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Os

Arautos dos Anciões:


A caça a Orgoth
Por Leonardo Schabbach

1
Este arquivo contém alguns capítulos do primeiro livro da série “Os Arautos dos
Anciões”. Espero que os leitores possam ler a obra, conhecer e se interessar em ler
mais, além de bater um papo comigo pelas redes sociais ou pela newsletter.

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Notas sobre o livro e o projeto
(Importante)

Este é um projeto que busca trazer uma série de curtas aventuras de fantasia de
modo serializado, tendo como inspiração o sistema de RPG de Dungeons & Dragons.
Por este motivo, busquei utilizar uma forma narrativa que seja bem imersiva e que seja
capaz de fazer com que o leitor sinta-se dentro do combate.
Optei também por manter alguns dos nomes em inglês, como bugbear, tiefling
e morningstar (uma arma, estrela-da-manhã) por achar que funcionariam melhor na
narrativa, até mesmo por muitos desses nomes serem utilizados desta maneira pela
maioria das pessoas que acompanham RPG.
Fora isso, espero que você, leitor, goste da aventura. E que esteja disposto a ler
mais! A ideia é lançar essa série de livros pela Amazon. Portanto, seria muito
importante que quem gostasse pudesse deixar sua avaliação.

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– Capítulo 1 –
Na Trilha da Caça

Eles caminhavam cautelosamente por entre a folhagem exuberante da famosa


Floresta de Wyrm. O cheiro verde e inebriante da vegetação se misturava ao suor que
escorria por seus rostos. A respiração era pesada, mas contida. A mata era densa e
estranhamente silenciosa, deixando os quatro aventureiros em uma penumbra leve e
inquietante. A flora, ainda assim, mantinha-se viva, exalando uma forte umidade, cujo
calor intenso e sufocante desafiava a resistência até do mais destemido dos grupos. Os
quatro, por isso, esforçavam-se em permanecer perfeitamente escondidos enquanto
avançavam, protegidos dos ouvidos e dos olhares de monstros e de predadores.
A floresta, afinal, não era apenas famosa por sua rica variedade de fauna e de
flora, mas também pela presença de bandoleiros e de criaturas vis, que buscavam atacar,
furtar e, até mesmo, devorar os viajantes mais incautos. Era um local perigoso –
lendário, alguns diriam, já que antigas histórias falavam de um poderoso Dragão que
por muito tempo vagara por ali, escondido... matando e dilacerando.
Isso, no entanto, ficara no passado, um evento quase esquecido em um período
distante. O lugar, agora, era muito mais habitado, sendo abrigo para as mais diversas
criaturas, com os mais diversos objetivos e alinhamentos. Gralanan, o meio-elfo de
longos cabelos negros e de olhos verdes e profundos como a própria mata, sabia bem
disso. Apesar de sua juventude, já fora aceito no secreto círculo dos druidas. Era jovem,
mas extremamente sábio e prodigioso – e isso muito se devia à sua infância trágica, que
o forçara a aprender a se virar nas matas para sobreviver. Naquele mesmo local por
onde agora passavam, sua família fora atacada e morta por um bando de salteadores. Ele
sobrevivera, contara com a ajuda de Cardak, um elfo ancião que o preparara para se
tornar o mais jovem druida do caminho dos Deuses Antigos.
E, neste momento, ele marchava... marchava com sua capa cinzenta, com sua
armadura marrom, de um couro batido já desgastado, e com o seu velho cajado de cedro
e cipó retorcidos. Ele avançava junto de seus companheiros para impedir mais mortes e
mais injustiças, para tentar reequilibrar as forças do continente.
Dois dias antes, a pequena vila de Lorenz, onde seus companheiros moravam e
trabalhavam, fora atacada por uma tribo de orcs bárbaros, conhecida por invadir, pilhar
e destruir diversas vilas do reino em nome do cruel deus Razog, um monstruoso orc de
pele branca e de olhos vermelhos, o Primeiro, como muitos afirmavam, tendo sido o
originador de toda a raça.
A pequena vila ficara devastada. O fogo se espalhara por todos os lados, crianças
gritavam e choravam; e os corpos dos poucos guardas se contorciam em agonia no chão
enquanto deixavam escapar o choro de desespero e os gemidos de dor daqueles que
estão prestes a morrer. No entanto, pior do que isso, para Gralanan, era o desequilíbrio.
Mais uma vez, forças terríveis se movimentavam e quebravam a harmonia daquele
local, a conexão entre homem, ordem, caos e natureza. Para ele, isso não podia ser
tolerado. E, por isso, punha-se à caça da tribo de orcs junto aos seus companheiros de
batalha, com a certeza de que eles quatro conseguiriam... de que aquele grupo de

