Você está na página 1de 7

Caxias na Guerra

do Paraguai
Os críticos
anos de 1866 e 1867

Francisco Doratioto
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

presença de Caxias no comando das Forças as tropas aliadas movimentaram-se com o objetivo

A Brasileiras na Guerra do Paraguai normal-


mente é associada aos movimentos estraté-
gicos e aos grandes combates de dezembro
de 1868. Essas ações, porém, foram viabilizadas gra-
ças à sua atuação como organizador e disciplinador
de fazer o cerco da Fortaleza de Humaitá, posição
mais forte do sistema defensivo paraguaio. A guer-
ra de posições, de trincheiras, era uma realidade nova,
pois até então os conflitos no Rio da Prata tinham
sido de curta duração, com uso predominante de
da tropa nos críticos anos de 1866 e de 1867. cavalaria e artilharia em batalhas campais decisivas.
A guerra foi iniciada pelos ataques paraguaios O sistema defensivo paraguaio estava localiza-
ao Brasil, em Mato Grosso, e à Argentina, em Cor- do no espaço de 60Km de comprimento por uns 20
rientes, em dezembro de 1864 e abril de 1865, res- de largura, entre a confluência dos rios Paraná e
pectivamente. Ao Império do Brasil e à Argentina Paraguai ao sul, até o Tebicuarí ao norte. A primei-
somou-se o Uruguai, constituindo-se, em 1o de maio ra posição paraguaia era Itapiru; mais ao norte, na
de 1865, a Tríplice Aliança, cujo objetivo era não só margem esquerda do Rio Paraguai, encontravam-se,
o de rechaçar as invasões, mas, ainda, o de depor sucessivamente, as fortificações de Curuzu, Curu-
Francisco Solano López da chefia do Estado pa- paiti e Humaitá, que dominavam o rio com a arti-
raguaio, expulsando-o de seu país. De invasor o país lharia e eram de difícil acesso por terra, pois esta-
guarani passou a invadido quando, em 16 de abril vam cercadas de vegetação cerrada. Essa seqüência
de 1866, os aliados desembarcaram em seu territó- de posições fortificadas, em que Humaitá era o
rio, no Passo da Pátria. A guerra foi basicamente de epicentro, protegia Assunção contra uma ação da
posições entre essa data e meados de 1867, quando Esquadra Brasileira – a Argentina não tinha Mari-

14 ANO III / Nº 5
nha de Guerra –, enquanto, por terra, a maior defe- General Mitre – Polidoro sim –, cujo plano de isolar
sa da capital paraguaia era a natureza. O território Humaitá por terra e pelo rio implicava em que a
entre a cidade e o Passo da Pátria era coberto por Esquadra navegasse rio acima, sob o fogo dos ca-
densa vegetação, cortado por verdadeiro labirinto nhões da fortaleza. Suspeitavam de que o verdadei-
de riachos, charcos, pântanos e lagoas, infestado de ro objetivo do comandante-em-chefe, com esse pla-
cobras, aranhas e insetos. Dificultava, ainda mais, no, fosse o de destruir parte da Marinha Imperial
as operações militares o fato de que, devido às déca- para, terminada a guerra, o Brasil ficar sem condi-
das de isolamento do Paraguai do exterior, desco- ções de reagir militarmente a um expansionismo
nhecia-se o interior do país; os comandantes alia- argentino no Rio da Prata. Pode, hoje, o historia-
dos sequer tinham mapas do teatro de operações. A dor afirmar que essas suspeitas eram improceden-
guerra, escreveu mais tarde o Duque de Caxias, foi tes, mas, à época, elas refletiam décadas de rivalida-
travada “às apalpadelas”. de entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires pelo predo-
Nesse terreno inóspito e desconhecido, a guer- mínio no Prata.
ra de posições foi travada durante quase dois anos. O resultado mais impressionante dessas dis-
A ausência de recursos locais obrigava que o abaste- putas e desconfianças foi a derrota aliada no ataque
cimento de gêneros alimentícios viesse de Corrien- a Curupaiti em 22 de setembro de 1866. Os atacan-
tes. Na região do Passo da Pátria não havia pasta- tes eram vinte mil, com os efetivos brasileiros e ar-
gens formadas para a cavalaria e o gado utilizado gentinos praticamente eqüivalentes, e morreram
como tração e alimentação da tropa aliada, mas quatro mil soldados imperiais e outros tantos alia-
sim uma rala vegetação. Como resultado, era gran- dos. Os paraguaios perderam apenas 54 soldados.
de a mortandade dos animais, pois a forragem Essa derrota teve grandes repercussões. A idéia
trazida da Argentina, de Corrientes, era insuficiente de paz com Solano López, embora Mitre a rejeitas-
para alimentá-los. se, robusteceu-se na Argentina e, no Brasil, aumen-
Às dificuldades do terreno e ao sistema de- tou a desconfiança quanto ao resultado do confli-
fensivo paraguaio somavam-se, como obstáculo às to e, principalmente, a dificuldade de se obter efe-
operações aliadas, as desavenças entre os três gene- tivos para irem para o Paraguai, quer como volun-
rais comandantes brasileiros e de dois deles com o tários, quer como convocados por sorteio. No pla-
comandante-em-chefe, Bartolomé Mitre, Presiden- no militar, após Curupaiti, o relacionamento en-
te licenciado da Argentina. As Forças Brasileiras eram tre Tamandaré e o comandante-em-chefe argenti-
constituídas pela Esquadra, comandada pelo Vis- no ficou ainda mais abalado, pondo em risco a
conde de Tamandaré, e dois corpos de Exército, che- própria condução da guerra.
fiados pelos generais Conde de Porto Alegre e Para pôr fim às discórdias existentes entre os
Polidoro Quintanilha Jordão; os três estavam no generais brasileiros e unificar o comando, o Decre-
mesmo nível hierárquico, resultando desse fato a to do Governo Imperial de 10 de outubro de 1866
falta de unidade de comando. Tamandaré e Porto nomeou o Marquês de Caxias para o cargo de co-
Alegre pertenciam ao Partido Liberal, no poder no mandante-em-chefe das Forças Brasileiras no Para-
Brasil, e não tinham relações harmoniosas com guai. Senador pelo Partido Conservador, filho e neto
Quintanilha Jordão, membro do Partido Conserva- de militares e políticos, Caxias teve carreira meteó-
dor. Ademais, os dois primeiros não confiavam no rica, atingindo o generalato aos trinta anos de ida-

