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DOCÊNCIA EM

FIGURASSAÚDE
DE LINGUAGEM
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Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167
Portal Educação

P842f Figuras de linguagem / Portal Educação. - Campo Grande: Portal


Educação, 2013.

99p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-567-2

1. Língua portuguesa. 2. Figuras de linguagem. I. Portal Educação. II.


Título.

CDD 415
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................4
2 CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO .................................................................................................6
2
3 FIGURAS DE LINGUAGEM ......................................................................................................10
3.1 Figuras de palavra ...................................................................................................................11
3.1.1 Comparação ..............................................................................................................................12
3.1.2 Metáfora ....................................................................................................................................15
3.1.3 Metonímia ..................................................................................................................................21
3.1.4 Sinestesia ..................................................................................................................................28
3.1.5 Catacrese ..................................................................................................................................31
3.1.6 Perífrase ....................................................................................................................................35
3.1.7 Alegoria .....................................................................................................................................38
3.2 FIGURAS DE PENSAMENTO ..................................................................................................41
3.2.1 Antítese .....................................................................................................................................42
3.2.2 Apóstrofe ..................................................................................................................................45
3.2.3 Gradação ...................................................................................................................................46
3.2.4 Eufemismo.................................................................................................................................49
3.2.5 Hipérbole ...................................................................................................................................51
3.2.6 Ironia..........................................................................................................................................54
3.2.7 Paradoxo ...................................................................................................................................56
3.2.8 Prosopopéia ..............................................................................................................................57
3.3 Figuras de Harmonia ...............................................................................................................65
3.3.1 Aliteração...................................................................................................................................66
3.3.2 Assonância ................................................................................................................................68
3.3.3 Paranomásia .............................................................................................................................71
3.3.4 Onomatopéia .............................................................................................................................72
3.4 Figuras de síntaxe ...................................................................................................................74
3.4.1 Assíndeto...................................................................................................................................75
3.4.2 Elipse .........................................................................................................................................77
3.4.3 Zeugma .....................................................................................................................................78
3.4.4 Anáfora ......................................................................................................................................80
3.4.5 Pleonasmo.................................................................................................................................82 3
3.4.6 Polissíndeto ...............................................................................................................................84
3.4.7 Anástrofe ...................................................................................................................................86
3.4.8 Hipérbato ...................................................................................................................................87
3.4.9 Sínquise.....................................................................................................................................89
3.4.10 Hipálage ....................................................................................................................................91
3.4.11 Anacoluto...................................................................................................................................92
3.4.12 Silepse .......................................................................................................................................94
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................97
1 INTRODUÇÃO

“A terapia literária consiste em


desarrumar a linguagem
a ponto que ela expresse
nossos mais fundos desejos.”
(Manoel de Barros)

Ao escrever ou falar a palavra certa, na hora certa, há um acontecimento comparável


ao fato mágico de se obter asas. Um vasto mundo de idéias vai surgindo como se nosso
pensamento tivesse se banhado nas águas de uma fonte mágica da espiritualidade. As palavras
vão brotando, firmando raízes, construindo castelos, atingindo o inatingível.
Ao se transpor para o papel o que vai na alma, fica eternizado o momento criativo, a
idéia inovadora, as sensações que antes eram indizíveis.
Mário Quintana diz sobre o ato de escrever, que “A gente pensa uma coisa, acaba
escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa
propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.”
Na língua há inúmeros recursos, seja em prosa ou verso, linguagem cotidiana ou mais
apurada. Há também recursos que deixam o pensamento em aberto, cabendo ao leitor tirar suas 5

conclusões acerca do que foi escrito.


O que nos falta, por exemplo, é pegar a palavra criatividade e sair caminhando, de
mãos dadas com ela, pelas calçadas da cidade, pela amplidão do céu, pelas ondas do mar e
voar por todo o infinito, tocando pessoas, anjos, seres fantásticos, deixando fluir a sensibilidade
interna e ao mesmo tempo ser capaz de captar a sensibilidade exterior.
Manoel de Barros, disse numa de suas entrevistas, que “é evidente que não cabe a
nós inventar o mundo mais do que está inventado: para ter algum sentido, você tem que fazer,
através da palavra, outro mundo.”
2 CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO

Por ser uma atividade intelectual, a linguagem é exclusiva do homem; ao pronunciar


uma palavra, o homem está expressando um determinado estado mental. Entretanto, para que a
linguagem cumpra sua função social no processo de comunicação, é necessário que as palavras
tenham um significado, ou seja, que cada palavra represente um conceito.
E mais: o homem tem imaginação criadora e a usa freqüentemente. Assim, na
linguagem humana, uma mesma palavra pode ter seu significado ampliado, remetendo-nos a
novos conceitos por meio de associações, dependendo de sua colocação numa determinada
frase. Compare como exemplo, os dois casos que se seguem:
Ângela está com a cara manchada.
“Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio”. (Chico Buarque de Holanda).
No primeiro exemplo, a palavra cara significa “rosto, a parte anterior da cabeça,
conforme consta nos dicionários. Já no segundo exemplo, a mesma palavra cara teve seu
significado ampliado e, por uma série de associações, entendemos que no caso acima significa
“indivíduo”, “sujeito”, pessoa”.
Às vezes, uma mesma frase pode apresentar duas (ou mais) possibilidades de
interpretação: Raul quebrou a cara. Em seu sentido literal, frio, impessoal, entendemos que Raul,
por um acidente qualquer, fraturou o rosto. Entretanto, podemos entender a mesma frase num
sentido figurado, como “Raul se saiu mal” tentou realizar alguma coisa e não conseguiu.
Pelos exemplos acima, percebe-se que uma mesma palavra pode apresentar 7

variações em seu significado, ocorrendo, basicamente, duas possibilidades:


a) na primeira, a palavra apresenta seu sentido original, impessoal, independente do
contexto, tal como aparece no dicionário; nesse caso, prevalece o sentido denotativo – ou
denotação – do signo lingüístico;
b) na segunda, a palavra aparece com significado alterado, passível de interpretações
diferentes, dependendo do contexto em que for empregada; nesse caso, prevalece o sentido
conotativo – ou conotação – do signo lingüístico.
A linguagem poética explora o sentido conotativo das palavras, num contínuo trabalho
de criar ou alterar o significado, já cristalizado, dessas mesmas palavras.
Em nossa linguagem cotidiana é comum também a exploração do sentido conotativo,
como conseqüência da forte carga de afetividade e expressividade.
Os textos literários trabalham a linguagem de maneira muito especial, diferente, por
exemplo, de um texto informativo de jornal ou de um texto ligado às ciências (História, Geografia,
Matemática, Química, Física, etc.).
Os textos científicos ou informativos devem estar presos a uma linguagem em que as
palavras apresentem um significado preciso, não dando margem a interpretações ambíguas ou
equivocadas.
Por exemplo:
“O sistema circulatório sangüíneo é um vasto e complexo circuito de vasos que tem
como peça principal o coração, pois é do seu trabalho que resulta a força propulsora que
impulsiona o sangue através de toda a rede vascular.” (José Luís Soares, Biologia – volume
único. Editora Scipione, 2004.)
Por outro lado, os textos literários exploram – com imaginação, criatividade e
sensibilidade – as várias possibilidades de se interpretar uma mesma palavra, ampliando o seu
significado. Quando o escritor altera o significado de um termo, passa a exigir uma maior
participação de seu leitor, tirando-o, assim, de uma postura passiva.
Tomemos como exemplo a palavra “coração”, do poema abaixo:

"Coisas da terra"

Ferreira Gullar
8
"Todas as coisas de que falo

estão na cidade entre o céu e a terra.

São todas elas coisas perecíveis

e eternas como o teu riso,

a palavra solidária

minha mão aberta

ou este esquecido cheiro de cabelo que volta

e acende sua flama inesperada

no coração de maio.

Todas as coisas de que falo são de carne

Como o verão e o salário.

Mortalmente inseridas no tempo,

estão dispersas como o ar no mercado,

nas oficinas, nas ruas, nos hotéis de viagem.

São coisas, todas elas, cotidianas, como bocas


e mãos, sonhos, greves, denúncias,

acidentes de trabalho e do amor.

Coisas, de que falam os jornais,

às vezes tão rudes às vezes tão escuras


9

que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.

Mas é nelas que te vejo pulsando,

mundo novo,

Ainda em estado de soluços e esperança".

Compare, agora, o emprego da palavra coração aos dois fragmentos. No texto de


Biologia, a palavra foi empregada em seu sentido original, o mesmo que aparece no dicionário:
Coração. S.m. 1. Anat. No homem e alguns vertebrados, órgão oco, muscular, situado
na cavidade torácica, constituído de duas aurículas e dois ventrículos, e que recebe o sangue e
o bombeia por meio dos movimentos ritmados de sístole e diástole. 2. Zool. Todo segmento que
por suas contrações movimenta o sangue ou outro líquido através do corpo dos animais.
(Dicionário Aurélio Eletrônico).
Nesse caso, dizemos que a palavra coração foi empregada em sentido denotativo (ou
denotação).
No poema, a palavra coração foi empregada com o significado figurado; a sua
interpretação é mais livre e depende do contexto em que aparece. No caso, podemos entender
coração como o período mais importante do mês de maio, ou a sua parte mais vital.
Quando ampliamos a significação de uma palavra, empregando-a com sentido
figurado, estamos explorando o sentido conotativo (ou conotação).
As figuras de linguagem são as diferentes maneiras que o artista da palavra usa para
cativar o seu leitor. Vamos estudá-las com o objetivo de melhorar a redação de textos, uma vez
que em nossa Língua as palavras podem assumir os mais diversos significados, propiciando mil
e uma maneiras de se expressar o pensamento.
3 FIGURAS DE LINGUAGEM

As figuras de linguagem ou de estilo são empregadas para valorizar o texto, tornando a


linguagem mais expressiva. É um recurso lingüístico para expressar experiências comuns de
formas diferentes, conferindo originalidade, emotividade ou poeticidade ao discurso.
10
As figuras revelam muito da sensibilidade de quem as produz, traduzindo
particularidades estilísticas do autor. A palavra empregada em sentido figurado, não-denotativo,
passa a pertencer a outro campo de significação, mais amplo e criativo. São recursos que
tornam mais expressivas as mensagens.
As figuras de linguagem classificam-se em
- figuras de palavra;
- figuras de pensamento;
- figuras de harmonia;
- figuras de construção ou sintaxe.

Assim como a borboleta, voe no campo da criação e atreva-se a escrever


suas idéias!
3.1 Figuras de Palavra

As figuras de palavra consistem no emprego de um termo com sentido diferente


daquele convencionalmente empregado, a fim de se conseguir um efeito mais expressivo na
comunicação.
11
São figuras de palavra:
- comparação;
- metáfora;
- metonímia ou sinédoque;
- sinestesia;
- catacrese;
- antonomásia ou perífrase;
- alegoria.