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aventureiros, no qual se incluía, seria capaz de caçar e de destruir aquela maldita tribo.
Ele se sentia cada vez mais forte – e isso o deixava extremamente confiante. Somente o
poder da natureza, o seu poder, poderia trazer equilíbrio àquela região.
Agora focado e resoluto, invocou um poderoso feitiço com um rápido
movimento de mãos. O grupo, naquele momento, seguia por uma parte ainda mais
densa da floresta. Eles podiam sentir o poder de Gralanan os protegendo, alterando
levemente a realidade para os ocultar em meio à mata. Era uma sensação estranha. Era
como se as sombras das árvores se movessem levemente para ocultá-los, como se a
própria folhagem abrisse caminho, prevenindo ruídos e fazendo temporários
esconderijos.
Thukk, um meio-orc gigantesco, de pele acinzentada, com mais de dois metros
de altura e músculos sólidos como pedra, achava tudo isso muito confuso. Ele realmente
não compreendia a magia – e não fazia questão disso. Mas, por mais assustadora que ela
fosse, podia sentir que o que Gralanan fazia possuía um tom mais neutro, até bom,
diferente de outros poderes mágicos que vira durante a sua vida. Era uma energia mais
neutra do que os poderes de Quest, por exemplo, o tiefling bruxo, de estatura mais
baixa, bastante esguio e carismático, que também os acompanhava, em sua busca por
destruir alguns artefatos mágicos demasiadamente sombrios e poderosos. Mas o que
esperar de um ser que, apesar do aspecto quase humano, possuía a pele vermelha dos
demônios, rabo, chifres e cabelos brancos como a lua? Era nisso que o meio-orc sempre
pensava. Havia algo em Quest que o assustava. E Thukk não gostava disso, por mais
que lutassem juntos.
- Você tem certeza de que essa coisa que tá fazendo vai esconder a gente? – ele
indagou, enquanto olhava de soslaio para Gralanan e continuava a se mover
furtivamente pela floresta. Sua armadura de couro, com apenas uma placa de metal no
peito, típica dos bárbaros, sequer fazia um rangido. E o gigantesco machado de ferro
liso e sem adornos que segurava em suas duas mãos se mantinha preparado, como que
esperando para experimentar o gosto do sangue de seus inimigos.
O druida apenas sorriu, com sua confiança costumeira.
- Mas é claro. Eu garanto.
- E se nada funcionar, eu os protejo – sussurrou Allen Cedric, o paladino que
seguia pouco mais à frente. Ele era, inclusive, um dos grandes motivos para que a
poderosa magia de Gralanan fosse necessária. O homem, de quase dois metros de altura,
vestia uma pesada armadura de placas completa, que lhe dava um aspecto agressivo e
intimidante. Na mão direita, empunhava uma maça de prata belíssima, que emanava
uma sutil aura de magia e de poder. Na mão esquerda, como seria de se esperar,
repousava o seu escudo sagrado, um artefato metálico retangular, muito bem forjado,
que possuía um símbolo um tanto quanto singular: três colunas encrustadas em ouro
bem em seu centro, cada qual nos vértices de um triângulo imaginário. Elas
representavam o deus Khalar, o arauto da redenção e da paz, um deus considerado
morto fazia séculos, mas que, de uma forma estranha e surpreendente, alimentava a fé e
a aura do paladino. E tanto equipamento, naturalmente, fazia muito barulho. Mas tudo

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valia a pena, pois Allen Cedric era um combatente feroz, que sabia fazer coisas incríveis
no campo de batalha.
- Eu sei. Eu confio em você, amigo. Só não se afaste muito, preciso desse seu
escudo... – Thukk riu. E, neste momento, ele e Cedric trocaram um rápido, porém
significativo, olhar. Ambos confiavam extremamente um no outro, eram como irmãos.
O meio-orc devia sua vida àquele homem; ele era seu único e verdadeiro amigo. E o
paladino era muito grato a Thukk, pois o bárbaro lhe mostrara que era possível acreditar
na piedade e na redenção. Eles eram extremamente diferentes e, ao mesmo tempo, eram
também muito parecidos: amavam a vida e também os campos de batalha.
- É você quem está sempre correndo na frente e não me deixa protegê-lo – Allen
Cedric retrucou, sorrindo por de trás de seu elmo, que lhe cobria a boca, deixando
apenas seus olhos perspicazes e determinados visíveis.
- Nah... você que é muito lerdo! – o meio-orc rebateu, com uma expressão
descontraída e despreocupada. – Vocês pensam demais.
- Shhhh... vocês estão ouvindo isso? – Quest perguntou, colocando o indicador
da mão esquerda em riste para chamar a atenção dos seus companheiros. Em seguida,
com a mão direita, sacudiu levemente as mangas de sua armadura de couro negro e
afastou, com todo o cuidado, as folhagens para olhar mais à frente.
- Sim... – Gralanan respondeu, em um sussurro quase inaudível – Escuto algum
tipo de discussão. Dois... não, quem sabe três... você... você vê alguma coisa?
- Sim – disse Quest, enquanto cerrava os olhos. – Vejo três criaturas, duas
conheço bem, são hobgoblins. A outra se parecesse com um hobgoblin, mas é maior.
Demos sorte de eles não terem nos ouvido - ele finalizou, olhando de esguelha para
Thukk e Allen Cedric. Guerreiros... ele pensou, sempre fazendo um estardalhaço.
- Hmm... maior que um hobgoblin... deve ser um bugbear então... – retrucou o
druida.
Os quatro se abaixaram ao lado de Quest para observar melhor a situação.
Gralanan sorriu, assim que constatou que suas previsões estavam corretas. Como
sempre, ele pensou. E isso o divertia.
No centro de uma grande clareira, em formato quase oval, eles conseguiam
avistar as ruínas do que provavelmente fora, em um tempo longínquo, um posto de vigia
– ou então a torre de algum grande mago. Apenas o muro mais próximo deles, porém,
mantinha-se parcialmente de pé; o resto se resumia a pedras desmoronadas que
formavam um grande círculo. No alto deste muro, que devia ter cerca de três metros de
altura, punha-se de cócoras um dos hobgoblins, uma criatura de tamanho humanoide,
porém com a pele de um vermelho-alaranjado, aparentemente mais dura do que a de um
humano. As orelhas e os dentes eram pontudos. Os olhos eram amarelados; e os
cabelos, compridos, eram de um castanho escuro que lembrava terra molhada. O corpo
ficava protegido por uma espécie de armadura rústica de metal, já bem castigada pelo
tempo. Na cintura, carregava uma cimitarra velha e enferrujada. Na mão esquerda, uma
besta, pronta para atirar.