ANO III / Nº 5 15
de, o que se explica por sua ativa atuação para pôr cas e características físicas do território em que foi
fim às rebeliões contra o poder central nas décadas travada a guerra. Mas, afinal, comandar as tropas
de 1830 e 1840 e, no Rio da Prata, nas guerras con- brasileiras, em circunstâncias tão delicadas, era uma
tra Buenos Aires entre 1825 e 1828, Oribe em 1851, missão à qual não se recusaria Caxias, cuja carrei-
e Rosas, 1852. ra estava identificada com o nascimento e a defesa
Quando do ataque paraguaio ao Rio Gran- do Império do Brasil.
de do Sul e a ocupação de Uruguaiana pelos inva- O Marquês de Caxias assumiu o posto de
sores, Caxias acompanhou Pedro II na viagem des- comandante-em-chefe das Forças Brasileiras em 19
te àquela província. Na ocasião, o marquês recu- de novembro de 1866. No mês seguinte, em 22 de
sou convite, feito pelo então Chefe de Governo, dezembro, o comando da Esquadra foi transferi-
Conselheiro Furtado, para comandar as tropas do para Joaquim José Ignacio, Visconde de
brasileiras na guerra. A recusa decorreu do fato de Inhaúma. O momento era difícil, pois o Exército
Angelo Muniz da Silva Ferraz, Barão de Uru- aliado encontrava-se desarticulado – já que falta-
guaiana, Ministro da Guerra, ser inimigo de Caxias. vam tropa pronta para o combate e recursos béli-
A escolha deste, em 1866, para tal comando só foi cos adequados – e alquebrado psicologicamente.
possível graças a postura do novo Chefe de Gover- Ademais, o marquês tinha de pôr fim às disputas
no brasileiro, Zacarias de Góes e Vasconcelos, um militares e políticas entre seus oficiais, pois à épo-
liberal “progressista”, que colocou as necessidades ca grande parte deles era partidarizada, adepta quer
da guerra acima da questão partidária. Assim, para do Partido Liberal, quer do Conservador.
viabilizar a ida de Caxias para o Paraguai, Zacarias Refletindo o sentimento predominante nos
afastou Silva Ferraz do Ministério da Guerra, subs- círculos político e militar do Brasil, Caxias chegou
tituindo-o por João Lustosa da Cunha, Marquês ao Paraguai em atitude cautelosa quanto ao aliado
de Paranaguá. argentino. Solicitou instruções sobre como deveria
Aceitar o comando das forças militares bra- comportar-se caso persistisse a “temporização” do
sileiras no Paraguai significou, para Caxias, um conflito por Mitre, o que jamais, de fato, chegara a
grande sacrifício pessoal. Afinal, aos 63 anos de ocorrer. Temia-se que este suspendesse as operações
idade, era, para os padrões da época, um ancião, em decorrência de eventual paz em separado da
que, após uma carreira de vitórias militares, atin- Argentina com o Paraguai ou, então, viesse a reti-
gira o posto máximo do generalato e, ainda, ocu- rar-se com o Exército argentino, em virtude de algu-
pava o cargo vitalício de Senador. Poderia ter per- ma revolta contra Buenos Aires, pois continuavam
manecido confortavelmente no Rio de Janeiro, pois as dificuldades internas na república aliada. A res-
nada tinha a ganhar, no plano pessoal, indo para posta do Imperador Pedro II foi a de que, nessa
a guerra. Ao contrário, ao aceitar comandar um hipótese, Caxias deveria, se possível, prosseguir as
exército que se encontrava desorganizado e desmo- operações militares somente com as Forças Brasilei-
ralizado após a derrota de Curupaiti, ele colocava ras, “para conseguirmos o que nossa honra exige,
em risco sua trajetória de vitórias militares; expu- ou a derrota de López numa batalha ou seu rendi-
nha-se às críticas dos seus adversários políticos – o mento sem condições”. Mitre, por sua vez, leal alia-
que, de fato, ocorreu – e, devido à sua idade, arris- do do Império, não tinha esses preconceitos e escre-
cava a própria saúde nas duras condições climáti- veu a seu ministro de Relações Exteriores que “Caxias