”Antes de usar uma boa palavra, crie um lugar para ela”


(Joubert)
3.1.1 Comparação

12

Ver minh'alma adejar pelo infinito

Qual branca vela n'amplidão dos mares ( Castro Alves).

A comparação consiste em realçar a semelhança entre dois ou mais seres (pessoas,


objetos, animais, etc.), através da aproximação pela sua semelhança, de modo que as
características de um sejam atribuídas ao outro. São ligados por conectivos comparativos
explícito: assim como, tal, feito, como, tal como, que nem, qual – e alguns verbos – parecer,
assemelhar-se e outros. A riqueza da comparação deriva da sensibilidade e experiência do
sujeito para construir associações lógicas, originais e sugestivas.

Exemplos:
“O gato é preguiçoso como uma segunda-feira.”
(Mário Quintana)
“Inocente como uma mosca que aceita convite de aranha.”
(Telmo Martino)
“ É que teu riso penetra n'alma
Como a harmonia de uma orquestra santa.”

(Castro Alves)

“ A via-láctea se desenrolava

Como um jorro de lágrimas ardentes.” 13

(Olavo Bilac)

“De sua formosura

deixai-me que diga:

é tão belo como um sino

numa sala negativa.”

(João Cabral de Melo Neto)

"Dentro da casa o mar ressoa como no interior de um búzio."

(Sophia M. B. Andresen)

O silêncio pesava como chumbo.

"As árvores pareciam velas desfraldadas ao vento."

"Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas."

"... de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face"

"A rua [...] parece um formigueiro agitado" (Érico Veríssimo)


‘Um poema é como um gole d’água bebido no escuro.”
(Mário Quintana)

"Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e


redondos, de um verde tão moço, que eram como um musgo macio onde apetecia cair a rolar."
(Eça de Queirós) 14
“Rio como um regato que soa fresco numa pedra”.
“É mais estranho do que todas as estranhezas que as cousas sejam realmente o que
parecem ser.”
“Qual um filósofo, o poeta vive a procurar o mistério oculto das cousas.”

“O mar canta como um canário". (Oswald de Andrade)

O menino manteve-se firme, tal qual uma rocha.

“Do alpendre, o tempo pode ser

sentido com os cinco sentidos


que ali depressa se acostumam
a sê-lo ao lado, como um bicho.”
(João Cabral de Melo Neto)
“Eu aprendi que a alegria
de quem está apaixonado
é como a falsa euforia
de um gol anulado.”
(João Bosco e Aldir Blanc)
Veja a profunda comparação que há neste trecho de “Como diria Dylan”, de Zé
Geraldo:
Ei você que tem de oito a oitenta anos
Não fique aí perdido feito ave sem destino
Pouco importa a ousadia dos seus planos
Eles podem vir da vivência de um ancião
Ou da inocência de um menino
O importante é você crer
Na juventude que existe dentro de você.

Pode, pois, concluir-se: a riqueza da comparação deriva da sensibilidade e experiência


do sujeito para construir associações lógicas, originais e sugestivas. 15

3.1.2 Metáfora

“O amor é um grande laço.” (Djavan)


Metáfora é o emprego de uma palavra ou expressão fora de seu sentido normal, por
haver semelhança real ou imaginária entre os seres que ela designa. É uma espécie de
comparação implícita entre dois seres, já que o elemento comparativo fica subentendido. Um
termo substitui outro através de uma relação de semelhança resultante da subjetividade de quem
o cria. A associação de sentido ou de idéias surpreende pela originalidade. A depreensão de uma
característica comum entre um ser e outro, pode determinar o emprego de uma palavra no lugar
de outra. Toda metáfora pressupõe uma comparação, cujos elementos de comparação (nexos 16
gramaticais) foram eliminados.

Porém, apesar de a metáfora se fundar numa associação comparativa, não podemos


dizer que o seu valor e expressividade são semelhantes aos atingidos pela comparação porque
ela não se limita a procurar a concisão, ela transfigura igualmente o sentido das palavras, ao
mesmo tempo que expande a possibilidade de associações possíveis entre signos diferentes.
Isto significa que entre o sentido base e o sentido acrescentado existe uma relação de
semelhança, de intersecção de tal modo cerrada que o significado acrescentado passa
necessariamente por uma abrangência associativa muito mais extensa e rica que aquela que
acontece na comparação.

A METÁFORA, como precisa a sua etimologia, além de procurar a concisão,


transfigura o sentido das palavras, dando a idéia de um transporte e de uma mutação. A escrita
metafórica surge como um procedimento de codificação, exigindo, da parte do leitor, uma
espécie de tradução, tentando decifrar o referente que se encontra detrás do signo. Esta figura
foi muito usada no Simbolismo.

Observe o emprego da metáfora em “Os Poemas”:

“Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo


como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos


17

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...”

(Esconderijos do Tempo – Mário Quintana)

“Bachelard escreveu seu livro A chama de uma vela quando se sentiu velho. Olhou
para a chama e se viu nela refletido. Chama: ela só é à medida que a vela deixa de ser. Uma
vela apagada seria eterna, como as pedras. Mas, para ser eterna, ela teria de aceitar o triste
destino de jamais iluminar a escuridão. A chama de uma vela é metáfora da vida. A vida é uma
vela que se consome, iluminando...” (Rubem Alves – Fiquei Velho)

“Sobre o leito frio, sou folha tombada num sereno rio.”

(Cecília Meireles)

A Amazônia é o pulmão do mundo.

Encontrei a chave do problema.

"Veja bem, nosso caso / É uma porta entreaberta." (Luís Gonzaga Junior)
“Somente a Ingratidão — essa pantera —

Foi tua companheira inseparável.”

(Augusto dos Anjos)

"É de oiro o silêncio... A tarde é de cristal..."


18

"Trave da tua casa, lume da tua lareira." José Saramago (Referindo-se à avó)

"Fios de sol escorriam de uma azinheira, perto da estrada" (Vergílio Ferreira)

"Amor é fogo que arde sem se ver," (Camões)

"Nossas vidas são os rios que vão dar ao mar."

"Que é Poesia?

uma ilha cercada

de palavras

por todos

os lados." (Cassiano Ricardo)

"Os suspiros escapam-se da sua boca de morango" (Rubén Darío)

"A lua nova é uma vozinha da tarde..." (Jorge Luís Borges)

"E lágrimas sonoras, dos sinos velhos..." (Antônio Machado)

Biografia:“Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia
adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.” (Mário Quintana)

Algumas expressões metafóricas:


(estar) no fundo do poço;
(entrar) em cana;
(ser) o umbigo do mundo;
(tomar) chá de cadeira;
(ser) dedo duro;
(sentir) um nó na garganta;
(ter) pulga atrás da orelha; 19
(ser) farinha do mesmo saco.

Mais exemplos em frases:


O jardim vestiu-se de flores. (ficou repleto)
Toda profissão tem seus espinhos. (momentos difíceis)
“Oh, quanto me pesa
Este coração, que é de pedra!” (Cecília Meireles)
"Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr.
Soares, é ver se posso extrair pérolas, que é a razão."
(Machado de Assis)
Estes calos, meu amigo, são ossos do ofício
Meu coração é um balde despejado.
O pavão é um arco-íris de plumas.
Sua boca é um cadeado.
Você é uma pedra. (Para dizer que a pessoa é insensível e fria.)
Aos domingos a cidade fica um deserto.
“Poemas são pássaros.” (Mário Quintana)
“O amor é um grande laço.” (Djavan)
“Meu cartão de crédito é uma navalha.” (Cazuza)
"Os bons amigos hão-de ser âncoras e amarras na tempestade desta vida." (Frei
Heitor Pinto)
“Sua boca era um pássaro escarlate.”
(Castro Alves)
“Éramos nós ,
Estreitos nós.
Enquanto tu
És laço frouxo”.
(Chico Buarque e Ruy Guerra)

20
“Eu sou a borboleta mais vadia
na doce flor da tua hipocrisia.”
(João Bosco e Aldir Blanc)
“Sou fera ferida.
No corpo, na alma e no coração.”
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)

ATENÇÃO! Não confundir metáfora com comparação. Nesta há a presença dos


conectivos comparativos. Na metáfora não. Observe:
Seus olhos cintilavam como esmeraldas em sua face. (comparação)
Duas esmeraldas cintilavam em sua face. (metáfora)
Fazemos muitas comparações e metáforas diariamente, no decorrer de nossas falas. É
comum ouvirmos uma garota dizer. Ele é um gato.
As comparações são explicáveis mais facilmente. Mas nem sempre é fácil explicar uma
metáfora. A substituição de termos é tão direta, que nem sempre se consegue definir o que nos
levou a fazê-la.
Em “Ele é um gato”, por exemplo, a menina não quer dizer que o garoto tem quatro
patas, pêlos ou mia. Talvez queira dizer que ele é manhoso como um gato? Felino? Ágil? Macio?
Bonito? Charmoso? Tufo isso junto? Algo mais indescritível?
Como se pode ver, a relação entre os termos sutilmente comparados pela metáfora,
não é lógica.
3.1.3 Metonímia

21

A infância deve ser protegida

Enquanto a METÁFORA se baseia numa relação de similaridade de sentidos, a


METONÍMIA assenta numa relação de contigüidade de sentidos.

Na METÁFORA, o transporte de sentido opera-se por meio de uma semelhança,


analogia. Na METONÍMIA, a transposição de sentido realiza-se através de uma relação,
existindo tantas variedades de metonímias quantos os tipos de relação.
A METONÍMIA (do grego metonymía = mudança de nome) consiste em designar uma
determinada realidade por meio de um termo que se refere à outra realidade, mas entre as quais
existe uma relação.

Atenção: Modernamente, a metonímia engloba a sinédoque. Não se faz mais distinção


entre as duas uma vez que o conceito de sinédoque está contido no de metonímia
22
A METONÍMIA implica alteração de sentido de uma palavra ou expressão pelo
acréscimo de outro significado ao já existente, quando entre eles existe uma relação de
contigüidade, de inclusão, de implicação, de interdependência, de coexistência. Por exemplo,
quando dizemos "As cãs” (cabelos brancos) inspiram respeito", estamos a empregar cãs por
velhice, porque os cabelos brancos indiciam que a pessoa é idosa e, conseqüentemente, com
muita experiência vivida. A metonímia explora sempre alguma relação lógica entre os termos.

Pode compreender relações de parte-todo, características, localização, continente-


conteúdo, causa-efeito, etc.