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Do topo da construção, ele olhava para todas as direções, como que tentando
detectar a presença de possíveis inimigos. Mais abaixo, logo onde o muro em ruínas
terminava, um outro hobgoblin, de aspecto bem similar, porém de maior tamanho,
apoiava as costas em uma grande pedra e preparava algo em um pequeno caldeirão
cuidadosamente colocado em uma fogueira à sua frente.
Quase fora do campo de visão, dentro do círculo de pedras que delimitava a
antiga torre, era possível ver ainda uma terceira criatura, bem maior do que as outras
duas, porém também com uma aparência goblinoide. A diferença era sua visível maior
força e os pelos, como os de um urso, que lhe cobriam o corpo. Era uma criatura tão
grande que a armadura de ferro protegia apenas algumas partes de seu torso, braços e
pernas. Ao seu lado, repousava um enorme tacape de madeira com espinhos na ponta,
uma espécie de mornigstar improvisada.
- Ughhh – o bugbear rosnou para os dois hobgoblins. Depois, emitiu mais alguns
sons guturais em uma língua que nenhum dos quatro aventureiros compreendia. Ele
parecia muito irritado. E era certamente o líder daquele pequeno grupo.
- Hmmm, vamos atacar – afirmou Thukk, já se preparando para levantar,
sentindo a fúria da batalha crescer dentro de seu corpo, ativando cada vaso sanguíneo...
cada artéria... cada músculo...
Em um ato reflexo, Allen Cedric o puxou pelo pulso do braço direito, forçando-o
a se manter abaixado.
- Calma, Thukk. Precisamos de um plano – o paladino afirmou, ainda mantendo
sua voz no tom mais baixo possível.
“Silêncio”, uma voz soou na cabeça de todos. Imediatamente, Allen Cedric,
Thukk e Gralanan se voltaram para Quest. Ele já fizera aquilo antes; uma espécie de
comunicação telepática, um poder extremamente útil cedido a ele por alguma divindade
antiga. “Vamos nos comunicar assim”.
“Tudo bem, mas eu não gosto quando faz isso”, respondeu Thukk, contrariado.
“Não gosto de ninguém na minha cabeça, bruxo. Isso é magia negra”.
Uma espécie de riso telepático vindo de Quest pareceu percorrer a mente do
grupo.
“Certo, Thukk. Mas é necessário. Então, qual é o plano”, o tiefling perguntou.
Enquanto isso, o bugbear, que parecia irritado com seu comandado, levantou-se
vigorosamente, pegando seu enorme tacape de madeira. Ele urrava naquela mesma
língua estranha de antes e crescia em tamanho ao se aproximar violentamente do
hobgoblin sentado em frente à fogueira. Era uma criatura que realmente intimidava.
“Ainda posso controlar minha magia”, disse Gralanan. “Com ela, eu e Thukk,
creio eu, podemos dar a volta na ruína e nos aproximarmos sem sermos vistos”.
“Ok”, concordou Allen Cedric. “Vocês vão. Eu e Quest esperaremos para
atacar por este lado”. Os outros três apenas fizeram um aceno de sim com a cabeça.
Era hora de agir. E eles adoravam esta parte.

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Com muito cuidado, Gralanan e Thukk correram nas pontas dos pés até a parte
de trás da antiga e destruída torre, aproveitando a distração momentânea causada pela
fúria do bugbear. Allen Cedric e Quest mantinham-se abaixados, apenas com a cabeça
de fora para observar a movimentação. Ao longe, mal conseguiam visualizar os
companheiros, mesmo sabendo o caminho que eles fariam. De onde estavam, era como
se a mata se levantasse, como se a própria realidade fosse modificada, fazendo com que
o druida e o bárbaro não passassem de um borrão verde na floresta: um borrão verde
que também não deixava rastros.
“Não se preocupe, Cedric, eles vão conseguir”, afirmou Quest, telepaticamente.
“Eu sei... mas temos sempre que estar atentos. Não deixarei que nenhum de
vocês pereça sob a minha proteção”, o paladino respondeu.
Enquanto isso, Gralanan e Thukk aproximavam-se pela retaguarda.
Esgueiravam-se hábil e suavemente pelo interior da torre em ruínas, pulando sobre
grandes e pequenas pedras, evitando por pouco, em muitas ocasiões, tombos que seriam
fatais para seus planos. A terra cedia vagarosamente sob seus pés e, no entanto,
praticamente nenhum rastro se tornava visível; a respiração aos poucos acelerava, o suor
escorria, os músculos tensionavam, preparando-se para o pior. Mais um pouco e
estariam próximos o suficiente para atacar. O bugbear ainda gritava e ameaçava o
hobgoblin que se sentava à frente da fogueira, aterrorizado. Ele se encolhia contra a
pedra que apoiava suas costas, tremendo e temendo por sua vida.
Gralanan, então, deu um salto para frente, para se afastar o suficiente de Thukk,
enquanto dava um enorme grito de guerra:
- Sintam a ira da natureza, o poder do trovão!
Assim que proclamou as palavras, o druida, ainda no ar, levantou seu cajado
com sua mão direita. Imediatamente, uma energia poderosa e estranha percorreu todo o
objeto. O hobgoblin que estava de guarda em cima do muro se virou, pronto para
utilizar a sua besta, mas já era tarde demais. Gralanan golpeou o chão violentamente
com a ponta inferior de seu cajado. Imediatamente, uma onda sonora terrível, com o
som de um grande trovão, reverberou por cada centímetro da ruína, levantando poeira e
destruindo completamente algumas pedras menores. O barulho foi ensurdecedor. E se
espalhou por muitos metros floresta adentro, forçando alguns pássaros a levantarem voo
assustados.
A onda de choque atingiu as três criaturas em cheio. O hobgoblin vigia, que já
estava a ponto de atirar, tomou o impacto no peito e foi jogado para trás, despencando
de três metros de altura e caindo com as costas chapadas no chão. O ar fugiu de seus
pulmões, e a dor foi lancinante, mas ele era uma criatura forte e sabia que ainda poderia
se levantar. O gigantesco bugbear foi apenas jogado para trás, chocando-se fortemente
contra o muro. Já o outro hobgoblin, até então sentado ao lado da fogueira, viu o pote
que cozinhava ser atirado contra si. O líquido borbulhante voou em seu rosto, cegando-o
imediatamente, ao mesmo tempo em que corroía a sua pele, deformando a face,
queimando e causando feridas horrendas nos olhos e nas bochechas. Ele gritava em
desespero. E chorava sangue.

