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Discurso, mídia e produção de

sentidos: questões de leitura e de


formação na contemporaneidade
Maria da Glória Corrêa di Fanti*

Resumo
Considerações iniciais
Considerando a diversidade de
discursos que circulam na mídia e a Parece inquestionável que vivemos
necessidade de se comprender os dife-
em uma sociedade de informação, já que
rentes funcionamentos de construção
de sentidos, trazemos para discussão na atualidade, em especial nos centros
duas charges que ilustram a proble- urbanos, se tem acesso a uma grande
mática relativa à leitura na contem- quantidade de materiais disponíveis.
poraneidade. A primeira charge, pu- Assim como há espaços seletivos reser-
blicada em 30 de dezembro de 2011,
ao gerar variadas reações de leitores, vados para leitura, arte e educação, como
provocou o surgimento de uma se- bibliotecas, livrarias, cinemas, teatros,
gunda charge, em 05 de janeiro de universidades, escolas, etc., há também,
2012. Este artigo, visando apresentar com uma abrangência bem maior, espa-
reflexões sobre como os sentidos são
produzidos nas charges selecionadas,
ços em que circulam outras formas de
busca ilustrar de que maneira a teo- informação, arquitetadas em diferentes
ria bakhtiniana, que subsidia teorica- linguagens verbais e não verbais, via te-
mente esta reflexão, pode contribuir levisão (noticiários, programas de audi-
para a análise de gêneros midiáticos
tório, reportagens, novelas, entrevistas,
mais ou menos complexos e, conse-
quentemente, colaborar para a forma- documentários, anúncios publicitários,
ção de leitores proficientes. etc.), internet (sites, redes sociais, e-mail,
etc.), espaço público (outdoors, panfletos,
Palavras-chave: Leitura. Charge. Pro- etc.), revistas, jornais, entre outros.
dução de sentidos. Tensão. Teoria dia-
lógica do discurso. *
Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Desenvolve pesquisa com o apoio da Fapergs (Edital
Pesquisador Gaúcho - 2014). E-mail: gloria.difanti@
pucrs.br
Data de submissão: set. 2015 – Data de aceite: nov. 2015
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v11i2.5503

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Se, por um lado, há muitos meios de é como podemos perceber a constitutiva
se ter acesso à informação, por outro, relação de tensão entre os discursos. No
há um problema que afeta a sociedade que se refere ao ensino, da mesma for-
contemporânea: a inconsistência da ma, não reparamos essa preocupação. É
formação. O que se observa é que infor- comum, por exemplo, trabalhar-se com
mação e formação não caminham neces- noções como gêneros do discurso, cen-
sariamente na mesma direção. Nesse tral para o ensino, mas deixar de lado a
cenário, nós, profissionais da área da tensão, ou seja, o conflito constitutivo da
linguagem, que atuamos na graduação e produção de linguagem, da produção dos
pós-graduação, nos deparamos com desa- sentidos, como é o caso da relação entre
fios constantes no exercício da formação aspectos estáveis e instáveis, elementos
acadêmica. Será que, em meio a tanta repetíveis e irrepetíveis do gênero. A
informação, estamos formando pesqui- questão das escolhas do locutor, obser-
sadores e leitores críticos, capazes de vadas a partir do projeto enunciativo e
discernir, fazer escolhas e compreender pelos recursos de linguagem, ao mobili-
ativamente os discursos em circulação, zar um determinado gênero se, por um
tornando-se sujeitos de sua formação? lado, entram em relação de aproximação
Será que estamos formando pesquisa- com alguns discursos, por outro, entram
dores e professores capazes de também em relação de distanciamento.
formar leitores críticos em suas práticas Nesse caminho, considerando a diver-
tanto na Escola como na Universidade? sidade de gêneros em circulação, temos
Partindo desses questionamentos, nos debruçado sobre a análise de discur-
desenvolvemos, com base na perspectiva sos midiáticos, de modo a desenvolver
bakhtiniana, a pesquisa A constitutiva reflexões que proporcionem compreender
e tensa relação com o discurso do outro: como os sentidos se produzem na e pela
questões de pesquisa e de formação na linguagem, bem como se criam efeitos
contemporaneidade (DI FANTI, 2014), outros de sentido que podem não ser
voltada para o estudo da tensão entre percebidos por leituras superficiais. Os
discursos, como dimensão fundamental discursos da mídia são férteis para essa
da constituição do discurso e da constru- reflexão devido aos variados funciona-
ção dos sentidos.1 O que se nota é que a mentos e também à força midiática em
relação de tensão é pouco desenvolvida fazer circular uns e não outros discursos,
tanto no que se refere à pesquisa, quanto conforme o público que quer atingir.
ao ensino de leitura e produção de textos. Ademais, como entende Charaudeau
Não é raro nos depararmos com pesqui- (2009, p. 19), a mídia, dentre seus apelos,
sas embasadas na teoria bakhtiniana para atingir um maior número de in-
que tratam da relação entre discursos, terlocutores, constrói discursos a partir
o que é pouco contemplado, no entanto, de uma “hipótese fraca”, ao considerar

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seus interlocutores pouco esclarecidos. pressuposto que há uma relação de ten-
A “hipótese forte” exigiria maior escla- são entre discursos e que é importante
recimento por parte dos interlocutores, considerá-la nas práticas de leitura, são
o que reduziria a abrangência midiática. postos em discussão, em um primeiro
Tais considerações permitem observar a momento, aspectos da constituição
importância do grau de esclarecimento enunciativa do discurso da Charge 1. Em
por parte do público-alvo da instância um segundo momento, é apresentada
midiática, que poderá ser mais ou me- uma breve discussão sobre a Charge 2,
nos crítico frente à opacidade própria buscando desenvolver reflexões sobre as
da linguagem e seus recursos verbais e distintas arquitetônicas entre ambas e a
não verbais. consequente contribuição para a forma-
Considerando o cenário apresentado, ção de leitor.
trazemos para reflexão duas charges de
autoria do cartunista Iotti, uma publicada Teoria dialógica do
no dia 30 de dezembro de 2011 e a outra
no dia 05 de janeiro de 2012 no jornal Zero
discurso: tensão entre
Hora. A primeira charge, apresentando discursos e construção
uma arquitetônica mais complexa com- de sentidos
parada à segunda, ilustra a problemática
relativa à dificuldade de leitura, no que Desde os textos iniciais do Círcu-
tange à necessidade de formar leitores lo de Bakhtin como é o caso de Para
proficientes que compreendam o funcio- uma filosofia do ato (BAKHTIN, 1920-
namento do discurso e os sentidos que 1924/2010), a questão da alteridade se
são produzidos. A segunda charge emerge apresenta como base para tratar do ato
como uma resposta à primeira, em uma ético, responsável e responsivo, já que
arquitetônica acessível para diferentes a relação eu / outro fundamenta a sua
leitores, tentando mostrar para o público constituição. 2 O ato, entendido como
que não entendeu a primeira charge a um evento único do ser, é o meio para
posição do cartunista Iotti. se superar toda forma de exclusividade,
O objetivo deste artigo é apresentar em especial a cultura e a vida, uma vez
reflexões sobre como os sentidos são que só se pode observar uma dimensão
produzidos, de modo a ilustrar de que a partir de outra. Assim, em sua intei-
maneira a teoria bakhtiniana pode reza, coexistindo diferenças, o ato, em
contribuir para a análise de gêneros sua irrepetibilidade, se constitui pela
midiáticos mais ou menos complexos forma e o conteúdo, a teoria e a prática,
e, consequentemente, colaborar para o processo e o produto. Ao mesmo tempo,
a formação de leitores proficientes. No todo dado se realiza em conjunção com
que tange à metodologia, tomando como outros dados, dando origem a uma cria-

