FIGURASSAÚDE
DE LINGUAGEM
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99p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-567-2
CDD 415
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................4
2 CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO .................................................................................................6
2
3 FIGURAS DE LINGUAGEM ......................................................................................................10
3.1 Figuras de palavra ...................................................................................................................11
3.1.1 Comparação ..............................................................................................................................12
3.1.2 Metáfora ....................................................................................................................................15
3.1.3 Metonímia ..................................................................................................................................21
3.1.4 Sinestesia ..................................................................................................................................28
3.1.5 Catacrese ..................................................................................................................................31
3.1.6 Perífrase ....................................................................................................................................35
3.1.7 Alegoria .....................................................................................................................................38
3.2 FIGURAS DE PENSAMENTO ..................................................................................................41
3.2.1 Antítese .....................................................................................................................................42
3.2.2 Apóstrofe ..................................................................................................................................45
3.2.3 Gradação ...................................................................................................................................46
3.2.4 Eufemismo.................................................................................................................................49
3.2.5 Hipérbole ...................................................................................................................................51
3.2.6 Ironia..........................................................................................................................................54
3.2.7 Paradoxo ...................................................................................................................................56
3.2.8 Prosopopéia ..............................................................................................................................57
3.3 Figuras de Harmonia ...............................................................................................................65
3.3.1 Aliteração...................................................................................................................................66
3.3.2 Assonância ................................................................................................................................68
3.3.3 Paranomásia .............................................................................................................................71
3.3.4 Onomatopéia .............................................................................................................................72
3.4 Figuras de síntaxe ...................................................................................................................74
3.4.1 Assíndeto...................................................................................................................................75
3.4.2 Elipse .........................................................................................................................................77
3.4.3 Zeugma .....................................................................................................................................78
3.4.4 Anáfora ......................................................................................................................................80
3.4.5 Pleonasmo.................................................................................................................................82 3
3.4.6 Polissíndeto ...............................................................................................................................84
3.4.7 Anástrofe ...................................................................................................................................86
3.4.8 Hipérbato ...................................................................................................................................87
3.4.9 Sínquise.....................................................................................................................................89
3.4.10 Hipálage ....................................................................................................................................91
3.4.11 Anacoluto...................................................................................................................................92
3.4.12 Silepse .......................................................................................................................................94
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................97
1 INTRODUÇÃO
"Coisas da terra"
Ferreira Gullar
8
"Todas as coisas de que falo
a palavra solidária
no coração de maio.
mundo novo,
12
Exemplos:
“O gato é preguiçoso como uma segunda-feira.”
(Mário Quintana)
“Inocente como uma mosca que aceita convite de aranha.”
(Telmo Martino)
“ É que teu riso penetra n'alma
Como a harmonia de uma orquestra santa.”
(Castro Alves)
“ A via-láctea se desenrolava
(Olavo Bilac)
(Sophia M. B. Andresen)
"... de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face"
3.1.2 Metáfora
nem porto
e partem.
“Bachelard escreveu seu livro A chama de uma vela quando se sentiu velho. Olhou
para a chama e se viu nela refletido. Chama: ela só é à medida que a vela deixa de ser. Uma
vela apagada seria eterna, como as pedras. Mas, para ser eterna, ela teria de aceitar o triste
destino de jamais iluminar a escuridão. A chama de uma vela é metáfora da vida. A vida é uma
vela que se consome, iluminando...” (Rubem Alves – Fiquei Velho)
(Cecília Meireles)
"Veja bem, nosso caso / É uma porta entreaberta." (Luís Gonzaga Junior)
“Somente a Ingratidão — essa pantera —
"Trave da tua casa, lume da tua lareira." José Saramago (Referindo-se à avó)
"Que é Poesia?
de palavras
por todos
Biografia:“Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia
adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.” (Mário Quintana)
20
“Eu sou a borboleta mais vadia
na doce flor da tua hipocrisia.”
(João Bosco e Aldir Blanc)
“Sou fera ferida.
No corpo, na alma e no coração.”
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
21
Venci na vida com o suor de meu rosto. (O suor é efeito ou resultado e está sendo
usado no lugar da causa – o trabalho).
Ele aprendeu a viver de seu trabalho. (O trabalho é causa ou meio e está sendo usado
no lugar do efeito ou resultado, isto é, do dinheiro que se ganha com o trabalho).
