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RESUMO:
Introdução
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Uma grande polêmica ronda a classificação do clítico “se”
como indeterminador ou apassivador em estruturas com verbos
transitivos diretos:
(1) Vendem-se casas.
(2) (?) Vende-se casas.
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“se” um autêntico dêitico, cuja função é referenciar um sujeito
exterior ao enunciado, isto é, inserido na enunciação.
Há um consenso entre os gramáticos de que as estruturas
verbo transitivo direto na 3.ª pessoa do singular + pronome se +
nome plural estão invadindo a norma culta da língua. As constru-
ções impessoais com VTD (aluga-se casas) estão cada dia mais
correntes, não só no uso oral e coloquial, mas também no escrito
e formal, uma vez que nos melhores jornais e revistas já se encon-
tram registros de não-concordância, caracterizando o sentido da
impessoalidade.
Resta saber se essa aplicação impessoal é abrangente ou es-
tá restrita à especificidade do gênero textual e, também, aos com-
ponentes pragmáticos: quem disponibiliza o objeto, o local em
que está inserido, o público-alvo, e a intenção comunicativa. Não
parece ser diferente a expressão discutiram-se os acordos de a-
cordos foram discutidos, em ambos a impessoalidade é clara e,
semanticamente, são iguais. Se acordos pode ser o sujeito pacien-
te desta oração, o que o impede de ser sujeito paciente daquela? E
se, como sujeito, o verbo puder concordar com o mesmo? Ao que
parece, a dissonância está em orações específicas do gênero anún-
cio/classificados: aluga-se casa / casa é alugada. Nesses casos, a
transposição da passiva sintética para a passiva analítica interfere
na semântica do enunciado.
Na análise do corpus desta pesquisa, tentar-se-á consolidar
a tese de que a partícula “se”, acoplada a verbo transitivo direto,
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apresenta alteração semântica na transmutação da passiva sintéti-
ca para a analítica, quando inserida em um gênero textual especí-
fico: anúncios/tabuletas.
Além disso, muitos estudiosos associam o emprego do “se”
em português como correspondente ao pronome indefinido “on”,
francês. Os falantes do francês, além de eu-tu e das formas de
não-pessoa, possuem um morfema com a seguinte estrutura: inva-
riável em gênero e número, sempre sujeito da frase e associado a
um verbo em terceira pessoa do singular. Devido à suscetibilidade
do “on” receber uma interpretação genérica ou de remeter à sub-
jetividade enunciativa, a passagem do eu ao “on” permite que se
transporte, sem a mínima ruptura narrativa, do particular ao geral
(MAINGUENEAU, 1996). Por esse motivo, estabelece-se a rela-
ção com o “se” indeterminador, que, nos casos levantados neste
artigo, também sugere uma espécie de generalização, uma vez
que remete a um sujeito não explicitado na frase.
Esta pesquisa será desenvolvida consoante os itens enume-
rados a seguir: em 2, apresenta a fundamentação teórica, as bases
funcionalista e pragmática que nortearão a discussão; em 3, relata
a metodologia utilizada para a coleta e para análise dos dados
pesquisados; em 4, procede a análise e discussão a respeito das
frases encontradas nas tabuletas (corpus); e, finalmente em 5,
apresenta as considerações finais e confirmação da hipótese de o
clítico “se” ser um índice de indeterminação do sujeito, mesmo
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com verbos transitivos diretos, ao estar inserido em um gênero
textual específico: anúncio/tabuleta.
1 – Fundamentação teórica
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da a gramática, associado à repetição ou à freqüência de fatos
lingüísticos, considerando o contexto no qual se inserem:
2 – Metodologia
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pronome “se” em sentenças com verbo transitivo direto, ou seja,
as emblemáticas estruturas aluga-se casa/vende-se casa.
A seleção não se ateve apenas às frases com desvio da
norma culta, isto é, que não realizavam a concordância verbal
entre verbo com “se” acoplado e substantivo, mas a todas as cons-
truções cliticizadas. O objetivo era fazer um levantamento das
ocorrências de forma ampla, entre desvios e não-desvios e suas
incidências nas diversas camadas sociais, a fim de verificar, tam-
bém, a influência do fator escolaridade na escolha de cada cons-
trução sintática.