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- Malditos... – o bugbear rosnou e se preparou para atacar.
Neste exato momento, porém, Thukk veio numa arrancada, saltou por cima de
uma grande pedra, colocando seu gigante machado de guerra sobre sua cabeça, e desceu
em um ataque mortal, utilizando todos os músculos de seu poderoso corpo. A
gigantesca criatura percebeu o ataque em tempo, deslizou para o lado e desviou o golpe
com o seu tacape. As armas tilintaram ao se chocarem, num barulho horrendo, e o meio-
orc cravou o machado na parede, deixando escapar um sorriso:
- Até que enfim um bom inimigo... – ele sussurrou.
O bugbear respondeu com um grito primal, quase tão alto quanto o trovão de
Gralanan. Thukk abriu um sorriso ainda maior.
Allen Cedric e Quest arrancaram de seus esconderijos na floresta. As pernas da
armadura do paladino, então, emitiram um brilho tênue e levemente místico. De uma
hora para outra, ele começou a se movimentar mais rápido, numa velocidade
teoricamente impossível para uma armadura tão pesada. No momento seguinte, deu um
salto sobre-humano, girou sua maça no ar e simplesmente explodiu a cabeça do
hobgoblin vigia, que aos poucos começava a se levantar. Sangue e partes de cérebro
voaram para todo lado, pintando de vermelho a armadura do paladino e também boa
parte do muro de pedra da ruína.
Já Quest disparou lateralmente, visando ganhar ângulo para poder enxergar o
bugbear por trás do muro. Enquanto se movimentava, percebeu o hobgoblin cego e
atordoado, que ainda se recuperava das queimaduras feitas pelo caldeirão borbulhante.
Sem perder tempo, inspirou fundo, sentiu o poder mágico de seu deus patrono fluir por
seu corpo e fez uma bola de pura força e energia roxa surgir em sua mão esquerda. Em
um movimento fluido e simultâneo, puxou o seu cajado com a mão direita e arremessou
a bola de energia, que explodiu contra o corpo do já debilitado hobgoblin, jogando-o
alguns metros para trás e o fazendo tropeçar na pedra que anteriormente o apoiara. Ele
caiu de costas no chão, em um baque intenso e ensurdecedor, urrando e chorando cada
vez mais e mais sangue. Sentia-se perdido, em um misto de agonia e de confusão.
Escutava gritos e barulhos de todos lados, mas já não conseguia enxergar e nem
suportar a dor de seus ferimentos.
O bugbear, agora recuperado do ataque surpresa dado por Thukk, deslocou-se
um pouco para o lado e golpeou com força o braço do meio-orc, que ainda tinha o
machado preso à parede. O golpe foi poderoso e terrível – e normalmente teria feito
qualquer um soltar a arma que carregava.
Thukk, no entanto, já estava completamente tomado pela fúria da batalha. Ele
sentiu o impacto em seu braço, sentiu os músculos doerem e seus ossos quase trincarem.
Mas o sangue corria rápido pelo seu corpo. Tomado pela raiva e pela adrenalina, ele
simplesmente ignorou a dor – ou melhor, sequer tomou conhecimento dela – e arrancou
o seu machado da parede. Neste exato momento, Granalan se aproximou por trás do
bugbear, carregou seu cajado com o poder da natureza, tornando a arma ainda mais
resistente e perigosa, imbuída de sua natureza mágica, e acertou um golpe em cheio na
parte de trás do joelho esquerdo da criatura, que cedeu.

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Thukk notou a oportunidade e rapidamente girou o seu grande machado,
cortando profundamente o peito do monstro. O sangue espirrou, o bugbear urrou de dor,
e o machado do meio-orc desceu por mais uma vez. O segundo golpe, porém, pegou de
raspão na ombreira de ferro da criatura, o que evitou que ela tivesse a cabeça decepada.
Aproveitando toda a confusão, Quest deu uma nova arrancada, saltando sobre
uma pedra e também sobre o corpo do hobgoblin que ele acabara de alvejar. Enquanto
ainda estava de lado no ar, encontrou o ângulo perfeito para finalmente poder atingir o
bugbear. Antes de tocar o chão, esticou o seu cajado para frente, sentiu a magia
novamente pulsar por seu ser e atirou uma nova esfera de energia roxa, que explodiu no
ombro direito da criatura, fazendo-a tombar para trás, uma vez que seu joelho esquerdo
já estava dobrado. O monstro sentiu que finalmente fora derrotado e não se mexeu ou
revidou.
Allen Cedric, então, deixou a sua maça no chão. Vendo o hobgoblin cego e
agonizante, ele puxou a espada de sua bainha para dar um golpe de misericórdia na
pobre criatura. Sem muita demora, caminhou até ela, segurou a espada com as duas
mãos e cravou em seu coração. O monstro deixou escapar um gemido, expelindo todo o
ar de seu pulmão. No segundo seguinte, Allen Cedric girou o cabo da espada. O
hobgoblin estremeceu por um breve momento, tensionando o corpo, e então relaxou,
caindo nos braços da morte.

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– Capítulo 2 –
Palavras de Poder