Eles vivem do trabalho.
E assim o operário ia
Com suor e com cimento (= com trabalho)
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento." (Vinicius de Moraes)
Sócrates tomou a morte. Empregou-se a causa pelo efeito.
Causa: veneno/efeito: morte.
"As barbas longas merecem ser ouvidas" => deve prestar-se atenção aos mais idosos,
porque a longa experiência enriqueceu os seus conhecimentos e clarificou a sua razão.
O trono foi disputado pelos revolucionários. – O trono aqui está simbolizando o poder
ou o império.
Ele é o herdeiro do trono. Empregou-se o símbolo pela coisa simbolizada –trono: reino,
império.
Ele está disputando uma cadeira no Senado.
Ele jamais abandonou a cruz. (O Cristianismo jamais foi abandonado.)
"a espada, a cruz, os louros" => o exército, a religião cristã, a glória; "o altar e o trono
=> a religião e o poder monárquico
"Nas caravelas de Portugal seguia sempre a cruz e a espada" => a religião e a força
militar.
O Brasil trouxe ouro, prata e bronze da Olimpíada de 1996. (O Brasil trouxe medalhas
de ouro, prata e bronze.)
Lento, o bronze soa, chamando os fiéis à missa. – O bronze aqui está simbolizando o
sino.
O ferro feriu o peito dos combatentes. (A espada).
26
Edson ilumina o mundo. – Edson está simbolizando a energia elétrica.
Ele é um bom garfo. (Garfo é o instrumento utilizado para dizer que ele é guloso,
glutão.)
Observe este belo exemplo, retirado do romance “Senhora”, de José de Alencar: “Mas já
habituada à inversão que têm sofrido nossos costumes com a invasão das modas estrangeiras,
assentou a viúva que o último chique de Paris devia ser esse de trocarem os noivos o papel,
ficando ao fraque o recato feminino, enquanto a saia alardeava o desplante de leão.”
Fraque – significa homem
Saia - significa mulher
“Meu pai e o proprietário sumiram-se, foram cuidar de negócios, numa daquelas
conversas cheias de gritos. Minha mãe e eu ficamos cercados de saias.” (Infância – Graciliano
Ramos)
Ser uma pena brilhante. (ser ótimo escritor)
l) O todo pela parte e vice-versa:
O homem é mortal.
Isto é, os humanos é que são mortais.
O cão é um grande amigo do homem.
O brasileiro gosta muito de futebol.
"o português é valente" => os portugueses são valentes
"Por subir os mortais da terra ao céu" (L. Camões) => 'todos os homens' ;
"Não sabe ganhar o pão" => não sabe arranjar maneira de sobreviver, de arranjar
algumas economias...;
3.1.4 Sinestesia
29
Ex.: "Mais claro e fino do que as finas pratas / O som da tua voz deliciava ... / Na
dolência velada das sonatas / Como um perfume a tudo perfumava. / Era um som feito luz, eram
volatas / Em lânguida espiral que iluminava / Brancas sonoridades de cascatas ... / Tanta
harmonia melancolizava." (Cruz e Souza)
"Que a alma que pode falar com os olhos também pode beijar com a face
Exemplo:
"A minha primeira recordação é um muro velho, no quintal de uma casa indefinível.
Tinha várias feridas no reboco e veludo de musgo. Milagrosa aquela mancha verde [sensação
visual] e úmida, macia [sensações táteis], quase irreal." (Augusto Meyer)
“Sua voz áspera como lixa vinha de longe, de certo dia da infância em que Liroc faltara
à escola (...)” Érico Veríssimo
audição e tato
“Avista-se o grito das araras.” (Guimarães Rosa)
"Os carinhos (tato) de Godofredo não tinham mais o gosto (paladar) dos primeiros
tempos." (Autran Dourado)
3.1.5 Catacrese 31
Piano de cauda
árvore genealógica
asa da xícara
asa do nariz
ala de edifício
barriga da perna
bico do bule
braço da poltrona
braço de mar
cabeça de prego
cabeça de alfinete
cabeça da mesa
cabelo de milho
cauda do piano
costas da cadeira
céu da boca
dente de alho
folhas de livro
folha de papel
maçãs do rosto
mão de direção
mão de pilão
menina dos olhos
montar em burro
olho d’água
pele de tomate
pé da cadeira
pé da cama
pé de laranja 33
pé da mesa
pé de meia
sacar dinheiro no banco
tronco telefônico
ventre da terra
Inutilidades
35
Ocorre perífrase quando se cria uma expressão para substituir o nome de algum
objeto, acidente geográfico ou situação que não se quer nomear; a expressão criada deverá
identificar com facilidade o termo substituído.