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ção única, com sentido singular. O ato é que possa parecer, a enunciação “consti-
de responsabilidade de um “eu”, que não tui apenas uma fração de uma corrente
tem álibi para não o assumir, na indisso- de comunicação verbal ininterrupta
ciável relação com o “outro”, instituindo […]”, devendo, por isso, ser sempre ex-
a alteridade constitutiva. plicada pelo seu vínculo com a situação
Essa reflexão remete à tensa relação concreta em um curso histórico.4
com o discurso do outro, que integra os Em La construcción de la enunciaci-
fundamentos do pensamento bakhti- ón, Bajtin/Voloshinov destaca que:
niano no que se refere à alteridade e [...] cada enunciação da vida cotidiana […]
ao dialogismo, observada em diferentes compreende, além da parte verbal, uma
dimensões, como em eu-para-mim (como parte extraverbal, subentendida – situação
e auditório –, sem cuja compreensão não
eu me vejo, tendo em vista a perspectiva é possível entender a enunciação mesma
do outro), outro-para-mim (como eu vejo (1929-1930/1993, p. 248).
o outro) e eu-para-outro (como o outro me
Essa orientação social que pressupõe
vê) (BAKHTIN, 1922-1924/2003; 1920-
as projeções feitas ao outro tanto no
1924/2010). Cada um, ocupando singu-
que tange a aspectos verbais quanto a
larmente um lugar num tempo definido,
gestuais
pode ver no outro o que ele sozinho não
[...] é uma das forças organizadoras vivas
consegue ver, pois são diferenciados ho-
que, junto com a situação da enunciação,
rizontes de valor. Percebe-se assim uma constituem não só a sua forma estilística,
relação de interdependência entre o eu mas também sua estrutura gramatical
e o outro, necessária para a constituição (1929-1930/1993, p. 256).

do sujeito, do discurso e do sentido. Tais Desse modo, a palavra e o gesto da


facetas impõem a percepção de tensões, mão, a expressão do rosto e a posição do
no dizer de Amorim (2007, p. 43), em corpo são igualmente dependentes da
que as diferenças não se fundem, “mas orientação social. Assim, a resposta ao
se multiplicam ao infinito”.3 interlocutor pode ser, se não com pala-
Procurando observar a relação de ten- vras, por gestos:
são nos conceitos do Círculo de Bakhtin [...] um movimento de cabeça, um sorriso
a fim de iluminar as reflexões sobre a […] etc. Pode-se dizer que qualquer comu-
produção de sentidos a partir dos estudos nicação verbal, qualquer interação verbal,
se desenvolve na forma de intercâmbio de
da linguagem, notamos que todo discur-
enunciações, ou seja, na forma de diálogo
so é parte integrante de uma discussão (1929-1930/1993, p. 250, grifo do autor,
ideológica maior, ou seja, “responde a al- tradução livre).
guma coisa, refuta, confirma, antecipa as
Nessa perpectiva, toda enunciação,
respostas e objeções potenciais, procura
por mais monológica que possa parecer
apoio etc.” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
(palestra, discurso interior, etc.), é, em
1929/1995, p. 123). Por mais completa
sua essência, dialógica, pois é impregna-

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da por valorações de outros discursos e verbal (recursos linguísticos), forma com-
sujeitos, como a de um ouvinte potencial. posicional (estrutura) e tema (sentido
Discorrendo sobre a constituição do singular) (BAKHTIN, 1952-1953/2003).
enunciado, Bakhtin observa que, dife- Como formas discursivas dinâmicas,
rentemente da oração, unidade abstrata históricas e culturais, que permitem as
da língua, que não suscita atitude res- interações verbais, os gêneros refletem
ponsiva, o enunciado, unidade mínima de modo mais imediato, preciso e flexível
da comunicação discursiva, é delimitado as mudanças que transcorrem na vida
pela alternância de sujeitos responsivos social, uma vez que, inseparáveis das
que se valem do auxílio de formas lin- práticas sociais, se realizam em esferas
guísticas (BAKHTIN, 1952-1953/2003, de atividades humanas. Ainda que os
p. 276). Desse modo, destaca que todo gêneros discursivos apresentem carac-
enunciado – desde uma única palavra terísticas mais ou menos estáveis, são
até um romance de vários volumes – reelaborados, ressignificados, reacen-
tem “autor” e “destinatário” (BAKHTIN, tuados a cada enunciação, já que novos
1952-1953/1992, p. 320-321). A percep- acentos valorativos se inscrevem nas
ção do “destinatário” ou a ideia que se práticas discursivas, passando a refletir
tem dele “determina” a composição e o a individualidade do falante, seu estilo
estilo do enunciado, a sua expressivi- pessoal, na relação com o outro (discur-
dade constitutiva. Em outros termos, o sos e sujeitos).
enunciado é tecido a partir de algumas Na materialização dos gêneros, além
questões: “A quem se dirige?”; “Como o da forma composicional, relativa à sua
locutor (ou o escritor) percebe e imagina organização, é fundamental a forma
seu destinatário?”; “Qual é a força da arquitetônica, em sua singularidade,
influência deste sobre o enunciado?”. no que diz respeito a valorações entre
Com isso, como afirma o pensador russo, locutor, objeto de dizer e interlocutor.
enquanto falamos, sempre levamos em Seguindo o pensamento bakhtiniano, So-
conta quem é nosso interlocutor: “o grau bral (2010, p. 77) observa que, enquanto
de informação que ele tem da situação, a forma composicional se vincula com as
seus conhecimentos especializados na estruturas textuais, “a forma arquitetô-
área de determinada comunicação”. nica se vincula com o projeto enunciativo
O projeto enunciativo do dizer, ar- do autor, com o tipo de relação com o
ticulado ao conjunto das projeções ao interlocutor que ele propõe”. Na inte-
interlocutor, em uma situação específica, ração entre as formas, a arquitetônica,
materializa-se em um dado gênero do com seu jogo de valorações, determina
discurso. Considerados como “tipos” de a composição, podendo se realizar de
enunciados com relativa estabilidade, várias maneiras.
os gêneros são constituídos por estilo

