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Resumo Institutas – Livro Três – Cap I e II (até ponto 6) – Mateus

Freire
Capítulo 1 - As coisas que dissemos acerca de Cristo são-nos úteis pela
ação misteriosa do Espírito.
Devemos ver agora de que maneira chegam até nós os bens que o Pai conferiu a seu
Filho Unigénito, não para seu uso, mas para que, com eles, socorresse os pobres e
necessitados. Mas antes devemos ter em conta que, enquanto Cristo estiver fora de nós e
nós dele separados, tudo quanto padeceu e fez pela salvação do gênero humano nos é
inútil e não faz nenhuma diferença. Logo, para que nos comunique os bens que recebeu
do Pai, é preciso que Ele se faça nosso e que habite em nós. Por essa razão, é chamado
“nossa cabeça” (Ef 4, 15) e “primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8, 29); de nós, por
nossa vez, diz-se que somos “enxertados nele” (Rm 11, 1 7) e “revestidos dele” (GI 3,
27); porque, como já disse, nada de tudo o que Ele possui é para nós até que nos
tornemos unos com Ele. Resumindo: o Espírito Santo é o vínculo com que Cristo nos
ata a Ele firmemente. A isso se refere aquilo que ensinamos sobre sua unção no livro
anterior.
Entretanto, para que o tema, singularmente importante, esclareça-se com mais certeza
pelo conhecimento, deve-se considerar que Cristo veio provido do Espírito Santo de um
modo peculiar, isto é, para afastar-nos do mundo e abrigar-nos na esperança da herança
eterna. Por isso é chamado “espírito de santificação”, porque não somente nos nutre e
aquece com seu poder, que resplandece tanto no gênero humano como nos demais
animais, mas é em nós raiz e semente da vida celestial. Mais adiante, porque Deus Pai,
por causa de seu Filho, nos concede o Espírito, e mesmo depositou nele toda a
plenitude, para que fosse ministro e dispensador de sua liberalidade, ora é chamado
Espírito do Pai, ora Espírito do Filho.
E deve-se saber também que se chama Espírito de Cristo não somente enquanto é Verbo
eterno de Deus unido com o Pai pelo Espírito, mas também segundo sua Pessoa de
Mediador; porque, se não estivesse revestido dessa virtude, teria vindo até nós em vão.
Far-se-á necessário notar com que títulos a Escritura designa o Espírito, quando se trata
do princípio e da total instauração da nossa salvação. Primeiro, é chamado “espírito de
adoção”, porque é testemunha da benevolência gratuita de Deus, com a qual Deus Pai
nos admitiu em seu unigénito dileto, para que fosse nosso caminho para o Pai. Pela
mesma razão, é chamado “marca” e “selo de nossa herança” (2Co 1,22), porque Ele de
tal maneira vivifica do céu aos que peregrinam neste mundo e são semelhantes aos
mortos, que estamos certos de que nossa salvação está em segurança sob a fiel custódia
de Deus. Daí também que se diz ser “vida”, por causa de sua justiça (Rm 8, 10). E
porque nos fecunda com sua aspersão para fazer brotar sementes de justiça; é às vezes
chamado “água”, como em Isaías: “Todos os que tendes sede: vinde às águas” (Is 55, 1).
E de novo: “Derramarei águas sobre a seca, e rios sobre a erra árida” (Is 44, 3). A isso
corresponde a sentença de Cristo que citei pouco antes: “Se alguém tem sede, venha a
mim” (Jo 7, 37). No entanto, às vezes é denominado assim por sua energia para
purificar e limpar; Finalmente, é-nos descrito como se fosse “fonte” (Jo 4, 14), de onde
emanam em nossa direção todas as riquezas celestiais; ou então como “mão de Deus”,
com a qual Ele exerce seu poder. Pela graça e pelo poder do mesmo Espírito, somos
feitos membros seus, para que nos contenha debaixo de si, e para que o possuamos
reciprocamente.
No entanto, como é a mais importante de suas obras, à fé se refere a maior parte de tudo
quanto ocorre a cada passo na Escritura para descrever seu poder e operação: porque
somente pela fé nos guia à luz do Evangelho, como ensina João ao dizer que foi dada
aos que creem em Cristo a prerrogativa de serem filhos de Deus, os quais não nasceram
da carne e do sangue, mas de Deus (Jo 1, 13); Da mesma forma, quando diz que os
tessalonicenses foram escolhidos por Deus “mediante a santificação do Espírito e a fé
da verdade” (2Ts 2, 13) e, esse contexto, adverte-nos de que a própria fé não advém
senão do Espírito. Com razão, podes chamar-lhe a chave com que nos são abertos os
tesouros do reino dos céus e sua iluminação, os olhos para ver de nosso entendimento.
Logo, como já dissemos, se na pessoa de Cristo se encontra a salvação perfeita, do
mesmo modo, para que nos façamos partícipes dele, nos batiza “no Espírito Santo e no
fogo” (Lc 3, 16), iluminando-nos na fé de seu Evangelho e regenerando-nos de tal
maneira que sejamos novas criaturas até que, uma vez limpos das imundícias profanas,
consagra-nos a Deus, como templos santos.