16 ANO III / Nº 5
era o meu candidato para o comando e o era no por sorteio, oito mil guardas nacionais. A medida
modo e forma em que foi nomeado”. sofreu alguma resistência por parte dos mobiliza-
Eram precárias as condições das tropas brasi- dos Com esse mesmo objetivo, no ano anterior, o
leiras em território paraguaio. A maior parte da Império libertou escravos para lutarem no Paraguai.
cavalaria estava a pé, porque os animais tinham Por decreto baixado em 6 de novembro de 1866,
morrido após comer vegetação imprópria, arranca- os “escravos da nação”, do Estado, que servissem
da dos campos alagados. Sob o comando de Caxias, no Exército em guerra ganhavam a liberdade. Tam-
começou-se a repor os animais perdidos e lhes dar bém os particulares que libertassem escravos para
alfafa e milho, a alto custo, pois dependia-se de co- esse mesmo fim eram recompensados com títulos
merciantes – os “fornecedores” – que traziam a for- de nobreza. Houve, ainda, “desapropriação” de
ragem da Argentina. Os dois corpos do Exército escravos para enviá-los à guerra, pagando-se inde-
Imperial no teatro de operações eram totalmente nizações generosas. Calcula-se que os escravos li-
diferentes um do outro, parecendo pertencer a dois bertos que seguiram para o Paraguai não tenham
países, pois tinham contabilidade, critérios de pro- ultrapassado 10% do efetivo das Forças Brasileiras
moção e de pagamentos próprios. Foi necessário no teatro de operações.
reorganizar tudo, de modo a economizar dinheiro, A derrota de Curupaiti, a longa duração da
treinar e disciplinar a tropa, tornando-a combativa. guerra e as condições climáticas e do terreno em
Nessas tarefas, afirmou Caxias no Senado, em julho que era travada comprometeram diferentes aspec-
de 1870, passaram-se 14 meses. tos do Exército Brasileiro no teatro de operações.
A Força Brasileira que Caxias encontrou esta- Caxias, em intensa atividade, reorganizou o Exér-
va desfalcada pelos combates e doenças em 1/3 do cito, recompondo-o em efetivos e armamento; trei-
efetivo que contava ao transpor o Rio Paraná, ape- nou, sob fogo inimigo, civis alistados; disciplinou
sar dos reforços de recrutas que recebera nesse pe- a tropa; comprou cavalos e animais de tração e
ríodo. Para cuidar de tantos soldados doentes, ha- melhorou as condições de higiene dos soldados,
via 11 hospitais brasileiros na região: dois no Uru- reduzindo a mortandade decorrente de doenças.
guai, dois em Buenos Aires (esses quatro foram uni- Realizou obras adicionais de defesa, transforman-
ficados por Caxias em um só, em Montevidéu), três do o acampamento de Tuiuti em verdadeira posi-
em Corrientes, um em Cerrito, um em Itapiru, ou- ção defensiva, criando sólida base da qual pode-
tro no Passo da Pátria e um em Tuiuti. Ao assumir ria, mais tarde, promover ações ofensivas. Enquanto
o comando-em-chefe, o marquês ficou impressiona- aguardava a chegada do reforço do 3o Corpo de
do com o número de militares enfermos e ordenou Exército, que estava sendo organizado pelo Gene-
que uma comissão de saúde os inspecionasse; em ral Osório, no Rio Grande do Sul, mapeou a re-
15 dias, dois mil falsos doentes, aptos para o serviço gião em volta de Tuiuti e identificou as posições
militar, foram despachados para o acampamento inimigas. Com essa finalidade, tomou a iniciativa
em Tuiuti. Em janeiro de 1867, a Força Brasileira pioneira, antes só promovida durante a Guerra
no Paraguai era de 51.107 homens. Civil norte-americana, de utilizar-se de dois balões
Para repor os soldados mortos por doenças de observação. Estes foram comprados pelo Go-
e escaramuças com o inimigo, o Governo Imperi- verno brasileiro e chegaram a Tuiuti em 31 de maio
al convocou, pelo Decreto de 13 de março de 1867, de 1867. Seu trabalho de observação ficou com-