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A entonação, materializada pelos acen- p. 330), na tessitura do discurso verbal,
tos valorativos, tons, “sempre se encontra cujas palavras são repletas de voz (pon-
no limite entre o verbal e o extraverbal, tos de vista, visões de mundo, posições),
entre o dito e o não dito” (VOLOCHÍNOV/ já que “não existem palavras sem voz,
BAKHTIN, 1926/2011, p. 160). É pela palavras de ninguém. Em cada palavra
entonação, que é ativa e social, que se há vozes às vezes infinitamente distan-
observa a relação indissolúvel da palavra tes, anônimas [...] quase imperceptíveis,
com o acontecimento da vida, do locutor e vozes próximas, que soam concomitan-
com o interlocutor e do locutor com o ob- temente”. Para tratar do discurso, enten-
jeto do dizer, o que aponta para o fato de dido como “a língua em sua integridade
que a enunciação concreta “nasce, vive e concreta e viva”, Bakhtin centra atenção
morre no processo de interação social dos nas relações dialógicas (relações de
participantes da enunciação” (p. 165). São sentido), sem desconsiderar as análises
as particularidades da interação que vão linguísticas e seus resultados (relações
definir o modo do dizer e produzir uns ou lógicas) (BAKHTIN, (1929)1963/1997,
outros sentidos. p. 181).5
A palavra, nessa perspectiva, ao ser No ensaio O discurso no roman-
acentuada valorativamente, é o resul- ce (1934-1935), que integra Teoria
tado da relação entre o locutor e seus do romance I: A estilística, Bakhtin
interlocutores, tendo em vista intera- (1930-1936/2015) discute a questão da
ções já realizadas e a se concretizarem. pluralidade de vozes no discurso. Ao
Exprime a posição de “um” em relação desenvolver a noção de heterodiscurso,
ao “outro”: “na palavra me dou forma a destacando o heterodiscurso dialogizado
mim mesmo do ponto de vista do outro como “o autêntico meio da enunciação, no
[…] do ponto de vista de minha comuni- qual ela se forma e vive” (p. 42), observa
dade” (VOLOŠINOV, 1929/2010, p. 299). a importância de se analisar a relação
A palavra, além de ser um território entre as vozes discursivas, de modo
partilhado pelo locutor e o interlocutor, que se perceba não só a diversidade de
é um signo ideológico por excelência e, vozes mas também o diálogo instaurado
como signo, nela “se entrecruzam acen- entre elas.6 No heterodiscurso, há uma
tos de orientação diferente” (p. 161). Ao tensão entre forças, as centrípetas e as
refletir e refratar, o signo imprime uma centrífugas, que garantem dinamicidade
dialética interna, uma pluriacentuação à enunciação: enquanto as primeiras
social, tecida pela dinâmica coexistência procuram resistir às divergências, as
de diferenças, fazendo reverberar valores segundas se empenham em manter a
e posições ideológicas. variedade, as diferenças.
A relação com o outro se revela, O discurso, ao voltar-se para o objeto,
como afirma Bakhtin (1959-1961/2003, encontra-o envolvido por diversas ava-

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liações, mais ou menos obscuras, mais Considerando o esboço teórico apre-
ou menos aparentes. Nesse meio dialo- sentado, em que discutimos característi-
gizado, agitado e tenso de avaliações, o cas da constituição dialógica do discurso,
discurso entrelaça-se com uns, afasta-se passamos a contextualizar a situação em
de outros, cruza-se com terceiros. Em um que os enunciados a serem analisados
jogo de claro-escuro, o enunciado, surgido foram produzidos.
em um momento histórico e em um meio
social determinado, toca em Contexto de produção,
[...] milhares de linhas dialógicas vivas
envoltas pela consciência socioideológica no
circulação e recepção do
entorno de um dado objeto da enunciação, discurso
não [podendo] deixar de ser participante
ativo do diálogo social (BAKHTIN, 1930-
1936/2015, p. 49).
As duas charges que compõem este
estudo são de autoria do cartunista Iotti
No cenário dos variados discursos em e foram publicadas em Zero Hora, jornal
circulação, o pensador russo enfatiza a de maior circulação no Rio Grande do
necessidade de se estudar as complexas Sul, que faz parte do Grupo RBS, afiliado
relações com a palavra do outro por da Rede Globo. A primeira charge, pu-
diferentes razões (BAKHTIN, 1970- blicada no dia 30 de dezembro de 2011,
1971/2003, p. 379-380). Dentre elas, em uma arquitetônica mais complexa
afirma que vivemos em “um mundo de comparada à segunda, ilustra a proble-
palavras do outro”: a nossa vida “é re- mática relativa à leitura, tendo em vista
ação às palavras do outro (uma reação compreensões não esperadas por parte
infinitamente diversificada), a começar do público leitor, o que aponta para a
pela assimilação delas (no processo de necessidade de desenvolver práticas
domínio inicial do discurso) e terminando de ensino voltadas para a formação de
na assimilação das riquezas da cultura leitores proficientes, que entendam o
humana (expressas em palavras ou em funcionamento do discurso e os sentidos
outros materiais semióticos)”. Amplian- que são produzidos. A segunda charge,
do sua reflexão, observa que a palavra publicada no dia 05 de janeiro de 2012,
do outro exige do sujeito “a tarefa espe- emerge como um discurso-resposta à pri-
cial de compreendê-la”. Destaca ainda meira, em uma arquitetônica acessível
o filósofo russo que há “uma tensa luta a distintos leitores, buscando mostrar a
dialógica” (grifo nosso) nas fronteiras posição do cartunista Iotti para o público
entre as “próprias palavras” e as “pala- que não entendeu a primeira charge.
vras do outro” que podem se confundir, o Quanto à contextualização da primei-
que exige análise e reflexão do “complexo ra charge, que trata do abandono de um
acontecimento do encontro e da interação cão na estrada e que acabou originando
com a palavra do outro”. a segunda charge, conforme o Blog do

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Editor7, do jornal Zero Hora, consultado É possível observar, a partir da polê-
no dia 12 de agosto de 2012, o assunto da mica difundida nos Blogs consultados,
charge “foi o campeão em repercussão na que parece haver uma lacuna na forma-
primeira semana de 2012”, ao provocar ção dos leitores, já que parte dos autores
uma comoção não esperada dos leitores das mensagens veiculadas nos Blogs
do jornal. Segundo o Blog, “somente no afirmou que o chargista estava incen-
e-mail do Relacionamento com o Leitor, tivando o abandono de animais. Essa
42 mensagens” foram recebidas. Das leitura pode ser considerada inadequada
quatro mensagens visualizadas no Blog, em função da arquitetônica da charge,
três delas, incluindo duas professoras, que instaura um conjunto de possibili-
criticam o cartunista por “mostrar o cão- dades de sentido, não contemplando essa
zinho sendo largado na estrada”, como que foi propagada nos Blogs.9
se estivesse “promovendo o abandono Tendo em vista esse fato concreto, que
dos animais”. Somente uma mensagem, demonstra problemas de compreensão
de uma microempresária, parabeniza do que é lido e, ao mesmo tempo, um
o chargista por retratar o que chama modo de simplificação da linguagem,
de “triste realidade, muitas vezes até faz-se necessário trazer para discussão
negada, das famílias com os animais de questionamentos sobre, por um lado, a
estimação!”. Diante da repercussão da falta de reflexão acerca da complexidade
charge e da leitura equivocada difundi- da linguagem e, por outro, a necessidade
da, o cartunista se manifestou dizendo de postura crítica frente aos discursos da
que seu objetivo era justamente outro: contemporaneidade. Parece que, para os
“se mostrar favorável aos animais”. autores das mensagens dos Blogs, o im-
O Blog O Grito do Bicho8, que tem como portante era defender sua causa própria,
propósito lutar pelos direitos dos animais, a proteção aos animais, sem se questio-
também teve como pauta de discussão, narem sobre o contexto de produção do
nos primeiros dias de 2012, a charge de que estava sendo lido, que não permite
Iotti. Das 37 mensagens visualizadas no a leitura que foi feita: Quem produziu?
Blog, no dia 12 de agosto de 2012, poucas, Para quem? Com que finalidade? Em que
não mais de 10, entenderam o propósito da momento? Em que veículo foi publicado?
charge e a crítica que estava sendo feita. Que gênero do discurso é esse? Se essas
Devido à repercussão no Blog, o cartunista questões básicas fossem, de alguma
Iotti também se manifestou: forma, objeto de reflexão, a leitura da
Antes de tudo gostaria de registrar meu charge seria outra.
espanto com a interpretação que foi dada à Considerando o chamado pragmatis-
charge. A minha ideia era exatamente opos- mo da contemporaneidade, entendido
ta a essa. A ideia da charge é uma DENÚN-
CIA a essa barbaridade que acontece nessa como uma dinamicidade desenfreada,
época do ano (grifo do cartunista). Amorim (2007) propõe a sistematização