Vejamos o fenômeno metonímico, de acordo com os diversos tipos de relação:

a) Continente pelo conteúdo e vice-versa:

A menina comeu uma caixa de bombons. -O elemento que contém os bombons (a


caixa) está sendo usado no lugar do conteúdo (os bombons). É claro que a menina comeu o que
estava dentro da caixa e não a caixa.
Antes de visitar meu amigo, tomei um cálice de licor.
Cálice - conteúdo de um cálice.

Tomou uma taça de champanhe. Empregou-se o continente (que contém) pelo


conteúdo. (Ele não bebeu a taça, e sim o conteúdo dela.)
Estava com tanta fome que comeu vários pratos de comida.
A terra inteira lamentou a catástrofe.
O bandeirinha não assinalou a falta.
"o teatro aplaudiu o artista" => os espectadores aplaudiram o artista;

"beber um copo" => beber o líquido contido num copo

b) A causa pelo efeito e vice-versa:


23

Venci na vida com o suor de meu rosto. (O suor é efeito ou resultado e está sendo
usado no lugar da causa – o trabalho).
Ele aprendeu a viver de seu trabalho. (O trabalho é causa ou meio e está sendo usado
no lugar do efeito ou resultado, isto é, do dinheiro que se ganha com o trabalho).
Eles vivem do trabalho.
E assim o operário ia
Com suor e com cimento (= com trabalho)
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento." (Vinicius de Moraes)
Sócrates tomou a morte. Empregou-se a causa pelo efeito.
Causa: veneno/efeito: morte.
"As barbas longas merecem ser ouvidas" => deve prestar-se atenção aos mais idosos,
porque a longa experiência enriqueceu os seus conhecimentos e clarificou a sua razão.

c) O lugar de origem ou de produção pelo produto:


Presenteei Joana com uma garrafa do legítimo porto,
O vinho da cidade do Porto.
Comprei um belo panamá.
Empregou-se o lugar pelo produto – panamá: chapéu originário do Panamá.
Ele vai tomar um delicioso Madeira. – O produto vinho foi substituído pelo nome do
lugar em que este vinho é feito, ou seja, Ilha da Madeira.
Bebi champagne no Ano Novo. (Um tipo de vinho produzido na região de Champagne
foi ingerido.)
Felipe fumava um havana (Havana, capital de Cuba, país que produz charutos).

d) Autor pela obra:

Gosto de ler Clarice Lispector. (a obra de Clarice Lispector).


No museu está exposto um Ford antigo 24
(O nome do inventor do carro está sendo usado no lugar do nome do invento).
Encontrei uma bela definição de amor em Machado de Assis.
Vamos estudar Cecília Meireles nesse curso de poesia.
Gosto de ler Camões e ouvir Chopin.
“Devolva-me o Neruda que você me tomou e
nunca leu.” (Chico Buarque de Holanda e Francis Hime).
“... nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta pra lá faltava nas
estantes do major.”
Compraram um Portinari por um preço exorbitante.
Nas horas de folga escutava Mozart.

e) O abstrato pelo concreto e vice-versa:

A velhice deve ser respeitada.


(O abstrato velhice está sendo usado no lugar do concreto, ou seja, pessoas velhas).
Ele é um crânio. (O concreto crânio está sendo usado no lugar do abstrato, isto é,
inteligência.)
A infância é naturalmente agitada.
A juventude é dinâmica.
Aquele escritor tem um grande cérebro
A infância deve ser protegida.
“O amor é egoísta" => o ser possuído pelo amor é egoísta;
"Reuniu-se em Lisboa a cultura do país." => os homens cultos

"A juventude veste-se aqui" => os jovens

Ter ótima cabeça. (ser inteligente)

"Ele é um grande coração."(homem bom, com boas qualidades, generoso...) 25

"Ele tem maus fígados" ( é irascível)

f) O símbolo pela coisa simbolizada:

O trono foi disputado pelos revolucionários. – O trono aqui está simbolizando o poder
ou o império.
Ele é o herdeiro do trono. Empregou-se o símbolo pela coisa simbolizada –trono: reino,
império.
Ele está disputando uma cadeira no Senado.
Ele jamais abandonou a cruz. (O Cristianismo jamais foi abandonado.)
"a espada, a cruz, os louros" => o exército, a religião cristã, a glória; "o altar e o trono
=> a religião e o poder monárquico

"Nas caravelas de Portugal seguia sempre a cruz e a espada" => a religião e a força
militar.

g) A matéria pelo produto e vice-versa:

O Brasil trouxe ouro, prata e bronze da Olimpíada de 1996. (O Brasil trouxe medalhas
de ouro, prata e bronze.)
Lento, o bronze soa, chamando os fiéis à missa. – O bronze aqui está simbolizando o
sino.
O ferro feriu o peito dos combatentes. (A espada).

h) o inventor pelo seu invento:

26
Edson ilumina o mundo. – Edson está simbolizando a energia elétrica.

"Encontrava-se num dédalo" (a Dédalo se atribui a invenção do labirinto) - encontrava-


se num labirinto.

i) A coisa pelo lugar:

Vou à Prefeitura. – Prefeitura está simbolizando o edifício da Prefeitura.

j) o objeto pela pessoa que o utiliza:

Ele é um bom garfo. (Garfo é o instrumento utilizado para dizer que ele é guloso,
glutão.)
Observe este belo exemplo, retirado do romance “Senhora”, de José de Alencar: “Mas já
habituada à inversão que têm sofrido nossos costumes com a invasão das modas estrangeiras,
assentou a viúva que o último chique de Paris devia ser esse de trocarem os noivos o papel,
ficando ao fraque o recato feminino, enquanto a saia alardeava o desplante de leão.”
Fraque – significa homem
Saia - significa mulher
“Meu pai e o proprietário sumiram-se, foram cuidar de negócios, numa daquelas
conversas cheias de gritos. Minha mãe e eu ficamos cercados de saias.” (Infância – Graciliano
Ramos)
Ser uma pena brilhante. (ser ótimo escritor)
l) O todo pela parte e vice-versa:

Meus olhos estão tristes por que você decidiu partir.


“A boca morre de sede.” (Cecília Meireles)
boca – o corpo todo
Não tinha teto para morar. Empregou-se a parte pelo todo - teto: moradia. 27
O fazendeiro comprou algumas cabeças de gado.
A menina completou ontem quinze primaveras.
As velas rumaram para o mar.

m) O singular pelo plural e vice-versa:

O homem é mortal.
Isto é, os humanos é que são mortais.
O cão é um grande amigo do homem.
O brasileiro gosta muito de futebol.
"o português é valente" => os portugueses são valentes

"Aqui, o pescador vive em barracas de madeira que têm o aspecto de povoações


lacustres." (Raul Brandão) [o pescador => os pescadores]

n) o gênero pela espécie e vice-versa;

Os mortais são imperfeitos.


Isto é, os humanos são imperfeitos.
"o homem é mortal" (= a natureza humana é mortal),

"Por subir os mortais da terra ao céu" (L. Camões) => 'todos os homens' ;

"Um Nero" => homem cruel;


o) O produto pela marca:

“Mesmo com toda a fama


Com toda a Brahma
(...)
28
A gente vai levando.” (Chico Buarque e Caetano Veloso)

p) a divindade em vez do domínio em que exerce as suas funções:

"amigo de Baco" => 'amigo do vinho'

q) O específico pelo genérico e/ou o objetivo pelos meios:

"Não sabe ganhar o pão" => não sabe arranjar maneira de sobreviver, de arranjar
algumas economias...;

"ganhar a vida" => conseguir os meios de subsistência para viver.

r) O instrumento por aquele que o maneja:

"o baixo" => aquele que toca viola baixo

3.1.4 Sinestesia
29

"Sobre a terra amarga, caminhos têm o sonho."


(António Machado)

Consiste em mesclar, numa expressão, sensações percebidas por diferentes órgãos


do sentido. Fala-se de sinestesia quando detectamos uma combinação ou fusão de diversas
impressões sensoriais - visuais, auditivas, olfativas, gustativas e táteis - entre si, e também entre
as referidas sensações e sentimentos. No fundo, trata-se de um jogo em que a transposição dá
origem a metáforas sinestésicas: interpenetração sensorial, fundindo-se dois sentidos ou mais
(olfato, visão, audição, gustação e tato).

Ex.: "Mais claro e fino do que as finas pratas / O som da tua voz deliciava ... / Na
dolência velada das sonatas / Como um perfume a tudo perfumava. / Era um som feito luz, eram
volatas / Em lânguida espiral que iluminava / Brancas sonoridades de cascatas ... / Tanta
harmonia melancolizava." (Cruz e Souza)

"O céu ia envolvendo-a até comunicar-lhe a sensação do azul, acariciando-a como um


esposo, deixando-lhe o odor e a delícia da tarde." (Gabriel Miró)

"Que a alma que pode falar com os olhos também pode beijar com a face

"Que tristeza de odor a jasmim!" (Juan R. Jiménez)

"Insônia roxa. A luz a virgular-se em medo.


O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou

Gritam-me sons de cor e de perfumes." (M. Sá-Carneiro)

"E fere a vista com brancuras quentes" (Cesário Verde)

Sentiu um toque doce.

Era uma visão amarga. 30

Ele tinha uma voz sombria.

A luz crua da madrugada invadia meu quarto.


Um áspero sabor de indiferença a atormentava.
Como já vimos, sinestesia consiste na fusão de sensações diferentes numa mesma
expressão. Essas sensações podem ser físicas (gustação, audição, visão, olfato e tato) ou
psicológicas (subjetivas).

Exemplo:
"A minha primeira recordação é um muro velho, no quintal de uma casa indefinível.
Tinha várias feridas no reboco e veludo de musgo. Milagrosa aquela mancha verde [sensação
visual] e úmida, macia [sensações táteis], quase irreal." (Augusto Meyer)

cor berrante (visão e audição)

“Sua voz áspera como lixa vinha de longe, de certo dia da infância em que Liroc faltara
à escola (...)” Érico Veríssimo
audição e tato
“Avista-se o grito das araras.” (Guimarães Rosa)

"Os carinhos (tato) de Godofredo não tinham mais o gosto (paladar) dos primeiros
tempos." (Autran Dourado)

"O brilho macio do cetim." (visão + tato)

"O doce afago materno." (paladar + tato)


"Verde azedo." (visão + paladar)

"Aroma gritante." (olfato + audição)

3.1.5 Catacrese 31

Piano de cauda

Consiste em transferir a um elemento o sentido próprio de outro, por falta de expressão


específica; toma-se outro termo por empréstimo, mas devido ao uso contínuo, não mais se
percebe que ele está sendo empregado em sentido figurado. Segundo Othon M. Garcia, a
catacrese é um tipo especial de metáfora, uma espécie de metáfora desgastada, em que já não
se sente nenhum vestígio de inovação, de criação individual e pitoresca. É a metáfora tornada
hábito lingüístico, já fora do âmbito estilístico.
Ex.: Espalhar dinheiro (espalhar = separar palha)

"Distrai-se um deles a enterrar o dedo no tornozelo inchado." - O verbo enterrar era


usado primitivamente para significar apenas colocar na terra.