ANO III / Nº 5 17
prometido pelos nevoeiros e, ainda, pelas inúme- em seu país; a epidemia de cólera; o fato de Caxias
ras fogueiras que os paraguaios faziam para difi- ter de receber grande número de civis e treiná-
cultar a visão de suas posições. los, bem como ter de recompor o quadro de ofi-
Caxias também se preocupou com os servi- ciais. O número destes reduziu-se, pouco a pouco,
ços médicos e as condições de vida em Tuiuti. Ele com o decorrer do conflito, quer devido às mor-
cuidou seriamente da hospitalização, disponibi- tes em combate, quer por terem ficado doentes e
lizando ambulâncias para socorrer os feridos; for- retornado ao Brasil, quer por terem arrumado
neceu à tropa vestuário apropriado ao clima pa- um jeito de darem baixa de uma guerra cujo fim
raguaio; melhorou a alimentação e as condições não se antevia.
de higiene no acampamento. Esses cuidados não Para a imobilidade aliada também contribuía
impediram, porém, o surgimento, em março de a dificuldade em se penetrar no Paraguai devido
1867, de uma epidemia de cólera, que se espalhou às características do terreno e ao seu desconheci-
por todo o Exército aliado. Os cemitérios lotaram, mento em função da inexistência de mapas con-
e a cólera matou, até fins de maio de 1867, quatro fiáveis. Nesse contexto, o comandante brasileiro
mil soldados brasileiros. O Exército Imperial so- não tinha condições de iniciar operações ofensi-
freu perdas equivalentes a uma batalha decisiva, vas. Para fazê-las, Caxias aguardou a chegada de
sem sair do lugar. reforço do 3o Corpo de Exército, o que só veio a
As mortes pela cólera e pelo fogo inimigo ocorrer em julho de 1867.
nos postos avançados, bem como a falta de pers- A opinião pública no Brasil, porém, desco-
pectiva de término do conflito, resultaram em um nhecia a dimensão dos fatores que imobilizavam o
clima pessimista entre a tropa brasileira. Contra- Exército no Paraguai. Ela mostrava-se impaciente
balançava essas adversidades a admiração que os com a demora na retomada de operações militares
soldados nutriam por Caxias. Segundo Dionísio de grande envergadura que terminassem com a
Cerqueira, nas suas Reminiscências da Campanha guerra; cobrava-se isso de Caxias na imprensa e no
do Paraguai, grande era o prestígio do marquês, Parlamento. Ele não tinha, porém, condições de
envolvido por “uma auréola de glória”. De fato, travar uma batalha decisiva contra Solano López;
diferentes momentos da guerra demonstraram que estava ciente de que, se desencadeasse uma ação
Caxias era respeitado pela tropa não só por sua ofensiva, sem os meios necessários para tanto, po-
posição hierárquica, mas também pela admiração deria levar a tropa aliada a um desastre parecido
que inspirava; seu comando dispunha de legitimi- com o de Curupaiti. Caxias manteve-se impávido
dade junto aos seus subordinados. frente às pressões vindas do Rio de Janeiro, não se
Desde Curupaiti e até meados de 1867, as metendo em aventura militar e cuidando, sim, de
duas partes em guerra permaneciam imóveis. Do criar as condições para iniciar a ofensiva.
lado paraguaio, Solano López tinha recursos para Em meados de julho de 1867, chegou a Tuiuti
o
sustentar posições defensivas, mas não para pro- o 3 Corpo de Exército, comandado pelo General
mover operações ofensivas. Do lado aliado, expli- Osório, coincidindo a chegada com o fim da epide-
cam a imobilidade naquele período a retirada pro- mia de cólera. As Forças Brasileiras tinham, então,
visória, em fevereiro de 1867, de Mitre, com nume- razoáveis condições de combate e, no dia 22 desse
rosa tropa argentina para sufocar revolta interna mês, Caxias iniciou o movimento de flanco, con-