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do conhecimento, de modo a instaurar a O gênero charge para
alteridade, fundamental para a ativida-
de crítica. É, nessa direção, que enten- além das generalizações:
demos que a leitura deve ser ensinada, questões de leitura
ou seja, deve ser objeto de reflexão nos
diferentes níveis de ensino. O desenvol- Apresentamos a seguir reflexões so-
vimento da atividade crítica da leitura bre a primeira charge.10
exige que o aluno aprenda a refletir
sobre o funcionamento do discurso e Figura 1 – Charge 1
sobre como os sentidos são produzidos.
Nesse cenário, nós, como pesquisadores
e professores da área de Estudos da
Linguagem, temos o compromisso de
desenvolver pesquisas sobre esse tema
que possam oferecer subsídios para o
ensino de leitura e produção de textos.
Passamos a reflexões sobre como os
sentidos são produzidos na primeira
Fonte: Zero Hora, 30/12/2011.
charge, que gerou variadas leituras, de
modo a ilustrar de que maneira a teo-
Para compreender o funcionamento do
ria bakhtiniana pode contribuir para a
discurso e a construção de sentidos, é rele-
análise de gêneros midiáticos mais ou
vante considerar o gênero discursivo que
menos complexos e, consequentemente,
está sendo mobilizado em relação à esfera
colaborar para a formação de leitores
de atividade que o organiza. Desse modo,
proficientes. Para tanto, tomando como
consideramos a esfera midiática, mais
pressuposto que há uma relação de ten-
especificamente a jornalística, importante
são entre discursos e que é importante
para compreender aspectos da produção,
considerá-la nas práticas de leitura,
circulação e recepção de gêneros na con-
são postos em discussão aspectos da
temporaneidade, como é o caso da charge.
constituição enunciativa do discurso.
Nesse contexto, há de se observar que
Em seguida, são apresentadas breves
diferentes gêneros exigem diferentes
considerações sobre a segunda charge,
leituras. Em sentido amplo, há gêneros
produzida como resposta aos leitores
mais “informativos”, como notícia e re-
de Zero Hora, buscando desenvolver
portagem, e outros mais “opinativos”,
reflexões sobre as diferenciadas arqui-
como editorial, artigo de opinião, crônica
tetônicas entre ambas e a consequente
jornalística e charge.11 Embora se saiba
contribuição para a formação de leitor
que todos resultam de uma construção
competente.
discursiva e, portanto, são produzidos por

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sujeitos situados em um espaço histórico- guma dificuldade em distinguir o gênero
-social considerando seus interlocutores, charge do gênero tira, ambos publicados
a partir de um determinado projeto enun- em jornais diários. Não basta, por exem-
ciativo, cada gênero tem características plo, analisar a forma composicional do
próprias, que geram efeitos de sentidos gênero quanto ao número de quadrinhos
diversos em suas materializações. para reconhecê-lo. Ler uma charge como
Não se pode, por exemplo, ler uma uma tira vai resultar em compreensões
notícia da mesma forma que se lê um equivocadas, pois são projetos enunciati-
editorial, ou seja, cada gênero tem seu vos diferentes que exigem diferenciadas
projeto enunciativo, uma relação de in- atitudes ativas do leitor. Logo, a questão
terlocução própria, além de característi- é bem mais complexa do que aparenta, e
cas relativas ao tema, ao estilo e à forma uma análise superficial pode incorrer em
composicional. Ainda que na notícia haja problemas de compreensão dos sentidos.
escolhas do jornalista no que se refere à Considerando o cenário apresentado
seleção da informação, dos entrevistados no que se refere a questões de leitura,
e dos recursos linguísticos, entre outros passemos a observar a Charge 1, a partir
elementos, a notícia, para ser reconheci- de duas instâncias enunciativas articu-
da como tal, deve criar efeito de verdade ladas, as quais devem ser consideradas
e de objetividade. Já o editorial, como para o entendimento dos sentidos cons-
compreende Charaudeau (2009, p. 235), truídos no discurso: (i) uma em relação ao
tem características de “acontecimento locutor projetado no discurso (o cartunis-
comentado” ao trazer um ponto de vista ta) e o interlocutor (o leitor presumido da
sobre um acontecimento da atualidade charge) e (ii) outra em relação ao locutor
considerado importante, no que se refere no interior do discurso, o homem, e o
ao domínio político e social. respectivo interlocutor, a mulher. Essas
Pode ocorrer certa dificuldade em duas instâncias devem ser analisadas
reconhecer um determinado gênero, para se compreender os distintos projetos
em alguns casos, considerando a apro- enunciativos postos em cena e a constru-
ximação entre alguns deles ou ainda ção de sentidos que resulta do confronto
a sua potencialidade de plasticidade e entre ambos. Se o leitor atentar apenas
hibridização. Por exemplo, pode ocorrer para o projeto enunciativo dos interlocu-
alguma dificuldade para diferenciar um tores no interior do discurso, desvincu-
artigo de opinião de uma crônica jorna- lado da situação concreta de produção,
lística, já que ambos problematizam um o gênero charge em foco, que se integra
dado fato ou assunto e se organizam de ao fluxo da comunicação verbo-social,
modo a discutir e mostrar a opinião do não entenderá o sentido da charge. Fi-
locutor sobre o problema apresentado. car apenas na superfície do discurso, a
Nessa mesma direção, pode ocorrer al- linguagem verbal e os aspectos visuais,