Antonomásia é um tipo especial de perífrase que consiste em substituir um nome
próprio por uma característica que o identifique com facilidade. Na linguagem coloquial,
antonomásia é o mesmo que apelido, alcunha ou cognome, cuja origem é um aposto (descritivo,
especificativo etc.) do nome próprio. Um tipo especial de perífrase que consiste na substituição
de um nome próprio por um nome comum, ou vice-versa, ou ainda pela denominação de alguém
por meio de suas características principais ou por fatos marcantes de sua vida
Ele é um D. Juan.
(Raimundo Correia)
1 Cristo
(Antero de Quental)
3.1.7 Alegoria
39
A alegoria pode ser considerada como uma metáfora ou como uma comparação
prolongada, devendo o seu intérprete descobrir sob os significados literais e patentes, que em si
mesmos têm coerência, outros significados, significados de outra ordem.
Como igualmente alegórico é este extrato do Sermão de Santo António aos Peixes, do
Pe. António Vieira:
"O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus
raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão."
O polvo aparece aqui como uma notável representação alegórica da hipocrisia com
que se mascara o ser humano e, em particular, alguns membros da igreja.
A alegoria pode ser global, isto é, um texto literário pode conter alegorias, mas a
alegoria é particularmente utilizada em gêneros e subgêneros literários como a sátira, a fábula, a
parábola, o sermão e o apólogo (esta lista de gêneros e subgêneros demonstra bem o pendor
didático da alegoria).
As personagens de alguns autos de Gil Vicente - Auto da Alma, por exemplo - são
personagens alegóricas, na medida em que constituem representações do mal e do bem, do
vício e da virtude.
Uma ALEGORIA na qual se crê torna-se um MITO, dado que o MITO é uma
METÁFORA por projeção, fundada sobre uma analogia entre um fenômeno real e um fenômeno
imaginário, que é o reflexo e que adquire importância pelo fato de que o pensamento mítico 40
prefere o imaginário ao real. O imaginário é sempre mais intelegível que o real, mesmo se os
filósofos nele denunciam a irrealidade.
"A vida é uma ópera, é uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em
presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo
tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos
bailados, e a orquestra é excelente..." (Machado de Assis).
Abaixo há um trecho de um dos sermões do Padre Antônio Vieira, onde ele usou a
alegoria da árvore:
“(...) Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem
frutos. Assim há-de ser o sermão; há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no
Evangelho; há-de ter um tronco porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste
tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma
matéria e continuados nela; estes ramos não hão-de ser secos, senão cobertos de folhas,
porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que
são a repressão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo isto, há-
de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de ordenar o sermão (...).”
A Bíblia está repleta de alegorias, o próprio Cristo ensinava por meio delas. Mas antes
mesmo do Novo Testamento encontramos muitas alegorias, e muitos talvez considerem uma
das mais belas a que faz a comparação da história de Israel ao crescimento de uma vinha no
Salmo 80.
41
42
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios" (Vinicius de Moraes)
Outros exemplos:
“Tão rápida partia de manhã como lenta voltava tarde” (José de Alencar)
"Amigos ou inimigos estão, amiúde, em posições trocadas. Uns nos querem mal, e
fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal." (Rui Barbosa)
45
Ocorre apóstrofe quando há invocação de uma pessoa ou algo, real ou imaginário, que
pode estar presente ou ausente. Corresponde ao vocativo na análise sintática e é utilizada para
dar ênfase à expressão. Consiste na interpelação enfática a alguém ou alguma coisa
personificada.
Como exemplo de apóstrofe está abaixo uma estrofe do poema “Navio Negreiro”, de
Castro Alves:
(Vinícius de Morais)
3.2.3 Gradação
47
eu era amor.
Só isso encontro
(Cecília Meireles)
Ocorre gradação quando há uma seqüência de palavras que intensificam uma mesma
idéia apresentadas em progressão ascendente (clímax) ou descendente (anticlímax).