18 ANO III / Nº 5
tornando Humaitá. O marquês escreveu a José Maria paraguaios, à vista de Humaitá. Para tanto, houve
da Silva Paranhos Júnior, três meses antes, que seria marcha de 60Km devido a obstáculos de terreno
“um louco” se atacasse de frente as posições inimi- que tiveram de ser contornados, quando, em linha
gas, onde estavam vinte mil homens “magistralmente reta, Tuiu-Cuê estava a apenas 13 quilômetros do
colocados e fortificados” e sobre as quais os bombar- acampamento aliado de Tuiuti.
deios da Esquadra tinham pouco efeito. Em 31 de julho, Caxias chegou com o gros-
Desde fevereiro de 1867, com a retirada de so da tropa a Tuiu-Cuê e, no mesmo dia, o Gene-
Mitre do Paraguai, Caxias era o comandante-em- ral Mitre retornou à frente de batalha, reassumindo
chefe interino das Forças aliadas. Nessa condição, o comando-em-chefe. Há quase um ano no Para-
ele movimentou-as, visando alcançar a retaguarda guai, Caxias ainda desconfiava, tal qual Tamandaré
inimiga e, aí, achar uma brecha que permitisse ata- no passado, da insistência do presidente argentino
car Humaitá. Nesse momento, o efetivo do Exérci- para que a Esquadra forçasse a passagem de Hu-
to Brasileiro no Paraguai era de 50.526 homens, maitá. Estava convencido de que Mitre “tem pen-
estando 35.831 prontos para o combate e, destes, samento oculto e maléfico contra o Império”, de
21.521 faziam a marcha de flanco. Havia 4.118 destruir a Esquadra durante a guerra, de modo a
soldados empregados em funções de apoio e ou- retirar do Brasil um instrumento de contenção de
tros 10.557 estavam doentes, recolhidos em hospi- eventuais desejos expansionistas argentinos no Pra-
tais; as Forças argentinas estavam reduzidas a uns ta, no pós-guerra. Pensava, erroneamente, que Mitre
seis mil soldados. O marquês, escrevendo para a desejava adiar o fim da guerra, o que seria uma “ca-
esposa, mostrava as limitações de seus comanda- lamidade” para o Brasil, enquanto para os países
dos, compostos em grande parte de recrutas aliados seria “um poderoso elemento de sua gran-
inexperientes, que chegaram ao teatro de opera- deza e prosperidade”.
ções três ou quatro meses antes. Escreveu que “as A aliança argentino-brasileira não pusera fim
dificuldades são muitas, não há cavalos, não há às desconfianças entre os homens públicos dos dois
bois, e o terreno é todo cheio de brejos, lagoas, e países. Um aliado via no outro, quando de fracas-
matos que ajudam muito a quem o defende”; e os sos ou demoras nas ações bélicas, uma política
soldados paraguaios eram experientes e estavam deliberada para promover seu enfraquecimento.
bem fortificados. Com o prolongamento da guerra, ressentimentos
Ao contrário do que Caxias planejara, a mar- e desconfianças entre o Império e a Argentina aca-
cha aliada não o levou à retaguarda do inimigo, baram aprofundando-se.
descobrindo-se que os paraguaios, entre a extrema Desde a chegada de Mitre até seu retorno de-
esquerda das trincheiras de Rojas e Humaitá, esta- finitivo para Buenos Aires, no início de 1868, ape-
vam defendidos por uma linha contínua de fortifi- sar da imobilidade dos navios brasileiros, as Forças
cações. Estas formavam um grande campo entrin- aliadas continuaram o avanço rumo ao norte, de
cheirado que, em referência à sua forma geométri- modo a isolar completamente a posição de Humaitá.
ca, veio a ser chamado de quadrilátero, tendo como A Força Brasileira avançou até Tahí que havia sido
pontos salientes Curupaiti, Sauce, Angulo e Humai- abandonada pelos paraguaios. Localizada à margem
tá. No dia 29 de julho, a vanguarda aliada ocupou a esquerda do Paraguai, sua ocupação completou o
pequena povoação de Tuiu-Cuê, abandonada pelos cerco aliado do quadrilátero, ficando Humaitá iso-