São exemplos de catacrese: 32

árvore genealógica
asa da xícara
asa do nariz
ala de edifício
barriga da perna
bico do bule
braço da poltrona
braço de mar
cabeça de prego
cabeça de alfinete
cabeça da mesa
cabelo de milho
cauda do piano
costas da cadeira
céu da boca
dente de alho
folhas de livro
folha de papel
maçãs do rosto
mão de direção
mão de pilão
menina dos olhos
montar em burro
olho d’água
pele de tomate
pé da cadeira
pé da cama
pé de laranja 33
pé da mesa
pé de meia
sacar dinheiro no banco
tronco telefônico
ventre da terra

Observe: Ele embarcou no avião das sete horas.


O braço da cadeira quebrou com tanto peso.
Embarcar pressupõe barco e não avião.
Braço pressupõe um membro do corpo e não parte de uma cadeira.
Leia o poema a seguir e note a ocorrência de catacrese:

Inutilidades

Ninguém coça as costas da cadeira,


Ninguém chupa a manga da camisa.
O piano jamais abana a cauda.
Tem asa, porém não voa, a xícara.

De que serve o pé da mesa se não anda?


E a boca da calça se não fala nunca?
Nem sempre o botão está em sua casa.
O dente de alho não morde coisa alguma.

Ah! se trotassem os cavalos do motor...


Ah! se fosse de circo o macaco do carro...
Então a menina dos olhos comeria 34
Até bolo esportivo e bala de revólver.
José Paulo Paes
No texto “Ministério das Perguntas Cretinas”, Millôr Fernandes explora as reações
entre os sentidos literal e metafórico dos enunciados e dele retiramos os exemplos abaixo:
“- O olho d’água tem pestana?
- A boca-da-noite diz nome feio?
- As maçãs do rosto têm vitaminas?
- A barriga da perna tem umbigo?
- Pé de vento calça meia?”

Outros exemplos onde ocorre catacrese:


A boca do forno estava enguiçada.
O pé da cama estava quebrado.
Ninguém coça as costas da cadeira.
Os braços da poltrona precisam ser reformados.
Você trincou a boca da garrafa.
O pé de laranja foi serrado.
Não deixe de colocar dois dentes de alho na comida.
“Fitei-a longamente, fixando meu olhar na menina dos olhos dela.”
3.1.6 Antonomásia ou Perífrase

35

Vamos visitar a Cidade Luz.

Ocorre perífrase quando se cria uma expressão para substituir o nome de algum
objeto, acidente geográfico ou situação que não se quer nomear; a expressão criada deverá
identificar com facilidade o termo substituído.
Antonomásia é um tipo especial de perífrase que consiste em substituir um nome
próprio por uma característica que o identifique com facilidade. Na linguagem coloquial,
antonomásia é o mesmo que apelido, alcunha ou cognome, cuja origem é um aposto (descritivo,
especificativo etc.) do nome próprio. Um tipo especial de perífrase que consiste na substituição
de um nome próprio por um nome comum, ou vice-versa, ou ainda pela denominação de alguém
por meio de suas características principais ou por fatos marcantes de sua vida

O Poeta dos Escravos. (Castro Alves)


A Redentora.

Ele é um D. Juan.

os quatro rapazes de Liverpool (em vez de Beatles)


a Cidade Eterna (em vez de Roma)
"Cidade maravilhosa 36
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil."
(André Filho)

O milionário da informática. (Bill Gates)

"Um Catão" __ assim se referia Ramalho Ortigão a Alexandre Herculano, para


expressar que este 'era virtuoso em extremo, um austero'.

O Boca do Inferno pode ser considerado o primeiro poeta


brasileiro.
Boca do Inferno = Gregório de Matos, poeta brasileiro do século
XVII, autor de inúmeras sátiras.
O Divino foi homenageado por João Cabral de Melo Neto com uma
bela poesia.
O Divino = Ademir da Guia, brilhante jogador do Palmeiras nas
décadas de 60 e 70, tema de uma poesia de João Cabral.
"E ao rabi simples 1, que a igualdade prega,
Rasga e enlameia a túnica inconsútil.”

(Raimundo Correia)
1 Cristo

Pelé (= Edson Arantes do Nascimento)


O Cisne de Mântua (= Virgílio)
O Dante Negro (= Cruz e Souza)
O Corso (= Napoleão)
“Ergue-te, pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz de sonho puro,


37
Sonhador, faze espada de combate.”

(Antero de Quental)

O rei das selvas habita a África. (leão)


O poeta dos escravos nasceu na Bahia. (Castro Alves)
A Cidade Luz é muito visitada por turistas. (Paris)
Das entranhas da terra jorra o ouro negro. (petróleo)
Santos Dumont, o Pai da Aviação, projetou e construiu os mais leves e possantes
aeroplanos.
No futebol brasileiro, ainda não surgiu quem substituísse o Rei. (Pelé).
Gostaria de conhecer a cidade eterna. (Roma)
Veja na poesia de Camões, a perífrase que ele usou para céu (assento etéreo):

“Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente


Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,


38

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.”

3.1.7 Alegoria

Papai Noel, um dos símbolos do Natal.


Consiste na representação de um conceito abstrato como um ser concreto e animado,
uma imagem de grande valor pictórico, geralmente humana. É uma acumulação de metáforas
referindo-se ao mesmo objeto; expressa uma situação global por meio de outra que a evoque e
intensifique o seu significado. Na alegoria, todas as palavras estão transladadas para um plano
que não lhes é comum e oferecem dois sentidos completos e perfeitos - um referencial e outro
metafórico.

39
A alegoria pode ser considerada como uma metáfora ou como uma comparação
prolongada, devendo o seu intérprete descobrir sob os significados literais e patentes, que em si
mesmos têm coerência, outros significados, significados de outra ordem.

Uma caveira com uma foice — alegoria da morte


Uma mulher vendada com uma espada numa mão e uma balança na outra — alegoria
da justiça
Papai Noel — alegoria do Natal
“...a nau que enfrenta um mar encapelado, dirigida por um piloto firme e hábil,
responsável pelo leme, que sabe evitar os escolhos e vencer as ondas e os ventos contrários" é
uma alegoria multissecular da vida política do Estado, agitada e perigosa, que exige um
governante com coragem e sabedoria.

Como igualmente alegórico é este extrato do Sermão de Santo António aos Peixes, do
Pe. António Vieira:

"O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus
raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão."

O polvo aparece aqui como uma notável representação alegórica da hipocrisia com
que se mascara o ser humano e, em particular, alguns membros da igreja.

A alegoria pode ser global, isto é, um texto literário pode conter alegorias, mas a
alegoria é particularmente utilizada em gêneros e subgêneros literários como a sátira, a fábula, a
parábola, o sermão e o apólogo (esta lista de gêneros e subgêneros demonstra bem o pendor
didático da alegoria).
As personagens de alguns autos de Gil Vicente - Auto da Alma, por exemplo - são
personagens alegóricas, na medida em que constituem representações do mal e do bem, do
vício e da virtude.

Uma ALEGORIA na qual se crê torna-se um MITO, dado que o MITO é uma
METÁFORA por projeção, fundada sobre uma analogia entre um fenômeno real e um fenômeno
imaginário, que é o reflexo e que adquire importância pelo fato de que o pensamento mítico 40

prefere o imaginário ao real. O imaginário é sempre mais intelegível que o real, mesmo se os
filósofos nele denunciam a irrealidade.
"A vida é uma ópera, é uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em
presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo
tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos
bailados, e a orquestra é excelente..." (Machado de Assis).

Abaixo há um trecho de um dos sermões do Padre Antônio Vieira, onde ele usou a
alegoria da árvore:

“(...) Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem
frutos. Assim há-de ser o sermão; há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no
Evangelho; há-de ter um tronco porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste
tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma
matéria e continuados nela; estes ramos não hão-de ser secos, senão cobertos de folhas,
porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que
são a repressão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo isto, há-
de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de ordenar o sermão (...).”

A Bíblia está repleta de alegorias, o próprio Cristo ensinava por meio delas. Mas antes
mesmo do Novo Testamento encontramos muitas alegorias, e muitos talvez considerem uma
das mais belas a que faz a comparação da história de Israel ao crescimento de uma vinha no
Salmo 80.

Os ditados populares são alegorias contextualizadas:


“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.”

“Mais vale um pássaro na mão que dois voando.”

“Casa de ferreiro, espeto de pau.”

41

3.2 FIGURAS DE PENSAMENTO

As figuras de pensamento são recursos de linguagem que se referem ao significado


das palavras, ao seu aspecto semântico.
São figuras de pensamento:
- antítese
- apóstrofe
- gradação
- eufemismo
- hipérbole
- ironia
- paradoxo
- prosopopéia

“O tempo não pára,


só a saudade que faz as coisas pararem no tempo...” (Mário Quintana)
3.2.1 Antítese

42

“De repente do riso fez-se o pranto”

Ocorre antítese quando há aproximação de palavras ou expressões de sentidos


opostos.

Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios" (Vinicius de Moraes)

No “Soneto de Separação”, de Vinícius de Moraes a antítese foi empregada diversas


vezes:

“De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma


E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


43
Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.”

Outros exemplos:

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

“Os jardins têm vida e morte”. (Cecília Meireles)

“São todas elas coisas perecíveis e eternas.”


“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso
passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.”

(Evolução – Mário Quintana)

“Eis a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas!”


44
(Vinícius de Moraes)

“Tão rápida partia de manhã como lenta voltava tarde” (José de Alencar)

Eu não sabia se ela ria ou chorava.

“O mito é o nada que é tudo.” (Fernando Pessoa)

“Aquela triste e leda madrugada.” (Camões)

Na falta de luz, a gente se acostuma com a escuridão.

“Morre! Tu viverás nas estradas que abriste.” (Camões)

“E tanta vida que meu peito enchia

Morreu na minha triste mocidade!” (Álvares de Azevedo)

"Amigos ou inimigos estão, amiúde, em posições trocadas. Uns nos querem mal, e
fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal." (Rui Barbosa)

“Eu também já tive meu ritmo.

Fazia isto, dizia aquilo.