Após isolarem o bugbear em um canto – e Allen Cedric recuperar a sua maça –


os quatro aventureiros decidiram interrogá-lo, tomando todo o cuidado para que ele não
pudesse escapar. De um modo geral, Gralanan bem sabia, criaturas como aquela eram
pouco confiáveis. Eram monstros que gostavam de ter servos, de escravizar os mais
fracos, mas eram também covardes e inteligentes. Colocados contra a parede, fariam
qualquer coisa para se manterem vivos; seriam servos, mas também procurariam
oportunidades de trair os seus captores. A negociação e o interrogatório, portanto,
deveriam ser levados com muito cuidado.
- Há outros como você por aqui? – o druida perguntou, enquanto Allen Cedric se
aproximava e se colocava ao lado de Thukk e de Quest, formando um semicírculo em
volta da criatura, que se sentava com as costas apoiadas no muro de pedra da ruína.
- Non – ele rosnou, em seu tom grave e gutural – Vocês estão seguros. Por favor,
não me matem... eu prometo que ajudo vocês a sair daqui.
Gralanan o fitou profundamente. O monstro parecia honesto. Mas acreditar em
sua palavra era também extremamente arriscado. Allen Cedric deu um passo à frente.
- E por que razão devemos confiar em você? Você pode nos trair a qualquer
momento, monstro vil.
A criatura se encolheu.
- Não importa o que eu fale, vocês irão me matar de qualquer jeito...
- Algumas vezes, há espaço para a redenção... – o paladino retrucou, resoluto.
- Eu não concordo muito com isso – Gralanan interviu. – Há criaturas que são
cruéis e vis por natureza, amigo paladino. Elas são criadas por seus deuses assim. Não
pense que um monstro como esse seria capaz de bondade, mas isso não significa que
nós não possamos usá-lo como um instrumento a favor da justiça, como uma ferramenta
para melhor caminharmos por essa floresta.
- Isso... isso – o monstro suplicou, agora com sua esperança duplicada. – Eu
posso ajudá-los. Aqui não há outros, mas pela floresta haverá emboscadas, armadilhas,
de outros como eu. Eu posso ajudar vocês a atravessar em segurança.
O druida o fitou novamente por longos segundos. Ainda não sabia se deveria
confiar na criatura. Thukk, por sua vez, perdeu a paciência. Em um movimento brusco,
deu alguns passos para a frente, crescendo diante do bugbear, e falou com uma voz
poderosa e intimidante.
- Você nos leva! Mas, se pensar em trair a gente, eu rasgo você todinho, de baixo
pra cima... bem devagar, tá me ouvindo?!! – o meio-orc rugiu, entre dentes.
O monstro se encolheu ainda mais, parecendo realmente muito assustado.
- Eu... eu... prometo.
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- E então... – Gralanan indagou. – Acham que devemos confiar nele? Ele me
parece sincero... mas nunca se sabe.
- Talvez eu tenha uma solução – disse Quest, com um sorriso irônico e divertido
no rosto, uma expressão que deixava o tiefling, de aparência quase demoníaca, com um
aspecto sombrio e assustador. Ele, então, aproximou-se bem devagar da criatura, que o
fitava com olhos temerosos. No mesmo instante, sibilou algumas palavras satânicas, na
língua demoníaca, e o bugbear começou a se contorcer.
- O que você tá fazendo? Agh... – ele perguntou, colocando as mãos nos
ouvidos.
Quest apenas continuou a proferir suas palavras, fitando longamente o monstro à
sua frente. O bugbear tinha, agora, os olhos esbugalhados, extremamente assustado e
desconfortável com a situação. Era como se aquelas palavras entrassem em sua mente.
Ele podia sentir a presença do bruxo invadindo o seu cérebro, percorrendo devagar cada
canto, arranhando suas memórias, perscrutando seus pensamentos. Sentia algo terrível e
invasivo, como se o que pensasse começasse a ser arrancado de seu corpo.
“Eles são muito poderosos... melhor negociar com eles”, Quest conseguia ouvir.
“O meio-orc é muito forte... é preciso sempre respeitar a força”, e o bruxo continuava a
puxar mais e mais pensamentos: “É melhor levá-los daqui e sobreviver, eles ficarão
gratos, um paladino não irá quebrar a sua palavra”.
- Ele está assustado o suficiente. Podemos confiar nele. Pelo menos por agora –
Quest disse aos outros, com um sorriso no rosto, enquanto eles observavam, parecendo
um pouco impressionados e receosos. – Está na mente dele – o tiefling completou, ao
colocar a ponta do dedo indicador direito no lado da testa, próximo ao seu chifre, e
andar vagarosamente na direção do grupo, dando as costas para a criatura, que se
revirava no chão, extremamente desconfortável com a recente experiência.

12
– Capítulo 3 –
A Lenda de Orgoth

- Vamos, seu maldito, levanta – Thukk ordenou, enquanto dava um forte chute
lateral, com sua perna direita, na perna esquerda do bugbear.
A criatura obedeceu, ainda um pouco assustada e desorientada. Com alguma
dificuldade, apoiou-se no muro às suas costas e se levantou, deixando escapar um leve
rosnado, de quem certamente não estava muito satisfeito com a situação.
- E é melhor ficar quietinho... – Thukk continuou.
A criatura baixou a cabeça, desanimada e temerosa. Allen Cedric rapidamente se
pôs a caminhar ao seu lado, com a mão direita firme no cabo de sua espada, agora
apenas parcialmente colocada na bainha.
- Você não deveria conseguir caminhar tão rápido com tantos pedaços de
armadura – o bugbear comentou.
Allen Cedric sequer se virou para fitá-lo.
- Tenho meus truques. Não vá começar a ter ideias – ele ameaçou, em tom firme.
– Nós não precisamos apenas atravessar a floresta. Precisamos que você nos leve até o
pé da montanha, no ponto mais próximo das hordas de Orgoth.
O monstro levantou a cabeça e se virou para fitar Allen Cedric, assustado.
- Orgoth? O Imortal? Vocês estão loucos, certo? – ele riu. – E eu pensando que
precisaria emboscá-los se os quisesse mortos. Parece que procuram a morte sozinhos.
O paladino pareceu levemente consternado.
- Thukk... o que ele fala é verdade? O bando de Orgoth é tão poderoso assim?
Você já fez parte dele, certo?
O meio-orc vacilou por alguns segundos, mostrando-se um pouco tenso e
preocupado.
- É... Eles chamam ele assim. O imortal. Ele nunca foi derrotado, dizem que é
um orc mágico... protegido pelos deuses. E ele tem um xamã...
- Um xamã? – Quest interrompeu, parecendo finalmente interessado. – Um
bruxo, você diz? Como eu?
- Ugh... – Thukk pareceu confuso. – Eu não sei. Eu não sei nada dessas coisas.
Vocês são todos estranhos pra mim. O nome dele é Guroruru. É baixinho, esquisito,
mas vi ele fazer umas coisas apavorantes. Ouvi muitas coisas também dentro do bando,
mas acho que eram só histórias.
O bugbear riu alto.
- Vocês caminham para a própria morte.