ANO III / Nº 5 19
lada por terra. Essa conquista tinha importante sig- estratégico acima dessa fortaleza, cuja falta fora an-
nificado militar e encurralava Solano López, dei- teriormente reivindicada pelo Almirante José Ignacio
xando-lhe poucas alternativas de ação. para permanecer em Porto Elisário, pouco abaixo
Em novembro e dezembro de 1867, foi feito daquela fortificação.
o reconhecimento do território inimigo até o Rio Humaitá estava, então, sitiada por terra, mas
Tebicuari, um dos principais afluentes da margem faltava a imposição da superioridade naval brasi-
esquerda do Rio Paraguai. Os navios brasileiros leira sobre o Rio Paraguai, entre essa fortaleza e
bombardeavam continuamente o pontão de sus- Assunção. O domínio desse rio pela Esquadra cria-
tentação e o túnel no barranco por onde passa- ria as condições para que o Exército aliado mar-
vam as três correntes estendidas sobre o Rio Para- chasse em direção a Assunção, utilizando essa via
guai, diante de Humaitá, afundando-as em dezem- fluvial para obter apoio logístico. Em fevereiro de
bro de 1867. A essa altura, as Forças Brasileiras no 1868, uma divisão naval ultrapassou a fortaleza,
Paraguai somavam 41.013 militares, outros 4.778 isolando-a e obrigando seus defensores a evacuá-
estavam em Corrientes; o Exército argentino dis- la, ali permanecendo pequena guarnição que tam-
punha de uns seis mil homens e o uruguaio conta- bém retirou-se em julho de 1868.
va com não mais de seiscentos. Eram números A destruição do quadrilátero defensivo pa-
muito superiores às dos paraguaios, que a essa al- raguaio significava o início da fase da ofensiva dos
tura contavam com cerca de 24 mil homens, os aliados e o fim da hipótese, já antes remota, da vitó-
quais, porém, encontravam-se em vantajosas posi- ria de Solano López na guerra. Nos críticos anos de
ções defensivas. Na verdade, as Forças aliadas ain- 1866 e de 1867, Caxias mostrou-se eficiente em re-
da eram em número insuficiente para um ataque organizar o Exército no Paraguai, despolitizando-o
frontal, não restando outra alternativa, por terra, e proporcionando-lhe recursos humanos, materiais
que não a de manter o cerco do quadrilátero de- e estratégia para derrotar o inimigo. O prestígio
fensivo inimigo. pessoal do marquês permitiu-lhe resistir às pressões
Em dezembro de 1868, morreu o Vice-Presi- vindas do Brasil, de setores políticos e da imprensa,
dente argentino, Marcos Paz, e Bartolomé Mitre para retomar a ofensiva antes que o Exército estives-
retornou a Buenos Aires para reassumir a presidên- se preparado para tanto. A admiração que a tropa
cia. O comando-em-chefe aliado foi transferido para tinha por Caxias deu a seu comando a legitimida-
o Marquês de Caxias. Pouco antes, chegou ao Pa- de, que transcendia a obediência hierárquica, para
raguai o reforço adequado à Esquadra Brasileira: os reverter o clima pessimista que encontrou ao assu-
monitores Pará, Alagoas e Rio Grande do Norte. mir o comando-em-chefe, obtendo dos soldados
Eram navios construídos para a ação fluvial, ade- resistência às circunstâncias adversas, de modo a
quados para a ultrapassagem de Humaitá, constitu- restituir-lhes a capacidade de combate.
indo-se em alvos difíceis para os canhões da fortale-
za, visto que seu casco, de pequeno calado, emergia Francisco Doratioto – Professor no curso de Relações Internacionais da
apenas um pé da linha d’água. Estavam praticamente Universidade Católica de Brasília e no Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio
dadas as condições para a Esquadra Imperial passar Branco, do Ministério das Relações Exteriores. É autor do livro Maldita Guerra;
Nova História da Guerra do Paraguai (Companhia das Letras), a partir do qual
por Humaitá: os monitores chegaram e, desde a este artigo foi parcialmente elaborado.
tomada de Tahí, os navios brasileiros tinham apoio

20 ANO III / Nº 5

Você também pode gostar