E meus amigos me queriam

meus inimigos me odiavam“ (Carlos Drummond)


3.2.2 Apóstrofe

45

“Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?”


(Castro Alves)

Ocorre apóstrofe quando há invocação de uma pessoa ou algo, real ou imaginário, que
pode estar presente ou ausente. Corresponde ao vocativo na análise sintática e é utilizada para
dar ênfase à expressão. Consiste na interpelação enfática a alguém ou alguma coisa
personificada.
Como exemplo de apóstrofe está abaixo uma estrofe do poema “Navio Negreiro”, de
Castro Alves:

“Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!


Se é loucura...se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas


46

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão! “

“Mundo! Que és tu para um coração sem amor?”

“Toma-me, ó Noite Eterna, nos teus braços, e chama-me teu filho...”

“Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres

Que ninguém mais merece tanto amor e amizade”

(Vinícius de Morais)

3.2.3 Gradação
47

“Por mais que me procure,

antes de tudo ser feito,

eu era amor.

Só isso encontro

Caminho, navego, vôo,— sempre amor (...)”

(Cecília Meireles)

Ocorre gradação quando há uma seqüência de palavras que intensificam uma mesma
idéia apresentadas em progressão ascendente (clímax) ou descendente (anticlímax).
“Nada fazes, nada tramas, nada pensas que eu não saiba, que eu não veja, que eu
não conheça perfeitamente."
O carro arrancou, ganhou :velocidade e capotou.
O avião decolou, ganhou altura e caiu.
O balão inflou, começou a subir e apagou.
O fio da idéia cresceu, engrossou e partiu-se.
"Aqui... além... mais longe por onde eu movo o passo." (Castro Alves)
“Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo... (Vicente de Carvalho)

Os grandes projetos de colonização resultaram em pilhas de papéis velhos, restos de 48

obras inacabadas, hectares de floresta devastada, milhares de famílias abandonadas à própria


sorte.

“Nada fazes, nada tramas, nada pensas que eu não saiba, que eu não veja, que eu
não conheça perfeitamente.” (Cícero)

“Eu era pobre. Era um subalterno. Era nada”’ (Monteiro Lobato)

“De seu calmo esconderijo,

o ouro vem, dócil e ingênuo;

torna-se pó, folha, barra,

prestígio, poder, engenho...

É tão claro! – e turva tudo:

Honra, amor e pensamento!” (Cecília Meireles)

“Oh não aguardes que a madura idade,

Te converta essa flor, essa beleza,

Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.” (Gregório de Matos)

“Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,


Rota, baça, nojenta, vil

Sucumbiu....” (Raimundo Correia)

Dá-se o nome de gradação encadeada ou concatenação a este tipo de progressão: “As


preocupações trazem o aborrecimento; o aborrecimento traz a melancolia; a melancolia produz a
solidão; a solidão leva ao tédio; do tédio nasce a infelicidade; e a infelicidade conduz ao fim de
todas as coisas. 49

3.2.4 Eufemismo

Sob as águas muitos dormiam o sono eterno!

Consiste em empregar no lugar do termo próprio, outro que atenue ou evite a


expressão direta de uma idéia desagradável ou grosseira. A comunicação fica mais suave, a
expressão aliviada, tudo com o intuito de não se chocar o interlocutor, atenuando uma verdade
tida como penosa, desagradável ou chocante.
Exemplos: Depois de tanta luta, ele partiu para o outro mundo.
Depois de muito sofrimento, entregou a alma a Deus.
Ontem fui ao Campo Santo (em lugar de cemitério) e chorei de saudade.
Passou desta para uma melhor (em lugar de morreu).
Meu amigo foi chamado por Deus.
Ele enriqueceu através de meios ilícitos (em vez de ele roubou). 50
“Um dia hei de ir embora
Adormecer no derradeiro sono...” (Manuel Bandeira)
O médico visualizou, por alguns segundos, a cara magra do doente, antes que a última
paixão se calasse. Você faltou com a verdade. (Em lugar de mentiu)

Ele entregou a alma a Deus. (Em lugar de: Ele morreu)

Ele não está mais entre nós. (= morreu)

Já era um senhor. (= velho)

Era pouco chegado a higiene. (= sujo)

Nos fizeram varrer calçadas, limpar o que faz todo cão... (Em lugar de fezes)

Ela é minha ajudante (Em lugar de empregada doméstica)

"Trata-se de um usurpador do bem alheio..." (Em lugar de ladrão)

Filho do mesgramado! (Ao invés de desgraçado)

"Era uma estrela divina que ao firmamento voou!" (Em lugar de morreu) (Álvares de
Azevedo)

"Quando a indesejada da gente chegar" (Em lugar de a morte) (Manuel Bandeira)

Ele subtraiu os bens de tal pessoa. (Em vez de furtou)

"Para o porto de Lúcifer." (Em vez de inferno) (Gil Vicente)


"Verdades que esqueceram de acontecer" em lugar de mentira (Mário Quintana)

Na comunicação oral, o recurso a expressões eufêmicas é praticamente inevitável,


quando temos que nos referir a realidades relacionadas com a morte, a doença, atividades
sexuais e outras.

Um senhor pegou seu carro sem lhe avisar e sem a intenção de devolver! 51

"E pela paz derradeira1 que enfim vai nos redimir Deus lhe pague". (Chico Buarque)
1 paz derradeira: morte
Você não foi feliz nos exames (em vez de você foi reprovado)

O doente não estava muito bem. Mandaram chamar o vigário

Disfemismo

Ao contrário do eufemismo, consiste na intensificação do caráter desagradável ou


pejorativo de uma expressão, substituindo-a por outra mais ofensiva ou humilhante.

rolha-de-poço (= pessoa gorda)

pintor-de-rodapé (= pessoa baixa)

3.2.5 Hipérbole
52

Lua, já vim aqui mil vezes!

Ocorre hipérbole quando há exagero de uma idéia com finalidade enfática,


proporcionando uma imagem emocionante e de impacto.

Estou morrendo de sede. (em vez de estou com muita sede)


"Rios te correrão dos olhos, se chorares!"
(Olavo Bilac)
“No escuro explode a violência
Eu tava preparado
Descobri mil maneiras de dizer o teu nome.”
(Herbert Vianna )
Já chorei um mar de lágrimas por você. Hoje não mais.
Os olhos piscavam mil vezes por minuto diante do horrível espetáculo. 53

“Chorai, olhos de mil figuras, pelas mil figuras passadas, e pelas mil que vão
chegando. (...)” Cecília Meireles

Já te avisei mais de cem vezes, para não voltares a falar-me alto!".

“Então, por que olhas para o argueiro no olho do teu irmão, mas não tomas em
consideração a trave no teu próprio olho?”(Mateus 7:1-3)

“Rios te correrão dos olhos, se chorares! “(Olavo Bilac)

“Um quarteirão de perucas para Clodovil Pereira.” (José Cândido Carvalho)

“Na chuva de cores

Da tarde que explode

A lagoa brilha”

(Carlos Drummond de Andrade).

Eu já disse um milhão de vezes que não fui eu quem fez isso!


Ela morreu de medo ao assistir aquele filme de suspense.
Hoje está um frio de rachar!
Aquela mãe derramou rios de lágrimas quando seu filho foi preso.
Não convide o João para sua festa, porque ele come até explodir!

Os atletas chegaram morrendo de sede..


3.2.6 Ironia

54

Mas que vida difícil!

Ocorre quando pelo contexto, pela entonação, pela contradição de termos, sugere-se
o contrário do que as palavras ou orações parecem exprimir. A intenção é depreciativa ou
sarcástica, obtendo-se, com isso, efeito crítico ou humorístico.
“O ministro foi sutil como uma jamanta e fino como um hipopótamo!”
“A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças.”

"Moça linda, bem tratada,


três séculos de família,
burra como uma porta:
um amor."
(Mário de Andrade)
Todos os meus amigos têm sido campeões em tudo.

Moribundo na cama, a conversa sobre a bolsa de valores era muito interessante

"Que belo empregado tu me saíste!" [= irresponsável, incompetente...]

“Que pessoa linda!” (Quando, na verdade, se trata de um pequeno monstro).


55
“Vejam que bela administração a nossa!” (Quando se cai num buraco na rua,
lembrando-se do prefeito.)

Observe no texto seguinte como Chico Buarque trabalha ironicamente os provérbios:

Bom Conselho

“Ouça um bom conselho

Eu lhe dou de graça

Inútil dormir que a dor não passa

Espere sentado

Ou você se cansa

Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo

Deixe esse regaço

Brinque com meu fogo

Venha se queimar

Faça como eu digo

Faça como eu faço


Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo

Vim de não sei onde

Devagar é que não se vai longe


56

Eu semeio vento na minha cidade

Vou pra rua e bebo a tempestade”...

3.2.7 Paradoxo

“Mas nem sequer ouviste o que eu não disse.”

Guilherme de Almeida)
Ocorre paradoxo não apenas na aproximação de palavras de sentido oposto, mas
também na de idéias que se contradizem referindo-se ao mesmo termo. É uma verdade
enunciada com aparência de mentira. Oxímoro (ou oximoron) é outra designação para paradoxo.

Exemplos:
"Amor é fogo que arde sem se ver;
57
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;"
(Camões)
Ela chorou de tanto rir!

“Mas nem sequer ouviste o que eu não disse.” (G. de Almeida)

“O mito é o nada que é tudo.” (Fernando Pessoa)

“Este Amor, que, afinal, é a minha vida

e que será, talvez, a minha morte,

amor que me acalora e me intimida,

que me põe fraco quanto me põe forte;

este Amor, que é um broquel e é uma ferida,

vai decidir, por fim, a minha sorte.” (Hermes Fontes)

3.2.8 Prosopopéia
58

“Dorme, ruazinha... É tudo escuro...


E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos;”
(Mário Quintana)

Prosopopéia é uma figura de estilo que consiste em atribuir a objetos inanimados ou


seres irracionais sentimentos ou ações próprias dos seres humanos.

Dizer "está um dia triste" implica a atribuição de um sentimento a uma entidade que, de
fato, nunca poderá estar triste mas cujas características (céu nublado, frio, etc.) poderão conotar
tristeza para o ser humano.

Nas fábulas, a personificação toma um sentido simbólico, onde a atribuição de


determinadas características humanas a seres irracionais segue determinadas regras
determinadas pelo contexto sócio-cultural do autor: Os leões passam a ser corajosos (ou
fanfarrões, como na fábula do leão e do rato, de La Fontaine); as raposas tornam-se astutas (ou
desdenhosas); as características dos materiais passam a conotar o caráter humano ou o seu
estatuto em termos de poder (forte ou frágil, como na fábula da panela de ferro e da panela de
barro).
É uma figura de estilo freqüentemente utilizada na literatura infanto-juvenil, ao permitir
rasgos de fantasia que a literatura para adultos nem sempre permite, ainda que a ela recorra
frequentemente (por exemplo, no realismo mágico sul-americano ou em contos e novelas como
em O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado ou História de uma Gaivota e do Gato
que a ensinou a voar, de Luis Sepúlveda - que funcionam como fábulas modernas e que, tal
como em O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, esbatem as fronteiras entre o que é
59
literatura para adultos ou literatura para crianças).