A catalogação dos anúncios foi realizada, agrupando-os de
acordo com: a estrutura da oração: verbo no singular + se + subs-
tantivo singular; verbo no plural + se + substantivo no plural;
verbo no singular + se + substantivo no plural.
Após essa seleção, verificou-se se havia possibilidade de
uma interpretação passiva, sem acarretar modificação semântica,
para as estruturas encontradas nos anúncios, revertendo-as para a
passiva analítica. O objetivo dessa transposição era verificar o
desempenho do clítico “se”: indeterminador ou apassivador? A
análise dessa conversão não se restringiu a aspectos semântico-
sintáticos; a interpretação pragmática do contexto sociolingüístico
no qual a tabuleta estava inserida foi aspecto relevante na investi-
gação, isto é, o local, a escolaridade, o produto a ser comerciali-
zado e o público-alvo a ser conquistado.
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Além disso, muitos gramáticos atribuem o uso do “se” in-
determinador a uma associação ao “on” francês (cuja função é
indeterminadora), por esse idioma já ter exercido grande influên-
cia na língua portuguesa, principalmente na época do Brasil Im-
pério (século XIX), em que o povo brasileiro copiava o modelo
francês em todos os campos: na arte, na cultura e nos costumes.
Para refutar essa analogia, utilizou-se o livro Rio antigo nos a-
núncios de jornais do historiador Delso Renault (1984). A ocor-
rência do clítico “se” como indeterminador em construções transi-
tivas diretas foi muito pouca nos anúncios daquele período, e isso
ratifica a não-relação entre o “on” do francês e o “se” indetermi-
nador.
3 – Análise do corpus
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do locus enunciativo. A intenção comunicativa é a responsável
pela inserção dos textos em um determinado gênero.
Pretende-se provar, na análise do corpus, que em estruturas
transitivas diretas associadas à partícula “se” é do gênero a res-
ponsabilidade de o elemento seguinte só ser objeto direto quando
se tratar de sentenças inseridas em tabuleta/anúncio.
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não pertencentes ao gênero anúncio/tabuleta, essa conclusão in-
determinadora não procede:
(3) Discutem-se os acordos.
(4) Os acordos são discutidos.
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inserida. Nessas placas, o apagamento do sintagma posposto ao
verbo corrobora com a tese deste ser um objeto direto (alvo da
ação) porque, ao ser omitido, faz com que a interpretação recaia
sobre o local onde se encontra a placa, portanto o alvo da ação
enunciada na tabuleta. Nesses casos, a partícula “se” remete a um
sujeito qualquer – fenômeno dêitico – indeterminado, que se pro-
põe a realizar uma ação específica, valorizando o processo verbal,
não o agente. Trata-se de uma herança latina, em que a passiva
sintética do latim imputava ênfase ao processo desencadeado pelo
verbo e não ao agente. Os verbos quando empregados de forma
impessoal por essa passiva atendiam a uma intenção do autor/
falante de omitir o sujeito-agente, por questões discursivas diver-
sas.
Em relação à questão sociocultural, das dez ocorrências de
desvio da norma culta, sete foram registradas em locais da perife-
ria da cidade de Araruama; demonstrando, assim, que o fator es-
colaridade tem influência direta na seleção das normas gramati-
cais.
No corpus pesquisado, foram selecionados três verbos (a-
lugar, vender e cortar), que se encontram na mesma situação
comunicativa, pois estão registrados no gênero anúncios/ tabule-
tas. Para não tornar enfadonha a leitura, será selecionado um e-
xemplo de cada verbo para promover a análise. Todas as ocorrên-
cias estão disponibilizadas no anexo.
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O registro das tabuletas foi realizado ao longo do mês de
abril/2007. Sabe-se que esse corpus poderia ser mais extenso,
portanto fica aqui a proposta de ampliação desta pesquisa, e que a
mesma sirva de base para investigações futuras.