“Nada fazes, nada tramas, nada pensas que eu não saiba, que eu não veja, que eu
não conheça perfeitamente."
O carro arrancou, ganhou :velocidade e capotou.
O avião decolou, ganhou altura e caiu.
O balão inflou, começou a subir e apagou.
O fio da idéia cresceu, engrossou e partiu-se.
"Aqui... além... mais longe por onde eu movo o passo." (Castro Alves)
“Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo... (Vicente de Carvalho)
“Nada fazes, nada tramas, nada pensas que eu não saiba, que eu não veja, que eu
não conheça perfeitamente.” (Cícero)
3.2.4 Eufemismo
Nos fizeram varrer calçadas, limpar o que faz todo cão... (Em lugar de fezes)
"Era uma estrela divina que ao firmamento voou!" (Em lugar de morreu) (Álvares de
Azevedo)
Um senhor pegou seu carro sem lhe avisar e sem a intenção de devolver! 51
"E pela paz derradeira1 que enfim vai nos redimir Deus lhe pague". (Chico Buarque)
1 paz derradeira: morte
Você não foi feliz nos exames (em vez de você foi reprovado)
Disfemismo
3.2.5 Hipérbole
52
“Chorai, olhos de mil figuras, pelas mil figuras passadas, e pelas mil que vão
chegando. (...)” Cecília Meireles
“Então, por que olhas para o argueiro no olho do teu irmão, mas não tomas em
consideração a trave no teu próprio olho?”(Mateus 7:1-3)
A lagoa brilha”
54
Ocorre quando pelo contexto, pela entonação, pela contradição de termos, sugere-se
o contrário do que as palavras ou orações parecem exprimir. A intenção é depreciativa ou
sarcástica, obtendo-se, com isso, efeito crítico ou humorístico.
“O ministro foi sutil como uma jamanta e fino como um hipopótamo!”
“A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças.”
Bom Conselho
Espere sentado
Ou você se cansa
Venha se queimar
3.2.7 Paradoxo
Guilherme de Almeida)
Ocorre paradoxo não apenas na aproximação de palavras de sentido oposto, mas
também na de idéias que se contradizem referindo-se ao mesmo termo. É uma verdade
enunciada com aparência de mentira. Oxímoro (ou oximoron) é outra designação para paradoxo.
Exemplos:
"Amor é fogo que arde sem se ver;
57
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;"
(Camões)
Ela chorou de tanto rir!
3.2.8 Prosopopéia
58
Dizer "está um dia triste" implica a atribuição de um sentimento a uma entidade que, de
fato, nunca poderá estar triste mas cujas características (céu nublado, frio, etc.) poderão conotar
tristeza para o ser humano.
Exemplos de personificação:
Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da 60
minha alma alargava-se, alastrava, invadia o que eu sentia, o que eu queria, o que ia sonhar. Os
objetos vagos, participantes, na sombra, da minha insônia, passam a ter lugar e dor na minha
desolação."
“O que mais enfurece o vento são esses poetas invertebrados que o fazem rimar com
lamento.” (Mário Quintana)
"A lua, (...) Pedia a cada estrela fria / Um brilho de aluguel ..." (João Bosco / Aldir Blanc
O vento varria as folhas. Não é uma ação “comum” do vento varrer as folhas. Mas ao
imaginarmos o vento levando, carregando as folhas, ficamos a imaginar a poesia do fato e
chegamos ao verbo varrer.
“As águias e os astros amam esta região azul, vivem nesta região azul, palpitam nesta
região azul.”
O jardim olhava as crianças sem dizer nada.
Drummond
Abaixo há um trecho da música Olé Olá, onde o autor, Chico Buarque de Holanda,
usou duas metáforas “a noite é criança”, “o samba é menino”, ou seja, brincalhões, alegres,
festivos e usou a prosopopéia “que a dor é tão velha”.
“Seu padre toque o sino,
Que é pra todo mundo saber
Que a noite é criança,
Que o samba é menino,
Que a dor é tão velha
Que pode morrer.”
Na mesma música, observe a poesia deste trecho da letra:
Não chore ainda não
Que eu tenho a impressão
Que um samba vem aí,
É um samba tão imenso
Que às vezes penso
Que o próprio tempo
Vai parar pra ouvir.