Exemplos de personificação:

“Dorme, ruazinha… E tudo escuro…

E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?

Dorme o teu sono sossegado e puro

Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos

Dorme… Não há ladrões, eu te asseguro…

Nem guardas para acaso persegui-los…

Na noite alta, como sobre um muro,

As estrelinhas cantam como grilos…

O vento está dormindo na calçada,

O vento enovelou-se como um cão…

Dorme, ruazinha… Não há nada…

Só os meus passos… Mas tão leves são

Que até parecem, pela madrugada,

Os da minha futura assombração”… (Mário Quintana)


"Nas paredes escuramente visíveis do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso,
boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que
trepavam e desciam. Os móveis, maiores do que de dia, manchavam vagamente o absurdo da
treva. A porta era indicada por qualquer coisa nem mais branca, nem mais preta do que a noite,
mas diferente. Quanto á janela, eu só a ouvia.

Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da 60
minha alma alargava-se, alastrava, invadia o que eu sentia, o que eu queria, o que ia sonhar. Os
objetos vagos, participantes, na sombra, da minha insônia, passam a ter lugar e dor na minha
desolação."

Livro do Desassossego - Bernardo Soares

“O que mais enfurece o vento são esses poetas invertebrados que o fazem rimar com
lamento.” (Mário Quintana)

"O Gato disse ao Pássaro que tinha uma asa partida."

"O Vento suspirou e o Sol também."

"A Cadeira começou a gritar com a Mesa."

"O Sol amanheceu triste e escondido

"A lua, (...) Pedia a cada estrela fria / Um brilho de aluguel ..." (João Bosco / Aldir Blanc

O vento varria as folhas. Não é uma ação “comum” do vento varrer as folhas. Mas ao
imaginarmos o vento levando, carregando as folhas, ficamos a imaginar a poesia do fato e
chegamos ao verbo varrer.

“As águias e os astros amam esta região azul, vivem nesta região azul, palpitam nesta
região azul.”
O jardim olhava as crianças sem dizer nada.

"... os rios vão carregando as queixas do caminho."


(Raul Bopp)
“Um frio inteligente (...) percorria o jardim”...
(Clarice Lispector) 61

“E o vento brinca nos bigodes do construtor”

Drummond

Abaixo há um trecho da música Olé Olá, onde o autor, Chico Buarque de Holanda,
usou duas metáforas “a noite é criança”, “o samba é menino”, ou seja, brincalhões, alegres,
festivos e usou a prosopopéia “que a dor é tão velha”.
“Seu padre toque o sino,
Que é pra todo mundo saber
Que a noite é criança,
Que o samba é menino,
Que a dor é tão velha
Que pode morrer.”
Na mesma música, observe a poesia deste trecho da letra:
Não chore ainda não
Que eu tenho a impressão
Que um samba vem aí,
É um samba tão imenso
Que às vezes penso
Que o próprio tempo
Vai parar pra ouvir.
Chico Buarque usou duas prosopopéias “o samba vem aí” e “o tempo vai parar para
ouvir”.
O trecho abaixo, retirado do livro “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo, apresenta
um belíssimo exemplo de prosopopéia:
“Os ventos correm, voam, esmorecem, param, recomeçam, flutuam, assobiam, uivam,
riem. Dia e noite, sem descanso, em qualquer estação, tanto nos trópicos como nos pólos,
tocando sua trompa perdida, eles conduzem, entre a névoa e as ondas, a grande caça negra dos
naufrágios... Eles juntam as ondas e as separam, modelando, como se fora com milhões de
mãos, a docilidade da água em sua imensidão”. 62

No trecho abaixo, a descrição do autor lembra a floresta à noite. O barulho dos


animais, o vento, o assobio das folhas, tudo numa selvagem harmonia. Observe o uso da
prosopopéia:
“Bicadas contra os troncos dos carvalhos, animais se roçando, murmúrios de ondas,
fracos gemidos, mugidos abafados, suaves arrulhos enchem esses desertos com uma tenra e
selvagem harmonia. Mas, quando uma brisa vem animar a solidão, fortes ruídos saem do fundo
das florestas, coisas surpreendentes se desenrolam sob nosso olhar, que, em vão, tentaria
descrevê-las...” (Excerto de Atala, François-Renné de Chateaubriand).
"Horas mortas... Curvadas aos pés do monte

A planície é um brasido.. e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte." (Florbela Espanca)

Outros exemplos:
“As águias e os astros amam esta região azul, vivem nesta região azul, palpitam nesta
região azul.”
A inspiração surgiu, tomou conta de sua mente e frustrou-se.
A perversidade secreta daquelas montanhas selvagens assustava as calmas águas do
rio.
“O vento voa
A noite toda se atordoa.”
“Os pensamentos das árvores a respeito do mistério das cousas são tão estranhos
quanto os dos rios.”
“Acenando para a fonte, o riacho despediu-se triste e partiu para a longa viagem.”
“Os arbustos dançavam abraçados com os pinheiros a suave valsa do crepúsculo.”

“Entre o olhar respeitoso da tia


63
E o olhar confiante do cão
O menino inventava a poesia...
Em meio da ossaria
Uma caveira piscava-me...
Havia um vaga-lume dentro dela.
(Mário Quintana)

“Um pequeno grão de areia,

que era um pobre sonhador

Olhando o céu viu uma estrela

Imaginou coisa de amor."

"Já reparei que no seu peito Soluça o coração bem feito De você." (Mário de Andrade)

Em sonho, o morto gritava inúmeras vezes por Maria.

Numa casa conversavam animadamente um lápis e uma caneta.

"A Ilha era deserta e o mar com medo

da própria solidão já te sonhava.

Ia em vento chamar-te para longe

E longamente, em espuma, te aguardava." (Carlos de Oliveira)


"A chuva é obrigada a sentir que eles nem as encostas lhes estendem." (Jorge de
Sena)

"As estrelas foram chamadas e disseram: aqui estamos." (António Vieira)

"Entretanto, Lisboa arrojava-se aos meus pés." (Eça de Queirós)

"Um Sol rijo e pesadão, de todo genésico, espojava-se sobre a terra." (Aquilino Ribeiro) 64

"Vêem-se os salgueiros chorando os tradicionais amores de Pedro e Inês." (Fialho de


Almeida)

"Toda esta noite o rouxinol chorou,

Gemeu, rezou, gritou perdidamente." (Florbela Espanca)

"Naquela manhã de Março, o vento norte levantou-se mal-humorado" (António Botto)

"Plácida, a planície adormece, lavrada ainda de restos de calor." (Vergílio Ferreira)

"A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa" (Eça de Queirós)

Há, todavia, quem estabeleça distinção entre Prosopopéia/Personificação e Animismo,


reservando os dois primeiros para referir a atribuição de qualidades ou comportamentos
humanos a seres que o não são e o último termo para a expressão de sinais ou comportamentos
vitais atribuídos a coisas inanimadas, como as rochas, os metais, os objetos, etc.., mas sem os
elevar à categoria de humanos:

Exemplificando:

"As árvores torciam-se e gemiam, vergastadas pelo vento"

"Chegada a noite, os cumes das montanhas e os picos das serras deixavam-se


adormecer no travesseiro celeste.

"Sinos do Bonfim, por que choras assim?" Manuel Bandeira

A tarde se deitava nos meus olhos


E a fuga da hora me entregava abril,

Um sabor familiar de até-logo criava

Um ar, e, não sei por que, te percebi. (Mário de Andrade)

65
3.3 Figuras de harmonia

Chamam-se figuras de som ou de harmonia os efeitos produzidos na linguagem


quando há repetição de sons ou, ainda, quando se procura "imitar" sons produzidos por coisas
ou seres.

São figuras de harmonia:

- aliteração

- assonância

- paranomásia

- onomatopeia
66

Sentir-me só, não suporto!

Saber-te longe, sofrimento, saudade!

3.3.1 Aliteração

Big Bem
Consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais ou de sílabas.
Geralmente os poetas usam a aliteração para sugerir os ruídos da natureza. Nesse caso a
aliteração recebe o nome especial de harmonia imitativa.

A aliteração permite construir frases marcantes e é freqüentemente utilizada em títulos,


nomes de empresas, publicidade:
67
Coca Cola

Big Ben

Mickey Mouse

Peer-to-peer

Kurt Cobain

Marilyn Manson

“Esperando, parada, pregada na pedra do porto.” (Chico Buarque)

“Quem madruga sempre encontra Januária na janela.”

“Toda gente homenageia Januária na janela

até o mar faz maré cheia pra chegar mais perto dela.” (Chico Buarque)

“Despudorada, dada,/À danada agrada andar seminua.” (Chico Buarque)

“Chegamos de uma terra feia, fria, fétida, fútil. – O rei reza e rasga a raiva realmente. –
Ruem por terra as emperradas portas.” (Bocage)

Na estrofe abaixo, a repetição dos vês tem o objetivo de sugerir o sussurro do vento:

“Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas.


Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.”

(Cruz e Souza)

No exemplo a seguir, a sucessão dos erres procura sugerir o ruído que se segue a um
relâmpago: 68

“E o céu da Grécia, torvo, carregado,

Rápido o raio rútilo, retalha.” (Raimundo Correia)

Auriverde pendão de minha terra

Que a brisa do Brasil beija e balança (Castro Alves)

“Na sala, apenas quatro ou cinco convidados.”

(Machado de Assis)

“Suspiro e digo comigo mesmo – que amanhã acordarei cedo e irei.”

(Rubem Braga)

“Como eu bato batucada Beto bate a bola” (Sérgio Ricardo)

“Amor morto motor da saudade.” (Caetano Veloso)

“Pedro pedreiro penseiro esperando o trem

que já vem, que já vem, que já vem...” (Chico Buarque)

3.3.2 Assonância
69

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

(Cruz e Souza)

Consiste na repetição ordenada de mesmos sons vocálicos.

“Sou um mulato nato no sentido lato

mulato democrático do litoral”. (Caetano Veloso)

“O que o vago e incógnito desejo

de ser eu mesmo de meu ser me deu” (Fernando Pessoa)

“Sou Ana, da cama

da cana, fulana, bacana


Sou Ana de Amsterdam” (Chico Buarque)

Anule aliterações altamente abusivas

— manual de redação humorístico (aliteração em A)

70

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

— Cruz e Sousa (aliteração em A)

João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento

— Carlos Drummond de Andrade (aliteração em O)

A mágica presença das estrelas!

