atores societários adquirem uma consciência maior de seus direitos. A presença desse
conjunto de variáveis, portanto, nos auxiliam na determinação das chances inclusivas das
propostas participativas em jogo no cenário brasileiro.

É claro que diferentes políticas públicas demandarão formas de participação diferentes.


Alguns setores não contam com uma tradição participativa, e nem possuem formas de
induzirem esta participação. Vejamos, por exemplo, o caso da Saúde, onde existe um
movimento participativo importante que remonta à década de 70, além de dispositivos
institucionais que vinculam o repasse de verbas da sáude para a criação dos Conselhos
Gestores, induzindo a formação dos mesmos. Cabe citar novamente o Orçamento
Participativo, que propõe discutir, com regras claras, a distribuição dos recursos
orçamentários de um determinado município. Em algumas áreas, tanto a tradição
participativa, como um incentivo maior ao funcionamento dos espaços participativos
precisam ser efetivamente criados. Por isto a capacitação dos atores envolvidos deve ser
constantemente estimulada, uma vez que o objetivo final é a democratização das políticas
públicas em particular e da sociedade brasileira em geral.
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