I) ALUGAR
a) Aluga-se 2 casas 2 quarto
a’) 2 casas 2 quarto são alugados
II) VENDER
b) Vende-se roupas
b’) Roupas são vendidas
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pelo uso do verbo ser, que indica algo inerente ao sujeito, dire-
cionando o foco da informação para o sujeito roupas, não mais
para a ação verbal.
III) CORTAR
c) Corta-se gramas
c’) Gramas são cortadas
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logicamente omitindo a partícula “se”, por ser esta um indicativo
de sujeito exteriorizado e, no caso, encontra-se na própria placa:
f) Soguima aluga
g) Geraldo Imóveis vende
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Encontraram-se 32 ocorrências de partícula “se” nos anún-
cios investigados, das quais 10,4% foram de não-concordância
entre o complemento no plural e verbo no singular. As demais
realizaram as devidas concordâncias: 36,4% de complemento no
singular e verbo também no singular e 53,2% de complemento no
plural e verbo também no plural.
Os números indicam que a sociedade valia-se da norma
culta na maior parte das ocorrências. Explica-se esse comporta-
mento devido ao conservadorismo da época. O ensino da língua
portuguesa estava atrelado às aulas de gramática, à metodologia
da memorização das regras gramaticais. No livro de Delso Re-
nault (1984), é explicitado o modelo tradicional de ensino:
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matica Franceza e Ingleza; e a cozer, marcar, bordar de todas
as qualidades, dança e musica.” GRJ 2 – 16/8/1817 (p. 62).
Lugar é oferecido
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c) “em uma casa aonde se vende carne.” JC – 24/1/1829 (p.
123).
Carne é vendida
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e nelle se ensinaraão segundo os methodos os mais expeditos,
tudo o que pode ornar o espírito humano.” JC – 11/02/1835 (p.
176).
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i) “elephante, este raro e monstruoso objecto da historia natu-
ral”, que “acha-se na rua dos Ciganos n. 67, tendo crescido
dous palmos e meio e com mais ensino do que tinha.” JC –
1/12/1840 (p. 206).
Elefante é achado
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De todas essas sentenças, em quatro delas (e, i, l, m) verifi-
ca-se a anteposição do sintagma nominal, uma tendência da lín-
gua à personificação de seres inanimados. No latim clássico, já
havia esse processo de metaforização, permitido na voz medial
dinâmica. É um recurso de expressão utilizado na linguagem de
propaganda e de anúncios, em que a posição tópica assumida pelo
sintagma aponta para uma interpretação medial, ou seja, este é o
ponto de partida e de chegada do evento, não revelando os verda-
deiros responsáveis pela venda, apresentando o sintagma antepos-
to como o único responsável pela qualidade do produto anuncia-
do.
Em relação ao clítico “se”, nessas estruturas apresentadas
no corpus (verbo transitivo direto + se + sintagma nominal), ser
considerado pela gramática normativa como apassivador e cor-
responder à sua versão analítica, verifica-se que isso não se com-
prova devido ao gênero anúncio. Em todas as ocorrências, rees-
truturar as frases para a versão analítica comprova que há altera-
ção semântica, portanto o “se” não pode ser enquadrado como
apassivador; trata-se de um sinal de indeterminação do sujeito.
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(...) até a distancia da praia de Botafogo ou São Christovão.”
GRJ – 31/5/1809 (p. 34).
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preparado no Largo de São Francisco de Paula. GRJ –
1/4/1812 (p. 46).
f) Nesta escola que fica “hindo para a Lapa lado direito ensi-
nam-se as primeiras letras, latime francês tudo muito com-
modado.”DRJ – 12/11/1821 (p. 77).
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Meninas são admitidas.
j) “R. Campbell adverte, que a sua salla nº 100 rua Direita, está
agora aberta, aonde se achão todas as Gazetas principais da
Inglaterra, França e Alemanha.” DF – 5/4/1826 (p. 103).
24
k) “Alguns escravos cegos, que se dão gratuitos”, na rua dos
Pescadores. DRJ – 2/3/1827 (p. 111).