13
- Cale a boca, monstro – gritou Thukk, ao chutar a criatura por mais uma vez. –
Eu vou me vingar deles, vou matar Orgoth. E, depois... depois irei atrás de Razog.
O bugbear, então, riu ainda mais alto. Quest, Gralanan e Allen Cedric apenas se
entreolharam. A obsessão do meio-orc com o deus Razog era absurda – e ele achar que
poderia enfrentá-lo, algo mais absurdo ainda. Todavia, não adiantava discutir. Por isso,
eles apenas escutavam em silêncio.
- Ahh, maldito, pare de rir... – o bárbaro continuou, um pouco desconcertado.
- O que é importante agora é que nos leve até o pé da montanha, como o
paladino lhe pediu, caro bugbear – iniciou Gralanan, em um tom irônico. – A não ser
que você queira que nosso amigo tiefling aqui... bem... re-ti-re esta informação – o
druida finalizou, rindo.
Quest se aproximou do monstro, colocando-se do lado oposto de Allen Cedric.
Sem muita demora, começou a sibilar algumas palavras aleatórias na língua demoníaca,
apenas para ver a expressão de choque e de terror no rosto da criatura, que se colocou a
falar quase imediatamente.
- Não, não, tudo bem... tudo bem. E... eu os levo, podem confiar.

14
– Capítulo 4 –
A Sombra na Floresta

O grupo caminhou ainda por um bom tempo. O sol, vagarosamente, punha-se


atrás das montanhas, e a floresta começava a ser pintada em tons cada vez mais e mais
escuros. O silêncio também crescia, gerando um clima de ansiedade e de tensão. O
barulho dos animais silvestres, aos poucos, foi trocado pelo som de insetos e de corujas,
que interrompiam, muito raramente, a quietude perturbadora da floresta. Até aquele
momento, o bugbear fora fiel à sua palavra, guiando-os por um caminho que, embora
fosse um tanto quanto sinuoso, provara-se extremamente seguro.
- Espero que saiba pra onde tá levando a gente – Thukk comentou, ainda um
pouco desconfiado; sempre procurando impor a sua força e a sua presença intimidante
para evitar que o monstro saísse da linha.
Os outros três caminhavam em silêncio, prestando atenção em tudo que estava
em volta. A escuridão da floresta, aos poucos, porém, dificultava mais e mais a
caminhada. Allen Cedric, como o único humano do grupo, sabia que em pouco tempo o
breu total tomaria conta, o que o faria ter muitas dificuldades em prosseguir. Os outros
membros daquela empreitada ainda conseguiriam caminhar sem tantos problemas,
mesmo na noite profunda. Eram de raças diferentes, que estavam habituadas a vagar por
florestas escuras ou, o que ainda era pior, por cavernas que quase não possuíam
vestígios de luz.
O paladino também se preocupava com a batalha para a qual se direcionavam. A
tribo de orcs liderada por Orgoth não era, de forma alguma, pequena – e eles estavam
em um número muito reduzido. Para piorar, saber das proezas de Orgoth, o chefe
bárbaro, deixara-o ainda mais preocupado. Isso sem contar com o fato de que o orc
ainda possuía um poderoso xamã, um bruxo que certamente poderia fazer a diferença
em um campo de batalha, que poderia até mesmo destruir qualquer planejamento
estratégico que o grupo pretendesse executar. Secretamente, o paladino rezava, em tom
muito baixo, pedindo força e sabedoria para seu deus, Khalar. Pedia que ele lhe desse a
coragem e a força divina necessárias para aquela empreitada, pedia que ele o ajudasse a
proteger os seus companheiros, a evitar que eles perecessem sob o poder das lâminas
malignas dos imundos seguidores de Razog.
Já Quest caminhava um pouco mais agitado. Um bruxo... ele pensava. Esse tal
de Guroruru talvez fosse como ele. Isso o assustava e o animava um pouco. O tiefling,
embora sempre tenha pesquisado sobre arcanismo, nunca soubera precisar exatamente
como ganhara os seus poderes. Sabia que fluíam de alguma entidade; uma entidade que
conversava com ele de vez em quando, um Grande Outro, como o chamava, que o
empoderava e o auxiliava das sombras. Não sabia quais eram suas intenções, mas
tentava usar os poderes que ele lhe dera para o bem. Para Quest, era mais do que
necessário destruir os artefatos malignos que o seu patrono lhe revelara através da súbita
aparição de alguns pergaminhos, que ainda precisavam ser inteiramente decifrados, em
uma estranha e mística manhã. Talvez, ele pensava, poder ver este xamã de perto e

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entender sua relação com o seu patrono e com a magia dele pudesse lhe esclarecer
alguns pontos obscuros sobre suas próprias habilidades.
Gralanan, por sua vez, caminhava com mais leveza e tranquilidade. Não
importava em que floresta estava, sempre se sentia mais tranquilo e protegido em meio
à natureza, ao ar livre. Ainda ponderava, todavia, sobre a questão colocada por Allen
Cedric a respeito do bugbear. O druida achava engraçado a falta de compreensão da
maioria dos seres sobre aquele assunto. Criaturas malignas, como a que caminhava,
agora, entre eles, existiam – e faziam parte do mundo, da natureza, do fluir das coisas. É
claro que combatê-las, impedir que elas tomem o mundo de assalto, como pragas, é
extremamente necessário. Mas negar a sua existência ou tentar erradicá-la era um
pensamento que, a ele, parecia inconcebível. Não por que seria algo ruim, mas
simplesmente pelo fato de que seria algo antinatural – e a natureza sempre encontra um
caminho.
- É aqui – o bugbear rosnou. – A escalada não é fácil, mas é o ponto mais
próximo e seguro.
Os aventureiros olharam para a criatura, ainda um pouco desconfiados. Allen
Cedric se manteve parado ao lado do monstro, ainda com a mão no cabo de sua espada,
já que tinha enormes dificuldades em enxergar na quase total escuridão. Quest deu
alguns passos para a frente, olhando em volta, tentando achar alguma pista que
indicasse que o bugbear não mentia. Alguns metros adiante, havia um enorme paredão
de pedra, que fazia um ângulo de quase noventa graus com o solo. Era o pé de uma das
montanhas da gigantesca Cordilheira de Wyrm.
- Bem... é o início da montanha... – comentou Quest, olhando para Gralanan, que
também se afastara um pouco do grupo para investigar.
- Sim – o druida concordou. – Mas também seria um lugar ideal para preparar
uma armadilha. Estamos, literalmente, com as costas na parede. O que você me diz,
criatura?! – ele perguntou, em tom firme e autoritário.
- Eu cumpri minha parte. Sem truques... aí está o que queriam. É um caminho
mais seguro. Ninguém ia esperar que vocês subissem por esse paredão.
- Talvez nem nós esperemos – comentou Allen Cedric – Com todo o
equipamento que temos, será bem difícil.
- Ahhh... – desdenhou Thukk. – Vocês são muito frouxos mesmo. Mete a mão
no paredão e usa esses músculos. – ele finalizou, dando um tapa no ombro do paladino.
Allen Cedric apenas riu: como era otimista o meio-orc.
- Gralanan – ele chamou. – Faz alguns dias, você se transformou em um
animal... será que não poderia fazer isso de novo, quem sabe se transformar em algo que
possa nos levar lá para cima voando.
O druida, ainda de costas, examinando o paredão rochoso junto a Quest,
balançou a cabeça negativamente, em um movimento bem lento.