Capítulo 2 - Sobre a fé: onde se estabelece sua definição e se explica o


que tem de próprio.
Todas essas coisas serão fáceis de entender quando for estabelecida uma definição mais
clara e fé, para que o leitor apreenda a força e a natureza dela. Antes, porém, convém
repetir de memória coisas já ensinadas: que Deus, quando nos prescreve por meio de
sua Lei o que deve ser feito, ameaça-nos, se falharmos em alguma parte, com aplicar-
nos aquela terrível sentença de morte eterna. Por outro lado, cumprir a Lei como Ele
exige não somente é árduo como está absolutamente além de nossas forças e fora de
nossas faculdades. Em terceiro lugar, já foi explicado que há somente um caminho de
libertação que nos resgata de tão infeliz calamidade: a aparição de Cristo Redentor, por
cuja mão o Pai celestial, apiedado de nós conforme sua imensa bondade e clemência,
quis nos socorrer, desde que abracemos essa sua misericórdia com fé sólida, e nela
descansemos com esperança constante. Mas agora convém examinar atentamente qual
deve ser a fé por meio da qual todos os que foram adotados como filhos por Deus
entram na posse do reino dos céus, uma vez que, em assunto de tão grande importância,
não basta uma opinião qualquer ou ainda uma igual convicção. Além disso, a verdadeira
propriedade da fé deve ser investigada por nós — e com o maior cuidado e empenho,
quanto mais que, nesse assunto, é hoje ainda mais perniciosa a alucinação de muitos. Os
quais consideram a Deus simplesmente um objeto da fé. Agostinho, que, discorrendo
sobre a finalidade da fé, trata desse tema com elegância, afirma que nos é necessário
saber aonde e por onde se deve ir; e conclui, em seguida, que o caminho mais seguro
contra todos os erros é aquele que é Deus e é homem. Porque Deus é aquele para onde
vamos, e o homem, aquele por onde vamos. E somente em Cristo se encontra um e
outro (Cidade de Deus, livro 11, c.2).
Logo, esse mal, como inúmeros outros, deve ser imputado aos escolásticos, que como
que envolveram a Cristo com um véu fechado, e, em vista disso, a menos que nos
esforcemos por andar em linha reta, tocar-nos-á sempre vagar por labirintos. fabricaram
a ficção da fé “implícita”; nome com o qual, adornando a mais crassa ignorância,
iludem a pobre gente simples para sua grande ruína. Será que crer é isto, não entender
nada, contanto que obedientemente submetas teu intelecto à Igreja? A fé está situada
não na ignorância, mas no conhecimento, e, de fato, depende não só de Deus, mas
também da vontade divina.
Evidentemente não nego que, sendo cercados de ignorância, muitas coisas são
implícitas para nós no presente, e assim vão continuar até que, abandonado o corpo de
carne, tenhamos acesso ã presença de Deus. Em tais coisas, nada convém mais que
suspender nosso julgamento e fortalecer o espírito para que a unidade da Igreja seja
mantida. Entretanto, atribuir, sob tal pretexto, o nome de fé à ignorância misturada com
certa humildade é o maior dos absurdos. Pois a fé repousa no conhecimento de Deus e
de Cristo (Jo 17, 3), não na reverência à Igreja.
Nós concedemos que a fé, enquanto peregrinamos por este mundo. seja implícita; não
só porque até agora muitas coisas estão ocultas, mas porque, rodeados pelas trevas de
numerosos erros, não compreendemos tudo. E a própria experiência nos ensina que,
enquanto não estivermos despojados da carne, saberemos menos do que desejaríamos.
A cada dia, encontramos, lendo a Escritura, muitos passos obscuros, que nos convencem
de nossa ignorância. Com um tal freio, Deus nos mantém na modéstia, distribuindo a
cada um uma porção de fé, a fim de que até mesmo o melhor e mais douto esteja sempre
pronto a aprender. É possível perceber notáveis exemplos dessa fé implícita nos
discípulos de Cristo, antes de alcançarem a iluminação plena. Logo, havia neles
verdadeira fé, ainda que implícita, já que, com reverência, haviam abraçado a Cristo
como único Mestre. Então, educados por Ele, elegeram-no autor de sua salvação.
É lícito chamar fé implícita também àquela que, no entanto, não é senão uma preparação
para a fé. Os evangelistas contam que muitos foram os que creram levados unicamente
pela admiração aos milagres, mas não avançaram além da crença de que Cristo era o
Messias prometido, a despeito de, na verdade, terem sido iniciados na suave doutrina do
Evangelho. Fica patente que são chamados fiéis também aqueles que ainda não foram
instruídos nos primeiros rudimentos da fé, contanto que se sintam inclinados à
obediência, não em sentido próprio, mas na medida em que Deus, por indulgência, acha
por bem conceder tão grande honra àquele piedoso afeto. Mas essa docilidade, aliada ao
desejo de aprender, está longe de ser a crassa ignorância em que se entorpecem os que
se dão por satisfeitos com uma fé implícita (como a imaginam os papistas). Porque se
Paulo condena com severidade aqueles que, embora aprendendo sempre, não chegam à
ciência da verdade (2Tm 3, 7), censura ainda mais pesada merecem aqueles que, de caso
pensado, aspiram a nada saber!
O verdadeiro conhecimento de Cristo então se dá se o recebemos tal como o Pai no-lo
oferece: revestido de seu Evangelho. Porque assim como Cristo nos foi destinado com o
objetivo de nossa fé, assim também jamais chegaremos a Ele senão guiados pelo
Evangelho. No entanto, não restrinjo a fé ao Evangelho a tal ponto de não admitir que o
que foi transmitido por Moisés e pelos profetas fosse suficiente por então para edificá-
la. Mas, porque apareceu no Evangelho uma manifestação muito mais plena de Cristo,
esta ê com toda razão chamada por Paulo de “doutrina de fé”.
Não discutiremos aqui se é necessário o ministério do homem para semear a Palavra de
que se origina a fé; trataremos disso em outra parte. Mas dizemos que a própria Palavra,
como quer que se nos apresente, é como um espelho no qual a fé contempla Deus.
Portanto, quer Deus se sirva nisso da ajuda do homem, quer atue sozinho em virtude de
sua potência, sempre é verdade que se apresenta por meio de sua Palavra àqueles que
quer atrair a si.

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