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resulta numa leitura inadequada, como dito faz parte da produção dos sentidos.
a feita por parte dos autores das mensa- Logo, a palavra, seguindo Volochínov/
gens dos Blogs consultados. É necessário Bakhtin (1926/2011), não é um reflexo
ir além do dito, do visível, observando que direto da situação extraverbal assim
há uma relação de tensão entre o que é como a situação extraverbal não é uma
mostrado e o que não é aparente, mas força mecânica externa da enunciação.
decisivo para a produção dos sentidos. A situação é parte constitutiva neces-
Na mesma direção, não identificar o sária da composição semântica. Nessa
projeto enunciativo do locutor da charge perspectiva, para a compreensão dos
e o contexto histórico-social de produção sentidos da Charge 1, faz-se necessário
do discurso resulta no não entendimento entender que o locutor, ao abordar um
da crítica efetuada. flagrante do cotidiano, ilustrado por um
O contexto extraverbal, como escla- casal caricaturado que abandona seu
rece Volochínov/Bakhtin (1926/2011, cachorro pelo afã de ir para a praia, está
p. 156), compõe-se de três aspectos: (i) se posicionando contra essa prática irres-
um horizonte espacial compartilhado ponsável, isto é, seu projeto enunciativo
pelos falantes; (ii) o conhecimento e a é contestar, ser crítico, sobre um fato em
compreensão comum da situação; e (iii) voga, noticiado pela mídia à época da
a valoração compartilhada da situação publicação (30/12/2011).
(grifo nosso). Se essas três dimensões Em uma rápida busca na Internet,
podem ser facilmente apreendidas na referente aos dias 29 e 30 de dezembro de
instância enunciativa interna, no que 2011, foram encontradas várias notícias
diz respeito à interação entre o homem sobre o Rio Grande do Sul, tendo como
e a mulher, que se entendem na troca tema o litoral em consonância com o final
interlocutiva, o mesmo não se pode di- de ano (que coincidiu com um final de
zer no âmbito da instância enunciativa semana) e o início das férias. Também,
externa, relação entre o cartunista e em 30 de dezembro 12, foi publicado, no
parte dos leitores da charge. O horizonte Blog do Editor, que nesse dia começava
espacial não é compartilhado com todos a “cobertura Verão 2012 de Zero Hora,
os interlocutores. Também não há um direto da praia de Capão da Canoa, onde
conhecimento e compreensão comum da fica a casa do grupo RBS no litoral”
situação e nem uma valoração comparti- (acesso: 14/08/2012). Se, por um lado, na
lhada da situação. A parte extraverbal, ocasião da publicação da charge, o litoral
subentendida, que deveria ser reconheci- estava em primeira pauta, por outro,
da pelos interlocutores, não o é; por isso, também figurava nas matérias da mídia
o sentido não é compreendido. a questão dos animais abandonados nas
Observa-se assim a importância de se estradas. No mesmo dia da publicação da
perceber que a tensão entre o dito e o não charge, o G1, Globo.com12, noticiava uma

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“Campanha contra abandono de animais que a refração, uma espécie de orientação
nas estradas” no Rio Grande do Sul. Con- da palavra em “forma de raio”, reverbe-
forme a notícia, foi firmada uma parceria ra um jogo vivo e singular de sentidos
no dia 29/12/2012, “entre a Prefeitura de (BAKHTIN, 1930-1936/2015). Como o
Porto Alegre e a concessionária Triunfo- casal caricaturado diz e faz o contrário
-Concepa [com] o objetivo de combater o do que o locutor da charge defende, são,
abandono de animais nas estradas”. A portanto, enunciações com orientações
campanha, além de distribuir materiais axiológicas opostas, cria-se um efeito de
informativos nos pedágios nas rodovias, ironia, uma crítica irônica, que necessita
recolheria os animais encontrados para de uma reflexão apurada, uma atitude
castração e atendimento veterinário. responsiva ativa do leitor para compre-
Também os moradores seriam orientados ender o sentido produzido.
sobre a melhor maneira de cuidar dos Essas ponderações iniciais sinalizam
seus bichos de estimação. Nessa notícia, o quanto seria importante no ensino de
o prefeito de Porto Alegre, José Fortuna- leitura explorar análises, cotejando va-
ti, alertou sobre a adoção responsável: riadas materializações de um mesmo gê-
“Os animais merecem nosso respeito e nero, como é o caso da charge, para assim
cuidado. As famílias devem buscar uma compreender os diversos funcionamentos
alternativa, planejar suas férias sem do discurso para além de generalizações
esquecer os animais de estimação”. composicionais. Também, nessa direção,
Desenvolvendo a reflexão sobre par- seria válida a reflexão sobre aproxima-
ticularidades do gênero charge, destaca- ções e distanciamentos entre gêneros, de
-se que, para o entendimento da crítica certo modo, considerados aparentados,
contra a prática de abandono de animais, como a charge e a tira. Faraco (2009,
tematizada pela Charge 1, o leitor ne- p. 129), discutindo a questão dos gêneros,
cessita não só estar a par dos aconteci- observa que o teórico russo “não se pro-
mentos da atualidade mas também ter põe a fixar o que se move, estancar o que
conhecimento de que a charge, como flui, nem estabelecer limites claros para
gênero do discurso, tem como projeto aquilo que é necessariamente impreci-
enunciativo pôr em evidência, de dife- so, já que intrinsecamente vinculado à
rentes modos, fatos da atualidade para contingência das atividades humanas”.
ressignificá-los criticamente. Logo, faz- No entanto, “as atividades humanas
-se necessário entender que o locutor na não são nem totalmente previsíveis […],
charge em foco reveste com seu acento nem totalmente casuais”, o que significa
valorativo o ato do casal, fazendo fluir que há recorrências organizadoras das
um confronto de vozes engendrado na atividades, que orientam para o enfren-
tessitura do discurso. Entre aspectos do tamento do novo, inter-relacionando a
reflexo e da refração do signo, percebe-se memória e o acontecimento.

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Nesse contexto, destaca-se, como expli- tema do gênero. Na charge em foco, o
ca Bakhtin (1924/1998, p. 25), diferenças estilo e a forma composicional podem
entre a forma arquitetônica e a forma ser observados a partir de valorações na
composicional. Enquanto a arquitetônica constituição do enunciado verbo-visual
volta-se para a “existência estética na sua em dois momentos. O primeiro contempla
singularidade”, contemplando o aconteci- aspectos da oralidade, no que tange à fala
mento de vida particular, social, histórica, do homem para a mulher (“Tudo pronto!
etc., a composicional organiza o material Vamos à praia!!”) e à fala da mulher para
de modo utilitário, servindo de realização o homem, referindo-se ao cachorro, que
à tarefa arquitetônica. Em outras pala- participa da cena enunciativa (“... E o
vras, a forma arquitetônica, ao determi- que fazer com esse bicho?”). Junto aos
nar a escolha da forma composicional, aspectos da oralidade engendram-se ex-
com ela se articula. De acordo com Sobral pressões corporais do casal (um em dire-
(2010, p. 77), “a atividade do autor incide ção ao outro), faciais (olhos arregalados,
primordialmente sobre a forma arquite- boca aberta) e gestuais (mão abertas),
tônica, que é a organização do discurso expressando a necessidade de resolver
[…], em termos de uma dada avaliação com rapidez o problema relativo ao que
do discurso pelo autor e de sua recepção fazer com o cachorro, que observa a dis-
ativa por um ouvinte”, valendo-se para cussão. O segundo momento, materiali-
tanto de uma forma composicional. zado por aspectos visuais, mostra o casal
Considerando a Charge 1, pode-se per- no carro, dirigindo-se ao litoral e jogando
ceber que a relação axiológica com o obje- o cão na estrada. O carro em movimento
to do dizer, o abandono do cão, e os inter- de ida, carregado com apetrechos de
locutores, a partir de recursos linguísticos praia (malas, prancha, caniço de pesca,
e composicionais, instaurou uma forma etc.), contrapõe-se ao movimento do cão,
arquitetônica singular, já que a charge, que, ao ser jogado na estrada asfaltada,
como enunciado, é construída como uma parece buscar um refúgio, como se nota
resposta, uma atitude responsiva ativa pela expressão do olhar e do corpo.
do locutor, frente à atualidade. Entender O desprezo pelo animal pode ser visto
o tenso diálogo com os discursos que são em duas instâncias articuladas: no enun-
convocados e com as vozes discursivas ciado da mulher, ao ser convocada a se
que se fazem ouvir é de suma importância dirigir à praia (“[...] E o que fazer com
para a compreensão dos sentidos. esse bicho?”), construído em forma de
Na materialidade discursiva, incluin- pergunta, uma materialização de dúvida,
do a articulação entre aspectos verbais e e constituído pela designação, com tom
visuais, as escolhas do locutor revelam, avaliativo negativo, “esse bicho”, para se
a partir de seu ponto de vista, aspectos referir ao cão, e no enunciado visual, em
do estilo, da forma composicional e do que o cachorro é jogado para fora do carro.