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- Infelizmente não, ainda não tenho poderes suficientes para isso. A energia da
natureza ainda não flui em mim com esta intensidade – ele lamentou. – Mas eu poderia
subir facilmente como um lagarto... ou algo assim. Poderia levar uma corda e prender
em algo no fim do paredão.
- Vocês vão precisar de uma corda bem... – o bugbear dizia, quando a ponta de
uma flecha explodiu sua face, perfurando os olhos e o nariz, num espetáculo sangrento,
atravessando a cabeça pela nuca e o fazendo cair imediatamente, morto.
Os quatro aventureiros saltaram para trás, cada qual vasculhando
desesperadamente seus arredores em busca do agressor. A floresta estava escura,
enxergar era difícil, mesmo para aqueles habituados à noite. Eles haviam sido seguidos
sem notar, provavelmente por um bom tempo. E o pior: não sabiam nem como e nem
por quem.
Um vulto negro, então, saltou do alto de uma árvore próxima a Allen Cedric,
dando um rolamento ao aterrissar no chão com o intuito de diminuir o impacto. Após
rolar por algumas folhas secas, a figura encapuzada se colocou imediatamente de pé.
- Vocês são muito tolos. Não se pode confiar em uma criatura como esta, nem
perdoá-las. Elas não merecem perdão – a figura disse, em um tom autoritário. No
segundo seguinte, retirou o capuz, revelando as feições de uma elfa.
Os aventureiros a fitaram por breves segundos. Ela possuía cabelos loiros e
compridos que, de tão claros, pareciam quase prateados à luz do luar. Tinha olhos
castanhos como a terra e vestia uma armadura de couro batido de altíssima qualidade,
além de uma capa cinzenta. Na cintura, viam-se duas bainhas, que aparentavam guardar
duas espadas curtas. Na mão esquerda, ainda carregava um arco e, na direita, quatro
flechas entre os dedos, para o caso de disparos velozes e sequenciais serem necessários.
- Você nos seguiu e nós não notamos? – Gralanan indagou, realmente surpreso e
impressionado, era muito raro que algo lhe escapasse em uma floresta.
Já Thukk segurou o seu machado com as duas mãos e deu dois passos na direção
da elfa.
- Quem é você? – ele perguntou, em tom ameaçador.
Mais ao fundo, Quest recuou vagarosamente, até ficar parcialmente escondido
por uma árvore. Na mão esquerda, que agora estava coberta, invocou, uma vez mais,
uma bola de energia roxa, sem deixar de prestar atenção em cada mínimo movimento da
figura à sua frente.
- Sou Eloryn, umas das guardiãs de nossas fronteiras. Vim a mando de Meerin
para ajudá-los – ela respondeu, sem demonstrar qualquer temor com a aproximação do
gigante meio-orc bárbaro.
O grupo imediatamente relaxou. Meerin era também uma elfa, uma poderosa
druida anciã, irmã de Cardak, o mestre de Gralanan que havia desaparecido alguns anos
antes. Ela era também muito próxima das lideranças do secreto Círculo de Paladinos de
Khalar, do qual Allen Cedric fazia parte. Por suas ordens, o grupo procurara e ajudara

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Quest, uma vez que os artefatos que ele pesquisava pareciam uma ameaça real e
perturbadora.
- Você é bem-vinda, então – Gralanan sorriu, enquanto Thukk e Quest
relaxavam, abandonando suas posturas mais agressivas.
- Eu tinha dado minha palavra a ele – Allen Cedric interrompeu, em tom sério. –
Tinha dado minha palavra. Você não tinha o direito de matá-lo.
- Você deu sua palavra... e não a quebrou. Você não jurou protegê-lo. E, como
disse, não se negocia com este tipo de monstro.
- Às vezes precisamos dar um voto de confiança – ele afirmou, trincando os
dentes e tensionando o maxilar, para conter um pouco da irritação que sentia.
A elfa desdenhou.
- É a natureza desses monstros, seu tolo. Ou você acha que vocês iam se
despedir e estaria tudo resolvido? Ele ia vender vocês pros orcs, avisar da sua chegada.
E mesmo que não fizesse isso, digamos que esta besta encontrasse um inocente vagando
pela floresta... o que acha que ela faria? E de quem seria a culpa por esta morte – ela
indagou, enquanto se aproximava do paladino e o encarava, olho no olho.
Allen Cedric não desviou o olhar, mas teve que ceder ao argumento. Ela tinha
razão. Deixar um monstro desses à solta poderia custar realmente muitas vidas. Mas...
ele tinha dado a sua palavra...
- Tudo bem – ele disse, sem tirar os olhos da elfa. – Precisamos subir o paredão
de pedra... Gralanan, você pode fazer aquilo que falou?
- Sim... Vocês têm corda o suficiente?
- Ahh – Thukk resmungou. – Espere aí, acho que tenho algo por aqui.
O meio-orc, então, retirou a bela aljava de couro que estava presa às suas costas.
Quando abriu um bolso menor contido nela, começou a puxar metros e mais metros de
corda; uma quantidade que certamente não caberia dentro do pequeno compartimento.
- Uau – Eloryn exclamou. – Vocês têm uma aljava mágica.
- É – respondeu Thukk – Mas nenhuma flecha... – ele sorriu, enquanto,
provocativamente, colocava a aljava de volta em suas costas. – Aqui está, Gralanan.
O druida pegou a corda e imediatamente se transformou em um grande lagarto.
A magia foi surpreendentemente rápida, quase imediata, acontecendo em um piscar de
olhos diante dos aventureiros – e todos os pertences de Gralanan se transformaram junto
com ele.
Por algum tempo, o restante do grupo observou o grande lagarto em sua escalada
particular, habilmente subindo pelo paredão até desaparecer por trás da copa de uma
árvore. Não demorou muito e uma das pontas da corda se chocou contra o chão.