— Mario Quintana (aliteração em A)

“E bamboleando em ronda

dançam bandos tontos e bambos

de pirilampos.”

(Guilherme de Almeida)

“ A ponte aponta

e se desponta.

A tontinha tenta
limpar a tinta

ponto por ponto

e pinta por pinta...” (Cecília Meireles)

3.3.3 Paranomásia 71

Eu que passo, penso e peço...

(Sidney Miller)

Consiste na aproximação de palavras de sons parecidos.

“Violência, viola, violeiro...” (Edu Lobo)

"Berro pelo aterro pelo desterro


berro por seu berro pelo seu erro
quero que você ganhe que você me apanhe
sou o seu bezerro gritando mamãe."
(Caetano Veloso)

"Com tais premissas ele sem dúvida leva-nos às primícias" (Padre Antônio Vieira)

"Exportar é o que importa"' (Delfim Netto)


72
"Com os preços praticados em planos de saúde, uma simples fatura em decorrência de
uma fratura pode acabar com a nossa fartura" (Max Nunes

3.3.4 Onomatopéia

Às seis, o sino chamará os fiéis:

Delém dem, delém dem

Consiste na tentativa de se reproduzir lingüisticamente sons e ruídos do mundo


natural.
“Lá vem o vaqueiro pelos atalhos,

tangendo as reses para os currais.

Blem... blem... blem... cantam os chocalhos

Dos tristes bodes patriarcais.


73

E os guizos finos das ovelhinhas ternas

Dlin... dlin... dlin...

E o sino da igreja velha:

Bão... bão... bão...” (Ascenso Ferreira)

“Andorinha no fio

escutou um segredo.

Foi à torre da igreja,

Cochichou com o sino.

E o sino bem alto:

Delém – dem

Delém – dem

Delém – dem

Dem – dem!

Toda cidade

Ficou sabendo.” (Henriqueta Lisboa)


A onomatopéia é um vocábulo de grande valor expressivo. Quando se trata de
emissões sonoras humanas (espanto, alegria, dor etc.), os sons onomatopéicos obedecem aos
modelos fonológicos de uma língua, embora atinjam, de certa forma, a universalidade, já que
estão sempre associados de imagens. Observe os modelos:

Emoções humanas
74
Iau! = dor

Uau! = alegria

Glup! = espanto

Amph! = desagrado

Ah! Ah! Ah! = gargalhada

Atos humanos

Aaargh = força

Uff = esforço físico

Chomp, chomp, chomp, chomp = corrida

Poof! Poof! = soco

3.4 Figuras de sintaxe

As figuras de sintaxe ou de construção dizem respeito a desvios em relação à


concordância entre os termos da oração, sua ordem, possíveis repetições ou omissões.
Elas podem ser construídas por:
omissão: assíndeto, elipse e zeugma;
repetição: anáfora, pleonasmo e polissíndeto;
inversão: anástrofe, hipérbato, sínquise e hipálage;
ruptura: anacoluto;
concordância ideológica: silepse.
Portanto, são figuras de construção ou sintaxe:
- assíndeto
- elipse 75
- zeugma
- anáfora
- pleonasmo
- polissíndeto
- anástrofe
- hipérbato
- sínquise
- hipálage
- anacoluto
- silepse

3.4.1 Assíndeto

"Não sopra o vento; não gemem as vagas; não murmuram os rios."


Rui Barbosa
Ocorre assíndeto quando orações ou palavras deveriam vir ligadas por conjunções
coordenativas, aparecem justapostas ou separadas por vírgulas.

Exigem do leitor atenção maior no exame de cada fato, por exigência das pausas
rítmicas (vírgulas). Lava, passa, cozinha, cuida das crianças, alimenta os animais, varre o
terreiro, assa pão no forninho do quintal.

76

“Clara passeava no jardim com as crianças.

O céu era verde sobre o gramado

a água era dourada sob as pontes,

outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,

o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,

a menina pisou na relva para pegar um pássaro

o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.”

(Carlos Drummond de Andrade)

"Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio
ruída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira."
(Graciliano Ramos)

"Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro,
pegando-se, apertando-se, fundindo-se. (Machado de Assis)
3.4.2 Elipse

77

“Tão leve estou que já nem sombra tenho.” (Mário Quintana)

Ocorre elipse quando omitimos um termo ou oração que facilmente podemos identificar
ou subentender no contexto. Pode ocorrer na supressão de pronomes, conjunções, preposições
ou verbos. É um poderoso recurso de concisão e dinamismo.

"Veio sem pinturas, em vestido leve, sandálias coloridas." 1


Elipse do pronome ela (Ela veio) e da preposição de (de sandálias...)

Fizesse um dia de sol, iríamos à praia. (Se fizesse um dia de sol, iríamos à praia).

“Não quero a negra desnuda.

Não quero o baú do morto.

Eu quero o mapa das nuvens


E um barco bem vagaroso.” (Mário Quintana)

“Tenho 33 anos e uma gastrite.

Amo a vida que é cheia de crianças,

De flores e mulheres,
78

A vida, esse direito de estar no mundo,

Ter dois pés e mãos, uma cara

E a fome de tudo, a esperança.”

(Ferreira Gullar)

“Nobre animal, o poeta.” (Mário Quintana)

3.4.3 Zeugma

"Depois o areal extenso...


Depois o oceano de pó...
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só..."
(Castro Alves)

79

Ocorre zeugma quando um termo já expresso na frase é suprimido, ficando


subentendida sua repetição. Alguns estudam, outros não, por: alguns estudam, outros não
estudam. / "O meu pai era paulista / Meu avô, pernambucano / O meu bisavô, mineiro / Meu
tataravô, baiano." (Chico Buarque) - omissão de era

Ele prefere cinema; eu, teatro. (omissão de prefiro

"Foi saqueada a vida, e assassinados os partidários dos Felipes." 1


(Camilo Castelo Branco)
Zeugma do verbo: "e foram assassinados..."

“O animal teme a morte porque vive, O homem também, e porque a desconhece (...)”

Fernando Pessoa

“Os adultos possuem poder de decisão; os jovens, incertezas e conflitos.

“O sonho dorme na fronha,

a camisa precordial,

nódoas da fome da criança

na toalha da mesa nova!”

(Mauro Mota)
“Você me conta um verso, eu escrevo outro.” (Paulo César Pinheiro)

3.4.4 Anáfora

80

Vi uma estrela tão alta,

Vi uma estrela tão fria

Vi uma estrela luzindo

Na minha vida vazia. (Manuel Bandeira)

Ocorre anáfora quando há repetição intencional de palavras no início de um período,


frase ou verso.

Como forma de organizar o texto, repete-se, a espaços regulares, uma palavra, uma
expressão, uma frase.

“Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um
contentamento descontente; É dor que desatina sem doer”
"Olha a voz que me resta / Olha a veia que salta / Olha a gota que falta / Pro desfecho
que falta / Por favor." (Chico Buarque)

“São cinco horas da tarde. Hora elegante, hora do chá inglês que o mundo adotou,
hora clara em que estão presos todos os demônios e atadas as mãos das feiticeiras e dos elfos.”

Oswald de Andrade 81

Tudo cura o tempo, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.”

(Padre Antônio Vieira)

“Se você gritasse,

Se você gemesse,

Se você tocasse

A valsa vienense,

Se você dormisse,

Se você cansasse,

Se você morresse...

Mas você não morre,

Você é duro, José! (Carlos Drummond de Andrade)

“Grande no pensamento, grande na ação, grande na glória, grande no infortúnio, ele


morreu desconhecido e só.” (Rocha Lima)

“Eu quase não saio

Eu quase não tenho amigo

Eu quase não consigo


Ficar na cidade sem viver contrariado.” (Gilberto Gil)

3.4.5 PLEONASMO

82

Vi com meus próprios olhos a beleza do farol.


Ocorre pleonasmo quando há repetição da mesma idéia, isto é, redundância de
significado para reforçar a mensagem.

a) Pleonasmo literário
É o uso de palavras redundantes para reforçar uma idéia, tanto do ponto de vista
semântico quanto do ponto de vista sintático. Usado como um recurso estilístico enriquece a
expressão, dando ênfase à mensagem.

"Iam vinte anos desde aquele dia


Quando com os olhos eu quis ver de perto
Quando em visão com os da saudade via. (Alberto de Oliveira)
"Morrerás morte vil na mão de um forte." (Gonçalves Dias)
"Ó mar salgado, quando do teu sal
São lágrimas de Portugal" (Fernando Pessoa)
Outros exemplos: 83

Ao pobre não lhe devo nada.

“Dói-me no coração Uma dor que me envergonha...” Fernando Pessoa

"E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu contentamento." (Vinicius
de Moraes), Ao pobre não lhe devo (OI pleonástico)

"Vi com estes olhos que a terra hão-de comer"

Vi claramente visto o lume vivo

Que a gente tem por santo" (Camões)

Todos nus e da cor da treva escura" (Camões)

"Vistos com os olhos, palpados com as mãos, pisados com os pés" (A. Vieira.

b) Pleonasmo vicioso

É o desdobramento de idéias que já estavam implícitas em palavras anteriormente


expressas. Pleonasmos viciosos devem ser evitados, pois não têm valor de reforço de uma idéia,
sendo apenas fruto do descobrimento do sentido real das palavras.

Em sentido de plenitude é uma figura pela qual se acrescenta à expressão do


pensamento, para reforçar a clareza ou a energia, palavras que seriam inúteis à integridade
gramatical:

subir para cima entrar para dentro


repetir de novo ouvir com os ouvidos
hemorragia de sangue monopólio exclusivo
breve alocução principal protagonista

3.4.6 Polissíndeto 84

A energia da árvore me seduz

e me atrai

e me fascina

e me deixa tonto!

Ocorre polissíndeto quando há repetição enfática de uma conjunção coordenativa mais


vezes do que exige a norma gramatical ( geralmente a conjunção e). É um recurso que sugere
movimentos ininterruptos ou vertiginosos.
"Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!" (Olavo Bilac)

E sob ondas ritmadas

e sob as nuvens e os ventos

e sob as pontes e sob o sarcasmo


85

e sob a gosma e sob o vômito (...)” (Carlos Drummond de Andrade)

O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora." (Machado de Assis)

"No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego

Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! "(Olavo Bilac)

“O ar da sala estava turvo de fumaça; isso e o calor, e o peso da cerveja, e o ruído das
conversas e risos ia me deixando apático e desinteressado” (José Veiga )

O menino resmunga, e chora, e esperneia, e grita, e maltrata.