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O problema do casal, no caso o cachorro, bem-estar, com preocupações com o aqui
que poderia atrapalhar a viagem ao lito- e agora e com relações passageiras, o
ral, é resolvido de forma simples, o animal cachorro, ao ser apresentado como um
é descartado, abandonado. Podemos per- objeto descartável, que pode ser rejeitado
ceber, a partir dessas ponderações, que, quando, de algum modo, interferir no pla-
na produção dos sentidos, a entonação nejamento familiar, é focalizado como um
expressa tanto a valoração da situação, o ser que necessita de proteção. Observar
problema a ser resolvido e o descarte do essas características implica reconhecer
cachorro, quanto a valoração do auditório, tensas relações com discursos da atuali-
ou seja, o público para quem é dirigida a dade, sinalizados na materialidade dis-
charge. Em cada elemento verbo-visual cursiva e decisivos para a compreensão
na sua relação com outros elementos e dos sentidos. O tema, desse modo, pode
com o todo, incluindo o contexto extra- ser resumido de forma a manifestar a
verbal, os sentidos vão sendo construídos posição do locutor da charge, que faz
singularmente na enunciação. uma crítica contundente ao abandono
Nessa tessitura, o tema vai se reve- dos animais, à falta de responsabilidade
lando, o que exige do leitor atentar para de quem cria os bichos e não os protege,
como os acentos valorativos orientam problema que emerge principalmente no
socialmente as relações dialógicas que período de verão, quando, culturalmente,
emergem entre ditos e não ditos. Compre- as pessoas costumam ir à praia.
ender a enunciação de outrem, de acordo Na produção dos sentidos, seguindo a
com Bakhtin/Volochinov (1929/1995), teoria bakhtiniana, todo enunciado verbal
significa orientar-se em relação a ela, e não verbal, introduzido em dado discur-
encontrar o seu lugar adequado em um so, é reavaliado, acentuado axiologica-
dado contexto, fazendo corresponder mente pelo locutor do discurso em outra
outras enunciações, contrapalavras. É condição concreta de produção, diferente
somente por uma atitude responsiva ati- da de sua procedência. Sob esse prisma,
va que se pode apreender o tema, o qual, assim como o discurso do outro pode
sendo dinâmico, necessita de um processo aparecer em forma de “repetição” para
evolutivo que ultrapasse os limites da concordar com um dizer, pode também
significação (elementos reiteráveis) para ser uma “repetição” para discordar do
a compreensão da enunciação completa. dizer. Cabe ao analista, o leitor, analisar
Assim, na enunciação da Charge 1, esta- os acentos valorativos engendrados no
belecendo relação com aspectos sociais e discurso para perceber efeitos de sentidos
culturais, pode-se ponderar que, enquan- criados, que podem revelar ironia, indig-
to o casal é visto como um protótipo da nação, humor, deboche, zombaria, etc.
sociedade contemporânea, com atitudes Para a compreensão do funcionamen-
egoístas, voltadas para o seu próprio to dos sentidos, a relação de tensão entre

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discursos, observada na charge em foco, ano e ao problema da falta de responsa-
deve fazer emergir relações dialógicas bilidade no cuidado com os animais de
diversas, pois, ao enunciar, o locutor da estimação nessa época de veraneio. Esse
charge entra em relação de aliança com grau de informação esperado interfere
os protetores dos animais e com os pró- na composição, no estilo e na expressivi-
prios animais, que necessitam de prote- dade do enunciado. Para tanto, deve-se
ção, e, ao mesmo tempo, entra em relação observar o flagrante (da vida) posto em
de confronto com os que não protegem evidência, de modo caricatural, em um
os animais e os que os abandonam. O dado momento histórico, que, juntamen-
entendimento desse tenso diálogo de te com o projeto enunciativo do locutor,
vozes remete à não coincidência do dis- o estilo e a forma composicional, revela
curso consigo mesmo, ou seja, sempre há aspectos da dinamicidade do tema e do
outras relações a serem percebidas para gênero em uma arquitetônica única.
se entender a construção dos sentidos, já Para concluir essa reflexão inicial
que a linguagem é opaca e complexa. Se sobre a Charge 1, destacamos a empa-
do ponto de vista da pesquisa, cabe ao tia e a exotopia, propostas por Bakhtin
pesquisador desvendar essa engrenagem (1922-1924/2003), como movimentos
a partir de um estudo teórico aprofunda- importantes a serem considerados para
do, do ponto de vista da leitura, cabe ao o exercício de leitura. Espera-se que o
leitor analisar a opacidade da linguagem leitor, no interdependente e tenso movi-
e seus recursos verbo-visuais para en- mento entre a aproximação (empatia) e
tender os sentidos produzidos. No caso, o distanciamento (exotopia) ao objeto de
para parte dos leitores que se manifestou compreensão, faça o necessário retorno
nos Blogs consultados, ao que parece, a para o acabamento do compreendido.
linguagem foi considerada transparente, Tal acabamento acontece a partir da
como se o sentido estivesse posto e não relação de alteridade, necessária para
precisasse de reflexão para apreendê-lo. a criação de conhecimento. Associando
Destaca-se, ainda, que, na consti- essa reflexão às leituras da Charge 1,
tuição do discurso, há uma projeção ao postadas nos Blogs consultados, pode-
destinatário, no sentido de considerar o mos entender que parece ter havido,
grau de informação que ele tem sobre por parte de leitores, uma espécie de
o objeto do dizer. No caso da Charge 1, empatia duradoura em relação ao objeto
é possível dizer, a partir da construção do discurso, o abandono do animal. Em
enunciativa, que o locutor espera que outras palavras, alguns leitores se apro-
o interlocutor esteja a par do que está ximaram intensamente do sofrimento
acontecendo na atualidade, no que se do cachorro que foi abandonado, o que
refere ao grande movimento de famílias teria prejudicado o retorno ao lugar de
se dirigindo ao litoral gaúcho no final de origem, de observador externo, o lugar