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- Tudo certo aqui em cima – o druida afirmou, em tom animado – podem subir
sem preocupações. Tem um tronco de árvore aqui que é capaz de segurar até nosso
amigo meio-orc. Ou o paladino, que mais parece um cavalo de batalha.
Thukk riu de leve e deu um tapa no ombro de Allen Cedric, que apenas balançou
a cabeça de um lado para o outro, também sorrindo.
Em muito pouco tempo, todos haviam escalado. O paredão rochoso terminava
em uma clareira de terra e pedra, com eventuais arbustos retorcidos, quase sem
folhagem, bem baixos e grossos. O caminho de terra parecia seguir adiante pela
montanha, gerando uma inesperada trilha que o grupo poderia seguir.
- Melhor descansarmos aqui. Há um outro paredão rochoso às nossas costas, não
há rastros de seres passando por aqui, creio que estaremos bem abrigados. Orcs caçam
durante a noite, será melhor avançarmos com a proteção da luz do sol – disse Eloryn,
enquanto avaliava a condição da terra no local para ter certeza de que não era uma área
extremamente habitada.
- Tudo bem, guardiã – Gralanan concordou. – Rezam as lendas que vocês
protegem essas cordilheiras, nossas fronteiras com os Ermos, então imagino que você
conheça bem a região – o druida finalizou, tentando colher mais algumas informações.
Eloryn apenas fez um aceno de positivo com a cabeça.
- Montem um acampamento, será possível descansar bem hoje, mas sem
fogueiras.
- Nenhum problema – brincou Thukk, conforme retirava um pedaço de carne
crua de um de seus bolsos e comia, como um bom meio-orc.
O grupo o olhou com uma expressão de nojo, enquanto o bárbaro ria e se
divertia com a situação. Gralanan fechou sua mão direita com força e fez com que a
energia da natureza fluísse por seu corpo. Seus olhos brilharam em um verde intenso, e
uma energia poderosa cintilou em seu punho fechado. Quando ele abriu sua mão, alguns
pequenos pêssegos caíram magicamente, repousando em uma pequena bolsa de couro
que ele segurava com a mão esquerda.
- Que os Deuses Antigos nos protejam e nos alimentem – ele sussurrou. –
Amigos, comam. Esses frutos irão satisfazer sua fome e também diminuir a dor de suas
feridas.
- Hmmm, me vê uma dessas então, mesmo que eu não goste muito de frutas.
Aquela pancada no meu braço ainda dói – disse Thukk, ao massagear, com a mão
direita, um machucado já bem roxo em seu punho esquerdo.
Gralanan lhe entregou algumas das frutas e depois as distribuiu para o resto do
grupo. Eles comeram em silêncio, sentindo-se já muito mais energéticos e bem
dispostos. Depois, decidiram descansar, com cada um ficando de guarda por duas horas.
Thukk foi o único que dormiu o período inteiro para melhor se recuperar do cansaço
causado pelos seus ferimentos e por sua fúria de batalha. Havia, afinal, um preço a se
pagar por tanta adrenalina em combate.

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– Capítulo 5 –
O Poder do Deus Órquico

Thukk acordou em um breu profundo, em uma escuridão horrenda que seus


olhos não conseguiam trespassar. O ar lhe faltava, e ele fazia muita força para respirar.
Era uma sensação sufocante e claustrofóbica. Ele se sentia pesado, num estado
letárgico. Uma agonia crescente tomava cada vez mais e mais conta de seu corpo e de
sua mente.
Logo acima de si, uma luz forte o cegou por algum tempo. Em sua cegueira
branca, que apenas ampliava a agonia que crescia em seu peito, começou a escutar sons
metálicos e de combate, além de sons de dezenas de pés órquicos marchando. Depois,
viu-se em um campo de batalha, urrando por uma grande planície junto à tribo bárbara
de Orgoth. Ele podia sentir o cheiro de sangue e de carne podre e queimada. Quando
olhou para o chão, viu dezenas e dezenas de corpos; alguns podres, alguns mutilados e
outros queimados até um ponto irreconhecível. Os orcs gritavam e aterrorizavam a
pequena vila à sua volta, e todas as coisas terríveis que Thukk tinha feito em seu
passado começavam a voltar à sua memória, tomando agora toda a sua consciência.
Eram uma visão e uma sensação horríveis. O bárbaro se viu, repentinamente, chorar em
desespero.
Tudo, então, ficou escuro novamente. Mais uma vez aquele breu sufocante e
torturante. Bem à sua frente, surgiu um enorme rosto, uma terrível e deformada face
órquica, pálida como a luz da lua e com olhos vermelhos como as chamas mais intensas
do submundo. Thukk estremeceu.
- Você será meu... – a voz se espalhava pausadamente pela escuridão, como se
ecoasse pelo infinito, fazendo vibrar cada célula do corpo do bárbaro. – Você irá
matar... – ela continuou, ainda mais grave e poderosa do que antes; o meio-orc mal se
continha, seu corpo tremia involuntariamente. – Você voltará... a derramar sangue por
mim! – o deus órquico Razog finalmente gritou, num urro primal e gutural que fez até
os mais longíncuos recantos da alma de Thukk caírem em desespero. O meio-orc era
livre, mas vivia em uma prisão.

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