25
p) “quanto aos castigos aplicão-se segundo o moderno systema
penitenciário, em uso nas Escolas dos Estados Unidos da Amé-
rica.” Diário Oficial – 18/7/1834 (p. 172)
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III) Verbos no singular e complemento no plural
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ança-se boa saúde e conducta; na rua de S. Bento n.85.(Fac-
similes – p. 204).
Conclusão
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não-concordância, caracterizando o sentido da impessoalidade.
Resta saber se a aplicação impessoal é abrangente ou está restrita
a um gênero textual específico. Não parece ser diferente discuti-
ram-se os acordos de acordos foram discutidos. Em ambos os
casos, o agente pode ser recuperado contextualmente e as orações
são semanticamente iguais. Se não há discordância quanto a a-
cordos ser o sujeito (paciente) desta, nada impede de ser também
sujeito (paciente) daquela e, como sujeito, o verbo concordar com
o mesmo.
Ao que parece, a dissonância está em orações específicas
do gênero anúncio/ tabuletas, como em casa é alugada / aluga-se
casa. Nesses casos, é o contexto discursivo o responsável pela
não-correspondência entre as passivas analítica e sintética, uma
vez serem muito diferentes as duas orações quando inscritas em
uma tabuleta. A primeira revela que o local é alugado, oposto de
casa própria; a segunda indica que há algo à venda. Essa inter-
pretação realiza-se à luz da pragmática, percebe-se no clítico “se”
uma função dêitica ao remeter a um sujeito fora da cena enuncia-
tiva.
Acredita-se, ainda, que a diferença semântica entre as ora-
ções passivas analíticas e pseudo-passivas sintéticas também está
relacionada à questão do tempo verbal, haja vista em anúncios /
tabuletas só serem usados verbos no presente do indicativo, e ao
se realizar a mudança para passiva analítica, surgem as formas
permansivas é / são, indicando características próprias de deter-
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minado objeto, pessoa ou lugar, direcionando a interpretação não
para a suposição de um agente, mas sim para o próprio sujeito,
ainda que paciente. Já na pseudo-passiva sintética, é no clítico
“se” que está lexicalizada a indeterminação.
Vários lingüistas afirmam que o uso indeterminador do clí-
tico “se” em português relaciona-se ao pronome indefinido “on”
da língua francesa, que também tem a função indeterminadora;
porém se esquecem que em francês há o uso da partícula “se”
como forma sintética tal qual o português. O auge da influência
francesa no Brasil foi no século XIX, portanto, para comprovar a
teoria desses lingüistas, dever-se-iam encontrar inúmeros exem-
plos de “se” indeterminador no corpus retirado do Rio antigo nos
anúncios de jornais; no entanto, isso não acontece, o que se en-
contram são apenas algumas ocorrências. Esse levantamento de
costumes e hábitos do início do século XIX corrobora para uma
análise pragmática da sociedade da época, demonstrando, assim, a
teoria funcionalista – as estruturas lingüísticas em uso corrente.
Muitos gramáticos, para ratificar o “se” como indetermina-
dor em estruturas transitivas diretas, utilizam exemplos chavões
inseridos no gênero anúncio/tabuletas. Isso só vem reforçar a tese
de que há uma restrição quanto ao gênero textual na classificação
do “se” com função indeterminadora; não pode ser expandida a
toda e qualquer construção com verbo transitivo associado ao
pronome “se”.
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Conclui-se que só não há correspondência na estrutura se-
mântico-sintática das orações em forma passiva analítica e passi-
va sintética quando essas pertencerem ao gênero tabuletas. Essa
análise é garantida pelo contexto discursivo no qual as tabuletas
estão inseridas. Debita-se na conta da pragmática a constatação do
“se” indeterminador em construções como vende-se casa; reco-
nhecendo, assim, sua função dêitica. Esse tipo de frase está restri-
to às tabuletas, que são afixadas em locais a serem comercializa-
dos, fazendo com que as pessoas percebam o local em que está
afixada como o objeto de venda, e que há alguém por trás daquela
ação, um sujeito indeterminado qualquer, cuja intenção
comunicativa é apresentar à comunidade o objeto a ser vendido.
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Referências bibliográficas:
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