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exotópico, necessário, que convoca um enquanto que a segunda, ao explorar os
excedente de visão para ver além do sentidos de modo mais aparente, exige
todo. A partir dessa hipótese, seria pos- menos dos leitores.
sível explicar, de certa forma, por que a Na produção do enunciado, como des-
charge foi polemizada. O leitor teria se taca Bakhtin (1952-1953/1992, p. 320-
fixado apenas na instância enunciativa 321), o locutor sempre leva em conta
interna, a interlocução entre o homem seu destinatário, e essa percepção vai
e a mulher e o abandono do cachorro, e influenciar nas escolhas, interferindo na
não teria retornado à instância externa, composição e estilo. Nessa perspectiva, a
relação chargista e leitor, articulando as forma arquitetônica da segunda charge,
partes e o todo. considerando o projeto enunciativo do
Passemos à segunda charge: locutor e a projeção avaliativa aos inter-
locutores, difere-se da primeira charge,
Figura 2 – Charge 2 valendo-se de uma forma composicional
e estilo também diferentes. Os elemen-
tos verbais e visuais que constituem a
Charge 2 são organizados de modo a não
exigirem uma reflexão aprofundada para
a compreensão dos sentidos produzidos,
o que se justifica, de certa maneira, pelo
fato de o cartunista publicar a charge
como resposta à polêmica gerada. Em ou-
Fonte: Zero Hora, 05/01/2012.
tras palavras, uma charge de fácil com-
preensão garantiria maior abrangência
Diante da polêmica gerada com a e resolveria possíveis mal-entendidos.
publicação da Charge 1, Iotti publica a A organização verbo-visual da charge,
Charge 2, buscando responder à insatis- concentrada em um retângulo de linhas
fação dos leitores.13 A segunda charge, retas, demarcadas, diferentemente da
colocada em relação dialógica com a pri- Charge 1, que não tem demarcação li-
meira, aponta para a diferença entre os near, apresenta uma espécie de título:
funcionamentos discursivos, que reme- “Aumenta o número de animais abando-
tem, dentre outros aspectos, à questão nados”. Este enunciado verbal é acentu-
da hipótese forte e hipótese fraca levan- ado valorativamente de modo a orientar
tada por Charaudeau (2009), no que diz a posição axiológica do locutor no que se
respeito às projeções aos destinatários. refere à crítica contra o abandono dos
É possível perceber, nesse contexto, que animais. O enunciado também faz alu-
a primeira charge exige mais esclare- são à manchete de notícia jornalística,
cimento por parte dos interlocutores, criando um efeito de informação sobre

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o aumento do abandono de animais, o lizado ao remeter ao sofrimento também
que torna mais clara a posição assumida de abandono de Jesus.
pelo locutor e intensifica o tom crítico no Observando os acentos de valor na
conjunto da charge. constituição do discurso da charge,
Abaixo, em destaque, aparecem o percebemos a relação do locutor com o
carro e o cão. O carro em movimento, interlocutor, com o objeto do dizer e com o
semelhante ao da Charge 1, caricaturado contexto extraverbal (horizonte espacial,
com bagagens e apetrechos de praia, se conhecimento, compreensão e valoração
dirige ao litoral. O cachorro abandonado da situação), que é compartilhado com os
na estrada, o mesmo animal da Charge 1, leitores, facilitando a compreensão dos
é caricaturado com expressão de tristeza, sentidos produzidos.
como se pode observar nos olhos arregala-
dos com lágrimas, orelhas erguidas, boca Considerações finais
expressando movimento de fala. Diferen-
temente do que na Charge 1, que somente No presente artigo, trouxemos para
o casal fala, na charge 2, a fala é dada ao debate a problemática da leitura a partir
cão; apenas ele fala, ele é personificado. de um caso concreto, a polêmica gerada
Olhando para o carro que se distancia, o pela publicação de uma charge, que
cão enuncia, em tom exclamativo, “Por provocou a publicação de uma segunda
que me abandonaste, senhor!!”. charge pelo mesmo cartunista. Nesse ce-
Ainda que a constituição dos senti- nário, discutimos, a partir da abordagem
dos seja mais aparente na Charge 2, dialógica, como os sentidos são produzidos
se relacionada à Charge 1, devemos singularmente em cada uma das charges,
reparar discursos convocados, vozes em o que nos permitiu aprofundar questões
interação, a partir da situação concreta acerca da complexidade da linguagem e
de produção. Sob essa perspectiva, per- da constituição dos gêneros do discurso.
cebemos que o enunciado de responsa- Ao considerar a charge para além das
bilidade do cachorro apresenta índices generalizações, buscamos ampliar e ver-
que permitem observar o diálogo com o ticalizar a reflexão de modo a iluminar,
enunciado da Bíblia, referente à palavra em cada enunciação concreta, as particu-
de Jesus, que, na cruz, em tom de inter- laridades na tensão com as recorrências.
rogação, enuncia: “Meu Deus, por que As reflexões desenvolvidas também
me abandonaste?”14 É importante notar trouxeram luz sobre a importância de
que o diálogo entre os dois enunciados se discutir acerca da formação do leitor
cria um efeito de sentido que intensifica na contemporaneidade, especialmente
a valoração sobre a crítica ao abandono ao problematizarmos a distância entre a
do cachorro. Dito de outro modo, o sen- informação, como a grande quantidade
timento de abandono do cão é potencia- de discursos que circulam em diferentes