Chico Buarque usou duas prosopopéias “o samba vem aí” e “o tempo vai parar para
ouvir”.
O trecho abaixo, retirado do livro “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo, apresenta
um belíssimo exemplo de prosopopéia:
“Os ventos correm, voam, esmorecem, param, recomeçam, flutuam, assobiam, uivam,
riem. Dia e noite, sem descanso, em qualquer estação, tanto nos trópicos como nos pólos,
tocando sua trompa perdida, eles conduzem, entre a névoa e as ondas, a grande caça negra dos
naufrágios... Eles juntam as ondas e as separam, modelando, como se fora com milhões de
mãos, a docilidade da água em sua imensidão”. 62
Outros exemplos:
“As águias e os astros amam esta região azul, vivem nesta região azul, palpitam nesta
região azul.”
A inspiração surgiu, tomou conta de sua mente e frustrou-se.
A perversidade secreta daquelas montanhas selvagens assustava as calmas águas do
rio.
“O vento voa
A noite toda se atordoa.”
“Os pensamentos das árvores a respeito do mistério das cousas são tão estranhos
quanto os dos rios.”
“Acenando para a fonte, o riacho despediu-se triste e partiu para a longa viagem.”
“Os arbustos dançavam abraçados com os pinheiros a suave valsa do crepúsculo.”
"Já reparei que no seu peito Soluça o coração bem feito De você." (Mário de Andrade)
"Um Sol rijo e pesadão, de todo genésico, espojava-se sobre a terra." (Aquilino Ribeiro) 64
"A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa" (Eça de Queirós)
Exemplificando:
65
3.3 Figuras de harmonia
- aliteração
- assonância
- paranomásia
- onomatopeia
66
3.3.1 Aliteração
Big Bem
Consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais ou de sílabas.
Geralmente os poetas usam a aliteração para sugerir os ruídos da natureza. Nesse caso a
aliteração recebe o nome especial de harmonia imitativa.
Big Ben
Mickey Mouse
Peer-to-peer
Kurt Cobain
Marilyn Manson
até o mar faz maré cheia pra chegar mais perto dela.” (Chico Buarque)
“Chegamos de uma terra feia, fria, fétida, fútil. – O rei reza e rasga a raiva realmente. –
Ruem por terra as emperradas portas.” (Bocage)
Na estrofe abaixo, a repetição dos vês tem o objetivo de sugerir o sussurro do vento:
(Cruz e Souza)
No exemplo a seguir, a sucessão dos erres procura sugerir o ruído que se segue a um
relâmpago: 68
(Machado de Assis)
(Rubem Braga)
3.3.2 Assonância
69
(Cruz e Souza)
70
“E bamboleando em ronda
de pirilampos.”
(Guilherme de Almeida)
“ A ponte aponta
e se desponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta
3.3.3 Paranomásia 71
(Sidney Miller)
"Com tais premissas ele sem dúvida leva-nos às primícias" (Padre Antônio Vieira)
3.3.4 Onomatopéia
“Andorinha no fio
escutou um segredo.
Delém – dem
Delém – dem
Delém – dem
Dem – dem!
Toda cidade
Emoções humanas
74
Iau! = dor
Uau! = alegria
Glup! = espanto
Amph! = desagrado
Atos humanos
Aaargh = força
3.4.1 Assíndeto
Exigem do leitor atenção maior no exame de cada fato, por exigência das pausas
rítmicas (vírgulas). Lava, passa, cozinha, cuida das crianças, alimenta os animais, varre o
terreiro, assa pão no forninho do quintal.
76
"Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio
ruída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira."
(Graciliano Ramos)
"Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro,
pegando-se, apertando-se, fundindo-se. (Machado de Assis)
3.4.2 Elipse
77
Ocorre elipse quando omitimos um termo ou oração que facilmente podemos identificar
ou subentender no contexto. Pode ocorrer na supressão de pronomes, conjunções, preposições
ou verbos. É um poderoso recurso de concisão e dinamismo.
Fizesse um dia de sol, iríamos à praia. (Se fizesse um dia de sol, iríamos à praia).
De flores e mulheres,
78
(Ferreira Gullar)
3.4.3 Zeugma
79
“O animal teme a morte porque vive, O homem também, e porque a desconhece (...)”