"E sob as ondas ritmadas / e sob as nuvens e os ventos / e sob as pontes e sob o
sarcasmo / e sob a gosma e o vômito. (Carlos Drummond de Andrade)

"Vão chegando as burguesinhas pobres,

e as criadas das burguesinhas ricas


e as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.(Manuel Bandeira)
“... de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira.
“E sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.

Às vezes um botão. Às vezes um rato.” 86


(Carlos Drummond de Andrade)

“Onde queres revólver sou coqueiro


E onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo
E onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada nada falta
E onde voas bem alto eu sou o chão
E onde pisas o chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão.”
(Caetano Veloso)

3.4.7 Anástrofe

"Voavam folhas amareladas por entre saudades emurchecidas".

(Cecília Meireles)
Ocorre anástrofe quando há uma simples inversão de palavras vizinhas, mudando a
ordem natural dos termos na frase
“De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.”
"Tão leve estou 1 que nem sombra tenho." (Mário Quintana)
Estou tão leve...
87

"Um ramo na mão tinha.." (Camões)

“Abandonaram os ninhos as andorinhas e despediram-se na aventura das suas asas."


(Cari)

"Um ramo na mão tinha.." (Camões)

3.4.8 Hipérbato

Na plenitude da paisagem me concentrava eu.


Ocorre hipérbato quando há uma inversão completa de membros da frase. Designa a
transferência de palavras e as construções realmente insólitas que contribuem para a
transformação artística da linguagem. Geralmente, o hipérbato é utilizado seja para que a nossa
atenção se centre sobre o elemento deslocado, seja para se obter determinados efeitos fônicos
ou outros.

O HIPÉRBATO é uma figura de construção que consiste na inversão violenta da ordem 88

normal dos membros de uma frase, podendo manifestar-se pela separação do substantivo e do
adjetivo, pela colocação do sujeito ou do verbo no fim da oração, pela alteração do lugar habitual
de complementos regidos preposicionalmente, etc.

Esta figura foi utilizada com muita freqüência na poesia barroca. O deslocamento dos
adjetivos constitui o mais clássico e eficaz dos HIPÉRBATOS.

"Casos que o Adamastor contou futuros" (L. Camões)

"Tamanho o ódio foi e a má vontade" (L. Camões)

"Que sejam, determino, agasalhados

Nesta costa africana como amigos." (Camões)

"O céu fere com gritos nisto a gente" (Camões)

"E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Corendo com firmeza, assomam as varinas" (Cesário Verde)

"Nas pernas me fiava eu." (Aquilino Ribeiro)

"Essas que ao vento vêm / Belas chuvas de Junho!" (Joaquim Cardoso)

"Da morte o manto lutuoso vos cobre a todos.", por: O manto lutuoso da morte vos
cobre a todos.

Vingai a pátria ou valentes / Da pátria tombai no chão!" (Fagundes Varela)

"Qual vermelhas as armas faz de brancas," (Camões)


"Dos cavalos o estrépido parece" (L. Camões)

"de África as terras e do Oriente os mares" (L. Camões)

"Longas são as estradas da Galiléia." (Eça de Queirós)

"Passeiam à tarde, as belas na Avenida.(Carlos Drummond de Andrade)


As belas passeiam na Avenida à tard 89

3.4.9 Sínquise

"Lícias, pastor - enquanto o sol recebe,

Mugindo, o manso armento e ao largo espraia,

Em sede abrasa, qual de amor por Febe,

- Sede também, sede maior, desmaia." (Alberto de Oliveira)


A SÍNQUISE corresponde ao caos da seqüência vocabular da frase, o qual resulta do emprego
da repetição da anástrofe e do hipérbato e chega quase a obscurecer o sentido da frase: Ocorre
sínquise quando há uma inversão violenta de distantes partes da frase. É um hipérbato
exagerado.

Abaixo, o poema “Taça de Cristal”. de Alberto de Oliveira

90
Lícias, pastor — enquanto o sol recebe,

Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.

Em sede abrasa, qual de amor por Febe,

— Sede também, sede maior, desmaia.

Bebe, e a golpe e mais golpe: — "Quer ventura

(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,

E outra fique a penar, zagala ingrata!

Outra que mais me aflige e me tortura,

E não em vaso assim, mas de uma boca

Na taça de coral é que se mata",

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia

A sede d'água: entre vinhedo e sebe

Corre uma linfa, e ele no seu de faia

De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

[Entenda-se: ''Lícias, pastor, enquanto o manso armento recebe o sol e, mugindo,


espraia ao largo __, abrasa em sede, qual desmaia de amor por Febe”)

"A grita se alevanta ao Céu, da gente." (Camões)


A grita da gente se alevanta ao Céu.

“... entre vinhedo e sebe

Corre uma linfa, e ele no seu de faia

De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.” (Alberto de Oliveira)


91

Uma linfa corre entre vinhedo e sebe, e ele bebe no seu tarro escultado, de faia (árvore) de ao
pé do Alfeu (imagem do rio Alfeu)

3.4.10 Hipálage

A buzina impaciente do carro atrapalhou sua concentração.

Ocorre hipálage quando há inversão da posição do adjetivo: uma qualidade que


pertence a um objeto é atribuída a outro, na mesma frase.
a buzina impaciente do carro (o motorista é que é impaciente, não o carro ou a buzina)
as vizinhas das janelas fofoqueiras (são as vizinhas que são fofoqueiras, não as
janelas)

o vôo negro dos urubus (são os urubus que são negros, não seu vôo)

“... em cada olho um grito castanho de ódio.” (Dálton Trevisan) 92

em cada olho castanho um grito de ódio..

"... as lojas loquazes dos barbeiros." (Eça de Queiros)

as lojas dos barbeiros loquazes.

3.4.11 Anacoluto

Eu, parece-me que enlouqueci..

Termo solto na frase, quebrando a estruturação lógica. Normalmente, inicia-se uma


determinada construção sintática e depois se opta por outra.
Eu, parece-me que vou desmaiar. / Minha vida, tudo não passa de alguns anos sem
importância (sujeito sem predicado) / Quem ama o feio, bonito lhe parece (alteraram-se as
relações entre termos da oração)

A vida, não sei realmente se ela vale alguma coisa.

Ocorre anacoluto quando há interrupção do plano sintático com que se inicia a frase, 93
alterando-lhe a seqüência lógica. A construção do período deixa um ou mais termos - que não
apresentam função sintática definida - desprendidos dos demais, geralmente depois de uma
pausa sensível.

Pode-se topicalizar (colocar como tópico, no início de uma frase) uma palavra ou
expressão que, dentro da estrutura da oração não possui função sintática.
Exemplo:

“O homem, chamar-lhe mito não passa de anacoluto.”

(Carlos Drummond de Andrade)

A dona da casa, ninguém é melhor cozinheira!

Do amoroso esquecimento

“Eu, agora - que desfecho! Já nem penso mais em ti...

Mas será que nunca deixo

De lembrar que te esqueci?”

(Espelho Mágico- Mário Quintana)

“Sempre que chove

Tudo faz tanto tempo

E qualquer poema que acaso


eu escreva

Vem sempre datado de 1779!” (Preparativos de Viagem - Mário Quintana)

“Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...


94

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!” (Mário Quintana)

“Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas de
tão imprestáveis.” (José Lins do Rego)

3.4.12 Silepse

Os escritores gostamos de caminhar...


Consiste na concordância não com o que vem expresso, mas com o que se entende,
com o que está implícito. A silepse pode ser de gênero, de número e de pessoa.

Exemplos:

a) silepse de gênero: discordância entre os gêneros gramaticais 95


(masculino ou feminino).

Vossa Excelência está preocupado.

Vossa Excelência é pouco conhecido.

São Paulo é violenta.

A dinâmica e populosa São Paulo sofreu mais uma vez com as


enchentes.

“O animal é tão bacana

mas também não é nenhum banana.”

(Enriques, Bardotti e Chico Buarque)

d) silepse de número: discordância envolvendo o número gramatical (singular ou


plural)
Os Sertões conta a Guerra dos Canudos.

Os Sertões foi escrito por Euclides da Cunha.

Os Lusíadas glorificou nossa Literatura.

“Esta gente está furiosa e com medo; por conseqüência, capazes de tudo.” (Garret)

“Corria gente de todos lados, e gritavam.” (Mário Barreto)

A molecada corria pelas ruas e atiravam pedras

e) silepse de pessoa: discordância entre o sujeito expresso e a pessoa verbal.


“O que me parece inexplicável é que os brasileiros persistamos em comer essa
coisinha verde e mole que se derrete na boca... “ (Manuel Bandeira);

Os pobres corremos da polícia.

“Dizem que os cariocas somos pouco dados aos jardins públicos.” 96

(Machado de Assis)

“A gente não sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente.”

(Roger Rocha Moreira)

“Ambos recusamos praticar este ato.”

(Alexandre Herculano)
REFERÊNCIAS

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44ª edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2001
97
BECHARA, E., 2000, Moderna Gramática Portuguesa, 37 ed., Editora Lucerna, Rio de Janeiro,
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BOSI, A., 1980, História Concisa da Literatura Brasileira, 2 ed., Editora Cultrix, São Paulo, SP

CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 43. ed. São Paulo, Nacional,
2000

CUNHA, Celso (1976): Gramática do Português Contemporâneo [6ª ed. revista]: Editora
Bernardo Álvares, S. A..Belo Horizonte

CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 3ª
edição. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2001

HOLANDA, A. B., 1988, Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, 1 ed., Editora
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LEME, O. S. Tirando dúvidas de Português. 2. ed. São Paulo, Ática, 1995.

MOREIRA, A., ARAÚJO, D, 1977, Português e Literatura - Visão Atual, 2 ed., Record Cultural,
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NICOLA, J., 1988, Literatura Brasileira - Das Origens Aos Nossos Dias, 8 ed., Editora
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PERINI, Mário A. Gramática Descritiva do Português. 4ª edição. Editora Ática. São Paulo.
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ROCHA LIMA, C. H., 1999, Gramática Normativa da Língua Portuguesa, 37 ed., José Olympio
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- Textos Comentados, Vol. 1, 1 ed., Marco Editorial, São Paulo, SP

TUFANO, D., 1979, Estudos de Língua e Literatura, Vol. 2, 1 ed., Editora Moderna, São Paulo,
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TUFANO, D., 1978, Estudos de Língua e Literatura, Vol. 1, 1 ed., Editora Moderna, São Paulo,
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Figuras: http://olhares.aeiou.pt/ - (retiradas em Janeiro de 2008).

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