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mídias, e a formação, consistência do co- De qualquer maneira, na relação
nhecimento adquirido. Leituras rápidas, entre o locutor e a projeção aos interlocu-
sem o devido aprofundamento, ou ainda tores, pensando no processo interlocutivo
leituras que consideram a linguagem instaurado em cada uma das charges,
apenas na dimensão do dito, sem as devi- ou na relação entre o chargista e os lei-
das articulações com o contexto e as rela- tores, no que tange à questão de leitura
ções com outros discursos, alertam para propriamente, é importante destacar os
o imediatismo da contemporaneidade no diferentes horizontes de valor, as dife-
que se refere ao não reconhecimento do rentes projeções de quem ocupa lugar
outro, à simplificação do complexo. único, insubstituível. Sob esse aspecto, o
Pelas análises efetuadas, foi possível movimento de aproximação, juntamente
perceber que a primeira charge, compa- com o necessário movimento de afasta-
rada à segunda, exige uma maior atenção mento, exotopia, é fundamental para
dos leitores quanto à percepção da cons- se perceber as relações entre as partes
trução dos sentidos, não só em relação e o todo, evitando a percepção de uma
aos acontecimentos sociais do momento só dimensão do discurso. Para Bakhtin,
da produção do discurso, mas também
[...] compreender um objeto significa com-
em relação ao reconhecimento do gênero
preender meu dever em relação a ele (a
e da articulação entre o verbal e o extra- orientação que preciso assumir em relação
verbal. Muitos leitores, como alguns que a ele), compreendê-lo em relação a mim na
se manifestaram nos Blogs visitados, não singularidade do existir-evento: o que pres-
supõe a minha participação responsável […]
compartilharam com o locutor do mesmo (1920-1924/2010, p. 66).
horizonte espacial, da situação e da valo-
ração. A forma arquitetônica da charge, A compreensão como um ato ético,
que reclama a observação das relações va- responsável, é bastante produtiva para
lorativas e do projeto enunciativo na sin- as reflexões sobre o ato de leitura.
gularidade da materialização do discurso, Desse modo, com o desenvolvimento
não foi apreendida, o que gerou leituras deste trabalho, pudemos constatar o
inadequadas. Com isso, os sentidos não potencial da teoria bakhtiniana como
foram compartilhados. Faltou o reconhe- referencial para o ensino de leitura, es-
cimento das avaliações subentendidas. Já, pecialmente por oferecer subsídios sobre
na segunda charge, o locutor, ao perceber como os sentidos são construídos nas pro-
a incomodação dos interlocutores, numa duções discursivas, incluindo a singular
atitude ativa responsiva, muda a entona- participação de dois centros de valor: o
ção, e com isso a forma arquitetônica, ao locutor e o interlocutor. Resumidamente,
construir a enunciação de outra maneira, ao levantarmos questões sobre a produ-
visando, como entende Ponzio (2011, ção dos sentidos das charges, pudemos
p. 27), contar com um “subentendido apoio reiterar, dentre outros pontos, a necessi-
coral” dos interlocutores. dade de considerar, na compreensão dos

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sentidos, a enunciação em sua concretu- Notas
de, no processo de interação social:
1
A problemática desenvolvida neste artigo inte-
Ao arrancar a enunciação deste chão real gra o projeto em desenvolvimento.
que a alimenta, perdemos a chave que abre 2
O Círculo de Bakhtin é formado por um grupo
o acesso de compreensão tanto de sua forma de estudiosos, cujos principais integrantes da
quanto de seu sentido; em nossas mãos ficam área da linguagem são M. Bakhtin, V. N. Volo-
ou uma moldura linguística abstrata, ou um chinov e P.N. Medvedev, que tinham interesses
esquema abstrato de sentido […] (VOLO- filosóficos comuns e se reuniam para debater
suas ideias, principalmente entre 1919 e 1929,
CHÍNOV/BAKHTIN, 1926/2011, p. 165). na Rússia (CLARK e HOLQUIST, 1984/1998;
MORSON e EMERSON, 1990/2008). Embora
atualmente se tenha clareza dos autores das
Discours, médias et production obras do Círculo, neste artigo utilizo os nomes
conforme constam dos volumes consultados.
des sens: des questions de Desse modo, mesmo tendo ciência de que, por
exemplo, o livro Marxismo e filosofia da lingua-
lecture et de formation dans la gem é de autoria de Volochinov, uso Vološinov
contemporanéité (1929/2010) para a tradução do francês e
Bakhtin/Volochinov (1929/1995) para a tradu-
ção do português. Com relação às datas, antes
Résumé da barra, informo o ano da primeira publicação
e/ou o período da escrita do texto; após a barra,
Considérant la pluralité des dis- indico o ano da edição consultada. Para referir-
cours qui circulent dans les médias -me às reflexões teórico-metodológicas do Círcu-
et le besoin de comprendre les fonc- lo, utilizo expressões como teoria bakhtiniana,
tionnements concernant la construc- pensamento bakhtiniano ou teoria dialógica do
tion des sens, nous réfléchissons à discurso, tendo como pressuposto que as ideias
são representativas do grupo.
propos de deux charges qui illustrent 3
Nos trabalhos de Amorim (1996, 2001, 2007),
la problématique contemporaine de la que enfocam as contribuições da teoria dialó-
lecture. La première charge, publiée gica bakhtiniana, encontramos reflexões im-
le 30 décembre 2011, a produit des portantes sobre a tensão existente na produção
réactions diverses chez les lecteurs, ce dos sentidos, focalizando em especial a tensão
qui a provoqué la publication d´une como relação entre as diferenças, no que se
refere a pesquisas desenvolvidas nas Ciências
autre charge le 5 janvier 2012. Cet Humanas e na Educação.
article qui a le but de présenter des 4
As rubricas “enunciação” e “enunciado”, na obra
réflexions à propos de la façon dont bakhtiniana, conforme explica o tradutor Paulo
les sens sont produits par les charges Bezerra (BAKHTIN, 1952-1953/2003), advêm do
sélectionnées, prétend montrer com- termo russo viskázivanie, significando tanto o ato
de enunciar em palavras, como o seu resultado,
ment la théorie bakhtinienne qui sou- um romance, por exemplo. Por isso, o tratamento
tient cette réflexion peut contribuer à dado ao enunciado equivale ao da enunciação.
l´analyse des genres des médias plus 5
Em 1929, Bakhtin publicou Problemas da obra de
ou moins complexes et, par consé- Dostoiévski. Somente em 1963, publicou a versão
quent, comment elle peut collaborer à reformulada com o título definitivo: Problemas da
la formation de lecteurs compétents. poética de Dostoiévski (BEZERRA, 2015).
6
No Prefácio da obra Teoria do romance I: A
estilística (BAKHTIN, 1930-1936/2015), Paulo
Mots-clés: Lecture. Charge. Production Bezerra discute a tradução da palavra russa
des sens. Tension. Téorie dialogique raznorétchie, traduzida no Brasil como “plurin-
du discours. guismo” ou “heteroglossia”. Embora concorde que
a palavra “pluringuismo” seja “mais palatável ao
leitor brasileiro” do que “heteroglossia”, observa
que “difere semanticamente do original russo e
do sentido que Bakhtin lhe atribui”. Segundo o

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tradutor, a palavra russa é formada por ráznie BAJTIN, M./VOLOCHINOV, V. La construc-
(diversos) e riétchi (discursos, falas), o que signifi- ción de la enunciación (1929-1930). In: SIL-
ca “diversidade de discursos” ou “heterodiscurso”, VESTRI, A.; BLANCK, G. Bajtin y Vigotski:
opção adotada na obra (BEZERRA, p. 11-12).
7
Blog do Editor: <http://wp.clicrbs.com. La organización semiótica de la conciencia.
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9
No dia 14 de agosto de 2012, foi divulgado o 1992. p. 277-326.
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verificado em 2011 voltou para 3,7 – a meta _______. O problema do conteúdo, do mate-
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10
Discussões iniciais sobre a leitura da charge
foram apresentadas, em 2012, no VII Senale, In:_______. Questões de literatura e de estética.
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11
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13
A charge pode ser consultada no Blog do Editor:
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do-leitor-charge-de-iotti-foi-o-assunto-mais- (1959-1961). In: _______. Estética da criação
-comentado-pelos-leitores/?topo=13,1,1,,,13>. verbal (1979). 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São
14
Há diferentes versões para o enunciado de Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 307-335.
Jesus, variando entre “Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?” e “Deus meu, Deus _______. Apontamentos de 1970-1971.
meu, por que me desamparaste?”. In:_______. Estética da criação verbal (1979).
4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Mar-
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