Fernando Pessoa
a camisa precordial,
(Mauro Mota)
“Você me conta um verso, eu escrevo outro.” (Paulo César Pinheiro)
3.4.4 Anáfora
80
Como forma de organizar o texto, repete-se, a espaços regulares, uma palavra, uma
expressão, uma frase.
“Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um
contentamento descontente; É dor que desatina sem doer”
"Olha a voz que me resta / Olha a veia que salta / Olha a gota que falta / Pro desfecho
que falta / Por favor." (Chico Buarque)
“São cinco horas da tarde. Hora elegante, hora do chá inglês que o mundo adotou,
hora clara em que estão presos todos os demônios e atadas as mãos das feiticeiras e dos elfos.”
Oswald de Andrade 81
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
3.4.5 PLEONASMO
82
a) Pleonasmo literário
É o uso de palavras redundantes para reforçar uma idéia, tanto do ponto de vista
semântico quanto do ponto de vista sintático. Usado como um recurso estilístico enriquece a
expressão, dando ênfase à mensagem.
"E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu contentamento." (Vinicius
de Moraes), Ao pobre não lhe devo (OI pleonástico)
"Vistos com os olhos, palpados com as mãos, pisados com os pés" (A. Vieira.
b) Pleonasmo vicioso
3.4.6 Polissíndeto 84
e me atrai
e me fascina
e me deixa tonto!
“O ar da sala estava turvo de fumaça; isso e o calor, e o peso da cerveja, e o ruído das
conversas e risos ia me deixando apático e desinteressado” (José Veiga )
"E sob as ondas ritmadas / e sob as nuvens e os ventos / e sob as pontes e sob o
sarcasmo / e sob a gosma e o vômito. (Carlos Drummond de Andrade)
3.4.7 Anástrofe
(Cecília Meireles)
Ocorre anástrofe quando há uma simples inversão de palavras vizinhas, mudando a
ordem natural dos termos na frase
“De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.”
"Tão leve estou 1 que nem sombra tenho." (Mário Quintana)
Estou tão leve...
87
3.4.8 Hipérbato
normal dos membros de uma frase, podendo manifestar-se pela separação do substantivo e do
adjetivo, pela colocação do sujeito ou do verbo no fim da oração, pela alteração do lugar habitual
de complementos regidos preposicionalmente, etc.
Esta figura foi utilizada com muita freqüência na poesia barroca. O deslocamento dos
adjetivos constitui o mais clássico e eficaz dos HIPÉRBATOS.
"Da morte o manto lutuoso vos cobre a todos.", por: O manto lutuoso da morte vos
cobre a todos.
3.4.9 Sínquise
90
Lícias, pastor — enquanto o sol recebe,
Uma linfa corre entre vinhedo e sebe, e ele bebe no seu tarro escultado, de faia (árvore) de ao
pé do Alfeu (imagem do rio Alfeu)
3.4.10 Hipálage
o vôo negro dos urubus (são os urubus que são negros, não seu vôo)
3.4.11 Anacoluto
Ocorre anacoluto quando há interrupção do plano sintático com que se inicia a frase, 93
alterando-lhe a seqüência lógica. A construção do período deixa um ou mais termos - que não
apresentam função sintática definida - desprendidos dos demais, geralmente depois de uma
pausa sensível.
Pode-se topicalizar (colocar como tópico, no início de uma frase) uma palavra ou
expressão que, dentro da estrutura da oração não possui função sintática.
Exemplo:
Do amoroso esquecimento
“Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas de
tão imprestáveis.” (José Lins do Rego)
3.4.12 Silepse
Exemplos:
“Esta gente está furiosa e com medo; por conseqüência, capazes de tudo.” (Garret)
(Machado de Assis)
(Alexandre Herculano)
REFERÊNCIAS
BOSI, A., 1980, História Concisa da Literatura Brasileira, 2 ed., Editora Cultrix, São Paulo, SP
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 43. ed. São Paulo, Nacional,
2000
CUNHA, Celso (1976): Gramática do Português Contemporâneo [6ª ed. revista]: Editora
Bernardo Álvares, S. A..Belo Horizonte
CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 3ª
edição. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2001
HOLANDA, A. B., 1988, Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, 1 ed., Editora
Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ
MOREIRA, A., ARAÚJO, D, 1977, Português e Literatura - Visão Atual, 2 ed., Record Cultural,
Rio de Janeiro, RJ
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