Caro Marcelo:
Sobre inutilidade do diálogo. Bom, eu quero dizer que não nos comunicamos
nunca (nem mesmo agora, nem mesmo no seminário) na medida em que tudo o que
digo é colocado por você num contexto estranho (o que é inevitável); nesse contexto,
cada um faz o que quiser com a fala do outro e, nesse sentido, tira proveito, e por isso
não é “inútil”; mas a utilidade de um conteúdo é derivado da sua inevitável deturpação;
por isso, argumentos de outros participantes (como Eder Wen), que dizem que o diálogo
é frutífero porque fez com que ele escrevesse um e-mail que não teria escrito,
confundem o proveito que sempre tiramos da deformação das ideias do outro, e a
comunicação, que seria o entendimento do que a outra pessoa queria realmente dizer;
creio que o proveito está em função direta da in-comunicação; tiramos proveito de in-
comunicar-nos.
Isso eu diria também a propósito do que você chama “uma transformação de si”:
trata-se de uma transformação, mas talvez baseada em algo que eu não disse, ou que
disse querendo dizer outra coisa. Já me encontrei na rua com pessoas que me dizem que
mudei as suas vidas por ter dito X, sendo que eu jamais disse X; sendo que eu disse o
contrário de X; Mudei a vida dessa pessoa? Talvez; Nos comunicamos? Não. E este
mesmo processo está acontecendo neste preciso instante, quando você está lendo esta
mensagem. Assim, não acredito na tua frase a propósito do final teatral do seminário
(“E, no entanto, houve comunicação!”). Em absoluto. Houve interação, e desviada,
indireta, atrapalhada, deturpadora e cansativa. Não acredito que a interação aprimore a
relação entre seres fadados a um grau de incomunicação; a interação pode desgastar,
impacientar, criar úlceras, criar inimigos, entediar. E quando os graus de incomunicação
são quase absolutos – como em nosso seminário – é terrivelmente desgastante; não me
sinto nada aprimorado após essas lutas todas. Por que continuo a fazê-las? Isto eu vou
esclarecer na minha resposta ao Eder.
Não pensei muito mais nesse assunto, mas, certamente, não deveríamos ficar
pensando em ter filhos apenas para educá-los negativamente; uma educação negativa
progenitora é tão excessiva e supérflua quanto uma afirmativa, talvez porque, no fundo,
não pode existir uma educação totalmente negativa; pelo contrário, como já escrevi em
algum lugar, diante de um filho já nascido não tenho mais direito de negar o mundo
radicalmente: eu tenho que dar um mundo para ele. Nesta trilha, uma “educação
negativa” seria quase uma contradição. Então, para usar as tuas expressões de outro e-
mail teu, a educação negativa poderia ter sentido "entre dois sobreviventes", nenhum
dos quais é culpado da existência do outro; como na relação usual de professores e
alunos; eu penso que a maioria dos professores são também pais, e levam para a sala de
aula algo da sua atitude paterna; mesmo não sendo assim, parece-me que os professores
tentam construir um mundo para seus alunos, apresentar-lhes um futuro afirmativo
“apesar de tudo”; eu, pessoalmente, prefiro apresentar-lhes o tudo do pesar.
Marcelo, muito obrigado por estas tuas epifanias através dos anos; abraços sem
saídas, Julio Cabrera.